PRÁTICAS DOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE DA ATENÇÃO PRÉ-HOSPITALAR DE URGÊNCIA NA ASSISTÊNCIA À MULHER COM HISTÓRIA DE VIOLÊNCIA PELO PARCEIRO ÍNTIMO
Mots-clés :
Profissionais de saúde;, Saúde da mulher;, Violência contra a mulherRésumé
Introdução: Frente aos impactos na saúde decorrentes da violência pelo parceiro íntimo, os serviços de saúde, a exemplo das Unidades Básicas de Saúde, Hospitais, Unidades de Pronto Atendimento (UPA) e o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) passaram a ser potenciais portas de entrada na Rede de Atenção às pessoas em vivência desse agravo. Estudos realizados no Brasil, Irã e Estados Unidos da América revelam que a vivência da violência conjugal repercute negativamente na saúde física e mental, trabalho e vida familiar das mulheres. A exemplo das implicações na saúde, ganha destaque transtornos crônicos, vagos e repetitivos, como infecção urinária, dor pélvica, síndrome do intestino irritável, desenvolvimento de vários tipos de cânceres, ansiedade, transtorno do estresse pós-traumático, distúrbios do sono, tensão/instabilidade emocional, comportamento depressivo, marcas da agressão física, cefaleia e pensamento suicida [1,2,3,4,5,6,7,8]. Estas representam, segundo estudo realizado em 27 municípios brasileiros, 79,9% dos atendimentos em saúde por agressão, responsável por consumir 2,4% do Produto Interno Bruto [9,10]. As informações supracitadas se tornam ainda mais relevantes frente a uma tendência histórica de crescimento anual dos casos de violência conjugal. Atualmente, estima-se que 70% das mulheres do mundo já vivenciaram algum tipo de violência pelo parceiro íntimo. No Reino Unido, por ano, 1.3 milhões das mulheres vivenciam a violência doméstica, principalmente a partir do parceiro íntimo. Vale salientar que estes dados podem ser ainda maiores visto que em países de média e baixa renda, como Angola, há um déficit de informações sobre a violência conjugal, fato que contribui para a invisibilidade do fenômeno [11,12]. No que tange ao cuidado em saúde às mulheres em situação de violência conjugal, as políticas públicas recomendam que seja oferecida uma atenção ampliada que ultrapasse o simples diagnóstico e o cuidado das lesões físicas e emocionais [13]. Neste sentido, o atendimento deve ser baseado em um olhar profissional atento, que relacione as demandas de saúde ao contexto da violência conjugal e que dê seguimento às necessidades de cuidados inerentes a um convívio conjugal permeado pela violência [14]. Em contraponto à necessidade do cuidado ampliado, apesar de integrarem a rede de atenção à saúde, o SAMU e a UPA não são reconhecidos como espaços potenciais para assistir a mulher em situação de violência conjugal. No imaginário, a esses incubem o atendimento de urgência e emergência não relacionado ao contexto de violência conjugal. Esta percepção desconsidera que a vivência do agravo pode implicar em lesões físicas, traumas locais, agravamento de complicações cardíacas, comportamento suicida, entre outros sinais e sintomas relacionados a cuidados nos serviços de urgência [15]. Diante do exposto, considerando o discurso de profissionais em contexto pré-hospitalar sobre a atenção à saúde da mulher em situação de violência conjugal, questiona-se: Quais as práticas realizadas pelos profissionais de saúde da atenção pré-hospitalar de urgência na assistência à mulher com história de violência pelo parceiro íntimo? Objetivo: Conhecer as práticas realizadas pelos profissionais de saúde da atenção pré-hospitalar de urgência na assistência à mulher com história de violência pelo parceiro íntimo. Metodologia: Trata-se de um estudo qualitativo e descritivo, recorte do projeto “Atuação da rede de atendimento à mulher em situação de violência conjugal”. Os participantes da pesquisa foram 18 profissionais de saúde do município de Senhor do Bonfim, Bahia, Brasil, sendo 11 do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) e 7 da Unidade de Pronto Atendimento (UPA). A seleção dos participantes se deu de forma intencional, respeitando os critérios de inclusão: atuar em um dos serviços por, no mínimo, três meses e reportar o atendimento direto a mulheres em situação de violência pelo parceiro íntimo. Excluiu-se 7 profissionais que, durante o período de coleta de dados, estavam afastados por licença ou férias, e/ou não se obteve êxito de contato após três visitas consecutivas ao serviço. O processo de aproximação com os participantes se deu a partir da inserção das pesquisadoras no serviço, o que possibilitou maior vínculo com os possíveis colaboradores. Os participantes foram contactados presencialmente e convidados a participar do estudo, sendo esclarecidos sobre: objetivo do estudo; forma de participação, direito de decidir participar e/ou de desistir a qualquer etapa da pesquisa; anonimato e confidencialidade das informações, além de outros preceitos éticos contidos nas Resoluções nº 466/12 e nº 510/2016, ambas do Conselho Nacional de Saúde (CNS). Salienta-se que a pesquisa foi realizada mediante aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal da Bahia por meio do parecer n. 3.200.210 (CAAE: 08573019.0.0000.5531) e atendeu em todas as etapas aos dispositivos éticos e legais constantes na Resolução nº 466/12 e 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde (CNS) e que após anuência de janeiro e fevereiro de 2020, os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. A fim de preservar o anonimato, os entrevistados foram identificados pela sigla da categoria profissional, seguidas de um algarismo arábico de ordem da entrevista. A coleta de dados foi realizada pelas pesquisadoras nos meses de dezembro de 2019 a fevereiro de 2020, presencialmente, por meio de entrevistas individuais, em horário e local previamente escolhidos pelos participantes e gravados com aparelho de voz. Por meio de entrevistas semiestruturadas guiada por um formulário e com duração média de 30 minutos, aos participantes foram solicitadas informações sociodemográficas e, posteriormente, realizada uma pergunta norteadora para alcance do objeto de estudo. Após a transcrição e leitura exaustiva do material empírico, este foi organizado a partir dos elementos cronológicos, e, posteriormente, sistematizados a partir do Discurso do Sujeito Coletivo. Após a organização e sistematização, os resultados foram discutidos com a literatura nacional e internacional que versaram sobre as temáticas gênero e práticas de saúde. Resultados: Os 18 participantes da pesquisa informaram idade de 23 a 57 anos e 1 a 6 anos de atuação em serviços de atenção pré-hospitalar de urgência, com média de 1 ano e 10 meses. Destes, 11 atuavam no SAMU (3 médicos, 4 enfermeiros e 4 técnicos de enfermagem) e 7 na UPA (3 enfermeiros, 2 médicos e 2 técnicos de enfermagem). Em sua maioria, se autodeclaravam do sexo feminino (10), com ensino superior completo (12) e sem formação complementar em violência pelo parceiro íntimo (15). O discurso dos profissionais do serviço pré-hospitalar revelou que estes, ao assistirem mulheres com história de violência pelo parceiro íntimo, não abordam a violência conjugal e promove exclusivamente o cuidado direcionado às queixas de origem física, conforme apresentado no discurso abaixo.
Em ocorrências de violência conjugal focamos no risco de morte, não falamos da agressão e nem notificamos porque somos um serviço de emergência. Somos preparados para tratar apenas fisicamente, focado nos sintomas e sinais físicos, e não para dar assistência psicológica. Além disso, não abordo a violência porque imagino que se eu tocar no assunto a mulher recusará o atendimento e tem também o risco, já que se o homem violenta a pessoa que gosta, imagina o que fará com a gente. SAMU (TE2, TE4, ENF1, ENF2, ENF3, ENF4, MED1, MED3, MED4) UPA (TE2, ENF2, MED4). O discurso supracitado permite identificar ainda que os profissionais justificam a não abordagem da violência na anamnese e o cuidado direcionado às demandas físicas pelo medo de represália pelo autor da violência e por atuarem em um serviço de emergência. Para os colaboradores do estudo, a preocupação que permeia os atendimentos de violência conjugal são a imediata resolução das demandas físicas. Conclusão: Os discursos dos profissionais de saúde da rede pré-hospitalar de urgência sobre a abordagem da violência pelo parceiro íntimo foram marcados pela não abordagem da violência e a promoção do cuidado físico. Para mitigar as problemáticas e dificuldades profissionais vivenciadas no cotidiano das UPA e dos SAMU, gestores e equipe assistencial de saúde devem empregar diferentes estratégias de enfrentamento. Entre estas, destacam-se a qualificação dos profissionais atuantes na rede, instrumentalização da rede com integração dos equipamentos da saúde com os da área social, psicológica, judicial e policial. No que tange a qualificação dos profissionais de saúde, é importante inserir nestes momentos a importância da integralidade do cuidado e a potencialidade da atuação dos serviços de urgência para investigação e notificação do agravo. Qualificar os profissionais atuantes na rede de urgência permitirá um cenário propício para que as mulheres se sintam asseguradas pelos serviços de saúde e possam compartilhar vivências de foro íntimo e, a partir disso, os profissionais promovam práticas de cuidado qualificadas e direcionem as mulheres, quando necessário, para atendimento especializado. Frente aos resultados é preciso ponderar também que o estudo apresenta limitações por desvelar as práticas em número limitado de instituições, e ainda que, por ser realizada nas dependências das unidades da UPA e SAMU, possivelmente, alguns colaboradores estavam atribulados ou angustiados diante a necessidade de retorno imediato ao trabalho, limitando suas respostas. No entanto, os resultados apresentados são essenciais para compreender o processo de enfrentamento da violência pelo parceiro íntimo. Portanto, recomenda-se estudos futuros sobre o objeto de estudo em outras regiões do país e em cenários que favoreçam a coleta de dados com vista a obter compreensão ampliada a respeito do objeto de estudo.
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