Conhecimentos Produzidos a partir de um Projeto de Extensão para uma Formação Antirracista na Licenciatura em Biologia

Autores

  • Larissa Silva Universidade do Estado da Bahia
  • Kelly Fernandes Universidade do Estado da Bahia
  • Leidiane Macambira Instituto de Educação Professor Ismael Coutinho - IEPIC-RJ

Palavras-chave:

Antirracista, Educação, Biologia, Licenciatura

Resumo

Introdução: O projeto de extensão intitulado “Entre Conversas, Narrativas e a Formação de Professoras Negras Antirracistas no Ensino de Biologia” traz à tona a necessidade de refletir sobre o estudo das relações étnico-raciais no campo da biologia, e a introdução dessas questões na formação inicial e continuada de professoras/es. Objetivando, através da realização de um curso de extensão, a reflexão e discussão entre graduandas/os de licenciatura em ciências biológicas e professoras negras da área das ciências/biologia, levando-as a pensarem sobre sua atuação, proporcionando a reflexão sobre a possibilidade de uma educação antirracista. Assim, o curso de extensão acontece através das experiências compartilhadas mediante narrativas autobiográficas de diferentes mulheres negras, docentes de ciências/biologia que tem uma atuação antirracista. Objetivo: O presente trabalho tem como objetivo, mapear os conhecimentos produzidos dento do projeto mencionado para minha formação enquanto professora de Biologia. Metodologia: Este trabalho se compõe por meio de estudos bibliográficos e mapeamento das ações realizadas no projeto. O projeto é composto por algumas ações, as quais possibilitam o seu desenvolvimento. Inicialmente, foi desenvolvido um primeiro movimento, mas que ainda não se encerrou pois acontece concomitantemente às outras ações. Foi o grupo de estudo, no qual são realizadas discussões de textos pertinentes ao projeto. Tivemos como base a leitura do livro “Tornar-se Negro: ou as vicissitudes da identidade do negro brasileiro em ascensão social” da psiquiatra, psicanalista e pesquisadora Neusa Santos Souza. Segundo a autora, Para afirmar-se ou para negar-se, o negro toma o branco como marco referencial. A espontaneidade lhe é um direito negado, não lhe cabe simplesmente ser – há que estar alerta” (SOUZA, 1983. p. 27). Esse livro nos ajudou a compreender como o racismo age na produção de subjetividade de pessoas negra. Também foi realizada a leitura do capítulo “O Movimento Negro Brasileiro como ator político” do livro “O Movimento Negro Educador: saberes construídos nas lutas por emancipação” de Nilma Lino Gomes, no qual a autora apresenta o Movimento Negro como a junção de diversas organizações ou pessoas que lutam contra o racismo e que tem como objetivo superar esse terrível fato dentro da sociedade. Também é trazido como a atuação do Movimento Negro tem papel social de agir politicamente, tornando possível que as vozes negras sejam ouvidas nas diferentes esferas das sociedades colocando as pautas que antes não eram consideradas, o papel de ressignificar e politizar conceitos sobre si mesmo e sobre a realidade social em que está inserido/a e toda resistência mostradas por esses indivíduos. Juntamente com o grupo de estudo, também começamos a desenvolver o planejamento do curso, como ele seria, as professoras que iriamos convidar para as palestras, como seria a avaliação, a divulgação do curso. Outra ação que é realizada constantemente é o exercício de escrita, com escritas acadêmicas através de trabalhos apresentados em eventos. Um exemplo foi o trabalho apresentado no XII Congresso Brasileiro de Pesquisadores/as Negros/as - COPENE, e outro aprovado na Revista Interdisciplinar em Ensino de Ciências e Matemática. Há ainda escritas reflexivas através dos diários de reuniões, escritos semanalmente após cada reunião do projeto. São neles onde expressamos nossas reflexões, entendimentos, dúvidas, questionamentos, desabafos e pomos em tensão a nossa própria formação para uma educação antirracista a partir de diferentes linguagens, como os textos teóricos, a poesia, a arte, etc. Outro movimento é o desenvolvimento do curso, um movimento extensionista formativo, o qual possibilita o encontro de licenciandas/os de biologia, dos diferentes campi da UNEB, de outras partes do Brasil e de outras universidades, com outras mulheres negras de diferentes campos da biologia, as quais compartilham suas experiências e vivências da atuação como professoras antirracistas. O curso é a ação na qual estamos, ele é formado por 8 encontros quinzenais, com duração de 2h, todos no formato remoto, até então já aconteceram quatro, o qual em cada encontro tem a presença de diferentes mulheres negras professoras de ciências/biologia, que trazem suas narrativas autobiográficas de suas experiências e vivências como docentes antirracistas. No primeiro encontro foi o momento de apresentação do curso, da metodologia, e a forma de avaliação final, que será através da escrita de uma narrativa autobiográfica para os cursistas.  No segundo encontro tivemos a participação da recém formada Rebeca Silva, que é Licenciada em Ciências Biológicas pela Universidade Estadual do Ceará e trouxe como tema “As relações étnico-raciais e a arte: auto percepção, resgate e identidade”. Em sua fala abordou suas experiências durante seu processo formativo como licencianda, o envolvimento entre a arte e a biologia, que lhe levou a realizar, como uma das partes do seu TCC, o livro: “Nala e as ciências encantadas”. No terceiro encontro teve a participação da professora Christiana Viana, que é Bacharel e Licenciada em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de São Carlos, graduada em pedagogia, Mestra e Doutora em Educação. Ela trouxe em suas falas a sua experiência como professora antirracista. No quarto encontro tivemos a professora Roseane Silva, que é Graduada em Ciências Biológicas pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), possui Mestrado em Genética e Biodiversidade. Tem como área de pesquisa a genética. Ela trouxe como tema “Instrumentalização para o ensino de ciências e biologia com um olhar antirracista”. Em sua fala, ela trouxe suas ações e ilustrou muito bem várias formas de inserir a educação antirracista nos conteúdos de ciências/biologia. No quinto encontro tivemos a participação da professora Kelly Meneses Fernandes, que é Licenciada e Bacharel em Educação pela Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), Mestre em Educação pela UFRRJ e Doutoranda em Ensino, Filosofia e História das Ciências pela UFBA. Ela abordou como tema “O que pode uma mulher negra na biologia?”, a qual trouxe em suas falas suas experiências na sua formação, e suas atuações como uma professora antirracista.  Ainda temos mais quatro encontros para acontecer futuramente, com a participação da Barbara Pinheiro, Florença Silvério, e das bolsistas Alana Souza e Larissa Souza. Todas são de áreas de diferentes atuações das ciências/biologia, que vão compartilhar suas experiências formativas e atuações para uma educação antirracista. Resultados: Esse projeto tem como principal função a formação de professoras/es negras/os antirracista, no qual eu me insiro enquanto bolsista voluntária e também como participante do curso, então também estou pensando a minha formação, e uma das principais questões que vem me acompanhando é: depois que eu terminar o meu curso de graduação, como irei atuar como uma professora antirracista? O livro de Neusa Santos Souza, foi uma leitura bastante importante, pois como não o conhecia, ao realizar a leitura e com as discussões nas reuniões semanais, fui ficando cada dia mais reflexiva sobre todas as questões e todas as narrativas que a autora aborda. Inicialmente ela afirma que uma das formas de exercermos a autonomia individual é afirmando a nossa identidade através de um discurso sobre si mesmo. Ela aborda também a questão da ascensão social da pessoa negra, e segundo ela “Saber-se Negra” é viver a experiência de ter sido massacrada em sua identidade, confundida em suas expectativas, submetidas a exigências absurdas além de ser constrangida com expectativas alienadas. Afastado de seus valores originais, representados fundamentalmente por sua herança religiosa, o negro tomou o branco como modelo de identificação, como única possibilidade de tornar-se gente (SOUZA,1983. p. 17). Todas as leituras realizadas, a partir das contribuições das intelectuais citadas acima, agregaram muito para minha formação, principalmente por não ter muito conhecimento, inicialmente, sobre as questões que iriamos tratar durante o projeto. Com essas bibliografias eu compreendi e fiquei fascinada com os trabalhos das autoras, e sobre o que iriamos tomar como foco para a realização do projeto. Elas trazem em suas obras a importância do “se reconhecer como negro/a”. O que me levou a pensar sobre mim mesma, pois durante toda minha vida me considerava parda, mas não tinha conhecimento do que isso significava. Eu entendia que ser negro eram somente as pessoas retintas, mas com o projeto e com esse estudo eu percebi que essa designação era muito além do que apenas o tom de pele, e que envolve muitas outras questões, ocasionando o meu reconhecimento como uma mulher negra. Essa reeducação é bem representada na fala de Gomes (2017. p. 28): O Movimento Negro ressignifica e politiza a raça, compreendendo-a como construção social. Ele reeduca e emancipa a sociedade, a si próprio e ao Estado, produzindo novos conhecimentos e entendimentos sobre as relações étnico-raciais e o racismo no Brasil, em conexão com a diáspora africana. Assim, ser negro não é uma condição dada, a priori. É um vir a ser. “Ser negro é tornar-se negro” (SOUZA, 1983. p. 115). Outra questão que foi muito abordado pelas autoras nos livros é a “ascensão social”. Foi algo que quando li fiquei sem entender o que era, porém durante a discussão nas reuniões, as professoras Kelly e Leidiane esclareceram e achei uma questão muito importante em ser tratada. O negro brasileiro que ascende socialmente não nega uma presumível identidade negra. “Enquanto negro, ele não possui uma identidade positiva, a qual possa afirmar ou negar” (SOUZA, 1983. p. 77). E essa questão me levou a pensar na minha ascensão social, pois eu e minha irmã, que também está na universidade, fomos as primeiras da família a ingressar primeiramente, em um Instituto Federal para fazer o ensino médio, e agora ao ingressarmos na Universidade, e que apesar de sermos de classe baixa, moradoras de zona rural, negras, hoje estamos ascendendo socialmente. Tudo isso me leva a cada dia refletir ainda mais sobre minha formação e minha atuação como futura docente de biologia. Todas as questões tratadas anteriormente, agregam muito em meu conhecimento, na minha atuação como discente de licenciatura e para minha formação como futura docente de biologia, as quais levarei para minha vida, de modo a pensar na minha regência como uma professora de biologia antirracista, erradicando pensamentos e desconhecimento sobre as relações étnico-raciais. E me fez ver a importância da implementação da Lei 10.639/2003, que torna obrigatória a inclusão do ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana dentro das disciplinas que já fazem parte das grades curriculares dos ensinos fundamental e médio, pois são questões de extrema importância para a formação de professores/as e para uma sociedade menos racista. A professora Roseane, trouxe três exemplos de atuação antirracista em suas aulas. O primeiro foi o conteúdo de ciclo celular e divisão celular, onde trouxe como forma de “intervenção” a história de Henrietta Lacks. Mulher negra, pobre, mãe de cinco filhos, que viveu entre 1920 a 1951. Em 1951 foi diagnosticada com câncer de colo do útero, e amostras desse tecido foram retiradas para análise sem o seu consentimento e de sua família. Segundo a professora, as células retiradas foram muito importantes para estudos posteriores, as quais foram denominadas células “HeLa”, que ao longo do tempo foram e são muito utilizadas em pesquisas no mundo inteiro, possibilitando muitas descobertas. Ela também apresentou uma proposta de atividade que traz três questões iniciais sobre a postura dos cientistas em relação a Henrietta. Outro exemplo foi a representatividade da mulher negra na ciência, que no mês de julho, faz uma atividade com os alunos no dia Internacional da Mulher Negra Latino Americana e Caribenha, onde eles pesquisam por mulheres negras cientistas e apresentam um seminário. O terceiro exemplo foi dentro do tema de classificação dos seres vivos, onde trouxe outra forma de classificação dos animais proposta pelo prof. Dr. Walter Cerqueira, que utiliza o Sistema de classificação africanos, baseado em referenciais das religiões de matriz africana, para sistematizar a fauna utilizando como fonte de ferramentas chaves de identificação dicotômicas. Achei muito interessante, pois sempre fiquei na dúvida de como realmente seria essa atuação com relação a abordagem dos conteúdos em sala de aula, e sempre quis ver exemplos dessa atuação, e ela trouxe os exemplos de forma muito instigadora, mostrando muitas formas ser uma professora de biologia, e isso é de grande valia quando se trata da formação de graduandas/os para uma educação antirracista no ensino de biologia. A professora Kelly Meneses trouxe uma fala na sua apresentação que me identifiquei muito, ela disse que foi na licenciatura que começou a se descobrir e também descobrir um mundo que não sabia que existia, e passou a conhecer intelectuais negros e negras. E isso também aconteceu comigo, onde durante toda minha formação inicial não tinha conhecimento sobre a questão das relações étnico-raciais, só vindo ter contato direto primeiramente nas aulas da professora Kelly, principalmente na componente curricular História e Cultura Afro-brasileira e Africana. E como ela eu também fiquei muito fascinada pela dimensão dessas questões e hoje estou aqui, no projeto de extensão que as tem como foco principal. Conclusão: O projeto trouxe à tona muitas questões que são de suma importância na formação de graduandas/os de Biologia visando a educação antirracista. Uma destas foi o quanto ele é importante para pensarmos a implementação da Lei 10.639/2003. E também a ascensão social, que vai muito além de apenas elevar a classe social. Outra questão tratada é o quanto o que os movimentos sociais, principalmente o Movimento Negro, reverbera na vida de muitas pessoas. Também é apontado que uma atuação antirracista não é somente discutir temas pontuais, mas tornar as discussões das relações raciais atravessadas transversalmente em todos os conteúdos no ensino de biologia. O que é um desafio, por se tratar de uma área que foi construída em uma perspectiva eurocêntrica em determinada época. Inclusive Roseane nos deu um conselho durante a sua palestra: de nos alimentarmos das redes de apoio de outros/as professores/as, onde eles e elas compartilham suas experiencias e que vão nos ajudando a tecer as nossas práticas educativas antirracistas no ensino de biologia.

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Biografia do Autor

Kelly Fernandes , Universidade do Estado da Bahia

Doutoranda em Ensino, Filosofia e História das Ciências (UFBA). Mestre em Educação (IM/UFRRJ). Licenciada e Bacharel em Ciências Biológicas pela Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS). Professora substituta no curso de Biologia, Colegiado de Ciências Biológicas UNEB – Campus VII. Professora de Ciências na Prefeitura de Camaçari – BA. UNEB – Senhor do Bonfim/BA.

Leidiane Macambira, Instituto de Educação Professor Ismael Coutinho - IEPIC-RJ

Doutora em Educação (UFF), Mestre em Educação e pedagoga (FFP-UERJ). Professora do Curso de Formação de Professores do Instituto de Educação Professor Ismael Coutinho - IEPIC-RJ.

Referências

GOMES, Nilma Lino. O movimento negro educador: saberes construídos nas lutas por emancipação. Petrópolis, RJ: Vozes, 2017.

SOUZA, Neusa Santos. Tornar-se negro: As vicissitudes da identidade do negro brasileiro em ascensão social. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1983.

Publicado

2022-11-14

Como Citar

Silva, L., Fernandes , K. ., & Macambira, L. . (2022). Conhecimentos Produzidos a partir de um Projeto de Extensão para uma Formação Antirracista na Licenciatura em Biologia. Encontro De Discentes Pesquisadores E Extensionistas, 1(01), e202209. Recuperado de https://revistas.uneb.br/index.php/edpe/article/view/15434