INVESTIGAÇÃO DA VIOLÊNCIA CONJUGAL POR PROFISSIONAIS DA ATENÇÃO HOSPITALAR

Autori

  • Rafaela Freitas UNEB
  • Everton Santos UNEB
  • Larissa Souza
  • Milca Carvalho

Parole chiave:

Profissionais de saúde;, Violência contra a mulher;, Assistência Hospitalar

Abstract

Introdução: A violência é mundialmente reconhecida como um problema de saúde pública que resulta em lesão, morte, dano psicológico, deficiência de desenvolvimento e privação [1]. Quando cometida contra as mulheres, em geral, ocorre em âmbito doméstico, principalmente a partir do parceiro íntimo. O Anuário Brasileiro de Segurança Pública registrou nos anos de 2020 e 2021 um quantitativo de 2.695 casos de feminicídio, ou seja, mulheres que foram mortas pela condição de ser mulher [2]. Ademais, até a primeira semana de julho de 2022 o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos recebeu mais de 31 mil denúncias e cerca de 169 mil violações envolvendo a violência doméstica contra as mulheres [3]. Outros países em desenvolvimento e desenvolvidos, a exemplo da Austrália, El Salvador, Honduras, Guatemala e Nicarágua, também assinalam elevados índices de violência conjugal, demonstrando a elevada magnitude do fenômeno e a inserção a nível mundial [4,5]. A vivência de violência pelo parceiro íntimo afeta sobremaneira a saúde e o modo de viver das mulheres. Quando não tira a vida destas, repercussão máxima, deixa marcas causadas pela agressão física, psicológica, sexual, patrimonial e moral. Neste ínterim, adiciona-se os sinais e sintomas mentais e físicos, como fraturas, hematomas, baixa autoestima, isolamento, medo, ansiedade, pensamento e comportamento suicida, depressão, transtorno de estresse pós-traumático e dores e doenças crônicas, entre as quais diabetes, hipertensão e asma [6,7,8]. Para além das lesões diretas ocasionadas pela violência, ao experienciar o cotidiano de violência conjugal, muitas mulheres somatizam o evento, representação física do desequilíbrio psíquico e biológico que resulta em adoecimento físico e mental [9]. Frente ao adoecimento oriundo da violência conjugal, surge a necessidade do cuidado em saúde, contexto que fez com que estudo realizado com mulheres no município de São Paulo, Brasil, identificasse que 38,7% destas, após episódios de violência, necessitaram de cuidados em saúde, parte em unidade hospitalares, inclusive, 4,4% com necessidade de hospitalização [10]. Frente à elevada magnitude da violência conjugal e as suas implicações na saúde, se faz necessário engajamento de diferentes setores da sociedade com vista a garantir o restabelecimento da saúde [11]. Neste ínterim, diante da morbidade, os serviços de saúde têm ação fundamental na resposta ao agravo, inclusive, na maioria das vezes, representa o primeiro espaço de apoio buscado pelas mulheres [12]. No que tange ao espaço hospitalar, as práticas das equipes diante o contexto de violência conjugal são desafiadoras, pois na maioria das vezes a mulher não se sente confortável para relatar as suas vivências e o tempo de cuidado é desfavorável para a criação de vínculo paciente-profissional e ainda constituem um dilema para a construção da atenção integral. Diante do exposto, considerando a violência um agravo de saúde e a atenção hospitalar um espaço amplamente buscado pelas mulheres em situação de violência conjugal, questiona-se: Como os profissionais do serviço hospitalar investigam a violência conjugal? Objetivo: Conhecer as práticas desenvolvidas na atenção hospitalar para investigação da violência pelo parceiro íntimo. Metodologia: Pesquisa qualitativa, descritiva, recorte do projeto “Atuação da rede de atenção secundária em saúde à mulher em situação de violência conjugal: relato de profissionais do atendimento hospitalar”. A pesquisa foi desenvolvida em uma unidade hospitalar de um município do interior do estado da Bahia, Brasil, com 122 leitos, uma média de 200 atendimentos diários e que oferece assistência ambulatorial e de urgência em ortopedia, obstetrícia, cirurgia geral e clínica médica adulta e pediátrica [13]. Os participantes da pesquisa foram 14 profissionais que atuavam no serviço por, no mínimo, três meses e reportavam o atendimento assistencial direto a mulheres em situação de violência pelo parceiro íntimo. Excluiu-se três profissionais que, durante o período de coleta de dados, estavam afastados por licença ou férias, e/ou não se obteve êxito de contato após três visitas ao serviço. A coleta de dados ocorreu presencialmente nos meses de janeiro e fevereiro de 2020, por meio de entrevistas individuais, guiadas por um formulário semiestruturado e gravadas, com duração de, no mínimo, 30 minutos. O espaço de coleta de dados foi escolhido pelos participantes e garantiram a privacidade no compartilhamento de informações. A questão norteadora para responder ao objeto de estudo foi: “Como você investiga a violência pelo parceiro íntimo no atendimento à mulher na sua prática profissional?” Com base nas respostas iniciais, novos questionamentos emergiram, construindo um diálogo cuja finalidade representava alcançar uma resposta em profundidade. Os depoimentos foram gravados com o auxílio de um gravador de voz portátil e transcritos na íntegra. Após a transcrição, o material foi organizado a partir dos elementos cronológicos, etapa que facilitou a compreensão e compôs o corpus de análise. O material empírico foi interpretado à luz da Análise de Conteúdo Temática proposta por Bardin [14]. Salienta-se que a pesquisa foi realizada mediante aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal da Bahia por meio do parecer n. 3.200.210 (CAAE: 08573019.0.0000.5531) e atendeu em todas as etapas aos dispositivos éticos e legais constantes na Resolução nº 466/12 do Conselho Nacional de Saúde. A fim de preservar o anonimato, as entrevistadas foram identificadas pela categoria profissional, seguidas de um algarismo arábico de ordem de realização da entrevista. Os resultados foram embasados na produção do saber sobre violência pelo parceiro íntimo e as práticas de saúde diante o atendimento à mulher em vivência do fenômeno. Resultados: Os dados foram organizados com base na entrevista realizada com 14 profissionais da atenção hospitalar, a saber: 2 médicos, 4 enfermeiras, 6 técnicos de enfermagem, 1 auxiliar de enfermagem e 1 assistente social. Os colaboradores do estudo tinham de 26 a 65 anos de idade e 1 a 25 anos de atuação na unidade hospitalar, com média de 8 anos e 2 meses. Dos entrevistados, 11 informaram sexo feminino e 3 masculino. No que tange a formação, 7 tinham ensino superior completo, 7 ensino técnico completo. Desvela-se que apenas dois dos entrevistados informaram capacitação na área de violência pelo parceiro íntimo. No relato dos profissionais observou-se que a investigação do agravo ocorre durante a abordagem da mulher, ainda na etapa da anamnese. Neste momento, por meio de diálogo, perguntas objetivas e cuidado na fala para não causar desconfortos, os profissionais buscam prover um ambiente oportuno para o compartilhamento de informações de foro confidencial. Para esses, será por meio da investigação que será compreendido o contexto de violência, recidiva do agravo, além de outros dados que fundamentarão a intervenção, inclusive os encaminhamentos. Estas ideias, estão apresentadas nos trechos abaixo. Durante a abordagem a gente adota a melhor forma possível de conversar com a mulher para que ela decida falar sobre a violência. Temos o maior cuidado para que ela não se sinta ofendida e, consequentemente, se feche. (AE1) Desde o início somos objetivos nas perguntas sobre violência, perguntamos se a agressão já aconteceu outra vezes e o motivo da agressão atual. Investigamos por que é preciso, minimamente, entender o que aconteceu para passar para os outros profissionais do serviço. (TE5) É na abordagem, por meio da entrevista e de forma acolhedora que a gente identifica dados para a intervenção. Inclusive, também na entrevista ao identificarmos a presença de violência conjugal pesamos a necessidade de encaminhamento para outros serviços da rede. (AS1) Conclusão: O estudo permitiu, a partir do relato de profissionais de saúde da atenção hospitalar, desvelar a investigação da violência pelo parceiro íntimo. Ao apontarem para a ocorrência da investigação com diálogo com perguntas objetivas e cuidado na fala para não causar desconfortos, os resultados já apontam para evoluções, especialmente no que tange a incorporação da violência conjugal enquanto objeto de intervenção no setor saúde. Neste interim, apesar dos resultados apontarem para elementos essenciais no processo de investigação do agravo, observa-se ainda lacunas no que tange a não verbalização da escuta qualificada, espaço físico que promova privacidade no compartilhamento das informações e interdisciplinaridade no processo de investigação da violência, o que pode fazer com que a mulher seja questionada por vários profissionais sobre a vivência do agravo. Estas considerações reacendem a necessidade de qualificação da rede, recorrentemente apontada na literatura científica, inclusive nas realizadas a partir de 2006 e analisadas à luz da Lei 11.340/2006. Infere-se, em relação ao atendimento à mulher em situação de violência pelo parceiro íntimo, a importância da inclusão desse tema nos currículos de graduação e pós-graduação e a realização de futuras pesquisas para a formação continuada em enfermagem. Apesar do estudo limitar-se por representar isoladamente a percepção dos profissionais de uma instituição hospitalar de um município de pequeno porte, a elucidação desses resultados é essencial para compreender e qualificar o cuidado à mulher em situação de violência conjugal na rede de atenção. Inclusive, os resultados aqui apresentados podem ser transportados para realidades próximas.

Downloads

I dati di download non sono ancora disponibili.

Riferimenti bibliografici

Organização Mundial da Saúde. Prevenção da violência sexual e da violência pelo parceiro íntimo contra a mulher: ação e produção de evidência. Brasília (DF): OMS/OPAS; 2012.

Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Feminicídios caem, mas outras formas de violência contra meninas e mulheres crescem em 2021. Fórum Brasileiro de Segurança Pública. 2022. Disponível em: https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2022/07/10-anuario-2022-feminicidios-caem-mas-outras-formas-de-violencia-contra-meninas-e-mulheres-crescem-em-2021.pdf

BRASIL. Brasil tem mais de 31 mil denúncias de violência doméstica ou familiar contra as mulheres até julho de 2022. 2022. Disponivel em: https://www.gov.br/mdh/pt-br/assuntos/noticias/2022/eleicoes-2022-periodo-eleitoral/brasil-tem-mais-de-31-mil-denuncias-violencia-contra-as-mulheres-no-contexto-de-violencia-domestica-ou-familiar#:~:text=No%20primeiro%20semestre%20de%202022,viol%C3%AAncia%20dom%C3%A9stica%20contra%20as%20mulheres.

YUSTE, M, DÍAZ, S.G, CEBERIO, M, AHRENS, J, M, ECHEVARRÍA, B, MORENO, J, BASSETS, J, BASCUÑÁN, M, M, JIMÉNEZ, M, DOMÍNGUZ, M, NOGUER, M, MARIN, B, VEJA, CARLOS, BARCA, A.J, HARBOUR, B, G, PÉON, A.M. América Latina é a região mais letal para as mulheres. El País. Nov. 2018. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2018/11/24/actualidad/1543075049_751281.html. Acesso em: 29 jul. 2020

MOELLER, A. Violência doméstica e contra a mulher pelo mundo. Brasileiras pelo mundo, Novembro 26, 2018. Disponível em: https://www.brasileiraspelomundo.com/violencia-domestica-e-contra-a-mulher-pelo-mundo-0603107545. Acesso em: 03 de ago. 2020.

GARCEZ, R.H.M, THOMAZ, E.B.A.F, MARQUES, R.C, AZEVEDO, J.A.P, LOPES F.F. Caracterização de lesões bucomaxilofaciais decorrentes de agressão física: diferenças entre gênero. Ciênc. saúde coletiva vol.24 no.3 Rio de Janeiro Mar. 2019. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-81232019000301143&script=sci_arttext. Acesso em: 28 de jul.2020.

FONTES, G. A (in) visibilidade da violência conjugal psicológica contra a mulher na produção científica brasileira em psicologia. 2017. Dissertação (Mestrado em Psicologia Clínica e Cultura) – Universidade de Brasília, Brasília, 2017. Disponível em: http://repositorio.unb.br/bitstream/104 82/31341/1/2017_GiordanaCalvaoFontesSantanadeOliveira.pdf. Acesso em: 08 ago. 2019.

SOARES, JOANNIE S. F. Violência nas relações íntimas e adoecimento: a perspectiva das mulheres em situação de violências. Seminário Internacional Fazendo Gênero, Florianópolis. 2017. Disponível em: http//www.en.wwc2017.eventos.dype.com.br/resources/anais/150306503.1_ARQUIVO_Texto_completo_MM_FGJoannie.pdf. Acesso em: 08 ago. 2019.

ESTRELA, F.M, GOMES, N.P, LÍRIO, J.G.S et al. Expressões e repercussões da violência conjugal: processos de mulheres numa vara judicial. Rev enferm UFPE on line. Recife, 12(9):2418-27, set., 2018. Disponível em: https://periodicos.ufpe.br/revistas/revistaenfermagem/article/view/231013. Acesso em: 29 de jul. 2020.

MIRANDA, M.P.M, DE PAULA, C.S, BORDIN, I.A. Violência conjugal física contra a mulher na vida: prevalência e impacto imediato na saúde, trabalho e família. Rev Panam Salud Publica. 2010;27(4):300–8. Disponível em: https://www.scielosp.org/pdf/rpsp/2010.v27n4/300-308. Acesso em: 07 de ago. 2020.

GARCIA, L. P. A magnitude invisível da violência contra a mulher. Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, v. 25, n. 3, p. 451-454, set. 2016 . Disponível em: http://scielo.iec.gov.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S167949742016000300451&lng=pt&nrm=iso. Acesso em: 14 jul. 2020.

NASCIMENTO, E.F.G.A, RIBEIRO, A.P, SOUZA, E.R. Percepções e práticas de profissionais de saúde de Angola sobre a violência contra a mulher na relação conjugal. Cad. Saúde Pública vol.30 no.6 Rio de Janeiro jun. 2014. Disponível em: https://www.sanarmed.com/artigos-cientificos/percepcoes-e-praticas-de-profissionais-de-saude-de-angola-sobre-a-violencia-contra-a-mulher-na-relacao-conjugal. Acesso em: 30 de jul. 2020.

FREITAS, L. O hospital dom antonio monteiro localiza. Slide Share. 2014 Disponível em: https://pt.slideshare.net/LaiseMaria/o-hospital-dom-antonio-monteiro-localiz.Acesso em: 28 de jul.2020.

BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977. Acesso em: 28 de jul.2020.

Pubblicato

2022-11-14

Come citare

Freitas, R., Santos, E., Souza, L., & Carvalho, M. . (2022). INVESTIGAÇÃO DA VIOLÊNCIA CONJUGAL POR PROFISSIONAIS DA ATENÇÃO HOSPITALAR . Encontro De Discentes Pesquisadores E Extensionistas, 1(01), e202204. Recuperato da https://revistas.uneb.br/index.php/edpe/article/view/15406