EXPERIÊNCIAS DE UMA LICENCIANDA EM BIOLOGIA PARA UMA FORMAÇÃO ANTIRRACISTA
Parole chiave:
educação, ciências, biologia, negroAbstract
Introdução: O projeto intitulado “Entre conversas, Narrativas e a Formação de Professoras Negras Antirracistas no Ensino de Biologia” tem como finalidade trazer através do curso de extensão a discussão sobre as relações étnico-raciais na educação com um foco maior no ensino de biologia/ciências, proporcionando a mulheres negras e demais discentes de licenciatura em Ciências Biológicas uma reflexão sobre os processos e possibilidades de uma educação antirracista. Com o auxílio do curso que tem como objetivo o compartilhamento de narrativas autobiográficas de mulheres negras diversas, objetivando caminhos para inspirar o fortalecimento da educação dirigido por valores relacionados as diversidades étnico-raciais, além de atividades dinâmicas que fogem do então padrão que conhecemos tornando o projeto algo mais prazeroso em sua execução. Além do curso de extensão que estamos organizando, o projeto também tem como função a formação das estudantes que o desenvolvem. Para isto, temos realizado um grupo de estudos no qual nos encontramos semanalmente de forma virtual para discutirmos textos que estão relacionados as questões étnico-raciais e antirracistas. Objetivo: Neste trabalho, pretendo narrar as experiências e os acontecimentos vivenciados no projeto, e como estão contribuindo de forma significativa para minha formação. São experiências vivenciadas semanalmente em nossas reuniões remotas de duração em média de duas horas na plataforma Teams, atravessada por diferentes ações: escrita e leitura de diários de pesquisa, exercícios de escrita e estudo de livros. E a produção do curso vinculado ao projeto que tem a finalidade de levar a docentes e discentes do curso de Ciências Biológicas a importância do estudo das relações étnico-raciais no ensino de biologia. Metodologia: Por meio de estudos bibliográficos, apresentarei neste resumo alguns dos resultados produzidos durante minha atuação enquanto bolsista de extensão. Inicialmente discutimos sobre o que é o projeto, os objetivos e como iriamos pôr em pratica as atividades planejadas para ocorrerem ao longo dos 8 meses de duração. Começamos fazendo reuniões nas quais realizamos exercícios de escrita das quais chamamos de “diário de pesquisa”. Neles podemos expressar nossas opiniões, sentimentos e vivências que surgem durante a reunião daquele dia e durante o decorrer da semana até o próximo encontro, e assim, fazemos o compartilhamento dos escritos, lendo-os a cada reunião antes de iniciarmos a discussão das pautas voltadas para aquele dia. Estudamos e discutimos textos, livros e etc. como o “Tornar-se Negro: ou as vicissitudes da identidade do negro brasileiro em ascensão social” de Neusa Santos Souza. Publicado originalmente em 1983, essa obra foi pioneira ao conectar a psicanálise com a questão racial. De forma inovadora e potente, a psiquiatra, psicanalista e escritora Neusa Santos Souza (1948-2008) dedicou seu estudo acadêmico à vida emocional de negros e negras, justificado pela absoluta ausência de um discurso nesse nível elaborado pelo negro acerca de si mesmo. Fizemos também, a discussão do capítulo O Movimento Negro Brasileiro como ator político presente no livro “O Movimento Negro Educador: saberes construídos nas lutas por emancipação” de Nilma Lino Gomes. Este texto tem como tese principal o papel do Movimento Negro brasileiro como educador, produtor de saberes emancipatórios e um sistematizador de conhecimentos sobre a questão racial no Brasil. Saberes transformados em reivindicações, das quais várias se tornaram políticas de Estado nas primeiras décadas do século XXI. A autora Nilma Lino Gomes é pedagoga, mestra em Educação, doutora em Antropologia Social e com pós-doutorado em Sociologia, e traz em seus estudos o interesse na formação de professores e diversidade étnico-racial, políticas educacionais, desigualdades sociais e raciais, movimentos sociais e educação, com ênfase especial na atuação do movimento negro brasileiro. Destaco no livro o parágrafo: Portanto, não basta apenas valorizar a presença e a participação dos negros na história, na cultura e louvar a ancestralidade negra e africana para que um coletivo seja considerado como Movimento Negro. É preciso que nas ações desse coletivo se faça presente e de forma explícita uma postura politica de combate ao racismo. Postura essa que não nega os possíveis enfrentamentos no contexto de uma sociedade hierarquizada, patriarcal, capitalista, e LGBTfóbica e racista. (GOMES, 2017.p. 20). Esse trecho me fez pensar sobre como a sociedade tenta camuflar os impactos causados pelo racismo, homofobia e etc., anualmente. Dando-lhes apenas um mês: mês do orgulho LGBTQIA+, mês da consciência negra entre outros. Um mês para lembrar-nos de que somos pessoas como qualquer outra, meses esses que tem extrema importância, mas que não devemos esperar somente por eles para termos visibilidade não me deem um mês, me deem o ano inteiro! Abordar tais assuntos nas escolas durante todo o ano e atravessado em todos os conteúdos reforça sua notabilidade e faz cumprir a Lei 10.639 de 2003. Estamos em construção de um curso de extensão junto ao grupo de estudos que tem a mesma temática do projeto, onde contamos com um total de 70 inscritos dos quais temos uma média de 30 frequentes, nos quais trazemos diferentes mulheres negras como palestrantes quinzenalmente de forma remota. Em um total de 8 encontros, já ocorreram 4 até o momento, onde as mesmas partilham suas narrativas autobiográficas com a finalidade de contribuir para a formação de professoras e professores negras(os) antirracistas no ensino de Ciências/Biologia. No primeiro dia/encontro de curso fizemos uma breve apresentação sobre quem somos, qual o propósito, métodos avaliativos etc. No segundo dia tivemos a palestrante Rebeca Silva, licenciada em Ciências Biológicas pela Universidade Estadual do Ceará, que abordou o tema: “As relações étnico-raciais e a arte: auto percepção, resgate e identidade”, no qual trouxe suas experiências com a formação e a conexão da arte com a biologia, ela nos apresentou de forma breve seu livro intitulado: “Nala e as Ciências Encantadas” o qual apresentou em seu TCC, que traz essa junção da arte e a Biologia/Ciências. No terceiro encontro foi a vez de Christiana Vianna, Bacharel e Licenciada em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de São Carlos, graduada em Pedagogia, mestra em Educação, Doutora em Educação atualmente atuando como professora adjunta da área de ensino de biologia da Universidade Estadual de Santa Cruz. Ela trouxe em sua fala suas experiências, em que abordou o desejo de ser “diferente” do ingresso e formação no bacharelado e a paixão que surgiu pela educação em que parafraseou Paulo Freire, dizendo que ensinar é um processo dialógico. No quarto encontro tivemos a presença de Rosane Santos, graduada em Licenciatura no curso de Ciências Biológicas pela Universidade Federal da Bahia, tem Mestrado em Genética e Biodiversidade, e atualmente atua como técnica de laboratório do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Baiano, Campus Teixeira de Freitas. Ela abordou o tema “Instrumentalização para o ensino de ciências e biologia com um olhar antirracista”, com o objetivo de salientar a conexão que há entre assuntos da biologia/ciências com a educação antirracista e exemplos sutis de como os abordar. A seguir irei abordar de forma breve algumas das minhas considerações sobre a discussão do livro: “Tornar-se Negro: ou as vicissitudes da identidade do negro brasileiro em ascensão social” de Neusa Santos Souza, e também, as experiências durante o terceiro dia de curso com a palestrante Christiana Vianna. Tais momentos me trouxeram reflexões, entendimentos e sentimentos que desejo partilhar neste trabalho. Resultados: O exercício de discutir, estudar e partilhar no grupo de estudos a leitura do livro: “Tornar-se Negro: ou as vicissitudes da identidade do negro brasileiro em ascensão social” de Neusa Santos Souza, me trouxe diversos momentos reflexivos. Ao ler os relatos presentes no livro e ter a percepção de que existem histórias como as minhas, assim passei a ter o sentimento de pertencimento a algo, de que eu Alana Souza sou única, porém não estou isolada de um contexto social. Com a autora, pude dar nome ao que já vivia em minha vida: Saber-se negra é viver a experiência de ter sido massacrada em sua identidade, confundida em suas perspectivas, submetida a exigências, compelida a expectativas alienadas. Mas é também, e sobretudo, a experiência de comprometer-se a resgatar sua história e recriar-se em suas potencialidades. (SANTOS, 1983. p. 17). “Assim, ser negro não é uma condição dada, a priori. É um vir a ser. Ser negro é tornar-se negro.” (SANTOS, 1983. p. 115). Os dois trechos citados foram os que mais me atingiram por sua forma de tentar transmitir o sofrimento do ser negro e sua conexão com o autoconhecimento que o mesmo traz. Em mim os mesmos trouxeram reflexões sobre o desejo de se encontrar, se sentir pertencente, de assumir-se negra. No encontro de Christiana Vianna, a mesma proferiu sobre seu ingresso no bacharelado e o desejo de trabalhar em laboratório. Mesmo que sua formação incluísse a licenciatura, a própria não se identificava com a docência. No entanto, com o tempo foi revelando-se a paixão pela licenciatura. Ao ouvir tal relato não pude deixar de me identificar com suas palavras, pois sinto que esse desejo também está surgindo em mim, que, ao ingressar na faculdade desejava o bacharel e com o decorrer da formação em licenciatura sinto que o sonho do bacharel está se desfazendo e dando lugar ao sonho de ser para meus alunos a professora que sempre sonhei ter. Conclusão: Minhas experiências na participação do projeto estão sendo melhores do que pensei. Ao ser aprovada tinha em mente que por ser bolsista teria uma cobrança maior em relação ao que eu faria, supus que leríamos alguns livros, faríamos algumas discussões e haveria aquele tradicional medo de estar fazendo as coisas da forma 100% certa ou não. Porém relatar minhas vivencias é revigorante já que temos uma cumplicidade que traz tanto a questão das responsabilidades com nossos encargos quanto o apoio moral que nos conforta e faz com que as atividades sejam mais prazerosas. Essa viabilidade de poder discutir, estudar e pensar os conceitos teóricos que abrangem a negritude em mulheres negras e a abordagem das relações étnico-raciais são conhecimentos que trazem inspiração para pensarmos nosso processo como professoras antirracistas no ensino de biologia. Tal participação nos mostra que a discussão sobre educação antirracista e relações étnico-raciais vai além do pensamento de levar representações de pessoas negras para o âmbito escolar, de falas sobre racismo, preconceito etc. Venho entendendo o que esses conhecimentos agregam ao individuo dentro e fora do espaço educacional. Expresso aqui minhas satisfações referentes ao projeto pois mudou completamente a maneira como vejo a extensão e minha formação como futura docente de biologia/ciência. As trocas e compartilhamentos de conhecimentos que são trazidos durante as reuniões semanais, onde, através de conversas podemos debater sobre trabalhos de literatura, seminários e etc. de pensadoras negras, me fez ter uma outra visão em relação a licenciatura. É muito gratificante poder ver tudo que me foi e ainda está sendo proporcionado ao longo do projeto, o incentivo a escrita e a leitura que até então eu não tinha muita motivação em efetuar, os seminários que participei onde nunca me imaginei ficando horas assistindo a um assunto que me agregasse tanto, principalmente na minha formação dentro e fora do espaço educacional pois são aprendizados que levarei não somente para o espaço formal da educação, mas também para a vida.
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Riferimenti bibliografici
GOMES, Nilma Lino. O movimento negro educador: saberes construídos nas lutas por emancipação. Petrópolis, Rj: Vozes, 2017.
SOUZA, Neusa Santos. Tornar-se negro: As vicissitudes da identidade do negro brasileiro em ascensão social. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1983.