A FUNÇÃO DO PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO NO APAGAMENTO DA IDENTIDADE INDÍGENA DO ALDEAMENTO DE MISSÃO DO SAHY
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Educação Indígena, Projeto Político Pedagógico, Missão do SahyAbstract
INTRODUÇÃO: Após 326 anos de esquecimento, o aldeamento de Missão do Sahy continua tendo sua identidade indígena violentada pelas relações de poder que elaboram os currículos escolares que assistem os kunumins e cunhatãns da comunidade. Mesmo 15 anos depois da promulgação da lei 11.645/2008 que torna obrigatório o ensino de história e cultura indígena no país, o Projeto Político Pedagógico (PPP) da instituição – vigente no biênio de 2022 e 2023 – afirma que a escola não trabalha questões indígenas. Cabe ressaltar que a escola é frequentada majoritariamente por estudantes indígenas, que no âmbito jurídico da escola tem sua cultura menosprezada. OBJETIVOS: Diante dos pressupostos apresentados, o presente texto busca refletir a negação da educação indígena institucionalizada pelo Projeto Político Pedagógico (PPP) de uma escola pública contida em um aldeamento do semiárido baiano. METODOLOGIA: Para tanto, recorre-se ao paradigma qualitativo para desvelar esse fenômeno, pois esse instrumento: “têm se preocupado com o significado dos fenômenos e processos sociais, levando em consideração as motivações, as crenças, os valores e representações sociais, que permeiam a rede de relações sociais” (Pádua, 2016, p. 40). Além disso, utiliza-se da pesquisa documental a partir do estudo de documentos impressos ou de transcrições orais (Fachin, 2013). Com isso, este trabalho consiste na análise do Projeto Político Pedagógico (PPP) da referida escola, debruçando-se nas relações de poder que permeiam a construção desse texto documental RESULTADOS: O Projeto Político Pedagógico (2022, p. 13) da instituição – que foi escrito por carís - aponta que “não trabalha especificamente com a temática, pois a comunidade não se autor reconhece, mesmo tendo toda sua história pautada por lutas e conquistas dos povos indígenas”. Cabe destacar que esse documento foi formulado por profissionais da educação não indígenas da sede do município, sem consultar os docentes e colaboradores da instituição, nem tampouco as pessoas da comunidade. Em contraposição, no âmbito jurídico, o Referencial Curricular Bonfinense: Educação Infantil e Ensino Fundamental, vigente desde o ano de 2020 reconhece Missão do Sahy enquanto comunidade indígena e que as práticas pedagógicas devem comungar com esse princípio étnico. Outrossim, os educadores realizam no seu cotidiano escolar um ensino contextualizado, levando em consideração a história e cultura indígena da taba. Porém, no âmbito curricular essas práticas são apagadas e refutadas. Em face disso, a quem interessa o apagamento da educação indígena do Projeto Político Pedagógico (PPP)? O que há por trás da tentativa de impedir o processo de etnogênese dos kunumins e cunhatãns? Destarte, sem o ato transgressor das docentes de contrariar o PPP e desenvolverem trabalhos para a ressurreição plena da identidade Kiriri, as novas gerações continuariam a repetir a negação de um pequeno grupo da população em negar a sua etnia. Para compreender esse processo de negação é salutar percorrer as memórias de cuessé cuessé cuessé, especificamente na origem da humanidade, segundo a tradição dos indígenas tuparis, narrada por Macurap (2012, p. 39 – 39): “Nambu ordenou a Beüd: – Ensina direito nossa língua para eles. Era para eles saberem só nossa língua. Jabuti, ensinou outras, ensinou errando, fez as pessoas falarem várias línguas. [...] Já se instalara a confusão”. Essa desordem advinda da educação errante de Beüd, o filho da pedra, possibilitou as expressões do multiculturalismo entre os povos originários. Comungante a isso, Dourado (2008) aponta que a antiga Missão de Nossa Senhora das Neves do Sahy constituiu-se como um aldeamento de diferentes nações indígenas: Cariris, Kiriris, Payayás e Pataxós agrupados pela Ordem dos Frades Menores (OFM) após receberem o batismo, com o intuito de introjetar o valor cristão da obediência, a fim de explorar sua força de trabalho. Diante disso, vislumbra-se o requinte de crueldade presente na colonização dessas terras. Assim, comunidades indígenas diferentes eram obrigadas a subsistir em um reduto, onde manifestavam-se as mais diversas línguas, costumes e crenças. Este fenômeno é definido pelo antropólogo Darcy Ribeiro (1995) como um moinho de gastar gente que gerou o caldo cultural da sociedade brasileira. Assim as tradições e costumes originários dos povos Kiriris foram apagados ao longo do processo de deculturação proposta pelos invasores portugueses. Em decorrência disso, Araújo (2016, p. 8 - 9) aponta que: “sequer a população do povoado parecia lembrar-se da própria existência indígena, ainda que o traço dos rostos e um mundo de palavras, gestos e hábitos lhes gritasse o contrário, e ainda que persistisse uma aldeiazinha escondida nas montanhas”. Esse esquecimento da própria etnia advém do requinte de crueldade praticado ao longo da invasão e escravização desses povos que tinham suas tradições demonizadas cotidianamente pela classe hegemônica. Sendo levados a expiar a “culpa” de serem indígenas, derramando seu sangue sobre a imagem do Bom Jesus dos Remédios anualmente, na sexta-feira da paixão, em um ritual auto lesivo criado pelos franciscanos e imposto aos indígenas que se perpetuou até a primeira década do século XX (Paz, 2009). O sangue Kiriri, Cariri, Payayá e Pataxó não escorreu pelas escadarias da igreja matriz do aldeamento, permanece a correr nas veias e nos corações. Entretanto, o decreto 1775/96 que descreve o processo de reconhecimento das comunidades indígenas enfatiza a necessidade da definição de uma nação específica, fato inviabilizado pela fusão de diversas nações no curso da história, fazendo com que a comunidade não seja reconhecida juridicamente enquanto território indígena. Necessário se faz este reconhecimento, pois é inconcebível que uma escola em território indígena não consiga ser contextualizada. Caso este feito não se concretize a escola continuará a atuar como aparelho ideológico do estado (Althusser, 1970) através dos seus currículos, a fim de que os kunumins e cunhatãns continuem em condição de alienação. E desta forma os povos indígenas do aldeamento não tomem posse, tanto do latifúndio do conhecimento ancestral, quanto das suas terras. Outrossim, na perspectiva de Paz (2016, p. 13) o município de Senhor do Bonfim “regalou a sua própria história ao esquecimento ou ao campo mitológico”. Desse modo, ignorar a formação da comunidade de Missão do Sahy é desprezar o marco historiográfico propulsor da colonização do norte da Bahia, este que, tem seus primeiros registros em 1697 (Paz, 2016). Fazendo com que as escolas não assumam práticas de educação contextualizadas voltadas à etnogênese. Ademais, para haver autorreconhecimento, Munduruku (2012, p. 17) discorre sobre a importância da oferta “aos educandos da visão de mundo indígena”. Resgatando, assim, outras formas de existência que valorizem os saberes dos guardiões da comunidade. CONSIDERAÇÕES FINAIS: Desta forma, o currículo, enquanto um território de disputas, legitimando ou não os conhecimentos que devem ser ensinados ou refutados, são constantemente atravessados pelos interesses da classe hegemônica, fazendo com que os saberes dos povos tradicionais não constem nos documentos. Portanto, apesar da insurgência docente, deve-se defender a legitimação dessa prática como parte da concepção do Projeto Político Pedagógico da escola, havendo assim uma contradição entre os documentos oficiais que negam os saberes ancestrais da comunidade e as práticas pedagógicas indianistas das educadoras da instituição.
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Riferimenti bibliografici
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