v. 14 n. 2 (2023): Revista Comsertões
Vou aprender a ler
Pra ensinar meus camaradas
Vou aprender a ler
Para ensinar meus camaradas (Roberto Mendes)
Com o trecho da música cantada por Maria Bethânia, em seu clássico Brasileirinho, apresentamos a décima quarta edição da Revista Comsertões. O presente conjunto de textos é marcado pela pluralidade temática, e por uma conexão insidiosa com a historicidade do interdito, do interdiscurso, do estar entre fronteiras e encarnar a exceção, a insurgência, o imprevisto. Ao mesmo tempo, formas singulares de ensino se apresentam nessas páginas: a começar pela potente entrevista realizada por Rosane Santana, jornalista e professora Doutora em Comunicação, no curso de Jornalismo em Multimeios. Nesse diálogo rico de ensino-aprendizagem, a grande Ialorixá Mãe Stela nos ensina o poder da resiliência histórica de um povo outrora (e ainda) perseguido, que preservou sua dignidade com a força ancestral de suas matrizes. Nessa entrevista, Mãe Stela nos conta sobre como combateu, em vida, o sincretismo religioso, salvaguardando as especificidades de sua tradição. De fato, há muito o que se aprender nessa entrevista, aprender para ensinar.
O segundo texto, escrito por Jessyca Santos e Breno Benjamin, sob a orientação deste editor, apresenta as condições de insurgência de um grupo invisibilizado, às margens do Titicaca. Trata-se dos Aymaras, esse povo transfronteiriço da América Latina, que resiste, como outros tantos povos originários, à violência colonial: “Ligados ao Lago Titicaca, estima-se que os Aymaras tenham se estabelecido às suas margens por volta de 1200 d.C., entre os territórios que hoje conhecemos como Bolívia e Peru. Por se localizar em uma região de clima árido, o lago Titicaca sempre atraiu a atenção de povos que buscavam garantir suas subsistências nesses territórios.” Assim escrevem os autores. Muito a ensinar sobre resistência e territorialidade.
O artigo escrito por Renan Silva, Tatiane Vasconcelos, Elenson Medeiros, Pedro Marcelino e Vinícius Benicio trata da situação ambivalente do professor homem na Educação Infantil, apresentando um resgate histórico e confrontando com a realidade atual, relacionada a estereótipos e dificuldades de inserção em um campo habitualmente ocupado por mulheres. O texto nos ensina sobre as diversas formas e concepções de subjetividade, com uma abordagem filosófica bastante atual.
Já o artigo redigido por Rosilene Dias Nascimento aborda “algumas das práticas das elites políticas na primeira metade do século XX e, particularmente, a participação de José Américo no contexto da época”. Assim ela nos ensina sobre o político e escritor José Américo de Almeida, autor de A bagaceira, precursor do Romance de 30 e um dos mais importantes personagens da história política brasileira de 1930 a 1950. Aprendemos sobre a constituição do pensamento elitista e as marcas da contradição e da ambivalência deste escritor, filho das oligarquias, liberal e reformista, participante de um dos momentos mais intensos da história política do Brasil.
Uma pluralidade de vozes ecoa nessas páginas. Não são vozes consensuais: guardam em si contradições internas e potenciais conflitualidades, oriundas de lugares distintos nas hierarquizações que conformam nossa história social. Entretanto, tais vozes ofertam uma chance: aprendermos coletivamente a reconhecer as contradições da formação de nossos povos, suas lutas, suas barreiras, suas provisórias e precárias, improváveis talvez, reconciliações. A edição traz também um infográfico, produto da pesquisa de Lorena Moraes, Bárbara da Silva e Michele de Lima, sobre “violência contra mulheres do campo, das águas e das florestas”, desvelando dados que precisam ser analisados como elementos de ensino de políticas públicas necessárias e urgentes.
Por fim, nada mais oportuno do que finalizarmos essa edição com a instigante resenha sobre o “O tempo na educação contemporânea” de Gerbson Sousa. Assim ele escreve: “ Desse modo, o professor parece trabalhar sempre de olho no relógio da fábrica, enquanto a esteira-rolante passa com o aluno sobre ela, e neste cabe o docente imprimir-lhe rapidamente testes avaliativos e controle da “qualidade” de ensino-aprendizagem. Daí cabe o questionamento: “de quem é o tempo, [...] quem o estabelece e controla? (Carbonell, 2016. p. 150)”. Não sabemos a resposta de um leitor-modelo a que se destina esse texto. Mas sentimos que o tempo de hoje tem nos desafiado a acelerar as mudanças necessárias para o porvir. O que a leitora ou o leitor pensa a respeito?
Nossos mais profundos agradecimentos aos autores e autoras que passaram pelo tempo da espera de nosso fluxo, cumprindo os prazos e apresentando suas revisões. Agradecemos aos pareceristas todos, sobretudo às professoras Miriam Ferreira de Brito e a Edilane Ferreira da Silva. Agradecemos ao professor Fábio Ronaldo da Silva, o mais novo integrante da Equipe Editorial da Revista Comsertões. A Rafaela da Silva Lima e a Jaqueline Aquino Rodrigues, na assistência primorosa e cuidadosa, paciente e responsável, da Revista.
Que possamos aprender a ler, no sentido mais plural e multidimensional que esses tempos exigem, para ensinar nossos camaradas, como diria Roberto Mendes, na voz atemporal de Bethânia.
Um bom aprendizado a todas e todos!
18 de dezembro de 2023
João José de Santana Borges