INVESTIGAÇÃO DA VIOLÊNCIA CONJUGAL POR PROFISSIONAIS DA ATENÇÃO HOSPITALAR
Palabras clave:
Profissionais de saúde;, Violência contra a mulher;, Assistência HospitalarResumen
Introdução: A violência é mundialmente reconhecida como um problema de saúde pública que resulta em lesão, morte, dano psicológico, deficiência de desenvolvimento e privação [1]. Quando cometida contra as mulheres, em geral, ocorre em âmbito doméstico, principalmente a partir do parceiro íntimo. O Anuário Brasileiro de Segurança Pública registrou nos anos de 2020 e 2021 um quantitativo de 2.695 casos de feminicídio, ou seja, mulheres que foram mortas pela condição de ser mulher [2]. Ademais, até a primeira semana de julho de 2022 o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos recebeu mais de 31 mil denúncias e cerca de 169 mil violações envolvendo a violência doméstica contra as mulheres [3]. Outros países em desenvolvimento e desenvolvidos, a exemplo da Austrália, El Salvador, Honduras, Guatemala e Nicarágua, também assinalam elevados índices de violência conjugal, demonstrando a elevada magnitude do fenômeno e a inserção a nível mundial [4,5]. A vivência de violência pelo parceiro íntimo afeta sobremaneira a saúde e o modo de viver das mulheres. Quando não tira a vida destas, repercussão máxima, deixa marcas causadas pela agressão física, psicológica, sexual, patrimonial e moral. Neste ínterim, adiciona-se os sinais e sintomas mentais e físicos, como fraturas, hematomas, baixa autoestima, isolamento, medo, ansiedade, pensamento e comportamento suicida, depressão, transtorno de estresse pós-traumático e dores e doenças crônicas, entre as quais diabetes, hipertensão e asma [6,7,8]. Para além das lesões diretas ocasionadas pela violência, ao experienciar o cotidiano de violência conjugal, muitas mulheres somatizam o evento, representação física do desequilíbrio psíquico e biológico que resulta em adoecimento físico e mental [9]. Frente ao adoecimento oriundo da violência conjugal, surge a necessidade do cuidado em saúde, contexto que fez com que estudo realizado com mulheres no município de São Paulo, Brasil, identificasse que 38,7% destas, após episódios de violência, necessitaram de cuidados em saúde, parte em unidade hospitalares, inclusive, 4,4% com necessidade de hospitalização [10]. Frente à elevada magnitude da violência conjugal e as suas implicações na saúde, se faz necessário engajamento de diferentes setores da sociedade com vista a garantir o restabelecimento da saúde [11]. Neste ínterim, diante da morbidade, os serviços de saúde têm ação fundamental na resposta ao agravo, inclusive, na maioria das vezes, representa o primeiro espaço de apoio buscado pelas mulheres [12]. No que tange ao espaço hospitalar, as práticas das equipes diante o contexto de violência conjugal são desafiadoras, pois na maioria das vezes a mulher não se sente confortável para relatar as suas vivências e o tempo de cuidado é desfavorável para a criação de vínculo paciente-profissional e ainda constituem um dilema para a construção da atenção integral. Diante do exposto, considerando a violência um agravo de saúde e a atenção hospitalar um espaço amplamente buscado pelas mulheres em situação de violência conjugal, questiona-se: Como os profissionais do serviço hospitalar investigam a violência conjugal? Objetivo: Conhecer as práticas desenvolvidas na atenção hospitalar para investigação da violência pelo parceiro íntimo. Metodologia: Pesquisa qualitativa, descritiva, recorte do projeto “Atuação da rede de atenção secundária em saúde à mulher em situação de violência conjugal: relato de profissionais do atendimento hospitalar”. A pesquisa foi desenvolvida em uma unidade hospitalar de um município do interior do estado da Bahia, Brasil, com 122 leitos, uma média de 200 atendimentos diários e que oferece assistência ambulatorial e de urgência em ortopedia, obstetrícia, cirurgia geral e clínica médica adulta e pediátrica [13]. Os participantes da pesquisa foram 14 profissionais que atuavam no serviço por, no mínimo, três meses e reportavam o atendimento assistencial direto a mulheres em situação de violência pelo parceiro íntimo. Excluiu-se três profissionais que, durante o período de coleta de dados, estavam afastados por licença ou férias, e/ou não se obteve êxito de contato após três visitas ao serviço. A coleta de dados ocorreu presencialmente nos meses de janeiro e fevereiro de 2020, por meio de entrevistas individuais, guiadas por um formulário semiestruturado e gravadas, com duração de, no mínimo, 30 minutos. O espaço de coleta de dados foi escolhido pelos participantes e garantiram a privacidade no compartilhamento de informações. A questão norteadora para responder ao objeto de estudo foi: “Como você investiga a violência pelo parceiro íntimo no atendimento à mulher na sua prática profissional?” Com base nas respostas iniciais, novos questionamentos emergiram, construindo um diálogo cuja finalidade representava alcançar uma resposta em profundidade. Os depoimentos foram gravados com o auxílio de um gravador de voz portátil e transcritos na íntegra. Após a transcrição, o material foi organizado a partir dos elementos cronológicos, etapa que facilitou a compreensão e compôs o corpus de análise. O material empírico foi interpretado à luz da Análise de Conteúdo Temática proposta por Bardin [14]. Salienta-se que a pesquisa foi realizada mediante aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal da Bahia por meio do parecer n. 3.200.210 (CAAE: 08573019.0.0000.5531) e atendeu em todas as etapas aos dispositivos éticos e legais constantes na Resolução nº 466/12 do Conselho Nacional de Saúde. A fim de preservar o anonimato, as entrevistadas foram identificadas pela categoria profissional, seguidas de um algarismo arábico de ordem de realização da entrevista. Os resultados foram embasados na produção do saber sobre violência pelo parceiro íntimo e as práticas de saúde diante o atendimento à mulher em vivência do fenômeno. Resultados: Os dados foram organizados com base na entrevista realizada com 14 profissionais da atenção hospitalar, a saber: 2 médicos, 4 enfermeiras, 6 técnicos de enfermagem, 1 auxiliar de enfermagem e 1 assistente social. Os colaboradores do estudo tinham de 26 a 65 anos de idade e 1 a 25 anos de atuação na unidade hospitalar, com média de 8 anos e 2 meses. Dos entrevistados, 11 informaram sexo feminino e 3 masculino. No que tange a formação, 7 tinham ensino superior completo, 7 ensino técnico completo. Desvela-se que apenas dois dos entrevistados informaram capacitação na área de violência pelo parceiro íntimo. No relato dos profissionais observou-se que a investigação do agravo ocorre durante a abordagem da mulher, ainda na etapa da anamnese. Neste momento, por meio de diálogo, perguntas objetivas e cuidado na fala para não causar desconfortos, os profissionais buscam prover um ambiente oportuno para o compartilhamento de informações de foro confidencial. Para esses, será por meio da investigação que será compreendido o contexto de violência, recidiva do agravo, além de outros dados que fundamentarão a intervenção, inclusive os encaminhamentos. Estas ideias, estão apresentadas nos trechos abaixo. Durante a abordagem a gente adota a melhor forma possível de conversar com a mulher para que ela decida falar sobre a violência. Temos o maior cuidado para que ela não se sinta ofendida e, consequentemente, se feche. (AE1) Desde o início somos objetivos nas perguntas sobre violência, perguntamos se a agressão já aconteceu outra vezes e o motivo da agressão atual. Investigamos por que é preciso, minimamente, entender o que aconteceu para passar para os outros profissionais do serviço. (TE5) É na abordagem, por meio da entrevista e de forma acolhedora que a gente identifica dados para a intervenção. Inclusive, também na entrevista ao identificarmos a presença de violência conjugal pesamos a necessidade de encaminhamento para outros serviços da rede. (AS1) Conclusão: O estudo permitiu, a partir do relato de profissionais de saúde da atenção hospitalar, desvelar a investigação da violência pelo parceiro íntimo. Ao apontarem para a ocorrência da investigação com diálogo com perguntas objetivas e cuidado na fala para não causar desconfortos, os resultados já apontam para evoluções, especialmente no que tange a incorporação da violência conjugal enquanto objeto de intervenção no setor saúde. Neste interim, apesar dos resultados apontarem para elementos essenciais no processo de investigação do agravo, observa-se ainda lacunas no que tange a não verbalização da escuta qualificada, espaço físico que promova privacidade no compartilhamento das informações e interdisciplinaridade no processo de investigação da violência, o que pode fazer com que a mulher seja questionada por vários profissionais sobre a vivência do agravo. Estas considerações reacendem a necessidade de qualificação da rede, recorrentemente apontada na literatura científica, inclusive nas realizadas a partir de 2006 e analisadas à luz da Lei 11.340/2006. Infere-se, em relação ao atendimento à mulher em situação de violência pelo parceiro íntimo, a importância da inclusão desse tema nos currículos de graduação e pós-graduação e a realização de futuras pesquisas para a formação continuada em enfermagem. Apesar do estudo limitar-se por representar isoladamente a percepção dos profissionais de uma instituição hospitalar de um município de pequeno porte, a elucidação desses resultados é essencial para compreender e qualificar o cuidado à mulher em situação de violência conjugal na rede de atenção. Inclusive, os resultados aqui apresentados podem ser transportados para realidades próximas.
Descargas
Citas
Organização Mundial da Saúde. Prevenção da violência sexual e da violência pelo parceiro íntimo contra a mulher: ação e produção de evidência. Brasília (DF): OMS/OPAS; 2012.
Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Feminicídios caem, mas outras formas de violência contra meninas e mulheres crescem em 2021. Fórum Brasileiro de Segurança Pública. 2022. Disponível em: https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2022/07/10-anuario-2022-feminicidios-caem-mas-outras-formas-de-violencia-contra-meninas-e-mulheres-crescem-em-2021.pdf
BRASIL. Brasil tem mais de 31 mil denúncias de violência doméstica ou familiar contra as mulheres até julho de 2022. 2022. Disponivel em: https://www.gov.br/mdh/pt-br/assuntos/noticias/2022/eleicoes-2022-periodo-eleitoral/brasil-tem-mais-de-31-mil-denuncias-violencia-contra-as-mulheres-no-contexto-de-violencia-domestica-ou-familiar#:~:text=No%20primeiro%20semestre%20de%202022,viol%C3%AAncia%20dom%C3%A9stica%20contra%20as%20mulheres.
YUSTE, M, DÍAZ, S.G, CEBERIO, M, AHRENS, J, M, ECHEVARRÍA, B, MORENO, J, BASSETS, J, BASCUÑÁN, M, M, JIMÉNEZ, M, DOMÍNGUZ, M, NOGUER, M, MARIN, B, VEJA, CARLOS, BARCA, A.J, HARBOUR, B, G, PÉON, A.M. América Latina é a região mais letal para as mulheres. El País. Nov. 2018. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2018/11/24/actualidad/1543075049_751281.html. Acesso em: 29 jul. 2020
MOELLER, A. Violência doméstica e contra a mulher pelo mundo. Brasileiras pelo mundo, Novembro 26, 2018. Disponível em: https://www.brasileiraspelomundo.com/violencia-domestica-e-contra-a-mulher-pelo-mundo-0603107545. Acesso em: 03 de ago. 2020.
GARCEZ, R.H.M, THOMAZ, E.B.A.F, MARQUES, R.C, AZEVEDO, J.A.P, LOPES F.F. Caracterização de lesões bucomaxilofaciais decorrentes de agressão física: diferenças entre gênero. Ciênc. saúde coletiva vol.24 no.3 Rio de Janeiro Mar. 2019. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-81232019000301143&script=sci_arttext. Acesso em: 28 de jul.2020.
FONTES, G. A (in) visibilidade da violência conjugal psicológica contra a mulher na produção científica brasileira em psicologia. 2017. Dissertação (Mestrado em Psicologia Clínica e Cultura) – Universidade de Brasília, Brasília, 2017. Disponível em: http://repositorio.unb.br/bitstream/104 82/31341/1/2017_GiordanaCalvaoFontesSantanadeOliveira.pdf. Acesso em: 08 ago. 2019.
SOARES, JOANNIE S. F. Violência nas relações íntimas e adoecimento: a perspectiva das mulheres em situação de violências. Seminário Internacional Fazendo Gênero, Florianópolis. 2017. Disponível em: http//www.en.wwc2017.eventos.dype.com.br/resources/anais/150306503.1_ARQUIVO_Texto_completo_MM_FGJoannie.pdf. Acesso em: 08 ago. 2019.
ESTRELA, F.M, GOMES, N.P, LÍRIO, J.G.S et al. Expressões e repercussões da violência conjugal: processos de mulheres numa vara judicial. Rev enferm UFPE on line. Recife, 12(9):2418-27, set., 2018. Disponível em: https://periodicos.ufpe.br/revistas/revistaenfermagem/article/view/231013. Acesso em: 29 de jul. 2020.
MIRANDA, M.P.M, DE PAULA, C.S, BORDIN, I.A. Violência conjugal física contra a mulher na vida: prevalência e impacto imediato na saúde, trabalho e família. Rev Panam Salud Publica. 2010;27(4):300–8. Disponível em: https://www.scielosp.org/pdf/rpsp/2010.v27n4/300-308. Acesso em: 07 de ago. 2020.
GARCIA, L. P. A magnitude invisível da violência contra a mulher. Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, v. 25, n. 3, p. 451-454, set. 2016 . Disponível em: http://scielo.iec.gov.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S167949742016000300451&lng=pt&nrm=iso. Acesso em: 14 jul. 2020.
NASCIMENTO, E.F.G.A, RIBEIRO, A.P, SOUZA, E.R. Percepções e práticas de profissionais de saúde de Angola sobre a violência contra a mulher na relação conjugal. Cad. Saúde Pública vol.30 no.6 Rio de Janeiro jun. 2014. Disponível em: https://www.sanarmed.com/artigos-cientificos/percepcoes-e-praticas-de-profissionais-de-saude-de-angola-sobre-a-violencia-contra-a-mulher-na-relacao-conjugal. Acesso em: 30 de jul. 2020.
FREITAS, L. O hospital dom antonio monteiro localiza. Slide Share. 2014 Disponível em: https://pt.slideshare.net/LaiseMaria/o-hospital-dom-antonio-monteiro-localiz.Acesso em: 28 de jul.2020.
BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977. Acesso em: 28 de jul.2020.