Gestão no Ambiente Educacional
Alex Braga
Universidade Federal do Espírito Santo
Ana Maria Calil
Universidade de Taubaté
Ana Silvia Moço Aparicio
Universidade Municipal de São Caetano do Sul
André Ricardo Magalhães
Universidade do Estado da Bahia
Celi Corrêa Neres
Universidade Federal Mato Grosso do Sul
Elisa Maria Dalla-Bona
Universidade Federal do Paraná
Emília Peixoto
Universidade Estadual de Santa Cruz
Jason Ferreira Mafra
Universidade Nove de Julho
Juracy Machado Pacíco
Universidade Federal de Roraima
Márcea Andrade Sales
Universidade do Estado da Bahia
Marcos Tanure Sanabio
Universidade Federal de Juiz de Fora
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA - UNEB
Maria da Salete Barboza de Farias
Universidade Federal da Paraíba
Maria de Fátima Gomes da Silva
Universidade Estadual de Pernambuco
Marli Eliza Dalmazo Afonso de André
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Nilma Soares
Universidade Federal de Minas Gerais
Nilma I. Spigolon
Universidade Estadual de Campinas
Patrícia Lessa Santos Costa
Universidade do Estado da Bahia
Lucio Hammes
Universidade Federal do Pampa
Roseli Gomes Brito de Sá
Universidade Federal da Bahia
Siderly do Carmo Dahle de Almeida
Centro Universitário Internacional Uninter
Viviane Klaus
Universidade do Vale do Rio dos Sinos
Antonio Marques Moreira
Universidade de Coimbra/Portugal
Cristhian Esteban
Universidad de Chile/Chile
David Mallows
UCL/Londres
Joan Pages Blanch
Universitat Autonoma de Barcelona/Espanha
José Pedro Amorim
Universidade do Porto/Portugal
CONSELHO EDITORIAL
Fernando Juan Garcia Masip
Universidade Autônoma Metropolitana - Xochimilco/México
Francisco Armas Quintá
Universidade de Santiago de Compostela/Espanha
Victor Amar Rodriguez
UCL/Londres
Xosé Carlos Macia Arce
Universitat Autonoma de Barcelona/Espanha
José Pedro Amorim
Universidade de Santiago de Compostela/Espanha
Publicação quadrimestral do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação, ofertado na modalidade Prossional,
do Programa de Pós-Graduação Gestão e Tecnologias aplicadas à Educação e da Universidade do Estado da Bahia.
Os artigos assinados reetem o ponto de vista dos autores, não coincidindo, necessariamente, com o dos Editores e do Conselho Editorial da revista.
JOSÉ BITES DE CARVALHO
Reitor
MARCELO DUARTE DANTAS D ÁVILA
Vice-reitor
Editora Cientíca
Márcea Andrade Sales
MÁRCEA ANDRADE SALES
Pró-Reitora de de Pesquisa e Ensino de Pós-Graduação
Equipe Editorial
Darlaine Pereira Bonm das Mercês
Gilvania Clemente Viana
Tatiana Dias Silva
CONSELHO EDITORIAL - INTERNACIONAL
Salvador, v.5 n.1 p.1-304 jan./abr. 2020
ISSN 2177-5060
E-ISSN 2447-9373
Gestão no Ambiente Educacional
Revista vinculada a:
© PLURAIS Revista Multidisciplinar
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA - UNEB
Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu Gestão e Tecnologias aplicadas à Educação
Prédio de Pós-Graduação - 3° andar
Rua Silveira Martins, 2555 - Cabula
41150-000 - Salvador - Bahia - Brasil
Fone/fax: + 55 71 3117-5307
www.uneb.br / revistaplurais@gmail.com
Capa
Angela Garcia Rosa
Diagramação e Editoração
Gilvania Clemente Viana
Márcea Andrade Sales
Projeto gráco
Equipe Plurais Revista Multidisciplinar
Fomento Institucional
Edital PAEP PÓS / UNEB
Sumário
Dossiê Temático
A GESTÃO ESCOLAR COMO SUBSÍDIO AO DIREITO À EDUCAÇÃO: uma articulação a partir da noção de função social
da escola
Catarina de Almeida Santos, Danielle Xábregas Pamplona Nogueira e Marcello Ferreira
9
INSTRUMENTOS DE AVALIAÇÃO DE CURSOS: indícios que denem a qualidade de um curso de graduação na perspectiva
do SINAES
Adenize Costa Acioli e Maria Antonieta Albuquerque de Oliveira
17
INSTITUCIONES EDUCATIVAS CONFESIONALES Y EL IMPACTO EN EL DESARROLLO LOCAL: el caso de la
Universidad Adventista del Plata (UAP) en la Ciudad del Libertador San Martin (ARGENTINA)
Ricardo Costa Caggy
35
GESTÃO ESTRATÉGICA: uma análise do primeiro ciclo de implementação em uma Instituição de Ensino Superior
Confessional da Bahia [2014-2018]
Tânia Moura Benevides, Marco Antônio Leal Góes e Jéssica Nascimento de Oliveira
68
ESTRUTURA E ORGANIZAÇÃO NA UNIVERSIDADE MULTICAMPI
Celeste Maria Pacheco de Andrade e Lídia Boaventura Pimenta
96
COMPETÊNCIAS E HABILIDADES DO PROFESSOR GESTOR: atribuições no modelo multicampi
Lina Maria Brandão de Aras, Ana Claudia Pacheco de Andrade e Luzinete Gama de Oliveira
123
Sessão Especial COVID-19
EM DEFESA DAS TECNOLOGIAS DE INFORMÃO E COMUNICAÇÃO NA EDUCAÇÃO BÁSICA: diálogos em
tempos de pandemia
Ricardo Ducatti Colpas, Eliane Medeiros Borges e Galdino Rodrigues de Souza
146
Estudos / Ensaios
LEITURA E TRABALHO DOCENTE NA ESCOLA: ontem e hoje
Rosemary Lapa Oliveira
171
QUESTÕES DE GÊNERO NA APRENDIZAGEM AO LONGO DA VIDA
Antonio Carlos Dias Junior e Alan Caballero
193
PERCEPÇÕES DA COMUNIDADE ESCOLAR SOBRE OS RESULTADOS QUALITATIVOS E QUANTITATIVOS EM
UMA ESCOLA INTEGRAL
Alessandra Marcos Aguiar e Odaléa Feitosa Vidal
220
A NOVA GESTÃO PÚBLICA NA EDUCAÇÃO: uma análise das escolas “concertadas” na Espanha
Juliano Mota Parente
241
IMPACTOS EDUCACIONAIS E SOCIOCULTURAIS NA EDUCAÇÃO BÁSICA: estudo de caso sobre a implantação de uma
Comissão Própria de Avaliação
Denise Alves Lucena e Doriele Silva Andrade Costa Duvernoy
261
ORIENTAÇÃO EDUCACIONAL NAS ESCOLAS TÉCNICAS ESTADUAIS DE SÃO PAULO: inserção, atribuições e
contexto de atuação
Paulo Roberto Prado Constantino, Malia Macorin de Azevedo e Sérgio Eugenio Menino
285
Summary
Thematic Dossier
SCHOOL MANAGEMENT AS A SUBSIDY TO THE HIGHT TO ADUCACION: an articulation based on the notion of the school´s
social function
Catarina de Almeida Santos, Danielle Xábregas Pamplona Nogueira e Marcello Ferreira
9
COURSE EVALUATION TOOLS: indicators that dene the quality of an undergraduate course from the perspective of SINAES
Adenize Costa Acioli e Maria Antonieta Albuquerque de Oliveira
17
THE CONFESSIONAL EDUCATIONAL INSTITUTIONS AND THE IMPACT ON LOCAL DEVELOPMENT: the case of the
Universidad Adventista Del Plata (UAP), at the city Liberador San Martin (ARGENTINA).
Ricardo Costa Caggy
35
STRATEGIC MANAGEMENT: an analysis of the rst implementation cycle in a confessional higher education institution in BAHIA
[2014-2018]
Tânia Moura Benevides, Marco Antônio Leal Góes e Jéssica Nascimento de Oliveira
68
ORGANIZATIONAL STRUCTURES AT THE MULTICAMPI UNIVERSITY
Celeste Maria Pacheco de Andrade e Lídia Boaventura Pimenta
96
PROFESSOR MANAGER’S SILLS AND EXPERTISE: assignments at multi campi model
Lina Maria Brandão de Aras, Ana Claudia Pacheco de Andrade e Luzinete Gama de Oliveira
123
Sessão Especial COVID-19
IN DEFENSE OF INFORMATION AND COMMUNICATION TECHNOLOGIES IN BASIC EDUCATION: dialogues in times of
pandemics
Ricardo Ducatti Colpas, Eliane Medeiros Borges e Galdino Rodrigues de Souza
146
Studies / Essay
READING AND TEACHING WORK IN SCHOOL: yesterday and today
Rosemary Lapa Oliveira
171
GENDER QUESTIONS IN THE LIFE-LONG LEARNING
Antonio Carlos Dias Junior e Alan Caballero
193
SCHOOL COMMUNITY PERCEPTIONS ABOUT QUALITATIVE AND QUANTITATIVE RESULTS IN AN INTEGRAL
SCHOOL
Alessandra Marcos Aguiar e Odaléa Feitosa Vidal
220
THE NEW PUBLIC MANAGEMENT IN EDUCATION: an analysis of “concerted” schools in Spain
Juliano Mota Parente
241
EDUCATIONAL AND SOCIOCULTURAL IMPACTS ON BASIC EDUCATION: a case study on the implementation of an own
Evaluation Committee
Denise Alves Lucena e Doriele Silva Andrade Costa Duvernoy
261
SCHOOL COUNSELING IN VOCATIONAL EDUCATION OF STATE OF SÃO PAULO, BRAZIL: insertion, assignments and
working context
Paulo Roberto Prado Constantino, Malia Macorin de Azevedo e Sérgio Eugenio Menino
285
Resumen
Dossie Temático
LA GESTIÓN ESCOLAR COMO SUBENCIÓN AL DERECHO A LA EDUCACIÓN: una articulación basada en la noción de
función social de la escuela
Catarina de Almeida Santos, Danielle Xábregas Pamplona Nogueira e Marcello Ferreira
9
HERRAMIENTAS DE EVALUACIÓN DEL CURSO: indicadores que denen la calidad de un curso de pregrado desde la perspectiva
del SINAES
Adenize Costa Acioli e Maria Antonieta Albuquerque de Oliveira
17
INSTITUCIONES EDUCATIVAS CONFESIONALES Y EL IMPACTO EN EL DESARROLLO LOCAL: el caso de la Universidad
Adventista del Plata (UAP) en la Ciudad del Libertador San Martin (ARGENTINA)
Ricardo Costa Caggy
35
GESTIÓN ESTRATÉGICA: un análisis del primer ciclo de implementación en una Institución Confesional de Educación Superior en
Bahia [2014-2018]
Tânia Moura Benevides, Marco Antônio Leal Góes e Jéssica Nascimento de Oliveira
68
ESTRUCTURA Y ORGANIZACIÓN EN LA UNIVERSIDAD MULTICAMPI
Celeste Maria Pacheco de Andrade e Lídia Boaventura Pimenta
96
COMPETENCIAS Y HABILIDADES DEL GESTOR UNIVERSITARIO: atribuciones en el modelo multicampi
Lina Maria Brandão de Aras, Ana Claudia Pacheco de Andrade e Luzinete Gama de Oliveira
123
Sessão Especial COVID-19
EN DEFENSA DE LAS TECNOLOGÍAS DE LA INFORMACIÓN Y LA COMUNICACIÓN EN LA EDUCACIÓN BÁSICA:
diálogos en tiempos de pandemia
Ricardo Ducatti Colpas, Eliane Medeiros Borges e Galdino Rodrigues de Souza
146
Estudios / Ensayos
LECTURA Y TRABAJO DOCENTE EN LA ESCUELA: ayer y hoy
Rosemary Lapa Oliveira
171
CUESTIONES DE GÉNERO EM LA APRENDIZAJE A LO LARGO DE LA VIDA
Antonio Carlos Dias Junior e Alan Caballero
193
PERCEPCIONES DE LA COMUNIDAD ESCOLAR SOBRE LOS RESULTADOS CUALITATIVOS Y CUANTITATIVOS EN UNA
ESCUELA INTEGRAL
Alessandra Marcos Aguiar e Odaléa Feitosa Vidal
220
LA GESTIÓN ESCOLAR COMO SUBENCIÓN AL DERECHO A LA EDUCACIÓN: una articulación basada en la noción de
función social de la escuela
Juliano Mota Parente
241
IMPACTOS EDUCATIVOS Y SOCIOCULTURALES EN LA EDUCACIÓN BÁSICA: un estudio de caso sobre la implementación
de un Comité de Evaluación
Denise Alves Lucena e Doriele Silva Andrade Costa Duvernoy
261
ORIENTACIÓN EDUCATIVA Y PROFESIONAL EN ESCUELAS TÉCNICAS DE SÃO PAULO, BRASIL: admisión, tareas y
contexto de trabajo
Paulo Roberto Prado Constantino, Malia Macorin de Azevedo e Sérgio Eugenio Menino
285
Dossiê Temático
9
Catarina de Almeida Santos, Danielle Xábregas Pamplona Nogueira e Marcello Ferreira
Salvador, v. 5, n. 1, p. 09-16, jan./abr. 2020
A GESTÃO ESCOLAR COMO
SUBSÍDIO AO DIREITO À EDUCAÇÃO:
uma articulação a partir da noção de
função social da escola
CATARINA DE ALMEIDA SANTOS
Departamento de Planejamento e Administração – UNB. ORCID: 0000-0003-1864-4608.
E-mail: catarinasantos@unb.br
DANIELLE XÁBREGAS PAMPLONA NOGUEIRA
Departamento de Planejamento e Administração – UnB. ORCID: 0000-0001-8500-0402.
E-mail: daniellen@unb.br
MARCELLO FERREIRA
Instituto de Física – UnB. ORCID: 0000-0003-4945-3169. E-mail: marcellof@unb.br
10
A gestão escolar como subsídio ao direito à educação: uma articulação a partir da noção de função social da escola
Salvador, v. 5, n. 1, p. 09-16, jan./abr. 2020
A GESTÃO ESCOLAR COMO SUBSÍDIO
AO DIREITO À EDUCAÇÃO:
uma articulação a partir da noção de função social da escola
A educação, como saber historicamente acumulado, é também apropriação da cultura de um povo.
Ela é a responsável por fazer com que as novas gerações assimilem “as experiências, os conhecimentos
e os valores legados pelas gerações precedentes, [sendo assim], é fenômeno inerente ao próprio homem
e que o acompanha durante toda a sua história” (PARO, 2008, p. 105).
A sociedade moderna, em sua complexidade, traz consigo o acúmulo de saberes produzidos
historicamente, que se renova com impressionante velocidade e dinamicidade, requerendo a existência
de instituições responsáveis pelo processo educativo. A escola, ressalta Paro (2008), destaca-se entre
elas, tendo como especicidade a transmissão do saber de forma sistemática e organizada.
Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU, 2009), a educação é um direito humano
universal e deve visar à plena expansão da personalidade humana e ao reforço dos direitos e das li-
berdades fundamentais. No Brasil, em caráter estrutural, a Constituição de 1988 consentiu a educação
como um direito social, a que todos, sem distinção, devem ter acesso, delegando ao Estado e à família
garanti-lo, em cooperação com a sociedade, para o alcance da sua tríplice função: o pleno desenvolvi-
mento da pessoa, o seu preparo para o exercício da cidadania e a sua qualicação para o trabalho. Já
operacionalmente, a Lei de Diretrizes de Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996, art. 1º) dene
a educação numa perspectiva ampliada, asseverando que deva abranger “os processos formativos que
se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e
pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais”.
Fazer com que essa perspectiva de educação se concretize sempre careceu – e certamente ainda
carecerá – de muita luta, com ações e campanhas que questionem os modos de ser e de operar das
políticas públicas e das dinâmicas sociais. Como disse Anísio Teixeira, lá em 1935, ao debater os
entraves enfrentados para implementar o que foi aprovado na Constituição de 1934, “a mentalidade
dos fazedores de orçamento, geralmente homens que reputam o ensino obra eminentemente supérua,
criará todos os sosmas para demonstrar a impossibilidade material de se obedecer à Constituição”
(TEIXEIRA, 2007, p. 219). Essa armação, embora quase noventenária, é lamentavelmente ainda atual.
11
Catarina de Almeida Santos, Danielle Xábregas Pamplona Nogueira e Marcello Ferreira
Salvador, v. 5, n. 1, p. 09-16, jan./abr. 2020
A gestão da escola
1
, como organização complexa (TRAGTENBERG, 2018), é um dos
mais estatutários dispositivos da garantia do acesso à educação. Segundo Paro (2008, p. 18), “a
administração é a utilização racional de recursos para [a] realização de ns determinados”, o que
implica que ela deva mediar recursos e demandas, em vistas do alcance de sua função social.
Sendo a formação o objetivo central da escola, o projeto pedagógico deve ser a razão da ação
administrativo no interior dessa instituição. Nesse sentido, o autor defende que qualquer diretor
escolar deve, antes de tudo, ser um educador; defende, ainda, que gestão administrativa e pedagógica,
no âmbito escolar, sejam indissociáveis, pois, no campo da gestão escolar, toda prática pedagógica
está impregnada do administrativo, assim como o administrativo é potencialmente pedagógico.
No Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova de 1932 (MANIFESTO, 2006), os pioneiros
já defendiam a formação ampla dos educadores e gestores educacionais. Um educador que traba-
lhe cienticamente nesse terreno, defendia o Manifesto, deve estar decisivamente interessado na
determinação dos ns de educação e imbuído dos meios de realizá-los. Nessa perspectiva, o gestor
precisa ser, antes de tudo, um educador e, como tal, alguém capaz de compreender a realidade para
além dos muros da escola. Assim, para os signatários do Manifesto, dentre eles, Anísio Teixeira,
O físico e o químico não terão necessidade de saber o que está e se passa além
da janela de seu laboratório. Mas o educador, não, ele tem necessidade de uma
cultura múltipla e bem diversa; ele deve ter o conhecimento dos homens e da
sociedade em cada uma de suas fases, para perceber, inclusive a posição que
tem a escola, e a função que representa, na diversidade e pluralidade das forças
sociais que cooperam na obra da civilização (MANIFESTO, 2006).
Separar a gestão pedagógica da gestão administrativa – ou o gestor do educador – é incorrer
no amadorismo pedagógico ou no empirismo grosseiro de que os pioneiros falavam, pois isso im-
plicaria considerar que a escola pudesse ser administrada por quem não entende dos princípios e
das especicidades da educação. Essa instituição escolar se assenta em princípios da democracia,
da autonomia e da liberdade e deve ser plural, imiscuída em cultura e com radical envergadura e
1 Neste texto, por conveniência semântica e pela restrição do escopo dos matizes conceituais que pretendemos acessar,
tomamos gestão escolar e administração escolar como sinônimos. Sabe-se, no entanto, que, no campo dos estudos orga-
nizacionais, a perspectiva de administração escolar é eminentemente técnica e operacional, enquanto a ideia de gestão
escolar vincula-se a uma perspectiva diretiva mais sistêmica, atinente às políticas, às diretrizes educacionais, à gestão
de sistemas de ensino e escolas, considerando a autonomia e a necessidade de processos participativos.
12
A gestão escolar como subsídio ao direito à educação: uma articulação a partir da noção de função social da escola
Salvador, v. 5, n. 1, p. 09-16, jan./abr. 2020
compromisso social. Seu papel é o de garantir, de forma organizada e sistematizada, a mais difícil
das educações: aquela para viver de forma livre e democrática. Como disse Anísio,
Há educação e educação. Há educação que é treino, que é domesticação. E há
educação que é formação do homem livre e sadio. Há educação para alguns,
há educação para muitos e há educação para todos. A democracia é o regime
da mais difícil das educações, a educação pela qual o homem, todos os homens
e todas as mulheres aprendem a ser livres, bons e capazes (TEIXEIRA, 2009,
p. 107).
Garantir o direito à educação é formar para a democracia, regime que, segundo Teixeira, dela
depende fundamentalmente, pois só há democracia se tivermos uma educação capaz de “fazer do
lho do homem – graças ao seu incomparável poder de aprendizagem – não um bicho ensinado,
mas um homem” (TEIXEIRA, 2009, p. 107).
Assim, pensar a gestão como uma das dimensões do processo educativo, voltada para ga-
rantia do direito à educação, implica em envolver o conjunto dos sujeitos das comunidades escolar
e local na tomada de decisão, em problematizar políticas e diretrizes internas e externas de cunho
não democrático e que não sirvam para o alcance da educação em que todos os homens e todas
as mulheres aprendem a ser livres, bons e capazes.
As demandas externas advindas de tomadores de decisões, que reputam o ensino, espe-
cialmente para a maioria da população, obra eminentemente supérua, costumam ser contrárias
ao alcance dessa educação com referência social, não somente no Brasil, mas em praticamente
todos os países do globo. Daine Ravich
2
(2011), no livro “Vida e morte do grande sistema escolar
americano: como os testes padronizados e o modelo de mercado ameaçam a educação”, analisa
os efeitos dos testes padronizados e do modelo de mercado no sistema americano. Para a autora,
os testes, denidos por homens de negócio e não por quem entende de educação, estão colocando
o sistema educativo americano em risco, tendo em vista que não está sendo garantido a formação
dos estudantes, o que vem desencadeando e agudizando processos de segregação e exclusão.
Para Ravitch (2011, p. 251), “os fundamentos de uma boa educação serão encontrados na
sala de aula, em casa, na comunidade e na cultura, mas os reformadores empresariais do nosso
2 Diane Silvers Ravitch: Is a historian of education, an educational policy analyst, and a research professor at New
York University’s Steinhardt School of Culture, Education, and Human Development.
13
Catarina de Almeida Santos, Danielle Xábregas Pamplona Nogueira e Marcello Ferreira
Salvador, v. 5, n. 1, p. 09-16, jan./abr. 2020
tempo continuam a procurar por atalhos e respostas rápidas” (RAVITCH, 2011, p. 251). Ainda
segundo a autora,
As nossas escolas não irão melhorar se os políticos que nos governam se
meterem no território pedagógico e tomarem decisões que deveriam ser feitas
por educadores prossionais. O Congresso e os legisladores estaduais não
deveriam dizer aos professores como ensinar, tanto quanto eles não devem
dizer aos cirurgiões como realizar operações. Tampouco o currículo das
escolas deveria ser submetido a negociações políticas entre pessoas que não
possuem conhecimento sobre o ensino. A pedagogia – ou seja, como ensinar
– é domínio prossional dos professores. O currículo – ou seja, o que ensinar-
deveria ser determinado por educadores prossionais e acadêmicos, após a
devida deliberação pública, agindo com a autoridade neles investida pelas
escolas, distritos e Estados (RAVITCH, 2011, p. 251).
Os processos de organização, planejamento e avaliação das diversas atividades que fazem
parte do cotidiano das instituições escolares e da administração educacional e escolar precisam
ser pautados por ações que garantam o direito à educação. A função social da escola vai muito
além de desenvolver capacidades nos estudantes para responder o que os testes mensuram, nota-
damente os progressos dos estudantes em leitura e em matemática, pois esses testes não dão conta
de estabelecer indicadores para o que mais importa na educação: “a habilidade de um estudante
de encontrar explicações alternativas, levantar dúvidas, buscar o conhecimento por conta própria
e pensar de forma diferente” (RAVITCH, 2011, p. 252).
O que Ravitch, assim como muitos outros educadores, coloca na agenda de debate na
atualidade é o que Teixeira já apontava, em 1935, ao reetir e apontar os problemas da educação
brasileira à época. Para esse autor, o primeiro erro no campo da educação seroa tomar as causas
pelos efeitos e os efeitos pelas causas. Assim, armou que,
Desde que se iniciou a civilização democrática e industrial dos nossos tempos,
os índices de alfabetização foram-se tonando extraordinariamente signicativos
do estado de progresso de um povo, por isso que a generalização da leitura e da
escrita se tornou indispensável a generalização de modos especiais de vida e de
trabalho. Pois bem. Como não somos muito favorecidos por aqueles índices,
facilmente nos convencemos de que o necessário é conquistá-los de qualquer
jeito, para nos tornarmos de pronto civilizados. Ora, a verdade é bem outra.
14
A gestão escolar como subsídio ao direito à educação: uma articulação a partir da noção de função social da escola
Salvador, v. 5, n. 1, p. 09-16, jan./abr. 2020
Precisamos é daquela civilização, para que os índices, de longe, surjam por si
mesmos (TEIXEIRA, 2007, p. 41).
A defesa de Teixeira (2007, p. 84), de Ravitch e que é também a nossa, é a de que é preciso
ter na escola muito mais “do que o ensino a toque de caixa de leitura, escrita e contas”. É preciso
fazer com que nossos estudantes tenham oportunidades de ter uma vida melhor.
O que devem desejar os educandos brasileiros é que a escola não falhe a sua
missão; é que a escola forme a inteligência e forme o caráter. Mas, para tanto,
urge que preparemos o ambiente, que o prédio escolar e as suas instalações
atendam, pelo menos, aos padrões médios da vida civilizada, e que o magistério
tenha a educação, a visão e o preparo necessários a quem não vai apenas ser a
máquina de ensinar intensivamente a ler, a escrever e a contar, mas o mestre
da arte difícil de bem viver (TEIXEIRA, 2007, p. 85).
A tríplice função da educação, denida no art. 205 de Constituição de 1988, nos coloca
o desao de olhar para o estudante como sujeito e garantir seu desenvolvimento a partir da sua
especicidade, dentro da pluralidade. Que a escola não o apague, não o anule, não o uniformize
ou o invisibilize, garantindo as condições para que suas potencialidades intelectuais, afetivas e
psicomotoras sejam desenvolvidas.
Ao mesmo tempo, sendo ele um sujeito social, a formação para a cidadania, parte constitu-
tiva do direito a educação, não é a formatação das mentes, o controle dos corpos para que sejam
economicamente úteis e socialmente dóceis, nem a obediência pela imposição do medo, mas a
construção do respeito. Isso só é viável quando se convive com o diverso, quando não se anulam
as diferenças e quando se debate com respeito as questões postas na sociedade, como as questões
de gênero, raça e sexualidade. Não é possível formar para a cidadania quando se elimina da escola
a formação que combata o racismo, o machismo, sexíssimo, feminicídio, a homofobia, o patriarca-
do e todas as formas de violência e discriminação. Essas preocupações devem integrar o leme da
gestão escolar e operar para que jamais entremos em um mundo distópico como esse, que escolhe
entre formar para a racionalidade substantiva ou formar para a racionalidade técnica. São inúmeros
os cidadãos – e, infelizmente, também os líderes políticos – que ignoram a relação entre ciência,
tecnologia e sociedade. Espera-se que mais deles não sejam constituídos pela indiferença ou pela
ação deliberadamente neoliberal da escola. Nada poderia substituir o ambiente escolar tradicional;
trata-se de um valor civilizatório, uma conquista moderna, cuja perda se faria lamentar profunda-
15
Catarina de Almeida Santos, Danielle Xábregas Pamplona Nogueira e Marcello Ferreira
Salvador, v. 5, n. 1, p. 09-16, jan./abr. 2020
mente, pois já não podemos reconhecer em nosso meio tantos daqueles espaços comunitários que
cumpriam o papel de socialização de crianças, no sentido mais elevado de transmissão de práticas
de tolerância e de construção de acordos.
A formação para o trabalho, terceira haste do tripé, não é a formação para conformação
ao modus operandi da atual forma de organização social, em que as relações sociais se dão pela
exploração de uma parte da população sobre a outra. A formação para o trabalho, constitutiva do
direito à educação, precisa ser para a transformação das relações de trabalho em que os trabalha-
dores sejam sujeitos e não objetos ou meios de produção. A educação deve contribuir, como aponta
Vitor Paro (2008), para a transformação social a medida em que servir de instrumento dos grupos
sociais dominados, em seu esforço de superação da sociedade de classe. Esta é a indução, a tessi-
tura e a conformação social que somente se pode viabilizar por meio de uma escola democrática,
plural, defensora dos direitos humanos e das garantias de liberdade e cônscia do seu papel singular
de regulação entre do projeto político do Estado ao indivíduo e o projeto desse mesmo indivíduo
em si e para si. A gestão escolar é, pois, a vereda entre o que se está determinado para a educação
escolar como função social e dimensão para a garantia do direito à educação.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF:
Senado Federal, 1988.
BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da edu-
cação nacional. Brasília, DF: Presidência da República, [1996]. Disponível em: http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm. Acesso em: 715 de maio de 202019.
O MANIFESTO dos Pioneiros da Educação Nova (1932). Revista HISTEDBR On-line, Campi-
nas, n. especial, p. 188–204, ago. 2006. Disponível em: http://www.histedbr.fe.unicamp.br/revis-
ta/edicoes/22e/doc1_22e.pdf. Acesso em: 8 maio 2020.
ONU. Declaração Universal dos Direitos Humanos. 2009. Disponível em: https://nacoesuni-
das.org/wp-content/uploads/2018/10/DUDH.pdf. Acesso em: 7 maio 2020.
PARO, V. H. Administração escolar: introdução crítica. 15. ed. São Paulo: Cortez, 2008.
16
A gestão escolar como subsídio ao direito à educação: uma articulação a partir da noção de função social da escola
Salvador, v. 5, n. 1, p. 09-16, jan./abr. 2020
RAVITCH, D. Vida e morte do grande sistema escolar americano: como os testes padroniza-
dos e o modelo de mercado ameaçam a educação. Porto Alegre: Sulina, 2011.
TEIXEIRA, A. S. Educação é um direito. 4 ed. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 2009.
TEIXEIRA, A. S. Educação não é um privilégio. São Paulo: Companhia Editora Nacional,
1977.
TEIXEIRA, A. S. Educação para a democracia: introdução a administração educacional. 3ª
Edição. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 2007.
TRAGTENBERG, M. A Escola cmo Organização Complexa. Educ. Soc., Campinas, v. 39, n.
142, p. 183-202, jan. 2018.
Enviado em: 30 de março de 2020.
Inserido em: 20 de abril de 2020.
Esta obra está licenciada com uma Licença Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional.
Adenize Costa Acioli e Maria Antonieta Albuquerque de Oliveira
17
Salvador, v. 5, n. 1, p. 17-34, jan./abr. 2020
INSTRUMENTOS DE AVALIAÇÃO
DE CURSOS: indícios que denem a
qualidade de um curso de graduação na
perspectiva do SINAES
ADENIZE COSTA ACIOLI
Universidade Estadual de Alagoas – UNEAL. Doutora em Linguística Aplicada
Análise do Discurso. Pró-Reitora de Graduação. Orcid: 0000-0002-9488-1800.
E-mail: adenize.acioli@gmail.com
MARIA ANTONIETA ALBUQUERQUE DE OLIVEIRA
Universidade Federal de Alagoas – UFAL Doutora em Educação. Orcid: 0000-0001-8312-1542.
E-mail: mariaantonieta07@gmail.com
Instrumentos de avaliação de cursos: indícios que denem a qualidade de um curso de graduação na
perspectiva do SINAES
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INSTRUMENTOS DE AVALIAÇÃO DE CURSOS: indícios que denem a qualidade de um curso
de graduação na perspectiva do SINAES
O artigo se propõe à análise crítica dos instrumentos de avaliação externa de cursos de graduação, do
sistema federal de ensino superior, produzidos sob a ótica da política de avaliação determinada pelo
Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior – SINAES - na intenção de extrair os atributos
que identicam um curso como sendo de qualidade, na perspectiva dos indicadores ociais determinados
pelos referenciais mínimos, denidos pela Secretaria de Ensino Superior do Ministério da Educação
SESu/MEC. Nesta perspectiva, foram considerados os instrumentos de avaliação de cursos de graduação
editados entre 2004 e 2017, para ns de reconhecimento e/ou renovação de reconhecimento.
Palavras-chave: Instrumentos de Avaliação de Cursos de Graduação. Indicadores de Qualidade. Ensino
Superior.
COURSE EVALUATION TOOLS: indicators that dene the quality of an undergraduate course
from the perspective of SINAES
The article proposes a critical analysis of the external evaluation instruments of undergraduate courses of
the federal higher education system, produced from the perspective of the evaluation policy determined
by the National Higher Education Evaluation System - SINAES - in order to extract the attributes that
identify a course as being of quality, from the perspective of ofcial indicators determined by the minimum
standards, dened by the Higher Education Secretariat of the Ministry of Education - SESu / MEC. In
this perspective, the assessment tools of undergraduate courses published between 2004 and 2017 were
considered for recognition and / or renewal of recognition.
Keywords: Undergraduate Assessment Instruments. Quality Indicators. Higher Education.
HERRAMIENTAS DE EVALUACIÓN DEL CURSO: indicadores que denen la calidad de un
curso de pregrado desde la perspectiva del SINAES
El artículo propone un alisis crítico de los instrumentos de evaluación externa de los cursos de pregrado
del sistema federal de educación superior, producidos desde la perspectiva de la política de evaluación
determinada por el Sistema Nacional de Evaluación de la Educación Superior (SINAES) para extraer
los atributos. que identican un curso como de calidad, desde la perspectiva de los indicadores ociales
determinados por las referencias mínimas, denidas por la Secretaría de Educación Superior del Ministerio
de Educación - SESu / MEC. En esta perspectiva, las herramientas de evaluación de los cursos de pregrado
publicados entre 2004 y 2017 se consideraron para reconocimiento y / o renovación de reconocimiento.
Palabras-clave: Instrumentos de Evaluación de Pregrado. Indicadores de Calidad. Educación Superior.
Adenize Costa Acioli e Maria Antonieta Albuquerque de Oliveira
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INSTRUMENTOS DE AVALIAÇÃO DE CURSOS: indícios que denem
a qualidade de um curso de graduação na perspectiva do SINAES
Introdução
A proposta de trabalho foi a de analisar criticamente os instrumentos de avaliação externa
de cursos de graduação, do sistema federal de ensino superior, editados pelo Instituto Nacional
de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – INEP, entre 2004 e 2017, e elaborados em
colaboração entre a Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior – CONAES – e a
Diretoria de Estatísticas e Avaliação da Educação Superior – DEAES. As Diretrizes Curriculares
Nacionais DCN -, os referenciais nimos de qualidade denidos pela Secretaria de Ensino
Superior do Ministério da Educação – SESu/MEC - e os princípios e diretrizes do Sistema Nacional
de Avaliação da Educação Superior SINAES - serviram de referência para sua formulação. O
objetivo foi o de extrair dos documentos os indícios que classicam um curso de graduação em
relação à qualidade. Ou seja, o que identica que um determinado curso de graduação possa ser
considerado como tendo qualidade em referência aos padrões ociais?
O foco da análise foram os indicadores e/ou grupo de indicadores de cada dimensão e/ou
categoria considerando apenas os conceitos que classicam cada um deles: 3 (três), 4 (quatro) e 5
(cinco). O primeiro, denido como o referencial nimo e o último como o referencial máximo
em termos de qualidade, expressa de diferentes formas em diferentes instrumentos. Os conceitos 1
(um) e 2 (dois), neste entendimento, foram excluídos do estudo por não serem considerados como
sinalizadores de qualidade e, uma vez atribuídos aos indicadores/grupos de indicadores e dimensões/
categorias, podem comprometer o conceito nal do curso, rebaixando-o para um patamar inferior ao
aceitável como mínimo para aprovação para ns de autorização e reconhecimento ou sua renovação.
Assim sendo, o trabalho destaca e analisa nos instrumentos de avaliação de cursos, editados no
período de tempo 2004-2017 os indícios que qualicam um curso superior como de qualidade.
Instrumentos de Avaliação - Referenciais de Qualidade
Nesta perspectiva, foram identicados os seguintes instrumentos de avaliação de curso: 07
(sete) de autorização; 07 (sete) de reconhecimento; 02 (dois) de reconhecimento e renovação de reco-
nhecimento; 02 (dois) de renovação de reconhecimento e 05 (cinco) de autorização, reconhecimento
e renovação de reconhecimento, e as respectivas portarias que lhes dão respaldo legal, editados no
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período de tempo 2004-2017, considerado pelo estudo. Do total de 23 instrumentos, há aqueles
especícos.
Tabela 1. Instrumentos de Avaliação de Cursos por área de conhecimento
CURSOS NATUREZA
Autorização Reconhecimento
Direito 2008 2009
Medicina 2010 2010
Pedagogia - 2010
Superior de Tecnologia 2010 2009 e 2010
Fonte: Site do INEP
Desses observa-se, uma variação em relação à nomenclatura adotada nos mesmos que não
apontam para cursos em especial.
Tabela 2. Instrumentos de Avaliação de Cursos por especialidade
1
CURSOS NATUREZA
Autorização Reconhecimento Renovação de
reconhecimento
Reconhecimento
e renovação de
reconhecimento
Único
Bacharelado
e licenciatura
2007, 2010
2008, 2009
, 2010
- - 2011
Graduação 2017 - 2008, 2010 2006, 2017 2012,
2015
Fonte: Site do INEP
As edições de 2011, 2012 e 2015 – “cursos de bacharelado, licenciatura e superiores de
tecnologia” e “cursos de graduação”, são instrumentos únicos não se distinguindo quanto à natureza
ou à especicidade. No primeiro caso, tratando-se de autorização avalia-se a previsão de imple-
mentação dos aspectos referidos no Projeto Pedagógico de Curso – PPC - e demais documentos
1 A Portaria Ministerial n.02 de 5 de janeiro de 2009 dispõe sobre o reconhecimento de cursos de bacharelado e licen-
ciatura na modalidade presencial e traz em anexo um extrato do instrumento de avaliação. No entanto, não foi locali-
zada cópia impressa desta edição.
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apresentados pela instituição de ensino - IES. No tocante ao reconhecimento e/ou sua renovação,
considera-se se os mesmos aspectos estão devidamente institucionalizados, regulamentados e
implantados. Para atender às especicidades, recorre-se ao NSA (“não se aplica”) quando o curso
não se encontra em conformidade para ser pontuado na área de conhecimento e/ou modalidade
em processo de avaliação.
Considerando o universo acima referido, foram submetidos à análise crítica apenas os ins-
trumentos de avaliação de curso para ns de reconhecimento e/ou renovação de reconhecimento,
nomeados como “cursos de bacharelado e licenciatura” e “cursos de graduação”, por se entender
serem nestas situações que se conceituam os cursos em termos de qualidade efetivada, enquanto
a autorização pontuaria tão somente a potencialidade e a expectativa de qualidade a ser alcançada
pela concretização das condições de implantação de um projeto pedagógico a ser desenvolvido
por um corpo social, dada as condições de infraestrutura e os recursos previstos.
Não importando o regime acadêmico da IES (universidade, centro universitário ou faculdade)
os cursos devem obrigatoriamente solicitar o reconhecimento por uma comissão de avaliação
externa, quando cumprida entre 50 e 75% da carga horária total prevista em seu Projeto Pedagó-
gico
2
. Uma vez concedido, o mesmo é automaticamente renovado a cada ciclo avaliativo, caso
o curso mantenha Conceito Preliminar de Curso (CPC) igual ou superior a 3 (três). A exigência
de renovação de reconhecimento, por processo de avaliação externa, ocorre, caso o mesmo seja
igual ou inferior a 2 (dois). Importante observar que este resulta de cálculo aritmético complexo
envolvendo, entre outros indicadores, o conceito obtido pelos alunos concluintes no Exame Nacio-
nal de Desempenho do Estudante – ENADE. Infere-se, portanto, que a qualidade atestada em um
determinado curso poderá ser contestada a cada ciclo avaliativo e não está na dependência apenas
dos indicadores das dimensões avaliativas denidas pela CONAES e pontuadas nos instrumentos
de avaliação externa de curso.
Um primeiro olhar permitiu extrair dos instrumentos selecionados seus elementos estruturan-
tes - dimensões, categorias e indicadores - e identicar os termos de escala aplicados aos aspectos
a serem avaliados. Consideraram-se, também, nas dimensões, os atributos valorizados em cada
indicador. Desta feita, foi possível compor um quadro que facilitasse a análise comparativa e crítica
do material, sempre em referência aos instrumentos editados em 2006, com exceção da edição de
2017 por apresentar mudanças substanciais em sua estrutura e formulação.
2 Art. 31 da Portaria Normativa n. 23 de 21/12/2018.
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O art. 4º da Lei 10.861/2004 – Lei do SINAES dispõe que a avaliação dos cursos de gradu-
ação tem por objetivo “identicar as condições de ensino oferecidas aos estudantes, em especial as
relativas ao perl do corpo docente, as instalações físicas e a organização didático-pedagógica”. Em
seu Parágrafo arma que “utilizará procedimentos e instrumentos diversicados, dentre os quais
obrigatoriamente as visitas por comissões de especialistas das respectivas áreas do conhecimento”.
Em consonância com o dispositivo legal, as Portarias MEC – 300, de 30 de janeiro, e 563,
de 21 de fevereiro de 2006, instituíram os Instrumentos de Avaliação Externa e o de Avaliação de
Cursos de Graduação do SINAES, respectivamente, que passariam a disciplinar a concretização
das ações propostas pela política de avaliação, conforme já expresso no documento “Sistema
Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES): bases para uma nova proposta da educa-
ção superior”, e reproduzido como “Apresentação da 1ª. Edição,” na 4ª edição ampliada do livro
“SINAES: da concepção à regulamentação”:
Desse processo avaliativo, articulado com mecanismos regulatórios do Estado
decorrem ações de fomento e medidas de natureza corretiva e planos de
expansão qualicada que assegurem o desenvolvimento da Educação Superior
em patamares compatíveis com metas de curto e longo prazos, de acordo com
diagnósticos de necessidades nacionais e regionais, de avanço do conhecimento
e de atuação acadêmico prossional (BRASIL, 2007, p. 15).
Em sua decorrência foram identicados três documentos similares
3
editados em março, maio
e junho do mesmo ano com “Apresentação”
4
do, então, Ministro da Educação, Fernando Hadad,
que os denem enquanto instrumentos únicos a ser...,
(...), utilizado para o reconhecimento e renovação de reconhecimento dos
cursos de Bacharelado, Licenciatura e Tecnológicos, nas modalidades
presencial e a distância. Neste sentido, tem como características a abrangência
e a exibilização necessárias para assegurar avaliação dedigna destes cursos,
respeitando suas peculiaridades contempladas nas DCN de cada curso, a
diversidade regional e a identidade institucional.
5
No mesmo texto há a preocupação em conceituar os termos: categorias, grupo de indica-
dores, indicadores e critérios, com a nalidade de orientar os avaliadores e as próprias IES. Neste
3 Apenas a edição de maio apresenta um sistema de numeração de seus itens diferenciado dos demais.
4 Instrumento de Avaliação de Curso de Graduação, Brasília, DF, março de 2006, Apresentação.
5 Instrumento de Avaliação de Curso de Graduação, Brasília, DF, março de 2006, Apresentação.
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sentido, categorias “são agrupamentos de grandes traços ou características referentes aos aspectos
do curso sobre as quais se emite juízo de valor e em seu conjunto, expressam sua totalidade”. Gru-
po de indicadores é “o conjunto de características comuns usadas para agrupar, com coerência e
lógica, evidências da dinâmica acadêmica dos cursos”. Indicadores são “os aspectos (quantitativos
e qualitativos) que possibilitam obterem evidências concretas que, de forma simples ou complexa,
caracterizam a realidade dos múltiplos elementos institucionais que retratam”. Critérios “são os
padrões que servem de base para comparação, julgamento ou apreciação de um indicador”.
6
A leitura atenta dos referidos instrumentos, que não se diferenciam em termos de conteúdo,
permite observar que estão subsidiados por concepções e princípios de avaliação de curso no âmbito
do SINAES, em relação ao Projeto Pedagógico de Curso – PPC -, ao Projeto de Desenvolvimento
Institucional PDI - e às Diretrizes Curriculares - DCN - especícas de cada área de formação
prossional, bem como suas articulações. As edições de 2006 são as únicas que apresentam o
esquema de uma matriz orientadora do processo avaliativo e suas categorias, expressão adotada,
então, em relação às dimensões. Estruturam-se a partir de três categorias/dimensões: Organização
didático pedagógica; Corpo docente, corpo discente e corpo técnico administrativo e Instalações
físicas, que se organizam em grupos de indicadores (apenas em 2006), a serem avaliados através
de critérios para atribuição de conceitos. As categorias/dimensões, por sua vez, possuem pesos
diferenciados: 40, 35 e 25, respectivamente, enquanto que dentro da uma mesma categoria, os
grupos de indicadores possuem pesos iguais. Nas edições de 2011 e 2012, a nomenclatura das
dimensões foi revista passando a segunda a se denominar Corpo Docente e Tutorial e a terceira,
Infraestrutura, assim como os pesos atribuídos: 40, 30, 30 para autorização e 30, 30, 40 para re-
conhecimento e sua renovação.
Uma quarta dimensão - Requisitos Legais - de caráter estritamente regulatório, portanto não
pontuada para a conceituação do curso, mas com indicadores de caráter obrigatório por força de
leis e/ou resoluções cuja presença, no âmbito do curso, devem ser constatadas pelos avaliadores
externos, foram integrados aos instrumentos de avaliação na edição de 2008 e se tornaram mais
numerosos a partir de então. Indicadores imprescindíveis são os denidos por legislação em vigor,
portanto, de caráter obrigatório. Há outros aos quais pode ser atribuída a situação de NSA quando
remetem às especicidades de determinados cursos ou modalidades. Nestes, destacam-se: a não
exigência de Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) para os cursos superiores de tecnologia e a
6 IB, Apresentação.
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da pesquisa para as faculdades e centros universitários; a comprovação da experiência de trabalho
na educação básica para as licenciaturas e a formação e experiência em tutoria para os da moda-
lidade a distância. O curso de Medicina é o que se apresenta com maiores exigências especícas
em termos de aspectos a serem avaliados. A edição de 2017 apresenta substanciais alterações em
relação aos indicadores.
Faz-se importante observar que o nível de exigências para todos os cursos é sempre crescente
em relação aos aspectos descritos para serem avaliados em cada indicador. Quanto aos Requisitos
Legais, até a edição de 2015, se revestiram de alto nível de exigência, tendo a IES de se pronunciar
em função da não constatação da presença de alguns deles por ocasião da visita da comissão de
avaliação externa
7
.
Consta, ainda, dos instrumentos de avaliação uma contextualização da IES e do curso e uma
síntese preliminar a serem redigidas pelos avaliadores. Ao nal de cada categoria abre-se espaço
para uma análise qualitativa, embora nem sempre com a mesma orientação. O sentido, entretanto,
aponta para a sinalização de forças/potencialidades; fragilidades/pontos que requerem melhorias
e recomendações. Cabe aos avaliadores, também, apresentarem os argumentos que justiquem os
conceitos atribuídos aos indicadores pelos avaliadores, ou como consta das edições de 2006, um
parecer analítico nal da Comissão de Avaliação Externa e/ou para um relato global da dimensão,
expressões que variam a cada edição.
A descrição dos instrumentos de 2006 se faz pertinente por terem servido de modelo para
os demais, muito embora se evidencie a preocupação com a revisão dos mesmos no sentido de
minimizar a subjetividade do olhar dos avaliadores externos. Assim, na “Apresentação” da Portaria
Ministerial 1.081, de 19 de agosto de 2008, Fernando Hadad se refere à:
...compreensão da avaliação como um processo dinâmico, que exige mediação
pedagógica permanente, impõe ao Ministério da Educação a responsabilidade
de rever periodicamente os seus instrumentos e procedimentos de avaliação,
de modo a ajustá-los aos diferentes contextos e situação que se apresentam no
cenário da educação superior e torná-los elementos balizadores da qualidade
que se deseja para a graduação.
E conclui armando que:
7 O espaço para pronunciamento da IES está presente nas edições de 2012 e 2015.
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Com o novo instrumento de Avaliação de Cursos de graduação o INEP está
apto a implementar esta etapa do processo avaliativo integrado do SINAES,
assegurando a oferta de cursos de educação superior com qualidade acadêmica
e o compromisso social com o desenvolvimento do País
8
.
O Documento anexo à Portaria acima referida, editado em setembro de 2008, preserva as
dimensões até então contempladas nos instrumentos de avaliação anteriores e explicita, apenas, o
referencial mínimo de qualidade (conceito 3) a ser observado em cada um dos indicadores, sempre
expresso em referência a sua adequação ao aspecto em análise. Ao nal de cada dimensão abre-se
o espaço para a apreciação qualitativa em termos de “Considerações sobre a dimensão”.
A partir de 2008, por determinação da Portaria Ministerial 02, de 05 de janeiro de 2009, os
instrumentos passam a ser disponibilizados na versão on-line no sistema e-MEC. Desta forma, os
editados em dezembro de 2008, foram revisados em 2010, conservando a estrutura dos anteriores
em termos de dimensões, indicadores e critérios, agora nomeados como de análise.
Em 2011, foi postada, no site do INEP
9
, uma edição dos “Instrumentos de Avaliação de Cur-
sos de Bacharelado, Licenciatura, e Superiores de Tecnologia”, com a característica de se tratar de
um documento único para atendimento às situações de autorização, reconhecimento e renovação
de reconhecimento para cursos presenciais e na modalidade à distância.
Nesta perspectiva, um novo instrumento de avaliação substituiu os anteriores incorporando
os cursos em suas diversas modalidades e áreas de conhecimento, resguardando as especicidades
quando necessário. Mantiveram-se as mesmas dimensões, porém, com pesos diferenciados em se
tratando de autorização ou reconhecimento e sua renovação. Assim, para a primeira situação, a
Infraestrutura passou a ter peso 40 e as demais, peso 30; para reconhecimento e renovação de reco-
nhecimento o maior peso recai sobre a Organização didático pedagógica. Há um maior quantitativo
de indicadores a serem pontuados segundo critérios de análise e o espaço para o relato global de
cada dimensão. As fontes de consulta para os avaliadores externos foram acrescidas das informações
prestadas pela IES no formulário eletrônico disponibilizado no sistema e-MEC. Observe-se que,
por se tratar de um único instrumento servindo para todas as situações de avaliação de curso, os
critérios de análise são pontuados em função de uma análise sistêmica e global da previsão (caso
de autorização) ou da constatação de sua implantação e regulamentação (caso de reconhecimento/
renovação de reconhecimento).
8 Instrumento de Avaliação dos Cursos de Graduação. Apresentação, Brasília, set. 2008.
9 Consulta feita ao site do INEP em dezembro de 2019 não constatou a presença desse instrumento de avaliação.
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Na intenção de se revisar constantemente os instrumentos, a Portaria 1.741, de 21 de de-
zembro de 2011 em seu Art. 1º resolve: “Aprovar em extrato os indicadores do Instrumento de
Avaliação de Cursos de Graduação nos graus de tecnólogo, de licenciatura e de bacharelado para
as modalidades: presencial e a distância, anexo a esta Portaria”, dando oportunidade a que, a partir
de maio de 2012, fosse inserido no site do INEP uma nova edição, mantendo as características da
anterior em termos de estrutura e termos de escala. Os indicadores, entretanto, são mais explícitos
em função dos aspectos a serem comprovados pelos avaliadores. Crescem, também, as exigências
em relação ao curso de Medicina.
A Portaria 670, de agosto de 2017, embasa legalmente novas edições – uma de autorização
e outra de reconhecimento e renovação de reconhecimento, essa contemplada nesse artigo, por
apresentar substanciais mudanças estruturais, embora mantenha a conguração das dimensões
Organização Didático-Pedagógica, Corpo Docente e Tutorial e Infraestrutura.
A edição 2017 ao formular os termos de escala atribuindo maior precisão às categorias de
análise a serem evidenciadas em cada indicador sinaliza a intenção do almejado controle da sub-
jetividade do olhar dos avaliadores.
O atual instrumento traz novos indicadores em relação as edições anteriores, tendo alguns
sido alterados; outros suprimidos e/ou sofreram junção, resultando em um documento mais conciso,
muito embora ainda persista a subjetividade que se pretendia eliminar, notadamente em relação a
Dimensão 2 ao tratar de indicadores relacionados à titulação e experiência de magistério superior
e/ou de ensino a distância do corpo docente e tutorial. Antes esses indicadores eram avaliados em
bases quantitativas; agora passam a sê-lo considerando aspectos qualitativos de nem sempre fácil
comprovação.
A dimensão Requisitos Legais deixa de ser objeto de observação pela comissão de avaliadores
externos e passa a ser contemplada em outras etapas de tramitação dos processos. Ainda assim, os
aspectos legais e regulatórios não deixam de se fazer presentes no corpo do documento atrelados a
critérios de análise de alguns indicadores como, por exemplo, a política de Acessibilidade (reduzida
a oferta da disciplina de LIBRAS) a ser observada em relação à estrutura curricular do curso, e as
políticas de Educação Ambiental, Direitos Humanos, Relações Étnico-raciais e História e Cultura
Afro-brasileira, africana e indígena que devem estar incluídas nos conteúdos curriculares.
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O texto de “Apresentação” do Documento justica a necessidade de se proceder à
análise, revisão e adequação dos instrumentos, por um Comitê Gestor eminentemente
ocial, subsidiado por uma Comissão Consultiva que congrega parceiros de instituições
ligadas à educação, com o propósito de “democratizar e tornar mais transparente” os
procedimentos avaliativos. Entre esses parceiros encontram-se: a Associação das Uni-
versidades Comunitárias (ABRUC); o Fórum das Entidades Representantes do Ensino
Superior Particular (FÓRUM); a Associação Brasileira de Educação a Distância, (ABED),
o Fórum Nacional de Pró-reitores das Universidades Estaduais e Municipais (ForGRAD),
a Associação Brasileira de Reitores das Universidades Estaduais e Municipais (ABRUEM)
e a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior
(ANDIFES).
Ainda, o mesmo documento arma que o aporte para as alterações realizadas está na
legislação pertinente, em novas resoluções legais, em estudos estatísticos, metas do Plano
Nacional de Educação, em demandas da sociedade civil organizada e da comunidade aca-
dêmica, na incorporação de sugestões dos especialistas do BASis e no diálogo permanente
entre INEP e a Secretaria de Ensino Superior - SERES.
As dimensões foram ponderadas diferentemente, considerando as versões instrumen-
to de autorização e instrumento de reconhecimento e renovação de reconhecimento, este
com atribuição de maior peso à Dimensão 2 – Corpo Docente e Tutorial (40) e enquanto
as demais caram com pesos iguais (30). Um glossário serve a explicitar aos avaliadores
externos o signicado dos termos constantes do instrumento.
Atenção especial deve ser dada na análise dos instrumentos de avaliação de curso são os
termos de escala, pinçados à cada edição, que servem à comprovação da presença dos indicadores,
exprimindo ideias de quantidade: não existente, insuciente e suciente a serem atribuídos aos
conceitos 1, 2 e 3, respectivamente. Já para os conceitos 4 e 5, há sempre um viés mais tendente
ao qualitativo: bom/bem e muito bom/muito bem, até o emprego dos termos “plenamente” e
“excelente”, presentes a partir de 2008 até o documento de 2015, esses últimos, de conotação
claramente qualitativa.
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Instrumentos de avaliação e os indícios de Qualidade
Faz-se importante, então, introduzir a discussão sobre os termos “qualidade” ou, melhor ainda,
“qualidade acadêmica” em referência direta ao discurso ocial aplicado aos cursos de graduação.
Temos como aceito que “qualidade” em referência direta à educação é conceito que se re-
veste de polissemia e varia em função do sujeito que profere o discurso. Em estreita observação,
porém à política adotada pelo SINAES, pode ser referenciada às dimensões que servem de análise
às condições de oferta dos cursos de graduação, quais sejam: Organização didático pedagógica,
Corpo docente, corpo discente e corpo técnico administrativo/Docente e tutorial e Instalações
físicas/Infraestrutura,
Seria, então, o caso de se questionar que atributos, em cada indicador das diferentes dimen-
sões que compõem os instrumentos de avaliação, poderiam, uma vez satisfeitos os referenciais
mínimos, serem pontuados/evidenciados em nível de qualidade acadêmica?
Revisita-se, mais uma vez, os documentos ociais para tentar identicar o que aos olhos da
política educacional seriam atributos de qualidade e, em última instância, sua manifestação/evidência
em grau de excelência, uma vez introduzido este termo de escala nos instrumentos de avaliação.
O alcance da qualidade das ações acadêmico-administrativas dos cursos depende, portanto,
do quadro docente, do corpo técnico-administrativo, dos projetos pedagógicos de cursos, além
da infraestrutura física e logística e do ambiente educacional. A exigência da qualidade comporta
múltiplos aspectos e o objetivo primordial das medidas adotadas no momento da avaliação deve
induzir à melhora no desempenho dos cursos.
A leitura atenta dos instrumentos facilita identicar que constatações de natureza acadêmico-
-administrativas poderiam permitir aferir a qualidade intrínseca a cada curso, expressas nas relações
a serem estabelecidas face aos critérios de análise dos indicadores das dimensões avaliativas.
Em relação à dimensão Organização didático pedagógica valoriza-se: a adequação da pro-
posta do curso às demandas de ordem política, econômica e social considerando o contexto local
e regional; a inserção e a implantação das políticas institucionais de ensino, pesquisa e extensão
no âmbito do curso; a coerência entre as competências e o perl de egresso denidos nas diretrizes
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curriculares da área de formação prossional do curso com os objetivos, os conteúdos curriculares
e a bibliograa sugerida nas ementas das disciplinas. Atribui-se importância ainda à coerência entre
a concepção metodológica expressa no PPC e as práticas de ensino e de avaliação da aprendizagem
e do curso que deve prover um currículo exível, oferecendo condições de interdisciplinaridade
e enriquecido com a presença da relação teoria/prática, do estágio supervisionado, do trabalho
de conclusão de curso (TCC) e as atividades complementares, todas estas atividades acadêmicas
devidamente regulamentadas e institucionalizadas.
Importante observar, entretanto, em relação ao perl do egresso, que o valor atribuído à
formação para a cidadania, indicador presente nas edições de 2006, foi omitido nas demais, não
sendo substituído por outro com teor semelhante ou no mesmo sentido.
A edição de 2017 recupera e atribui importância as experiências de formação prossional
que o curso oferece em consonância com o perl do egresso estabelecido nas DCN, não atentando
para a formação para a cidadania. Assim, as políticas institucionais, os objetivos, a estrutura e os
conteúdos curriculares e a metodologia devem estar voltadas fundamentalmente para a concreti-
zação de um egresso anado com o mercado de trabalho.
A dimensão Corpo docente, discente e técnico administrativo/Corpo docente e tutorial
enfatiza, enquanto aspectos a serem valorizados, a atuação, participação, qualicação, compromisso
e experiência prossional dos sujeitos na gestão e na docência do curso, tais como: coordenador,
docentes e, a partir de 2010, os membros dos Núcleos Docentes Estruturantes – NDEs, que ganham
maior relevo na edição mais recente dos instrumentos, passando a lhes ser cobrada uma atuação
mais efetiva na concepção, acompanhamento e avaliação do curso. A experiência é computada em
relação à atuação docente no ensino superior, mas exigida, também, na área de formação prossio-
nal, na intenção de aferir o domínio do conhecimento do professor para além do plano meramente
teórico.
Neste sentido, por exemplo, nos cursos de licenciatura é cobrada aos docentes a comprova-
ção de experiência na Educação Básica. Infere-se, pois, que a competência do professor deve ser
mensurada, entre outros atributos, em um discurso qualicado, alimentado pela prática. O mesmo
critério se aplica aos docentes de todas as áreas de conhecimento e modalidades de curso.
Instrumentos de avaliação de cursos: indícios que denem a qualidade de um curso de graduação na
perspectiva do SINAES
30
Salvador, v. 5, n. 1, p. 17-34, jan./abr. 2020
Ainda, na mesma dimensão, para além destes atributos a serem avaliados, de caráter
mais qualitativo, as edições anteriores a de 2017, observava-se a exigência da presença de um
percentual otimizado de docentes titulados em cursos de pós-graduação stricto senso, bem como
a articulação entre estes, o regime de trabalho e o quantitativo de vagas autorizadas para a oferta
do curso, aspectos não tão relevantes no atual instrumento de avaliação.
Quanto às Instalações físicas/Infraestrutura os requisitos são no sentido da disponibilidade
aos docentes, discentes e técnicos administrativos de ambientes de estudo, de práticas e de trabalho
dotadas de condições de conforto, conservação e higiene e recursos tecnológicos compatíveis com
as atividades acadêmicas neles desenvolvidas, além de equipamentos especícos sucientes para a
realização das atividades de práticas e pesquisa em laboratórios especializados, em conformidade
com a natureza dos cursos. A intenção é comprovar se os objetivos propostos e as competências
enunciadas no PPC são possíveis de se concretizar com as condições físicas presentes e disponi-
bilizadas para viabilidade do curso.
Um indicador observado com muito cuidado em relação a esta dimensão se refere ao acervo
bibliográco, a ser mensurado em perspectiva qualitativa e quantitativa e que passa a considerar
e valorizar a perspectiva da facilitação de acesso aos acervos virtuais. É nesta perspectiva que se
retoma as palavras de Hadad ao apresentar os instrumentos de avaliação de curso no ensejo de
“... torná-los elementos balizadores da qualidade que se deseja para a graduação” e analisando
a série histórica iniciada em 2006, elucida-se a intenção de se promover a indução de aspectos
considerados importantes para o alcance da qualidade acadêmica que se almeja, pois a revisão
periódica dos indicadores traduz-se na intenção de provocar o afunilamento do olhar investigativo
dos avaliadores para a comprovação mais efetiva dos atributos desejáveis de serem alcançáveis.
Infere-se, pois, que uma vez os cursos avaliados demonstrem ter, em sua maior parte, alcan-
çado tais aspectos, há que se elevar o nível de exigências de forma a garantir que a qualidade seja
sempre um desao proposto pela SESu/MEC e uma meta a ser cumprida pelas IES. O emprego do
termo de escala “excelência” encontra assim sua razão de ser para aplicação aos indicadores que
tenham respondido para além do satisfatório às exigências requeridas em cada dimensão, sempre
devidamente evidenciadas.
Adenize Costa Acioli e Maria Antonieta Albuquerque de Oliveira
31
Salvador, v. 5, n. 1, p. 17-34, jan./abr. 2020
A partir do momento que os termos de escala utilizados nos instrumentos de avaliação de
curso do INEP se propõem a pontuar a excelência em relação aos cursos de graduação seria inte-
ressante observar o que distingue “qualidade” de “excelência” em nosso sistema de ensino superior.
A adoção do termo de escala “excelência” (conceito 5) para a pontuação máxima de um
indicador, pressupõe que o mesmo seja considerado não apenas como plenamente atendido em
todos os aspectos exigidos pelo referencial de qualidade ocial (conceito 4), mas que se revista de
efetividade e ecácia, portanto, exceda a qualidade acadêmica desejada, para situar-se em patamar
mais elevado. Então, não basta satisfazer a exigência de se comprovar a presença dos aspectos
referidos nos indicadores, mas de apresentá-los dotados de atributos que ultrapassem o que seria
desejável em termos de qualidade acadêmica.
A aferição do que se pretende, a partir de 2017, como qualidade acadêmica, substitui o que
antes se expressava por excelência pela expressão Muito Bom, embora continue a ser a meta a ser
alcançada pelo sistema de regulação proposto pelo SINAES. Essa agora se expressa referenciada
aos termos: “atende”, “expressa”, “articula”, “promove” e outros mais que se aplicam aos indica-
dores de cada dimensão e que devem estar presentes e evidenciados em graus crescentes em cada
indicador até ser considerado Bom ou Muito Bom. Assim, mantém-se os conceitos 1 e 2 como
insatisfatórios ou parcialmente insatisfatórios; 3 satisfatório; 4 bom e 5 muito bom, ou seja, os dois
últimos expressam o teor de qualidade/excelência auferida pelo curso.
Por “evidência” entende-se a conrmação de um fato vericado in loco pela comissão de
avaliação externa a luz dos critérios de análise e que devem ser substanciados por informações
pertinentes, necessárias à complementar a decisão pela atribuição do conceito. Este deve levar
em conta todos os atributos do critério de análise que se apresentam grifados em cada indicador.
Consideram-se como fontes de evidências as informações inseridas no e-MEC, entrevistas com
diferentes sujeitos da IES ligados ao curso, a análise de seus documentos e a vericação das con-
dições de infraestrutura.
Na mesma perspectiva, faz-se importante observar o caráter fortemente indutivo da dimensão
4 – Requisitos Legais -, determinando a obrigatoriedade da adoção e implantação das políticas
educacionais uma vez devidamente regulamentadas. A exemplo, convém citar a criação do NDE,
a princípio de existência restrita aos cursos de Direito e de Medicina, por força da Portaria 147, de
2007, mas informalmente cobrado aos demais cursos, até sua implantação em caráter universal pelo
Parecer CONAES 01/10. A mesma observação se aplica aos demais indicadores que passaram a
Instrumentos de avaliação de cursos: indícios que denem a qualidade de um curso de graduação na
perspectiva do SINAES
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Salvador, v. 5, n. 1, p. 17-34, jan./abr. 2020
compor esta dimensão até a edição de 2015. Sua supressão em 2017, embora não tenha eliminado
de vez as exigências de cumprimento legal das políticas que regem o ensino superior, com certeza
não favorece a implantação das mesmas, uma vez que diluídas por levemente referenciadas a poucos
indicadores e não mais sendo objeto de cobrança pelos avaliadores externos, pouco contribuição
poderão dar a fomentação de ações a elas pertinentes.
O que se observa é que a exigência de se alcançar o mais elevado grau de qualidade, qual
seja o de excelência/muito bom, atentando às prerrogativas da indução faz com que as IES pas-
sem a compor, frente à iminência da presença de uma comissão de avaliação externa, um cenário
maquiado que, em muitas das vezes, não encontra correspondência em seu fazer cotidiano, mas
conrma o desejável. Assim sendo, sugere-se uma pseudo qualidade frente às diferentes realida-
des avaliadas, situação que se pretende atenuar com a exigência de se justicar de forma mais
contundente a evidência da comprovação dos critérios de análise de cada indicador, introduzido
na edição de 2017 dos instrumentos de avaliação de curso. Considerar que um dado curso possui
qualidade em relação aos aspectos solicitados, não signica que realmente a tenha efetivamente,
ainda que respondendo adequadamente ao desao posto. O que se avalia, nesta circunstância, é
não é tão somente a capacidade do curso se adequar ao modelo ideal desenhado pelo atendimento
quantitativo e qualitativo aos indicadores das dimensões aos quais deve se regular, mas sua com-
provação através de fatos e práticas evidenciadas e documentadas.
Considerações Finais
Apreender o discurso da qualidade tendo como pano de fundo a educação superior se
traduz em tarefa árdua da qual já tínhamos conhecimento ao iniciarmos este trabalho. No entanto,
direcionamos nosso olhar para os instrumentos de avaliação externa de cursos de graduação para
reconhecimento e renovação de reconhecimento, editados pelo INEP, entre 2006 e 2017, para tentar
extrair os atributos que conceituam um curso superior de graduação como sendo de qualidade na
perspectiva do discurso ocial.
O atendimento às exigências dos referenciais de qualidade ociais em grau de plenitude,
excelência ou conforme os termos de escala constantes dos instrumentos de avaliação seria se
compor à imagem de um modelo ideal, abstração que não passa de um constructor referencial de
atributos altamente desejáveis a serem demonstrados pelos cursos de graduação das diferentes
categorias e instituições de ensino superior. Neste sentido, um curso de qualidade seria aquele que
conseguisse satisfazer evidenciando plenamente a prática de todos os atributos das três dimensões
Adenize Costa Acioli e Maria Antonieta Albuquerque de Oliveira
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Salvador, v. 5, n. 1, p. 17-34, jan./abr. 2020
e ainda atendesse aos requisitos legais, agora bastante atenuados e diluídos, oriundos das determi-
nações impostas ao sistema federal de ensino.
Vale destacar que, a qualidade também passa pela comprovação das condições de viabi-
lizar um Projeto Pedagógico a ser implantado sob a responsabilidade de um corpo social apto a
conduzir uma dinâmica acadêmica coerente e lógica dada às condições de infraestrutura e recursos
disponíveis.
Assim, considerando a possibilidade do alcance da qualidade que se almeja, percebe-se
que o atendimento a este patamar se caracteriza como uma situação de exceção no cômputo geral
dos conceitos atribuídos aos cursos superiores. Portanto, um curso em nível de excelência, ainda
se congura como um curso oferecido por poucas IES e para poucos alunos, a conrmação desta
condição revela um andar na contramão da democratização da educação superior, política educa-
cional tão prezada pela sociedade e tão imprescindível para o desenvolvimento político, econômico
e sócio cultural do país.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei 10.861 de 14 de abril de 2004. Congresso Nacional. Brasília, DF.
BRASIL, Ministério da Educação. Portaria n. 300 de 30 de janeiro de 2006. Brasília, DF.
BRASIL, Ministério da Educação. Portaria n. 563 de 21 de fevereiro de 2006. Brasília, DF.
BRASIL, Ministério da Educação. Portaria n. 1.081 de 19 de agosto de 2008. Brasília, DF.
BRASIL, Ministério da Educação. Portaria n. 02 de 05 de janeiro de 2009. Brasília, DF.
BRASIL, Ministério da Educação. Portaria n.741 de 21 de dezembro de 2011. Brasília, DF.
BRASIL, Ministério da Educação. Portaria n. 670 de 11 de agosto de 2017. Brasília, DF.
BRASIL, Ministério da Educação. Portaria n. 23 de 21 de dezembro de 2018. Brasília, DF.
BRASIL, Ministério da Educação, CONAES, INEP, DAES, SINAES. Diretrizes para a avalia-
ção dos cursos de graduação. Brasília, DF, s/d.
BRASIL, Ministério da Educação, CONAES, INEP, DAES, SINAES. Instrumento de avalia-
Instrumentos de avaliação de cursos: indícios que denem a qualidade de um curso de graduação na
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Salvador, v. 5, n. 1, p. 17-34, jan./abr. 2020
ção de cursos de graduação. Brasília, DF, março 2006.
BRASIL, Ministério da Educação, CONAES, INEP, DAES, SINAES. Instrumento de avalia-
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BRASIL, Ministério da Educação, CONAES, INEP, DAES, SINAES. Instrumento de avalia-
ção de cursos de graduação. Brasília, DF, junho 2006.
BRASIL, Ministério da Educação, CONAES, INEP, DAES, SINAES. Instrumento de avalia-
ção de cursos de bacharelado e licenciatura. Brasília, DF, agosto de 2008. www.inep.gov.br
Acesso em 07/12/2019.
BRASIL, Ministério da Educação, CONAES, INEP, DAES, SINAES. Instrumento de ava-
liação de cursos de bacharelado, licenciatura e superiores de tecnologia. Brasília, DF, s/d.
www.inep.gov.br Acesso em 07/12/2019.
BRASIL, Ministério da Educação, CONAES, INEP, DAES, SINAES. Instrumento de avalia-
ção de cursos de graduação presencial e a distância. Brasília, DF, maio de 2012. www.inep.
gov.br Acesso em 07/12/2019.
BRASIL, Ministério da Educação, CONAES, INEP, DAES, SINAES. Instrumento de
avaliação de cursos de graduação presencial e a distância: reconhecimento e reno-
vação de reconhecimento. Brasília, DF, outubro de 2017, www.inep.gov.br Acesso em
07/12/2019.
SINAES – Sistema nacional de avaliação da educação superior: da concepção à
regulamentação. – 4 ed. ampl. – Brasília, DF: INEP, 2007.
Enviado em: 20 de janeiro de 2020.
Inserido em: 20 de abril de 2020.
Esta obra está licenciada com uma Licença Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional.
Ricardo Costa Caggy
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INSTITUCIONES EDUCATIVAS
CONFESIONALES Y EL IMPACTO
EN EL DESARROLLO LOCAL: el caso
de la Universidad Adventista del Plata
(UAP) en la Ciudad del Libertador San
Martin (ARGENTINA)
RICARDO COSTA CAGGY
Universidad Adventista del Plata (UAP). Doutor em Administração pela Universidade
Federal da Bahia - UFBA (2018). Mestre em Gestão, Planejamento e Estratégia
Empresarial pela Universidade Autônoma de Lisboa (2006), Mestre em Administração
pela Universidade Federal da Bahia (2011). Especialista em Docência do ensino
superior pela Faculdade Adventista de Educação do Nordeste - FAENE (2006).
ORCID: 0000-0002-8188-2708; E-mail: ricardocostacaggy@gmail.com
Instituciones educativas confesionales y el impacto en el desarrollo local: el so de la Universidad Adventista del
Plata (UAP) en la Ciudad del Libertador San Martin (ARGENTINA)
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INSTITUCIONES EDUCATIVAS CONFESIONALES Y EL IMPACTO EN EL DESARROLLO
LOCAL: el caso de la Universidad Adventista del Plata (UAP) en la Ciudad del Libertador San
Martin (ARGENTINA)
Las instituciones educativas confesionales siempre han desempeñado un papel relevante en la sociedad,
en el proceso de formación y producción de conocimiento. Por otro lado, la producción académica
reciente sobre el impacto de las instituciones educativas en el proceso de desarrollo local se ha centrado
principalmente en las contribuciones de las universidades públicas y / o de los grandes conglomerados
educativos. Este estudio tuvo como objetivo analizar el impacto producido por una institución educativa
confesional en el proceso de desarrollo de una ciudad. El análisis del contenido de las entrevistas
realizadas con los actores sociales de la comunidad y los gerentes universitarios se utilizó para comparar
los discursos e inferir sobre las diferentes dimensiones del impacto de estas organizaciones. Al nal se dio
cuenta de que, además de los impactos ya consolidados en la literatura (económica, del conocimiento y
social), las instituciones también pueden impactar en la construcción del territorio y el sistema simbólico
cultural. En el caso bajo análisis, el proceso de desarrollo de la comunidad se lleva a cabo en paralelo con
el proceso de desarrollo de la institución en un modelo basado en las premisas losócas de la institución,
lo que demuestra el poder que las organizaciones tienen en la construcción de la cultura simbólica y local.
Palabra clave: Instituciones educativas confesionales. Educación superior. Desarrollo local.
THE CONFESSIONAL EDUCATIONAL INSTITUTIONS AND THE IMPACT ON LOCAL
DEVELOPMENT: the case of the Universidad Adventista Del Plata (UAP), at the city Liberador
San Martin (ARGENTINA)
The Confessional Institutions of teaching have always played a relevant role in society, in the process of
formation and production of knowledge. On the other hand, the recent academic production regarding the
impact of educational institutions on the local development process has been mainly concerned with the
contributions of public universities and large educational conglomerates. This study aimed to analyze the
impact produced by a denominational teaching institution in the process of developing a city. It was used
the analysis of the content of interviews conducted with community social actors and university managers
to compare the discourses and infer about the different dimensions of the impact of these organizations.
It was realized at the end that in addition to the impacts already consolidated in the literature (economic,
knowledge, and social) institutions can also impact the construction of the territory and the symbolic
cultural system. In the case under analysis, the process of community development occurs in parallel with
the institutions development process in a model based on the philosophical premises of the institution
demonstrating the power that organizations have in the construction of the symbolic and local culture.
Keywords: Moral Development. Confessional Institutions of Education. Higher Education.
Ricardo Costa Caggy
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INSTIUIÇÕES EDUCATIVAS CONFESSIONAIS E O IMPACTO NO DESENVOLVIMENTO
LOCAL: o caso da Universidad Adventista del Plata (UAP) na cidade Libertador San Martin
(ARGENTINA)
As instituições confessionais de Educação sempre desempenharam um papel relevante na sociedade e no
processo de formação e produção de conhecimento. Por outro lado, a produção acadêmica recente, sobre
o impacto das instituições educacionais no processo de desenvolvimento local, está basicamente centrada
nas contribuições das universidades publicas e/ou nos grandes conglomerados educativos privados. Este
estudo teve como objetivo analisar o impacto produzido por uma instituição confessional de educação no
processo de desenvolvimento de uma cidade. A análise do conteúdo das entrevistas realizadas, com os
atores sociais da comunidade e os dirigentes da universidade, comparou os discursos e permitiu reexões
sobre as diferentes dimensões do impacto destas organizações. Em conclusão se percebeu que, além dos
impactos tradicionalmente apresentados na literatura (econômico, conhecimento e social), as instituições
também podem impactar na construção do território e no sistema simbólico cultural. No caso em análise
o processo de desenvolvimento da comunidade está vinculado com o processo de desenvolvimento da
instituição, em um modelo baseado nas premissas losócas das instituições, demonstrando o poder das
organizações na construção cultural e simbólica do local.
Palavras-chave: Instituições Confessionais de Educação. Educação Superior. Impacto. Desenvolvimento
Local.
Instituciones educativas confesionales y el impacto en el desarrollo local: el so de la Universidad Adventista del
Plata (UAP) en la Ciudad del Libertador San Martin (ARGENTINA)
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Salvador, v. 5, n. 1, p. 35-67, jan./abr. 2020
INSTITUCIONES EDUCATIVAS CONFESIONALES Y EL IMPACTO
EN EL DESARROLLO LOCAL: el caso de la Universidad Adventista
del Plata (UAP) en la Ciudad del Libertador San Martin (ARGENTINA)
Introducción
Generalmente se evalúan las instituciones de educación superior (IES) por sus contribuciones en
el proceso de formación de capital humano y por el desarrollo de la ciencia y el progreso tecnológico.
Sin embargo, en los últimos años, el número de publicaciones que demuestran otras contribuciones
de estas organizaciones, además del alcance educativo, ha ido en aumento.
La capacidad económica de estas organizaciones y el impacto producido en las ciudades en las
que están instaladas (ELLIOTT; LEVIN; MEISEL, 1988; BLUESTONE, 1993; ROLIM; KURESKI,
2010; MADER et al., 2013), la capacidad de mejorar el capital intelectual, la actividad emprendedora,
los sistemas de innovación, la interacción con gobiernos y empresas, y los mecanismos de sosteni-
bilidad en las regiones son objeto de diferentes estudios que buscan evaluar las contribuciones de
las IES más allá de la lógica económica (ETZKOWITZ; LEYDESDORFF, 1997; BLACKWELL;
COBB; WEINBERG, 2002; GARRIDO-YSERTE; GALLO-RIVERA, 2008).
De esta manera, estas organizaciones pueden desempeñar papeles cruciales en términos de
estrategias de desarrollo local, superando los modelos tradicionales de desarrollo, que están basados
en la inversión extranjera en la región, y creando posibilidades de aumento de las capacidades locales
y aprovechamiento de los recursos regionales. En este artículo, la propuesta es un análisis del impacto
de una institución de educación superior en el desarrollo de una localidad, buscando identicar los
efectos cualitativos de esta institución en diferentes perspectivas de desarrollo, a través de una visión
interdisciplinaria y multiparadigmática para la interpretación de los datos.
La pregunta guía del estudio es comprender el impacto que una IES (en el caso la Universidad
Adventista del Plata - UAP), como institución educativa confesional (IEC), tiene en el desarrollo de
una ubicación especíca (Libertador San Martín, Entre Ríos, Argentina). En este trabajo, el factor
cultural y el proceso de desarrollo de la educación superior se agrega en una realidad diferente a de
Ricardo Costa Caggy
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Salvador, v. 5, n. 1, p. 35-67, jan./abr. 2020
Brasil, proporcionando subsidios para futuros análisis y comparaciones sobre el impacto de estas
IES en el proceso de desarrollo local.
El presente trabajo seguirá una estructura de presentación de las bases teóricas para el análisis
del caso; luego las estructuras metodológicas que permitieron realizar la investigación y el análisis;
la tercera parte con el estudio de caso en sí, y nalmente se presentan las consideraciones nales,
limitaciones y recomendaciones futuras para investigaciones similares.
Bases Teóricas
Los cambios sociales que han ocurrido en los últimos 30 años en la sociedad han demostrado
la fuerza que el conocimiento, la información y la tecnología tienen como vectores de cambios
signicativos en la sociedad. Si aún no es posible armar que existe una “sociedad del conoci-
miento”, no hay duda de que el poder del conocimiento es el principal generador de cambios de
las últimas tres décadas.
Es dentro de este contexto, que las universidades surgen como uno de los principales actores
en este proceso de producción y difusión del conocimiento cientíco, adquiriendo un papel único
con respecto al proceso de desarrollo de las regiones y facilitando la creación de un entorno favo-
rable a la innovación y ventajas competitivas. regiones (SIQUEIRA; FERRAZ, 2016).
Los estudios iniciales sobre el impacto de las IES en el proceso de desarrollo de las regiones
dirigieron su análisis a los factores económicos que contribuyen a la existencia de estas organiza-
ciones en la región, como la creación de empleo, el gasto de estudiantes, docentes y universidades
de la región, dinero disponible en la región, aumentos de impuestos y el grado de emprendimiento
generado en la región debido a la existencia de estas organizaciones (ELLIOTT; LEVIN; MEI-
SEL, 1988; BLUESTONE, 1993; ROLIM; SERRA, 2009; ROLIM; KURESKI, 2010; PASTOR;
PÉREZ; GUEVARA, 2013; ROLIM; SERRA; BASTOS, 2014). Estos estudios se caracterizaron
como estudios de impacto a corto plazo o estudios de impacto bajo demanda.
Por otro lado, estudios más recientes buscaron identicar otros efectos que la presencia
de IES genera en sus territorios, como la mejora del capital humano local, la relación de las IES
con empresas e industrias de la región, la atracción de nuevas empresas, el formación de líderes
locales, mejora en el proceso de gobernanza de las ciudades, la creación de sistemas regionales de
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innovación, el proceso de valorización cultural y el despertar de las regiones a las preocupaciones
ambientales (BLUESTONE, 1993; ETZKOWITZ; LEYDESDORFF, 1997; LESTER; SOTA-
RAUTA , 2007; GARRIDO-YSERTE; GALLO-RIVERA, 2008; SUPRIYADI, 2012; MADER et
al., 2013; SHIKIDA et al., 2015). Estos análisis están relacionados con los llamados efectos en el
lado de la oferta, o los efectos a largo plazo de la presencia de universidades en ciertas regiones.
El uso creciente de estudios en esta área demuestra la importancia de la contribución de estas
instituciones en el desarrollo de ciudades y regiones, en su estudio, Arbo y Benneworth, (2007)
señalan como contribuciones perceptibles:
Una de las principales conclusiones de esta investigación es el alcance de
la interacción entre los diversos impactos sectoriales de las universidades.
Existen vínculos claros entre innovación y enseñanza, enseñanza y gobernanza,
desarrollo sostenible e investigación / enseñanza. Las universidades han sido
capaces de reunir y utilizar diferentes áreas de conocimiento. Las primeras
instituciones religiosas utilizaron los recursos de las órdenes religiosas como
un medio para proporcionar una oportunidad para el trabajo académico,
que, a su vez, se transmitió a través de la enseñanza. Las universidades
de Wilhelminian tenían como objetivo producir un impacto industrial
transformador, precisamente combinando la enseñanza y la investigación
con un fuerte enfoque en la aplicabilidad industrial. Hasta cierto punto,
una mayor conciencia del valor de las universidades es consecuencia de un
aumento en la escala de estas actividades. Si bien la educación superior en la
década de 1960 podría haber sido una actividad de élite, ahora es un sector
que está estrechamente relacionado con gran parte de la sociedad. La creciente
importancia del conocimiento y los problemas para aquellos que están
excluidos de las sociedades del conocimiento ha hecho de las universidades y
el acceso a ellas un tema social clave (ARBO; BENNEWORTH, 2007, p. 55).
A pesar de esta innegable contribución de las instituciones educativas en el desarrollo de las
regiones, todavía es necesario un largo trabajo para que esto suceda de manera intencional y plani-
cada por todas las IES. Algunos de ellas están más preocupados por cuestiones de conocimiento
universal y temas de debate nacional, sin mirar el lugar donde están instalados.
Esta perspectiva de desempeño está sujeta a la diferenciación de la clasicación de la uni-
versidad por Rolim y Serra (2010) en lo que llaman “ser y estar” en la región. Para los autores, las
IES que “son” de la región, investigan temas regionales, capacitan a las personas para la región y
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buscan asociarse con otros actores de la región. Sin embargo, aquellos que “están” en la región,
muestran dicultad para articularse localmente, tienen proyectos de desempeño e investigación
con un enfoque nacional e internacional, sin preocuparse por las necesidades locales.
Esta diferenciación se debe a la perspectiva de desarrollo que se espera para la región y a
la comprensión del concepto de desarrollo en sí mismo (por parte de los diferentes actores socia-
les involucrados en el proceso, ya sea dentro de la universidad o fuera de ella). La limitación de
la perspectiva de desarrollo solo para factores económicos, es decir, una simple asociación con
el crecimiento económico hace que sea imposible tener diferentes perspectivas con respecto al
proceso de desarrollo, ampliando su comprensión a las dimensiones sociales, políticas, culturales,
ambientales y territoriales (SEN, 1999; SACHS, 2004). Además, Boiser (1996) sugiere como
metodología para el análisis del desarrollo regional la estructura de un hexágono, en el que el
desarrollo de un territorio, de forma organizada, se produce en función de la articulación de seis
elementos diferentes:
Figura 1. Hexágono de desarrollo regional
Fuente: Adaptado Boiser (1996)
Instituciones educativas confesionales y el impacto en el desarrollo local: el so de la Universidad Adventista del
Plata (UAP) en la Ciudad del Libertador San Martin (ARGENTINA)
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De acuerdo con Boiser (1996), el desarrollo organizado de un territorio no depende solo de
la existencia de los seis elementos, sino de su articulación. La tarea consiste en buscar mecanismos
que faciliten el proceso de articulación de acuerdo con las necesidades y capacidades territoriales,
buscando moldes que realmente interesen a la región, con la participación de actores sociales, la
profesionalidad de la gestión pública y la producción de conocimiento para la región. A pesar de
la simplicación conceptual, el modelo representa la necesidad de prestar atención a las cuestiones
comerciales, políticas y de gestión de la tierra, aspectos que a menudo se pasan por alto en otros
enfoques, especialmente cuando la atención se centra en atraer inversiones.
Este modelo es consistente con las perspectivas de desarrollo endógeno relacionadas con
el aumento de las capacidades locales y el respeto por los recursos locales. Se hace hincapié en la
acción colectiva para el uso de los recursos locales, el empoderamiento institucional y la coope-
ración en red, teniendo en cuenta las necesidades humanas locales, involucrando a la comunidad
y utilizando y aplicando principios de sostenibilidad (SUPRIYADI, 2012).
En este sentido, la perspectiva más alineada con este trabajo se encuentra en el trabajo de
Celso Furtado, en el que el autor considera que el proceso de desarrollo “es principalmente un
proceso de activación y canalización de fuerzas sociales, avance en capacidad asociativa, ejerci-
cio de iniciativa e inventiva. Por lo tanto, es un proceso social y cultural, y solo secundariamente
económico” (FURTADO, 1982, p. 149).
En este sentido, es importante resaltar la inuencia de otros dos vectores en la composición
de la estructura de análisis de este caso. El primero, con respecto a la comprensión del espacio o la
ubicación, no solo como un espacio geográco estático, sino como un espacio con una identidad
(cultural, ambiental, social, económica y política), una dinámica y la inuencia de sus diferentes
actores que lo componen y relaciones intrínsecas con el tiempo, el mundo y el espacio físico
(SANTOS, 1997; ZAPATA, 2007; HARVEY, 2012; SANTOS, 2014b; MADOERY, 2016).
El segundo vector es la comprensión de que, además de los problemas formales y visibles
(planes de estudio, proyectos, acciones, investigación, extensión), las universidades son productoras
de valores, ritos, creencias y sistemas de interpretación del mundo (DURKHEIM, 1996; WEBER,
1999; BOURDIEU, 2015), que inuyen en la composición de una comunidad y su desempeño mo-
Ricardo Costa Caggy
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ral, comprensión de la ética y su desempeño en la vida cotidiana (RUSS; SARGENT, 2006; HILL,
2009; HANSON; MOORE, 2014; DAVIGNON; THOMSON JR., 2015; HANSON et al., 2017).
Estos dos vectores son fundamentales para el análisis propuesto en este estudio, consideran-
do que las instituciones educativas tienen capacidades transformadoras y producen articulaciones
para la formación de territorios, es decir, un espacio socialmente construido, a través de conictos
y conuencias, entre personas o grupos, y que tienen un fuerte carácter político e institucional,
produciendo su propia identidad (FISCHER, 1991, 1997; HAESBAERT, 2005; ZAPATA, 2007;
HAESBAERT, 2011; DOWBOR, 2016; MADOERY, 2016). Además, los impactos organizacionales
no se limitan al campo económico, las organizaciones son responsables de la articulación entre
lo local y lo global, el aislamiento o la articulación, la expansión o reducción de la participación
social en los procesos de construcción, impactando así directamente la comprensión. del desarrollo
previsto y aún más en la agenda de intereses de desarrollo (GOULART; VIEIRA, 2007, 2008).
Por lo tanto, la comprensión de esta compleja realidad debe entenderse desde los diferentes
roles que tienen estas organizaciones, desde sus contribuciones y limitaciones en el desarrollo de
los territorios.
Indicaciones Metodológicas
Los estudios sobre los impactos de las universidades en el proceso de desarrollo de las
regiones se basan en sus propias metodologías e instrumentos consolidados en la literatura, con
respecto a los impactos considerados a corto plazo. La mayoría de ellos están vinculados a la fun-
ción económica de las IES y los análisis se llevan a cabo utilizando diferentes indicadores de la
base económica, ya sea a través de la matriz de entrada-salida, en la matriz de contabilidad social,
en el modelo de equilibrio general computable (EGC), o a través de modelos con multiplicadores
keynesianos, el objetivo principal es presentar la contribución económica de la universidad a la
región y realizar una comparación dentro de la economía local si la universidad no estaba instalada
(ROLIM; KURESKI, 2010).
Otros estudios de base económica también tienen como objetivo utilizar el cociente de
ubicación (QL) para identicar la existencia de centros de educación superior en regiones donde
Instituciones educativas confesionales y el impacto en el desarrollo local: el so de la Universidad Adventista del
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hay varias instituciones (LOPES, 2001, 2012; SIQUEIRA; FERRAZ, 2016) y el impacto de estos
centros en la economía. ubicación
Como el propósito de este estudio es un análisis más allá de la dimensión económica, optamos
por otro enfoque con respecto al análisis del impacto de la IES en el lugar donde se inserta, buscando
evaluar no solo el impacto a corto plazo, pero también a largo plazo. La OCDE (Organización para
la Cooperación y el Desarrollo Económico), a través del proyecto Spporting the Contribution of
Higher Institutions to Regional Development (SCHEIRD), que se llevó a cabo entre 2004 y 2016,
promovió una serie de estudios de esta naturaleza en todo el mundo. 30 casos en 23 países, en los
cuales los principales temas investigados fueron: contribución de la investigación realizada en las
IES a la innovación regional; contribución de la educación para aumentar la capacidad y servir
al mercado laboral regional; contribución al desarrollo social, cultural y ambiental; creación de
capacidad institucional para la cooperación regional; el papel de liderazgo y asociación de las IES
en la comunidad regional; desarrollo de habilidades, emprendimiento e innovación; y el papel
de las instituciones educativas y otros actores sociales en el proceso de desarrollo de ciudades y
regiones de todo el mundo (OCDE / IMHE, 2005).
En general, estos estudios utilizaron la misma metodología para su desarrollo, compuesta
de cinco fases: 1) Presentación del programa a actores regionales (IES, representantes del sector
productivo, políticos, etc.); 2) recopilación de información de IES a través de un formulario de
autodiagnóstico; 3) Visita de los coordinadores del proyecto a los actores regionales y realizaci-
ón de las entrevistas; 4) Realización de talleres con la participación de IES y actores regionales,
para preparar un análisis utilizando la matriz DAFO (Oportunidades y Amenazas, Fortalezas y
Debilidades); y 5) construcción del informe nal para la visita de la comisión de la OCDE, que
promueve el análisis y prepara contribuciones para el trabajo.
Para esta investigación, se buscó un enfoque metodológico con el trabajo de la OCDE, para
lo cual se observó IES y sus alrededores in loco; seguido del diagnóstico a través de entrevistas
(guion predenido) con representantes de las IES y actores sociales locales; y nalmente el aná-
lisis documental de la IES. Además, se recopilaron datos de carácter secundario disponibles de
diferentes fuentes gubernamentales para la composición del marco analítico. En este sentido, esta
investigación se caracteriza por ser exploratoria, descriptiva, de naturaleza cualitativa. Se usó un
estudio de caso único como estrategia de investigación, que se eligió intencionalmente y no pro-
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babilísticamente, así como el primer artículo de esta serie. Estas elecciones se justican según los
paradigmas epistemológicos adoptados, siendo el constructivista, funcionalista (postpositivista) y
las aportaciones de la complejidad.
Los datos recopilados se analizaron a partir de categorías preestablecidas y el método de
análisis de contenido se utilizó para codicar las entrevistas. Estas elecciones metodológicas fueron
las más apropiadas, dadas las limitaciones del acceso a la información; la naturaleza del objeto de
análisis; porque es un fenómeno que no puede separarse de su contexto; la necesidad de dialogar
con otras disciplinas para comprender el todo; y la necesidad de triangular diferentes fuentes para
comprender el objeto (YIN, 2005; VASCONCELOS, 2007; CRESWELL, 2010; BARDIN, 2011).
Las categorías de análisis propuestas para este trabajo fueron: la dimensión económica, la
dimensión del conocimiento, la dimensión social, la dimensión territorial / ambiental y la dimensión
cultural. Todas las entrevistas fueron transcritas y sometidas a análisis utilizando Nvivo11, para
identicar las categorías, se denieron los “nodos” de codicación para el caso. Las unidades de
registro elegidas para el análisis fueron el tema, o el recorte, (enunciado sobre un tema, una oración
o una oración compuesta), que se utiliza para estudiar opiniones, valores, creencias y actitudes con
el objetivo de categorizar y contar frecuencia (BARDIN, 2011).
Además de las categorías de análisis predenidas, se crearon seis nodos adicionales du-
rante el análisis (positivo, negativo, fortaleza, debilidad, oportunidad y amenaza). El objetivo era
identicar en el contenido de las entrevistas la percepción de los entrevistados sobre los impactos
positivos y negativos, así como la posibilidad de construir una matriz DAFO en el análisis, como
lo sugieren los estudios promovidos por la OCDE (OCDE / IMHE, 2005).
Para realizar las entrevistas, se eligieron 13 actores sociales, de los cuales 7 eran residentes
y / o empresarios del lugar y se identicarán en las entrevistas como ATOR01, ATOR02, ATOR03,
ATOR04, ATOR05, ATOR06 y ATOR07 y 6 gerentes de la institución (el decano de la universidad,
decano académico, director de ciencia y tecnología, decano del departamento de salud, decano
del departamento de ciencias sociales aplicadas y director de responsabilidad social) todos serán
identicados como PROFESOR-ARGENTINA1, 2, 3, 4, 5, 6 y 7 (PA1, PA2, ...). Además de estas
entrevistas, se realizó una entrevista adicional con el director de educación de la red de educación
adventista para América Latina, que se identicará en esta investigación como DAS.
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La generación del mapa de análisis de contenido a través de Nvivo11 presenta la relación
entre las categorías de análisis y las entrevistas realizadas:
Figura 2- Mapa del análisis del contenido de las entrevistas
Fuente: elaboración propia utilizando Nvivo11
Las diferentes conexiones formadas entre los entrevistados y las categorías de análisis (no-
dos) demuestran la intensidad y frecuencia con que se codicaron las entrevistas, lo que permite
deducir la validez de las categorías preestablecidas y el guion de la entrevista. Las dimensiones
morales, sociales y económicas mostraron la mayor frecuencia de referencias en el análisis del
contenido de las entrevistas, lo que permitió indexar los ítems como se muestra a continuación:
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Figura 3 Gráco de la codicación de las entrevistas
Fuente: elaboración propia utilizando Nvivo11
Los detalles del análisis siguen en la siguiente sección después de describir el caso y explicar
las características principales de la universidad bajo análisis y el lugar donde se encuentra.
El Estudio de Caso
La educación adventista aparece en el mundo junto con la expansión de la denominación
religiosa, como uno de los pilares de la losofía y el mensaje adventistas, la educación tiene
especial atención en esta religión. Tan importante como los proyectos misioneros, o el mensaje
de salud, o las publicaciones, las escuelas mantenidas por la Iglesia Adventista del Séptimo Día
(IASD) surgieron a nes del siglo XIX, como un instrumento en la preparación de misioneros y
evangelistas, además de preparar a los jóvenes y a los jóvenes. niños de la iglesia dentro de los
preceptos de la religión (BLANCO, 2008).
Battle Creek College en Michigan, Estados Unidos de América (EE. UU.) Fue la primera
escuela adventista del mundo (1872), que años más tarde se convertiría en la primera universidad
y el líder en la red, conocida hoy como Universidad Andrews, pero fue un éxito del Avondale Col-
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lege, fundado en 1897, en Australia, que consolidó la expansión del modelo educativo adventista
(GROSS; GROSS, 2012).
Los objetivos eran claros para la autora principal de la creación de las universidades y la
principal responsable de la expansión del adventismo en el mundo, la escritora estadounidense
Elena G. White (1827-1915), quien también es considerada una profetisa para los miembros de
la religión: neutralizar la inuencia que las escuelas públicas de los EE. UU. pudieran generar
en los niños adventistas (WHITE, 2008); crear medios para que los estudiantes obtengan la sal-
vación de sus almas a través de la educación (WHITE, 2009); y “Preparar al estudiante para el
disfrute del servicio en este mundo, y para esa mayor alegría para un servicio más extendido en
el mundo por venir” (WHITE, 2013, p. 13).
Estos objetivos con el establecimiento de instituciones educativas no diferían de ningu-
na manera de los otros colegios estadounidenses que surgieron en el siglo XVII, bajo la fuerte
inuencia de los estándares educativos británicos, que estaban destinados a capacitar a pastores
y otros líderes de la comunidad, manteniendo su ubicación siempre en remotas ciudades y con
un régimen de internado, que favoreció el aislamiento y la solidicación de los valores de una
sociedad rural, con instituciones casi autosucientes, y con la misión no solo de educar a los
jóvenes intelectualmente y espiritualmente, sino de crear un fuerte sentimiento de perteneciente
a una denominación religiosa (OLIVEN, 2005; LUCAS, 2010).
Basado en su propia losofía educativa y con una estructura conservadora de valores,
la educación adventista ha expandido su crecimiento aún más cada año. Ya hay más de 7.800
unidades educativas en más de 160 países en el mundo, con más de 2 millones de estudiantes
matriculados desde educación infantil hasta educación superior (CASA, 2016).
En América Latina, la historia de la educación adventista se confunde con la historia
de la religión en el continente. En el año 1890, una pareja misionera de los Estados Unidos de
América convenció a otras tres familias alemanas para que se mudaran a Sudamérica, con el n
de evangelizar el continente. Se mudaron al estado de Entre Ríos, en el municipio de Crespo, en
la República Argentina. A partir de ahí comenzó un proceso de evangelización y distribución de
literatura en una comunidad fuertemente colonizada por alemanes y personas de países europeos,
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en 1891 otros misioneros llegaron al continente para expandir el proceso de evangelización y en
1894 llegaron de los EE. UU. el primer pastor adventista para América del Sur y en esa ciudad
se organizó la primera iglesia del continente (CASA, 2016).
En 1898, siguiendo las pautas del IASD, este grupo formado por misioneros y miembros
de la iglesia decidió fundar el Colegio Adventista del Plata (CAP), en una propiedad rural, que
estaba entre las ciudades de Crespo y Diamante, en un pueblo llamado Camarero (Entre Ríos
- Argentina). Allí, la escuela tendría las condiciones ideales, de acuerdo con el IASD, para su
desarrollo, como el aislamiento de las grandes ciudades, la posibilidad de trabajo manual para los
estudiantes y la ausencia de inuencias urbanas. Además, según Wensell (1993, p. 66), “tenían
una población adventista grande y entusiasta entre los alemanes en la región”.
El sistema educativo en Argentina es marcado por una fuerte regulación estatal y una
evidente preocupación con la educación pública, gratuita y accesible a toda la población. Con la
reforma de la educación en 1993, fue creado el Sistema Educativo Nacional Argentino, estruc-
turado en educación infantil, educación primaria, educación secundaria y educación superior.
En los últimos años, con las consecutivas crises vividas en el país hubo un crecimiento de la
participación privada en la educación del país, pero todavía sigue la educación publica como
la principal en el país.
En 1908, junto al CAP, se inauguró el Sanatorio Adventista, un hospital para servir a la
región y que tuvo una gran inuencia en la provincia considerando que tenía médicos misio-
neros de origen alemán y que podían servir a la comunidad en la región. Poco a poco, muchos
trabajadores comenzaron a construir sus casas en las cercanías de la escuela y el hospital, pero
la administración de la escuela se mostró reacia a la posibilidad de establecer una aldea en los
alrededores, sin embargo, el proceso de desarrollo era inevitable, con la presencia de una escuela
y un hospital que sirvió a toda la región, en poco tiempo la aldea ya tenía sus primeros residentes,
en 1966 se organizó la primera asociación de residentes de la Villa del Libertador San Martín y
en 1971 se creó el municipio de Libertador San Martín (WENSELL , 1993).
En 1925, el pueblo llamado “Aldeia Camarero” llegó a ser conocido como Puiggari, una
referencia a una estación de tren que existía cerca del pueblo, en la década de 1940 el pueblo
tenía solo 30 casas y 180 residentes, todos vinculados a las dos organizaciones que existían allí,
Instituciones educativas confesionales y el impacto en el desarrollo local: el so de la Universidad Adventista del
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en 1954 se estableció el nombre ocial de “Villa Libertador San Martín” (STCER, 2018). El
crecimiento de la aldea fue lento y controlado por los administradores de la UAP, que poseían la
mayor parte de la tierra en la región, muchas familias vinculadas al IASD comenzaron a mudarse
a la aldea en busca de un lugar para educar a sus hijos desde allí. comenzó a conocerse como
“Colina de la Esperanza” (WENSELL, 1993).
Figura 4- Gráco de aumento de la población en Libertador San Martín
Fuente: Adaptado (LSM, 2018; STCER, 2018)
Según el censo de 2010, la población empleada de la ciudad era de 2,887 personas, el
número de desempleados era de 113 personas y el número inactivo de 1944 personas (DGEC,
2010), la ciudad tiene tres cooperativas diferentes (servicios públicos, productores rural y jubi-
lado), estación de autobuses, puesto de salud, sucursal bancaria, varios restaurantes y cafeterías,
supermercados y varias empresas destinadas a servir a la población local y a los estudiantes de
la región. El sector que más mueve la economía local es el inmobiliario, los alquileres tienden a
costar cinco o seis veces más que en las ciudades vecinas, y el valor de la tierra también es cinco
o seis veces mayor que en las ciudades vecinas.
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La región en la que se inserta la ciudad (Diamante), tiene el mayor porcentaje de personas
nacidas en el extranjero en todo el estado (2.9%). La esperanza de vida en la región es alta 74 para
hombres y 81 para mujeres (DGEC, 2010), pero no es difícil ver que en la ciudad la expectativa
es aún mayor. Hay muchos jubilados que transitan diariamente por la región. La ciudad tiene
una estación de policía, pero los casos penales son raros y entre los residentes el sentimiento es
de total conanza en el lugar, algunos entrevistados mencionaron la expresión “burbuja” para
denir el lugar en relación con el resto de Argentina.
Otra característica muy particular es la presencia adventista en la política local, ya que se
creó el municipio que todos los alcaldes son adventistas, algunos exprofesores o empleados de
la universidad, además del “Honorable Concejo Deliberante” responsable de la legislación de la
ciudad también tiene sus miembros vinculados a la religión. Algunas leyes fueron creadas debido
a la presencia de la universidad y el hospital, la falta de permiso para la venta y el consumo de
bebidas alcohólicas y cigarrillos en la universidad demuestran la inuencia en la gobernanza
del lugar.
Es importante resaltar que recién en 1990, CAP se convirtió en la Universidad Adventista
del Plata (UAP), y desde 1991 comenzó sus actividades ofreciendo cursos de teología, enfermería
y contabilidad, en 1994 la universidad implementó el curso de medicina. Hoy la Universidad
cuenta con más de 3.400 estudiantes, inscritos en 16 cursos de educación superior, además de
tener una maestría y un doctorado en teología, cursos de nivel técnico (UAP, 2017).
La institución es reconocida en el país por la calidad de su proceso educativo y por el
multiculturalismo presente en la institución (CRUP, 2003), además de haber recibido el título
de “universidad saludable” del gobierno de Argentina, por sus prácticas y estimular un estilo de
vida. saludable (UAP, 2017).
La universidad cuenta con unos 1.100 empleados, de los cuales unos 650 trabajan a tiempo
completo en la institución, que además de los departamentos universitarios tradicionales (inves-
tigación, extensión, coordinación pedagógica) tiene en su estructura una librería, radio, estudio
de producción. video, secretaría de responsabilidad social y un centro universitario, que opera
en el desarrollo de unidades productivas de la propia universidad, en el proceso de transferen-
cia de tecnología y asesoramiento a empresas, incubación de nuevas empresas, integración de
Instituciones educativas confesionales y el impacto en el desarrollo local: el so de la Universidad Adventista del
Plata (UAP) en la Ciudad del Libertador San Martin (ARGENTINA)
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trabajos académicos y desarrollo tecnológico y un espacio para prácticas profesionales de los
estudiantes (UAP, 2017).
Además del UAP, el IASD mantiene una librería, un supermercado (CEAPE), el hospital
que es una de las referencias médicas y hospitalarias en Argentina, un Centro de Vida Saluda-
ble (CVS) que recibe a las personas para la recuperación de la salud a través de terapias en el
mismo lugar. y una granja que produce cereales (Alimentos Granix), en todos estos espacios es
posible integrarse con prácticas académicas y profesionales, y en muchos casos estudiantes que
no pueden pagar su matrícula en estas empresas como una forma de mantenimiento de estudios.
El entrelazamiento entre el desarrollo organizacional y el desarrollo local permite a la
ciudad de Libertador San Martín una particularidad en este proceso, las inuencias religiosas,
el intercambio de creencias y el reconocimiento de los residentes que no son practicantes de la
misma religión, de la importancia de la UAP para el desarrollo, genera una visión casi unifor-
me de este fenómeno. El análisis de los grupos por similitud del contenido de las entrevistas
demuestra esto como se muestra a continuación:
Harvey (2012) señala que las organizaciones son fuertemente responsables de construir
el contexto simbólico y construir comportamientos sociales y culturales en ciertos lugares, un
proceso de desarrollo guiado por una sola institución, con personas culturalmente cercanas e
interesadas en los mismos objetivos, produjo un campo singular en la construcción de un “espacio
de esperanza” (HARVEY, 2012).
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Figura 4 – Análisis de conglomerados por similitud de palabras (coeciente de correlación de Pearson)
Figura 5 – Análisis de conglomerados por codicación de similitud (coeciente Jaccard)
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Plata (UAP) en la Ciudad del Libertador San Martin (ARGENTINA)
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Esta fortaleza de la organización es visible principalmente cuando se analiza el conte-
nido de las entrevistas de las expresiones de los actores sociales, tales como: “todos los que
están aquí dependen de ellos, todo el comercio depende de ellos” (A1); “Mira, todo aquí gira
en torno a la universidad y el hospital, sin ellos creo que esto no existiría (A3); aunque es un
lugar pequeño, pero tiene muchos estudiantes (A4); Es todo para nosotros, todos están aquí
por la Universidad o el Hospital, por lo que sin ellos no habría vida en esta ciudad, la ciudad
ni siquiera existiría (A7).
Si solo se considera el municipio de Libertador San Martín, la UAP ya tendría una eva-
luación de impacto económico positiva, pero debido a que entiende que debido al tamaño de
la institución, la mayoría de sus proveedores están fuera del municipio, generando la pérdida
de ingresos, aun así la importancia la economía no disminuye, como dice un entrevistado: “La
universidad es el mayor empleador de empleos, en todo el estado, porque tenemos más de
1100 empleados; entonces, tiene un impacto económico muy importante en la región ”(PA1).
Además, es importante resaltar que la aviación del impacto económico no se produce solo al
vericar los consumos de la organización, sino también los generados de acuerdo con ella,
con los salarios que se pagan y la presencia de personas que no estarían en el sitio si fuera no
estaba allí “porque todas estas personas generan consumo. Las casas, el mercado inmobiliario,
todo se mueve según las dos instituciones” (PA1).
Esta percepción del impacto económico de la universidad y sus otras empresas, por
parte de los actores y gerentes sociales, es consistente con los análisis de impacto a corto plazo
que se incluyen en la literatura (ELLIOTT; LEVIN; MEISEL, 1988; OCDE / IMHE, 2005;
ARBO; BENNEWORTH, 2007; ROLIM; KURESKI, 2010). Sin embargo, es importante
señalar que el análisis de este trabajo se limitó a evaluar el impacto de la percepción de los
diferentes agentes (externos e internos) sobre los impactos económicos, debido a la falta de
acceso a la información y los datos que son necesarios para la realización de los resultados.
cálculos de impacto
La segunda dimensión del análisis buscó categorizar los contenidos de las entrevistas
en el “nodo” del conocimiento, que se reere a los impactos considerados a largo plazo por la
presencia de instituciones educativas en el lugar (GARRIDO-YSERTE; GALLO-RIVERA,
2008). En esta dimensión de análisis, se hicieron 8 referencias en 6 de las entrevistas, todas
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dentro del alcance de los gerentes de la UAP; los actores sociales no hicieron ninguna mención
al respecto.
En este contexto, se destacaron dos variables: la primera con respecto al proceso de ca-
pacitación de los jóvenes que ingresan a la institución, demostrando la conanza en el proceso
de enseñanza y aprendizaje que brinda la UAP “es una universidad que a pesar de estar en el
campo tiene personas con una trayectoria académica muy relevante” (PA4), la segunda variable
se reere a los productos y servicios producidos por la institución, como fuente de investigación
y conocimiento desarrollado por ella, está claro que estos productos fabricados aquí son únicos
(...) son Algunos de los legados que tiene la universidad para la comunidad (PA1) y en la pro-
ducción de investigación y extensión para la comunidad, mejorando el acervo de conocimiento
de la región:
“Entonces, tenemos un proyecto que tiene un gran impacto en la comunidad,
pero hay otros, junto con empresas en el campo de las ciencias económicas,
y hay otros de otras áreas, como la psicología, que trabajan con escuelas,
hay un libro que funciona como el Las emociones positivas de los niños,
que tuvo una gran repercusión en el país y fue un libro editado, trabajó
como resultado de la investigación realizada por el centro de humanidades
y el curso de psicología, junto con un grupo de investigadores en el área de
humanidades y trabajó con niños de los alrededores, muy necesitado Por
lo tanto, este libro ha ayudado a muchos educadores en el área primaria de
cómo enfrentar a estos niños, a tener la capacidad de enfrentar mejor el día
a día. También en el área de teología, trabajamos constantemente con la
comunidad. presencia de estudiantes en la comunidad, tanto a nivel nacional
como internacional, con visitas de todo el mundo” (PA4).
La tercera categoría de análisis es la dimensión social, indicadores como el aumento de
la población local, mejoras en el acceso a la salud, educación, movilidad urbana, índices de
desarrollo humano, etc. son parte del campo de este análisis (SHIKIDA et al., 2015). En este
contexto, la dimensión social fue la segunda más codicada en el análisis de las entrevistas con
17 referencias en 9 de las fuentes de la entrevista. Los principales puntos son dados a proyectos
de la comunidad de la universidad, el servicio prestado por los estudiantes, la responsabilidad
social de la UAP, y los valores culturales de la religión que promuevan la calidad de vida y la
longevidad de las personas en la región.
Instituciones educativas confesionales y el impacto en el desarrollo local: el so de la Universidad Adventista del
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Además, la calidad de vida percibida por los actores sociales es un motivo de atractivo
(GARRIDO-YSERTE; GALLO-RIVERA, 2008) para las personas que desean mejoras en
sus vidas (A1, A2, A3) y no pueden ser descuidadas en el proceso de desarrollo, ampliando la
discusión de preceptos exclusivamente económicos para los factores sociales (BOISER, 1996;
OLIVEIRA, 2001; SACHS, 2004). Además, es importante resaltar que UAP es la principal
institución de educación superior en la región de Diamante (46,361 habitantes), siendo respon-
sable de la capacitación y accesibilidad de estos jóvenes a la educación superior.
La cuarta categoría analizada fue la dimensión territorial / ambiental que tiene un gran
valor en el pensamiento sistémico del desarrollo local, teniendo en cuenta que la compren-
sión del espacio como un lugar multifacético y guiado por sus historicidades, complejidades
y temporalidades (FISCHER, 1997; SANTOS, 1997, 2014b, a) es importante entender este
proceso de formación del territorio como una ubicación atípica, debido a diferentes factores:
1. La homogeneidad de la población, el lugar fue formado principalmente
por personas vinculadas a la misma creencia religiosa y con fuertes
lazos de proximidad cultural, lo que favoreció el proceso de
uniformidad territorial;
2. Al colonizar los lazos culturales, los misioneros evangelistas
extranjeros encontraron una gran colonia alemana en la región, que
favoreció el proceso de evangelización entre pares y marcó la unión
según un propósito, en la creación de un “espacio de esperanza”;
3. La activa participación política de los actores sociales, con el proceso
de expansión de la aldea y la constitución del municipio, los residentes
que ya estaban en el espacio habitado fortalecieron su inuencia en
torno a la legitimación del poder político, durante los casi 50 años de
existencia del municipio todos los alcaldes elegidos son participantes
de la misma creencia religiosa, lo que favoreció aún más el proceso
de uniformidad territorial.
Este proceso de participación de la comunidad en las decisiones locales se ha observado
desde la creación de la primera cooperativa en la ciudad en la década de 1950, cuyo propósito
era tomar decisiones sobre los servicios públicos que se llevarían a cabo en el pueblo, así como
organizar calles, servicios públicos., tomar decisiones sobre el suministro de agua, electricidad
y pavimentación (WENSELL, 1993). Este proceso de participación colectiva, protagonista y
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comunitaria es el requisito previo para el desarrollo del poder local (FISCHER, 1991; DOWBOR,
2016).
En este sentido, la cultura local se formó a la luz de sus pioneros “Había casi una cultura
aquí hace décadas” (PA1); “Estas dos instituciones estaban formando esta comunidad, que terminó
siendo un municipio y este municipio a lo largo de su historia fue dirigido por adventistas” (PA2),
pero que hoy comienza un proceso de expansión que ha causado aprensión en sus miembros.
Cuadro 01. Referencias en el contenido de la entrevista para la categoría territorial/ambiental
Discursos de actores y gestores sociales de la UAP
De hecho, hay muchas familias que emigran de otras ciudades, incluso del extranjero, no solo de Ar-
gentina, que vienen a vivir aquí para educar a sus hijos, para estar un poco más cerca de ellos, para
comprar sus propiedades.
Hoy podemos hablar aquí de una comunidad cosmopolita. Hubo casi una sola cultura aquí hace déca-
das y hoy tenemos una gran variedad. Hay descendientes de alemanes, hay latinos, hay otras regiones
del país; entonces, la universidad tiene el gran desafío de poder llegar a las subculturas que tenemos
en la región”. “La ciudad está creciendo, no es lo mismo que hace cinco, diez años, muchas personas
han venido aquí de diferentes religiones, diferentes clases y están buscando un lugar tranquilo, con la
calidad de vida que tenemos aquí”. “En cierto modo, el crecimiento es una preocupación, porque hoy
tenemos cosas que antes no teníamos aquí, por ejemplo, antes no teníamos negocios que abrieran el
sábado, pero hoy sí, porque pertenecen a personas que no guardan el sábado, por lo que es como si
hubiera un conicto “. “Entonces, creo que es uno de los aspectos negativos, (...) porque la comunidad
ha crecido mucho, todavía ve un porcentaje de adventistas, pero hay personas de otras comunidades,
para nuestra visión del mundo que tienen otro pensamiento”. “Somos la mayoría aquí, adventistas, pero
algunas cosas han cambiado hoy. Tenemos algunos negocios que abren el sábado, en el pasado, incluso
aquellos que no eran de nuestra fe, pero hoy abren, porque mucha gente comprará, así que antes no
teníamos tiendas de carne”. , la institución fue muy fuerte en eso, hoy ya tenemos carniceros, no se trata
de salvación o fe, sino de los principios de salud y las enseñanzas para una vida mejor, por lo que nos
dimos cuenta de que la comunidad ha cambiado un poco más ”.
Fuente: Elaboración del Autor.
Esta preocupación por los cambios en la comunidad es evidente, pero muestra que los con-
ictos culturales son inherentes al proceso de constituir una identidad territorial (HAESBAERT,
2011), durante años fue posible mantener la hegemonía cultural, lo que beneció el proceso de
Instituciones educativas confesionales y el impacto en el desarrollo local: el so de la Universidad Adventista del
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desarrollo organizado de la comunidad. pero con la expansión del atractivo del lugar, por personas
en busca de calidad de vida y un espacio en el que se congura una nueva ruralidad (CARNEIRO,
1998), con las características de una ciudad pequeño, bucólico, eminentemente rural, pero con los
benecios producidos por la evolución de los ujos de transporte y comunicación, transformando
el espacio, en el que cada lugar no es solo el lugar en sí, sino las redes que se tejen en la costura
sociocultural-histórica de las personas que lo habitan (SANTOS, 2014a).
Finalmente, la última categoría de análisis se ocupó de revelar los impactos del conjunto
de creencias y valores organizacionales en el proceso de aculturación del lugar. En un intento por
comprender la formación de una comunidad moral en torno a los principios y valores proclamados
por la organización. Esta dimensión fue la más citada por los entrevistados, todos mencionaron al
menos un aspecto en relación con esta dimensión y, en total, se hicieron 32 referencias codicadas
en el contenido de las entrevistas.
Las palabras más citadas con signicado para el análisis de la investigación fueron personas
(1.04%), adventistas (0.95%), estudiantes (0.63%) y comunidad (0.60%). La frecuencia de estas
palabras indica la correlación entre el contenido analizado (Cultura) y la formación de una comu-
nidad moral en torno a las creencias y ritos de la religión adventista.
Es posible obtener del análisis de las entrevistas que la constitución de una comunidad moral
(DAVIGNON; THOMSON JR., 2015) está muy inuenciada por el modelo educativo promovido
por la institución y por las acciones ampliamente difundidas entre los estudiantes. Las clases de
sujetos con contenido religioso, la fuerte identidad de la cultura moral y las actividades de servicio
(HANSON; MOORE, 2014) se perciben fácilmente en toda la institución. Los discursos de actores
sociales y gerentes están alineados para corroborar esta visión.
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Cuadro 03. Referencias en el contenido de la entrevista para la categoría territorial / ambiental
Discursos de actores y gestores sociales de la UAP
“Sí, tenemos un comportamiento diferente aquí, muchas personas preguntan por qué tenemos cosas
como esta, por qué no roban, muy pocas veces hemos tenido un caso de robo, pero en otra ciudad don-
de trabajo, no puedes dejar cosas como las que tenemos aquí, hay muchos más casos de robo. Esto tiene
una inuencia de la institución”.
“Entonces, además, siempre nos preocupa que estos estudiantes se comporten bien aquí, con un buen
servicio de capellanía y monitoreando a los estudiantes a través de una evaluación”
“Entonces resulta que es diferente, todos son amigables, les gusta ayudar, aunque es más argentino que
brasileño, creo que es cultural, de verdad. Pero creo que sí, hace la diferencia, no lo veo en Brasil o en
otras ciudades aquí”
“Todo es parte de la misma iglesia y tiene su propia cultura que es buena, las cosas cierran el sábado,
todo está más tranquilo aquí, esto es bueno”
“Las personas que vienen aquí las verán en la iglesia, no solo desde el punto de vista del edicio, sino
que las verán rezando, participando en la obra misional, por lo que la relación es muy diferente, más
ética, más honesta”
“La comunidad es muy diferente de otros lugares, mucha gente viene que no son adventistas última-
mente, porque ven que este lugar es un lugar de refugio, cuando ven el nivel de tranquilidad que tene-
mos aquí”
“Y sí, hay mucha inuencia de la iglesia, no voy a la iglesia, nunca fui, pero todos aquí van a la iglesia,
creo que sí, no sé si son más éticos u honestos, porque tengo clientes que no me han pagado, ya incum-
plieron, no varias veces, pero a veces, así que creo que es una cuestión de carácter, educación “
“Me parece que este es un punto notable y el hecho de que se alienta al estudiante a incluir el deseo de
servir y la práctica del servicio en sus prácticas profesionales”
“Entonces, el impacto es grande, porque el legado va más allá de los estudiantes. La persona que viene
a vivir aquí, que ve cuáles son nuestros principios, nuestras creencias a largo plazo terminan adoptán-
dolos, termina ... la gente no adventista se muda aquí, termina yendo a la iglesia, termina reuniéndos e
adventistas
“Creo que es una fortaleza de la verdad que está en la palabra de Dios, creo que es una referencia, di-
gamos, bíblica, moral, de formación integral de los estudiantes y reconozco en todas las reuniones que
estoy con el gobierno, o con la sociedad que UAP es reconocido como un generador de profesionales
con aspectos integrales, no solo profesionales técnicos, sino también valores morales”
Fuente: Elaboración del Autor.
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Indudablemente, existe una relación entre las opciones losócas de la institución y el
comportamiento de la comunidad académica, las premisas de la pedagogía adventista se perciben
fuertemente en el análisis de los planes de estudio, en las acciones de extensión y en el institu-
to misionero de la universidad. En varias entrevistas con gerentes de la UAP, el eslogan de la
institución se presenta como un patrón de comportamiento fuertemente arraigado en la cultura
organizacional “excelencia y servicio”, y esta percepción se extiende a los actores sociales, que
no pueden distinguir los límites de la organización educativa y religiosa, o negocios, y demostrar
la fortaleza de la organización en el modelado del sitio.
En este sentido, tres aspectos parecen reforzar el esquema moral e inuir en el comporta-
miento de la comunidad:
1. intensicación de las relaciones: teniendo en cuenta que los estudiantes,
los docentes y los residentes viven en el mismo espacio, con pocas
opciones de compras, socialización y movimiento, de esta manera se
intensican todas las relaciones, que Hanson y Moore (2014) clasican
como amplicadores morales;
2. la estrategia de enseñanza - como acciones deliberadas y existentes en los
planes de estudio, programas y en toda la infraestructura educativa de la
institución que construyen y modelan la forma de actuar y pensar y son los
contornos de la cultura organizacional (HILL, 2009);
3. la práctica del servicio comunitario, constante en los programas
curriculares y extracurriculares (servicios misioneros), revela un poderoso
instrumento para crear una identidad de cultura moral y reforzar las
enseñanzas morales (HANSON et al., 2017).
Consideraciones Finales
El propósito de este estudio fue analizar el impacto de un IES en el desarrollo de un sitio.
Después de analizar el caso, fue posible vericar que la UAP y todas las organizaciones vinculadas
a ella fueron los principales impulsores en la creación de la ciudad de Libertador San Martín, de
esta manera su inuencia en la vida cotidiana de la ciudad, en la cultura, creencias y patrones de
La conducta de la ciudad es decisiva para la constitución del espacio habitado.
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La inuencia de las organizaciones religiosas en el atractivo y la formación de las ciudades
se observa a lo largo de la historia de la humanidad (ROLNIK, 2012), además del proceso de
transferencia de conocimientos y recursos a través de la red que apoya a la institución, permitió
organizar el territorio de Una forma distinta de otros espacios cercanos a la localidad.
Además, es importante resaltar que los impactos económicos de la institución siguen siendo
decisivos para la supervivencia de la ciudad y la región, sin embargo, a través del análisis de los
discursos, es posible inferir que los impactos sociales y culturales son los más observables por
los entrevistados, lo que demuestra la fuerza de la organización en la representación simbólica e
imaginativa de los actores sociales.
La propuesta metodológica de este trabajo no permite generalizaciones, ya que es un aná-
lisis de caso único, pero presenta fuertes indicadores de que las instituciones educativas tienen
un gran poder transformador del espacio, no solo de los vectores tradicionalmente investigados
(económico, educativo, conocimiento), sino también a través de la movilización de la población,
la participación en estructuras de gobernanza, mecanismos que inducen el atractivo del lugar,
organizador del espacio habitado y productor de patrones culturales.
En cuanto a la dimensión cultural, se observó que la estructura educativa de la institución
educativa inuye en el comportamiento moral de la comunidad, todos los mecanismos creados,
las actividades de servicio, la identidad de la cultura y el refuerzo moral diario, se perciben como
formadores del comportamiento moral. Por supuesto, estos no son los únicos factores que inui-
rán en el comportamiento ético y moral del individuo (KOHLBERG; HERSH, 1977), pero son
efectivos cuando se presentan en el contexto de una institución educativa confesional considerada
conservadora y que tiene su refuerzo en los miembros que conforman la comunidad.
Finalmente, es importante resaltar que la “colina de la esperanza” como un espacio para la
producción organizacional funcionó como un “espacio de la esperanza” (HARVEY, 2012) para
los miembros de la religión o como una “ciudad de llegada” (SAUNDERS, 2013), para aquellos
que buscan calidad de vida, armonía y el clima bucólico de la ruralidad allí, pero el proceso de
expansión y crecimiento de la ciudad, la llegada de nuevas culturas y el desarrollo de la región
exigirán aún más participación de la universidad en el proyecto político de la región. , en la bús-
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queda de cohesión social, acogiendo nuevas culturas y especialmente el desarrollo del poder local,
que está interesado en servir no solo los intereses de los miembros de la misma cultura, sino también
las diferentes personas que se unen a este territorio.
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Recebido em: 10 de abril de 2020
Inserido em: 20 de maio de 2020
Esta obra está licenciada com uma Licença Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional.
Gestão estratégica: uma análise do primeiro ciclo de implementação em uma Instituição de
Ensino Superior Confessional da Bahia [2014-2018]
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GESTÃO ESTRATÉGICA: uma análise
do primeiro ciclo de implementação
em uma Instituição de Ensino Superior
Confessional da Bahia [2014-2018]
TÂNIA MOURA BENEVIDES
Universidade Federal da Bahia (UFBA), Faculdade Adventista da Bahia (FADBA). Doutora
em Administração pela Universidade Federal da Bahia (2012), Mestre em Administração
Estratégica pela Universidade Salvador (2003), Graduada em Administração pela Faculdade
Ruy Barbosa (1996). ORCID: 0000-0001-9191-7831. E-mail: taniamoura2511@gmail.com
MARCO ANTÔNIO LEAL GÓES
União Boliviana da IASD (Bolívia), Mestre em Administração pela Universidade Federal
da Bahia (2019), Graduado em Psicologia pela Universidade da Amazônia (1991). Diretor
de Departamento de Educação União Boliviana da IASD. ORCID: 0000-0002-9798-9745.
E-mail: marco.goes@adventistas.org.bo
JÉSSICA NASCIMENTO DE OLIVEIRA
Graduada em Administração pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Pesquisadora
no campo de Segurança Pública e membro do grupo de pesquisa Águas (UFBA),
atuando no projeto Qualidade do Ambiente Urbano de Salvador – QUALISalvador.
Extensionista em Política e Estratégia (2017) pela Associação dos Diplomados da Escola
Superior de Guerra, Delegacia da Bahia, ADESGBA. ORCID: 0000-0001-8542-9364.
E-mail: jessiica.oliveira3@gmail.com
Tânia Moura Benevides, Marco Antônio Leal Góes e Jéssica Nascimento de Oliveira
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GESTÃO ESTRATÉGICA: uma análise do primeiro ciclo de implementação em uma Instituição de Ensino
Superior Confessional da Bahia [2014-2018]
O presente estudo teve como objetivo analisar a implementação do primeiro ciclo [2014-2018] de gestão estratégica
em uma instituição de ensino superior confessional da Bahia, a Faculdade Adventista da Bahia (FADBA). Para a
realização desse estudo partiu-se das pesquisas bibliogca e documental para alicerçar o estudo. A seguir foi
realizada a pesquisa de campo, utilizando-se da entrevista e do questionário para levantamento de dados primários.
Ao nal do processo pode-se constatar que a instituição possui fatores diferenciais que favorecem a implementação
da geso estratégica tais como: losoa denominacional consolidada, alinhamento de procedimentos, hierarquia
de funções denidas e respeitadas, e um planejamento estratégico elaborado de acordo com as necessidades da
organização.
Palavras-chave: Gestão. Gestão Estratégica. Instituição Confessional.
GESTIÓN ESTRATÉGICA: un análisis del primer ciclo de implementación en una Institución Confesional
de Educación Superior en Bahia [2014-2018]
El presente estudio tuvo como objetivo analizar la implementación del primer ciclo [2014-2018] de gestión estratégica
en una institución confesional de educación superior de Bahía, el Colegio Adventista de Bahía (FADBA). Para
llevar a cabo este estudio, se utilizó una investigación bibliogca y documental para apoyar el estudio. Se llevó a
cabo la siguiente investigación de campo, utilizando la entrevista y el cuestionario para recopilar datos primarios.
Al nal del proceso se puede ver que la institución tiene factores diferenciales que favorecen la implementación
de la gestión estratégica tales como: losofía confesional consolidada, alineación de procedimientos, jerarquía de
funciones denidas y respetadas, y una planicación estratégica elaborada según las necesidades de la organización.
Palabras clave: Gestión. Gestión estratégica. Institución confesional.
STRATEGIC MANAGEMENT: an analysis of the rst implementation cycle in a confessional higher
education institution in BAHIA [2014-2018]
El presente estudio tuvo como objetivo analizar la implementación del primer ciclo [2014-2018] de gestión estratégica
en una institución confesional de educación superior de Bahía, el Colegio Adventista de Bahía (FADBA). Para
llevar a cabo este estudio, se utilizó una investigación bibliogca y documental para apoyar el estudio. Se llevó a
cabo la siguiente investigación de campo, utilizando la entrevista y el cuestionario para recopilar datos primarios.
Al nal del proceso se puede ver que la institución tiene factores diferenciales que favorecen la implementación
de la gestión estratégica tales como: losofía confesional consolidada, alineación de procedimientos, jerarquía de
funciones denidas y respetadas, y una planicación estratégica elaborada según las necesidades de la organización.
Keywords: Management. Strategic management. Confessional Institution.
Gestão estratégica: uma análise do primeiro ciclo de implementação em uma Instituição de
Ensino Superior Confessional da Bahia [2014-2018]
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Salvador, v. 5, n. 1, p. 68-95, jan./abr. 2020
GESTÃO ESTRATÉGICA: UMA ANÁLISE DO PRIMEIRO CICLO
DE IMPLEMENTAÇÃO EM UMA INSTITUIÇÃO DE ENSINO
SUPERIOR CONFESSIONAL DA BAHIA [2014-2018]
Introdução
A literatura sobre gestão estratégica, nas últimas décadas, se avolumou com o objetivo de
analisar o campo de gestão das organizações, dada complexidade dessas. Entretanto, como des-
taca Almeida Filho (2014), nem sempre foi assim, pois esse campo de conhecimento passou por
quatro momentos distintos. São eles: até o nal da década de 1950 quando não se utilizava o
adjetivo estratégico ou o substantivo estratégia atrelado a denominação “gestão, relegando-os ao
uso militar; ao longo da década de 1960 – quando a percepção do dinamismo dos mercados e a
elevação da turbulência no contexto exigiram abordagens mais dinâmicas e sistêmicas, fazendo
com que organizações distintas criassem departamentos de business strategy, o que vai se reetir
nas escolas de administração. Assim, as empresas com gestão mais avançada e o setor público,
introduziram-se práticas do planejamento estratégico. É nesse período que Igor Ansoff escreve
o livro intitulado “From Strategic Planning to Strategic Management”; ao nal dos anos 1980
todas essas mudanças vieram a inuenciar as práticas de gestão das organizações. Nesse terceiro
momento, emerge o paradigma porteriano de planejamento estratégico; por m, ao nal dos anos
1990 e no início do século XXI, “as provocações inicialmente acadêmicas que levaram à quarta
geração das tecnologias de planejamento e administração estratégica se difundem grandemente”
(p.279). Essa nova forma de gerir estrategicamente organizações se estrutura com o trabalho de
Kaplan e Norton, uma metodologia denominada de Balanced Scorecard (BSC). Aqui destaca-se
a difusão da abordagem crítica de Mintzberg e seus colaboradores.
As muitas denições dadas para a terminologia estratégia, remete a ideia de tratar a orga-
nização como um todo, buscando entender as multifaces de suas interações internas e externas
capazes de criar ações coletivas que alcancem todos os seus níveis. Nesse sentido, a estratégia foi
denida por Porter (1989) como uma forma de criar uma posição exclusiva e valiosa, envolvendo
um diferente conjunto de atividades compatíveis entre si; por Mintzberg (2009) como um padrão,
um uxo de ações ou decisões; por Kaplan e Norton (1997) como uma forma de criar uma posição
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exclusiva e valiosa, envolvendo um diferente conjunto de atividades entre si. Assim, entende-se
que a gestão estratégica se popularizou, dada ecácia e relevância para atingimento de resultados
organizacionais, tornando-se uma prática social.
Costa (2015) observa que os ciclos das mudanças, estando cada vez menores, exigem que
o tempo de reação das empresas e entidades se encurte. Tendências, mudanças de valores, novas
tecnologias, surgimento ou desaparecimento de agentes de mercado, ocorrem na atualidade com
maior frequência e com menor horizonte de previsibilidade. Segundo Xavier e Sobrinho (2002)
a prestação de um serviço cada vez melhor, também tem levado as organizações educacionais ao
campo da competitividade. Assim, a educação, em toda sua complexidade, vem sofrendo trans-
formações signicativas nos últimos vinte anos em função de dois fenômenos: o intensivo uso da
tecnologia e o processo mais concreto de globalização. Os processos formativos se modicaram de
forma denitiva, inuenciando as agendas pedagógicas, as estruturas organizativas e os modelos
organizacionais da ciência do ensino-aprendizagem. A educação deve ser entendida em seu contexto
geral, com um elevado propósito transformador. Para a educação, que trabalha quase que exclusi-
vamente com a transformação do ser humano em um processo contínuo de mudança, imaginá-la
estanque ou aprisionada a um único modelo de gestão, a faz contraditória ao m último de sua
razão de ser. Neste sentido, estudar a gestão estratégica em ambientes de instituições educacionais
é desenvolver aprendizado sobre as ações e interações institucionais que em última instância, pode
afetar o processo de transformação do indivíduo e sua relação com os serviços oferecidos.
Levando-se em consideração que as organizações educacionais também apresentam a ne-
cessidade de garantir o direcionamento e atingimento do propósito organizacional, esta pesquisa
se destina a responder a seguinte pergunta de partida: Qual o resultado, na percepção dos gestores
e colaboradores de uma instituição confessional de educação superior no estado da Bahia, da im-
plementação do primeiro ciclo de gestão estratégica [2014 a 2018] impactou a instituição?
O objetivo geral desse estudo é o de identicar a percepção de gestores e colaboradores em
relação ao resultado da implementação da gestão estratégica na Faculdade Adventista da Bahia
(FADBA) no período de 2014 a 2018. Especicamente buscou-se: descrever o modelo de gestão
estratégica adotado na IES estudada; caracterizar o perl do público-alvo e a sua inuência no
processo de gestão estratégica; identicar os principais impactos gerados com a adoção da gestão
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estratégica na IES; e analisar a gestão e a efetividade da estratégia no âmbito da organização em
pesquisa.
Esta pesquisa se mostra relevante por abordar uma questão central no processo de gestão,
que é o delineamento das etapas/estratégias planejadas para a organização, com consequente apri-
moramento dos colaboradores que leve à melhoria do serviço prestado e a satisfação do cliente;
também busca compreender o desenvolvimento das organizações educacionais, tendo em vista o
papel delas na formação do indivíduo e difusão do conhecimento, observando o uso e a adequa-
ção do uso da gestão estratégica nesse contexto. Neste aspecto, gestores educacionais, bem como
todos os demais colaboradores, precisam se adequar, atualizar e procurar modicar sua postura,
frente ao trabalho administrativo-pedagógico e as outras áreas do gerenciamento educativo, am
de acompanhar as constantes mudanças e avanços ocorridos na atualidade, transformando-se em
elementos fundamentais na concretização de uma gestão educativa mais eciente. Assim, as novas
formas de organização do trabalho dependerão dos direcionamentos e objetivos estratégicos da
empresa (FERNANDES, 2013).
Este artigo está organizado em cinco seções. A primeira seção é a introdução, onde estão
os elementos delineadores da pesquisa. Na segunda seção está o referencial teórico, que apresenta
a fundamentação teórica relacionada a gestão estratégica, os modelos adotados e seus principais
conceitos. A terceira seção trata da metodologia adotada. Na quarta seção está a caracterização
da instituição pesquisada e o delineamento de sua estrutura de gestão. As considerações nais
constituem a última seção desse artigo.
Gestão Estratégica
Estratego é o termo grego para estratégia (VOLTOLINI, 2004) e estava diretamente rela-
cionado ao cargo de um comandante da antiga Atenas. No livro “A Arte de Guerra”, atribuído a
Sun Tzu e datado de 500 a. C. já se encontrava o emprego da terminologia. Os séculos XIX e XX
são marcados pelo surgimento de inúmeras literaturas que passam a incorporar estratégia aos mais
variados ramos do saber humano, em especial às empresas e aos negócios (TOMMASI; WARD;
HADDAD, 1996).
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A partir da década de 1960, o interesse pela aplicabilidade da estratégia nas empresas toma
impulso nos estudos acadêmicos de vários autores tais como: Igor Ansoff (1960), Henry Mintzberg
(1970), Michel Porter (1980), Kaplan e Norton (1980), e Richard Whittington (1990). As bases
teóricas de Ansoff centravam-se, dentre outros pilares, na formulação estratégica como responsa-
bilidade dos altos executivos; já em Mintzberg os estudos sobre estratégia recebem uma grande
relevância e o foco agora passa a ser o crescimento por meio da expansão e diversicação. Em
Michel Porter o conceito está no conjunto de atividades ans, capazes de conferir a empresa uma
vantagem competitiva. Com Kaplan e Norton a visão sistêmica de gestão estratégica é fortalecida
com controle e acompanhamento. Em Richard Whittington alianças, parcerias compõem a gestão
estratégica, conferem a estratégia um status de prática social com ênfase na interação de todos os
autores da estratégia (BULGACOV et al, 2007).
Analisando os autores e a linha do tempo de seus estudos, percebe-se que a gestão estratégica
(e a formulação de seu conceito) vem em um processo de amadurecimento que envolve renovação
e acomodação de um espectro diverso de realidades empresariais que impossibilita denir um único
modelo de gestão que atenda todas as necessidades de uma organização. Agrega-se ainda a essa
percepção, o fato de que o desenvolvimento dos estudos da estratégia é, em certa medida, resul-
tante do processo de maturação da gestão organizacional, envolvendo mudanças e sustentabilidade
das empresas, revelando diversidades e complexidades para sua denição (BULGACOV, 2007).
Mintzberg, Ahlstrand e Lampel (2000) propuseram uma conceituação ampliada para a com-
preensão da gestão estratégica que se popularizou como os 5 Ps - Plano, Pretexto, Padrão, Posição
e Perspectiva. Para além Mintzberg (2009, p. 27) dene estratégia como “[...] uma perspectiva
compartilhada pelos membros de uma organização, por sua intensões ou por suas ações.”
Acompanhando essa evolução, alguns estudos do uso de ferramentas de gestão estratégica na
área educacional passam a surgir, reforçando a disseminação de conceitos e pesquisas neste campo
de estudo. Faz-se necessário destacar que ainda pouca literatura que trate desta especicidade de
aplicação da gestão estratégica na aérea educacional, sendo estas premissas iniciais já sucientes
para a inserção da gestão estratégica educacional como objeto desta pesquisa. Além disso, temos
que considerar que o setor de educação adquiriu funções fundamentais para o desenvolvimento
econômico das nações como apontam os estudos de Santos (2002); e Porter (1989).
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Caggy e Benevides (2018) reforçam que há um grande interesse na análise e compreensão
dos reais motivos de êxito ou fracasso das empresas. Para uma compreensão mais positiva do que
se pretende neste trabalho, os conceitos do cenário da administração de empresas são os que me-
lhor explicitam os objetivos aqui propostos. A conceituação de estratégia como sendo um conjunto
contínuo de objetivos e de políticas capazes de guiar e orientar o comportamento da empresa em
curto, médio e longo prazo, em um processo agregado ao maior conhecimento possível do ideal
de futuro, que possibilite tomar decisões atuais que envolvam riscos, que permita organizar siste-
maticamente as atividades necessárias à execução de decisões, através de uma retroalimentação
capaz de mensurar os resultados, é o que melhor descreve o que se propõe nessa pesquisa.
Após o declínio do planejamento estratégico nos anos de 1980 e com a ascensão dos novos
modelos de gestão – qualidade total, reengenharia, seis sigmas, entre outros – a preocupação com
a estratégia foi relegada a segundo plano. Com a intensicação das incertezas, no nal doas anos
de 1990 essa temática volta ao centro do debate em gestão, já que os gestores demandavam uma
nova forma de ordenamento organizacional, capaz de construir uma estratégia em torno de uma
clara proposta de valor para o cliente; desenvolver estratégias de fora para dentro tendo como
base as expectativas dos clientes, acionistas e investidores; melhorar o alinhamento da estratégia
às mudanças de mercado; melhorar a comunicação da empresa com seus stakeholders; e garantir
a sustentabilidade e crescimento organizacionais. Herrero Filho (2005, p. 03) diz que “a essência
da gestão estratégica é elaborar, por meio de uma abordagem inovadora e criativa, uma estraté-
gia [...] que assegure o êxito da organização [...], ao mesmo tempo que constrói as competências
essenciais [...]”.
A m de fazer cumprir a estratégia estruturada para a organização/instituição faz-se necessário
estruturar um modelo de gestão estratégica. A gestão dita estratégica se coaduna com uma técnica
administrativa que, através da análise do ambiente interno e externo de uma organização, cria a
consciência de suas oportunidades e ameaças, dos seus pontos fortes e fracos para o cumprimento
de sua missão e, através desta consciência, estabelece o propósito de direção que a organização
deverá seguir para aproveitar as oportunidades e evitar os riscos (ANSOFF, 1990; PORTER, 1989;
MINTZBERG, 2000).
Uma forma de viabilizar tais análises é implantar o Balanced Scorecard (BSC), uma das
metodologias de medição e avaliação do desempenho organizacional mais difundida no mundo O
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BSC fornece uma estrutura para transformar a estratégia em ação e através do Mapa Estratégico
permite visualizar hipóteses causa-efeito permitindo antecipar uma visão mais clara sobre o futuro
do negócio. Busca fundamentalmente complementar os indicadores tradicionalmente utilizados
para avaliar o desempenho das empresas, combinando indicadores nanceiros e não nanceiros,
alcançando assim um equilíbrio entre o desempenho da organização no dia-a-dia e a construção
de um futuro promissor, cumprindo assim a missão organizacional. O BSC sugere olhar para a
organização de quatro perspectivas, cada uma deve responder a uma pergunta especíca: desen-
volvimento e aprendizado: podemos continuar a melhorar e criar valor?; negócio interno: em que
devemos nos destacar?; do cliente: como os clientes nos veem?; e nanceiro: como olhamos nos
olhos dos acionistas? (KAPLAN E NORTON, 2017).
O BSC permite uma visão integrada e balanceada da empresa, descrevendo a estratégia de
forma clara, através de objetivos estratégicos, que são agrupados em quatro perspectivas. São elas:
Financeira, Cliente, Processos Internos, Aprendizado e Crescimento. No processo de traduzir a
estratégia em objetivos e medidas mensuráveis, as quatro perspectivas (ou domínios) do Balanced
Scorecard estabelecem um diálogo entre os formuladores da estratégia e os stakeholders da organi-
zação. As perspectivas do BSC são relacionadas entre si através de uma relação de causa e efeito,
permitindo que os gestores/gerentes percebam as correlações entre diversas áreas e atividades, o
que é compatível com o andamento de inúmeras iniciativas do mundo empresarial moderno, tais
como: melhoria contínua, responsabilização das equipes e o processo de inovação (KAPLAN e
NORTON, 2017).
Os estudos provenientes do Balanced Scorecard , realizados por Kaplan e Norton, entre 1992
e 2000, possibilitaram a identicação dos princípios de uma organização orientada pela estratégia
e que, ao mesmo tempo, utiliza a nova ferramenta de gestão – 1) traduzir a Estratégia em Termos
Operacionais; 2) Alinhar a Organização à Estratégia; 3) transformar a Estratégia em tarefa de todos;
4) converter a Estratégia em processo contínuo; 5) mobilizar a mudança por meio da liderança.
O BSC vai incorporando as principais ideias sobre gestão defendidas por Michael Porter,
Gary Hamel, C.K. Prahalad, W. Edward De-ming, Michael Treacy, Fred Wiersema, Dave Ulrich,
Peter Senge, Henry Mintzberg, Edgar Schein, Philip Crosby, Thomas Stewart, W. Chan Kim, Re-née
Mauborgne, entre outros (HERRERO FILHO, 2005). As ideias são representadas pelos seguintes
conceitos: organização orientada para a estratégia; mobilização de ativos intangíveis para a criação
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de valor; insuciências dos indicadores nanceiros para gerenciar o negócio; equilíbrio entre ob-
jetivos de curto e longo prazos, entre medidas nanceiras e não-nanceiras e entre indicadores de
tendências e de ocorrência; tradução de visão e missão em objetivos estratégicos mensuráveis e de
fácil entendimento pelos colaboradores da organização; transformação da estratégia em responsa-
bilidade da força de trabalho; e prontidão do capital intelectual. A abordagem do BSC como novo
paradigma de gestão estratégica é de grande utilidade nos processos de aprendizagem, educação,
simulação e implementação para as diferentes equipes.
A Gestão Universitária
No Brasil o ensino superior tem uma trajetória própria. Ribeiro (2011) apresenta a evolução
do ensino superior brasileiro considerando a existência de três ciclos históricos. No primeiro ciclo
[1550 – 1960], iniciado em 1550, com a fundação do primeiro colégio jesuíta no país, sediado na
Bahia, então sede do Governo de Tomé de Souza, há uma evolução lenta que se caracteriza por
pouca modicações, com o agravante de que seu crescimento se limita ao volume de recursos dis-
ponibilizados pelo Estado, sem a presença de investimentos privados. Somente em 1920 é criada a
primeira universidade brasileira. Nesse período as vagas públicas não eram sucientes para atender
à demanda por ensino superior. No segundo ciclo [1960 – 1990] é promulgada, em 20 de dezembro
de 1961, a Lei n.º 4.024 - Lei de Diretrizes e Bases (LDB) - com o objetivo de regulamentar a
expansão do ensino superior com a criação de órgãos - o CFE e os diversos Conselhos Estaduais
de Educação (CEE) - que controlassem a implantação de novos cursos e instituições. Em 1968
ocorre a Reforma Universitária, que introduz um modelo acadêmico e administrativo para o ensino
superior nacional pressupondo a intensicação do imbricamento entre as três dimensões do ensino
superior - ensino, pesquisa e extensão.
De acordo com Almeida Filho (2014), nos anos 80 a nova Constituição institui a autono-
mia universitária. A autonomia didático-pedagógica conferida às universidades privadas garantiu
o crescimento do segmento, fazendo-o atingir novos mercados - submetidos a menos controles
governamentais promoveu a elevação do número de estabelecimentos privados. Finalmente, a
utilização de recursos públicos dinamizou o setor privado, que passou a se dividir em entidades
com e sem ns lucrativos. Na fase nal desse ciclo o ensino superior se diversica e se expande,
surgindo propostas de alteração dos padrões de nanciamento; de oferta de cursos voltados à educa-
ção prossional de menor duração; de incentivo ao maior uso de TIC, entre outras transformações.
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O terceiro ciclo [1990 a atualidade] é marcado pela entrada, através de parcerias com IES
privadas nacionais, de diversas IES internacionais em diferentes regiões do Brasil. Esse período
recebe críticas à mercantilização e ao crescimento privado, tem foco na universalização, impõe
legislação voltada a controles integrados e formas de nanciamento; e viabiliza a oligopolização
do segmento privado e retomada do crescimento do público. Nesse período se intensicam fusões
e aquisições de IES privadas, a entrada de IES internacionais favorecendo-se a internacionaliza-
ção e oligopolização do segmento (RIBEIRO, 2011). Essas diferentes fases formam um processo
histórico evolutivo das instituições de ensino superior no Brasil, com impactos diretos em termos
organizacionais e na capacidade de gestão destas instituições.
A instituição estudada se insere no contexto das instituições confessionais e, portanto, não
tem a conguração de uma instituição pública, pois ainda não é uma universidade, trata-se de uma
unidade da Igreja Adventista, que localizada na Bahia desenvolve as suas atividades atendendo ao
que determina a regulação do MEC. A FADBA busca desenvolver as atividades de ensino, pesquisa
e extensão. Para tal faz-se necessária a atividade de gestão.
Silva (2019) diz que as instituições de ensino superior (IES) encontram-se numa fase de
profunda reexão sobre o seu papel na sociedade e nas respostas necessárias face à evolução do
contexto econômico e político. As pressões atuais sobre as instituições de ensino dessa natureza
podem-se resumir em três grandes componentes: nanceiras, organizacionais e concorrenciais.
A inserção de fatores de avaliação, o controle social, a concorrência, entre tantos outros fatores
externos impõe às IES um ambiente turbulento que demanda adequação a m de garantir a sua
perpetuação, obrigando-as a repensado o modelo das unidades de ensino, e em consequência re-
pensar suas estruturas organizativas, dos seus processos de atuação e os seus modelos de gestão.
No segmento educacional a gestão estratégica tem sido utilizada como elemento de dire-
cionamento para o alcance de sinergias. Parte-se dos elementos identitários, representados pela
missão, visão e valores da organização educativa, de forma a maximizar oportunidades e pontos
fortes, proteger-se das ameaças, minimizando os impactos dos pontos fracos sobre o ambiente da
instituição. A gestão estratégica institucional deve articular o processo de planejar com a formu-
lação de propósito através de um plano compartilhado para a organização, a escolha da estratégia,
a xação de metas e desaos e a atribuição de responsabilidades para o detalhamento dos planos
e projetos necessários a implementação de estratégias no campo da educação.
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A literatura que trata da implantação da gestão estratégica na educação ainda está em desen-
volvimento com um adjetivo de novidade, no entanto, os casos de implantação da metodologia em
algumas IES no Brasil, revelam que estas instituições provaram mudanças de melhoria da gestão e
ainda contribuíram com subsídios inovadores para a gestão mediante a adoção de uma metodologia
de elaboração participativa, o que oportunizou a realização de um trabalho mais competente de
direcionamento da escola e da efetivação de seus objetivos. Estudos revelam o uso das ferramentas
de gestão estratégica pelas universidades, sejam elas públicas ou privadas (ZAINKO, 1999). As
vantagens encontradas nessas IES, que adotaram a gestão estratégica, apontam para um clarea-
mento das perspectivas institucionais de futuro, o enfrentamento dos desaos e o aproveitamento
das oportunidades engajando as pessoas no alcance dos objetivos.
A gestão estratégica, nesse campo, caminha por um viés característico da complexidade
inerente ao dia-a-dia de “práxis” dos educadores, alunos, colaboradores, público que atende,
diversidade de formação de seus recursos humanos, tecnologias, infraestrutura e muito mais.
Associam-se também os processos de aprendizagem que se conguram dentro de uma dimensão
de poder que são concomitantemente enfatizados. As instituições também se organizam de acordo
com seus níveis de poder (formal, cultural e expertise). Esse fato amplia ainda mais a assertividade
da adoção de ferramentas de gestão estratégica em ambientes diversicados das relações humanas
como no caso da educação (CECÍLIO, 2001).
Para Boaventura e Pimenta (2018), uma interdependência das áreas nalística (acadê-
mica) e meio (manutenção), requerendo uma estrutura organizacional e um processo decisório
compatível com tais características e que lidem de forma direta com os seguintes tópicos inerentes
ao processo de gestão, a saber: formação, conhecimento, tecnologia, qualidade, cultura, descen-
tralização, priorização, comunidade, inclusão, eciência, ecácia, efetividade, competitividade,
diversidade, inclusão, repetência, cidadania, questões acadêmicas e pedagógicas, evasão e equipe.
O grande foco da gestão é demonstrar que a ausência de informações conáveis limita a tomada
de decisões internas e externas e que, a médio e longo prazo, isso compromete a permanência da
IES. Mintzberg (2009), destaca que a universidade é um tipo particular de organização que sofre
inuências e pressões externas, o que gera a necessidade e obrigação de reestruturação de suas
metas, objetivos e foco, e isso exige uma gestão estratégica.
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Levando-se em consideração a importância da gestão estratégica para o contexto de insti-
tuições de ensino superior e considerando a relevância de estudar modelos de gestão estratégica
implantados em IES confessionais, apresenta-se nas seções subsequentes, de forma descritiva, o
percurso e resultado da implementação de um modelo de gestão estratégica em uma IES dessa
natureza – busca-se aqui avaliar oportunidades e limitações.
Metodologia
Para a realização de uma pesquisa faz-se necessário o planejamento metodológico. Nesse
artigo a pesquisa pode ser classicada descritiva de abordagem qualitativa. A natureza qualitativa
vale-se das técnicas de coleta de dados de maneira a possibilitar tanto a exploração especíca e a
elaboração de um modelo visual de explicação para responder à pergunta de partida e atender ao
objetivo geral (CRESWELL, 2010).
Optou-se pela pesquisa descritiva, pois nessa tipologia o investigador vai, segundo Minayo
(2011), propondo um novo discurso interpretativo, o que foi realizado no trabalho. Desta forma,
esta pesquisa se caracteriza como um estudo descritivo, já que tem a intenção de descrever uma
realidade institucional, além de registrar, analisar e correlacionar fatos ou fenômenos sem manipulá-
-los (CERVO, BERVIAN, e SILVA, 2007). De forma prática há que se estabelecer um ciclo para
a pesquisa qualitativa, que se divide em três etapas, fase exploratória, trabalho de campo e análise
e tratamento de dados.
Para a realização desse estudo, para coleta de dados secundários [Fase 1], partiu-se inicial-
mente da pesquisa bibliográca, embasando a pesquisa nos principais conceitos sobre o assunto,
pois de acordo com Gil (2009) esse tipo de pesquisa tem sua base em materiais já publicados.
Ainda como fonte de dados secundários, foi realizada uma pesquisa documental, que segundo
Martins (2008), apesar de haver semelhanças com a pesquisa bibliográca, não se utiliza materiais
de domínio público. No contexto da FADBA, foram consultados, o organograma da instituição,
o planejamento estratégico e o Plano de Desenvolvimento Institucional [Fase 1 e 2]. A análise
documental permite passar de um documento primário [na origem] para um documento secundário
[no artigo], sendo esse a representação estruturada do primeiro (BARDIN, 2010).
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Na Fase 2, para levantamento de dados primários, foram realizadas entrevistas com gesto-
res e aplicação de questionário com os gestores e colaboradores da instituição. O questionário foi
aplicado através da ferramenta on-line SurveyMonkey [01 a 17 de junho/2019], com envio direto
pelo próprio site e através de e-mail. O universo da pesquisa foi composto por 57 respondentes,
no entanto, em decorrência de inúmeros fatores tais como: período de avaliações na IES, mudança
de gestores e consequentemente cheas de departamentos, somente foram obtidas o total de 22
respostas.
Também se utilizou nessa pesquisa uma entrevista com os principais gestores da FADBA que
participaram de maneira direta ou indireta do processo de elaboração do planejamento estratégico
da instituição – Diretor Geral, diretor de Curso e Intercâmbios interinstitucionais, diretor de Áreas
de Formação e professor. A entrevista realizada pode ser classicada como focalizada, que segundo
Minayo (2011) destina-se a esclarecer apenas um determinado problema.
A partir dos dados coletados, avaliaram-se os fatores críticos. Para análise dos dados e posi-
cionamentos coletados, foi utilizada a análise de conteúdo. A análise de conteúdo, segundo Bardin
(2010) é um conjunto de técnicas de análise das comunicações, não se tratando de um instrumento
e sim de um leque de “apretechos”. A análise de conteúdo, compreende três etapas básicas: (a)
pré-análise; (b) exploração do material; (c) tratamento dos dados e interpretação.
As entrevistas foram gravadas, transcritas e analisadas. Na análise buscou-se realizar o con-
fronto com o objetivo, utilizando-se a forma mais simples – grelha de análise categorial (BARDIN,
2010). Essa técnica privilegia a repetição por frequência dos temas ao olhar o conjunto. Nessa
escolha há o risco de perder parte da riqueza de informação, mas por ser um quantitativo peque-
no, com um tema e questões muito direcionadas, entende-se que a aplicação da técnica não gerou
prejuízos para o resultado nal desejado. Buscou-se entender a análise dos conteúdos coletados, à
luz do contexto em que a FADBA se encontra. O tratamento do material conduziu a um resultado
lógico circunscrito ao objeto de estudo, não sendo possível a generalização, dada as especicidades
da FADBA. A análise qualitativa, aqui produzida, não se congura como uma mera classicação de
opinião dos informantes. Trata-se da descoberta de códigos sociais a partir das falas e das respostas
apontadas nos questionários. A combinação dos resultados e da fundamentação teórica permitiu
uma construção contextualizada.
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Gestão Estratégica na FADBA: Limites e Possibilidades
A Faculdade Adventista da Bahia (FADBA), que pertence à Rede Mundial Adventista de
Educação, uma das maiores redes educacionais do mundo, foi criada como instituição de ensino
superior no ano de 2011, mas anteriormente nas mesmas instalações já funcionava o Instituto
Adventista de Educação do Nordeste (IAENE), que foi fundado no ano de 1979 com apenas a
educação supletiva para 25 estudantes, que também trabalhavam nas instalações da instituição, nos
anos seguintes foram implantados a escola de ensino fundamental, o ensino médio e, em 1988, o
Seminário de Teologia (SALT). No ano de 1998, efetivamente o IAENE ingressa no ensino superior
com a abertura dos cursos de Administração, Pedagogia e Fisioterapia, respectivamente e através
de faculdades isoladas, todas mantidas e organizadas dentro do campus. Hoje a instituição conta
com nove cursos de graduação (FADBA, 2018).
Todas as áreas de gestão seguem as orientações da mantenedora no que tange a gestão, sendo
direcionadas pelos princípios e doutrinas defendidos pela IASD. Dentre os documentos organiza-
cionais de gestão os principais que orientam a administração estão: o planejamento estratégico - PE
(2013-2018); o Plano de Desenvolvimento Institucional – PDI (2013-2017); o Projeto Pedagó-
gico Institucional - PPI (2013-2017); o Regimento Interno (RI) e o livro da praxe administrativa
eclesiástica - um manual organizacional que é denido pela IASD e que traz as linhas gerais de
organização, divisão do trabalho, benefícios e orientação para os funcionários - (FADBA, 2018).
A Faculdade Adventista da Bahia (FADBA), iniciou os estudos do processo de implemen-
tação da gestão estratégica em fevereiro de 2013, no ano seguinte culminaram as primeiras ações
decorrentes do estudo. A realização dessa etapa de estudo para a elaboração de um Planejamento
Estratégico marca uma fase de busca do posicionamento da FADBA em várias frentes de inser-
ção acadêmica. Para uma visão ampliada de como esse processo foi implementado na FADBA,
destaca-se que inicialmente a equipe foi escolhida pela liderança local. Após a constituição da
equipe formada por pessoas de diferentes áreas, foram realizadas várias reuniões para a criação
de um sistema BSC, metodologia escolhida pela gestão, por entender que a FADBA merecia uma
metodologia mais atual de gestão estratégica, concretizando-se a etapa de elaboração em 6 fases: 1)
Formação da equipe; 2) Avaliação e adequação dos elementos identitários - missão visão e valores
[já existentes]; 3) Construção da Matriz SWOT para identicar Pontos Fortes e Fracos, bem como
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ameaças e oportunidades; 4) Elaboração do Mapa estratégico para guiar as diferentes equipes; 5)
Denição de objetivos, metas e indicadores e 6) Comunicação do direcionamento estratégico.
Esse percurso evidencia o dito por Parente Filho (2003) sobre a denição da estratégia
que demanda coordenação e direção tratando-se ainda de uma ação conjunta, associada à decisão
política, que xam objetivos e asseguram os meios para a execução de operações reais, ou seja,
táticas. No caso da FADBA, considerando que a estratégia coorporativa é da IASD, o que essa
equipe deniu foi a estratégia de negócios reetindo a questão “Como competiremos em cada ne-
gócio?” e a estratégia funcional reetindo a questão “Como alinharemos as áreas funcionais com
as estratégias corporativas e de negócios?”. A análise SWOT foi um estágio muito importante que
direcionou a escolha de uma estratégia de gestão com base no BSC. Foi o momento necessário
para o reconhecimento da existência de outros elementos importantes para a efetivação de uma
gestão estratégica na instituição.
Através da análise do ambiente interno e externo de FADBA, cou explicito as suas
oportunidades e ameaças e os seus pontos fortes e fracos para o cumprimento de sua missão. As
evidências como apontam diferentes autores pode trazer consciência estratégica e estabelecer o
propósito de direção que a organização deverá seguir para aproveitar as oportunidades e evitar os
riscos (PORTER, 1989; MINTZBERG, 2000).
A análise Swot e a revisão dos valores identitários permitiu a elaboração de um quadro resumo
das perspectivas institucionais e suas respectivas estratégias de acordo com o BSC, direcionado
ao atingimento da visão de tornar-se um Centro Universitário com excelência nos processos de
acreditação, desenvolvendo-se de modo sustentável em harmonia com os valores cristãos que
por sua vez permitiu a estruturação de um Mapa Estratégico síntese da estratégia da instituição,
congurando-se um elemento visual norteador. Esse processo converteu-se na denição ajustada
da missão e visão alinhando a eixos estratégicos diferentes dos que comumente são apresentados
nos BSC – Financeiro, Clientes. Processos e aprendizagem e crescimento. A equipe inovou de-
nindo os seguites eixos estratégicos: desenvolvimento espiritual, ensino e aprendizagem, pesquisa
e extensão e desenvolvimento organizacional, conforme apresentado no quadro a seguir.
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Quadro 1 - Objetivos Estratégicos
MISSÃO VISÃO EIXOS ESTRATÉGICOS
OBJETIVOS ESTRA-
TÉGICOS
O IAENE é uma instituição
educacional da Igreja Ad-
ventista do Sétimo Dia que
forma prossionais capazes
de exercer uma cidadania
responsável, baseada em
valores cristãos, privilegi-
ando seu desenvolvimento
físico, intelectual, social e
espiritual.
Tornar-se um Centro
Universitário com exce-
lência nos processos de
acreditação, desenvol-
vendo-se de modo sus-
tentável em harmonia
com os valores cristãos.
Desenvolvimento Espiritual
Promover o desenvolvi-
mento integral da comuni-
dade acadêmica a partir da
implementação do PMDE.
Ensino e aprendizagem
Desenvolver práticas cur-
riculares interdisciplinares
e transversais, inovadoras,
centradas no princípio da
integralidade cristã.
Pesquisa e extensão
Desenvolver práticas e
iniciativas de pesquisa e
extensão alinhadas aos
processos de ensino e
aprendizagem.
Desenvolvimento organiza-
cional
Tornar-se um Centro Uni-
versitário de referência
regional, com qualidade
reconhecida nos processos
administrativos, pedagógi-
cos e nanceiros.
Fonte - Relatóris Interno FADBA (2014).
A seguir, para cada objetivo estratégico, foram em consonância com as diferentes equipes,
denidas metas que se organizavam da seguinte forma: 1) Objetivo Estratégico; 2) Objetivo (s)
Especíco (s); 3) Meta; 4) Indicador de Controle nesse caso vericando o estágio em 2013 e
projetanto 2014 a 2018.
Após a consolidação dessa etapa a gestão da FADBA passou para a fase de comunicação com
os diferentes stakeholders. O BSC da FADBA, conforme prevê a bibliograa consultada tornou-se
um sistema de gestão que traduz a estratégia da IES em objetivos, medidas, metas e iniciativas
de fácil entendimento pelos participantes. Tornou-se também uma ferramenta gerencial útil para
capturar, descrever e transformar os ativos intangíveis de FADBA em valor para os stakeholders.
Foi constituído como um sistema balanceado de gestão para promover um equilíbrio entre as princi-
pais variáveis estratégicas, a saber: equilíbrio entre os objetivos de curto e longo prazos; equilíbrio
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entre o foco interno e o ambiente externo da organização; equilíbrio entre medidas nanceiras e
medidas do capital intelectual; e equilíbrio entre os indicadores de ocorrência e os indicadores de
tendências (KAPLAN e NORTON, 2017).
A IES optou por construir um modelo que não deixasse a estratégia corporativa com um
conjunto aleatório de diferentes componentes, estruturou um sistema de partes interdependentes,
cuidadosamente ajustadas. Kaplan e Norton (2017, p.45) dizem que a gestão estratégica serve para
demonstrar as propostas de valor e esse valor – instituição confessional – é privilegiado no mapa
quando desenvolve um eixo denominado “Desenvolvimento Espiritual”.
Essa escolha da equipe gestora buscava sinergias coorporativas a m de obtenção de bene-
fícios para o desempenho da IES. Aqui é possível observar o que Herrero Filho (2005) destaca:
compartilhamento da visão entre a equipe executiva e os colaboradores; direcionamento dos esfor-
ços para os objetivos considerados prioritários; percepção acurada das oportunidades do ambiente
externo; identicação e monitoramento ágeis das mudanças do ambiente externo; e sistemática
análise crítica da estratégia e da sua consistência, em face das mudanças no ambiente.
O processo da FADBA até essa etapa reete a formulação da estratégia, que apresenta a estra-
tégia pretendida. Mintzberg (2000) adverte para a possibilidade de distanciamento entre o planejado
e o executado, pois para o autor a estratégia é um processo contínuo e nem sempre a estratégia
realizada coincide com a estratégia pretendida, pois as mudanças, as incertezas, as novidades e a
criação de novos conhecimentos podem afetar o processo. O autor ainda destaca que a criação e
a implementação da estratégia são sensíveis, sendo a implementação um processo problemático
para a maior parte das empresas no mundo. Assim, por entender que a formulação da estratégia se
deu de forma satisfatória para o primeiro ciclo, coube, nessa pesquisa, avaliar se a implementação
também foi bem-sucedida. Após a apresentação da fase de consecução, cabe analisar a percepção
dos participantes em relação aos resultados do primeiro ciclo de gestão estratégica. Traz-se aqui
o resultado dos dados coletados via questionário e entrevista.
Antes de discutir efetivamente a implementação cabe caracteriza os respondentes. Quanto as
entrevistas, foram consultados: Diretor Geral, diretor de Curso e Intercâmbios interinstitucionais,
diretor de Áreas de Formação e professor. Quanto aos questionários, os respondentes são gestores
e colaboradores, em uma amostra de vinte e dois (22) respondentes. Os resultados apontam: sete
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(7) do sexo feminino e quinze (15) do sexo masculino; nove (9) possuíam idade predominante na
faixa etária de 28 a 37 anos e sete (7) na faixa etária entre 48 a 57 anos. A maioria (9), são chefes
de departamento, apenas um (1) é líder de equipe. Dentre os quatro (4) respondentes que indica-
ram a alternativa “outra”, três (3) são professores e 1 é assistente social. Assim, dezoito (18) são
gestores. Onze (11) deles possuem 10 anos ou mais de atuação na FADBA.
O período da análise dessa pesquisa compreende os anos 2014-2019, o que signica que
50% dos entrevistados estavam na instituição durante os anos de implementação da gestão estra-
tégica. Os cargos de chefe de departamento, coordenador, gerente e diretor, formam a equipe de
gestores da instituição, conferindo aos achados dessa pesquisa uma forte ferramenta de análise das
reais condições do processo de implementação da gestão estratégica na FADBA, pois o papel do
gestor é evitar a esterilidade tão frequentemente encontrada naqueles que se isolam das operações
(MINTZBERG, 2009).
No processo de entrevistas com os gestores diretos, as falas revelam envolvimento e moti-
vação para a elaboração do planejamento estratégico, conforme os relatos apresentados a seguir:
[…] quando nós iniciamos o processo de planejamento estratégico foi chamado
uma comissão de planejamento estratégico, na época liderada pelo X, que foi
uma pessoa escolhida pela formação e pela experiência para que zesse a
liderança dessa equipe [...] foram convidados a participar dessa comissão de
planejamento os principais gerentes [.... O modelo utilizado foi o modelo BSC
[…] [Entrevista do gestor 2].
[…] Na realidade foi uma união de desejo porque o grupo da área de
administração também já avaliava a necessidade da instituição de ter um
planejamento estratégico que tivesse pelo menos um tempo de quatro anos ou
cinco anos coincidindo com o plano de desenvolvimento institucional proposto
pelo MEC, então o plano era que o planejamento estratégico dialogasse com
o PDI […] [Entrevistado gestor 4].
O Planejamento Estratégico da FADBA, segundo dezoito (18) respondentes, é conhecido,
tendo sido lido por onze (11) e nunca lido por cinco (5) e utilizado como guia de atividades por
apenas dois (2) dos respondentes, aspecto que sinaliza um problema na fase implementação e na
efetividade do PE. Agrega-se a este cenário a declaração de dois (2) respondentes que armaram
não conhecer o documento e apenas saber da sua existência.
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Dentre as questões atinentes a implantação da gestão estratégica está a aceitação, o BSC não
existe para criar coerência e uniformidade organizacional, mas sim, para antecipar demandas
e necessidades, proporcionar respostas rápidas às crises e enfrentar melhor os riscos e incertezas.
Como diz Barbosa (2008), a comunicação pode ser considerada como um aspecto crítico por se
tratar de um processo através do qual ocorre a troca de informações relevantes sobre a empresa
entre os colaboradores e gestores, sobre as mudanças que nela ocorrem. É preciso comunicar e
dar reforço a essa comunicação.
Quando questionados a respeito da participação na elaboração do BSC da FADBA, apenas
cinco (5) dos respondentes armaram ter participado efetivamente deste processo e seis (6) armam
que não foram convidados. A permanência dos principais atores que elaboraram o plano por um
tempo na instituição garante sua implementação. Para Xavier e Sobrinho (2002) um plano é um
processo participativo que visa a melhoria da gestão da instituição e demanda a participação efetiva
da comunidade interna. O não envolvimento pode impactar de forma signicativa na efetividade
das ações necessárias – metas e indicadores podem ser relegados a segundo plano.
O alinhamento entre as atividades laborais e Planejamento Estratégico da FADBA é de
fundamental importância para este trabalho porque revela objetivamente qual de fato tem sido os
impactos da primeira etapa de implantação aqui estudada. Mintzberg (2009) ressalta que a estra-
tégia é um modelo que coaduna de forma interdependente objetivos, políticas e ações com vistas
a identicar uma vantagem competitiva. Sete (7) dos respondentes armam que o trabalho que
desenvolve possui alinhamento com a estratégia institucional, porém doze (12) armam que em-
bora mantenham este alinhamento não tem clareza sobre qual de fato é a estratégica institucional.
A Faculdade Adventista da Bahia (FADBA) é uma instituição educacional confessional
mantida pela Igreja Adventista do Sétimo Dia (IASD) que desenvolve em todas as suas organiza-
ções a consolidação de seus princípios e valores como maneira de valorização do ser humano e da
sua importância representativa no contexto mundial. O conhecimento e envolvimento na missão
da igreja é a base losóca que confere a FADBA o nome Adventista. Na mesma proporção da
clareza dos objetivos denominacionais, a gestão estratégica na FADBA se propõe alinhar também
os objetivos e as atividades laborais.
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Foi questionado aos respondentes se na execução das atividades laborais por eles desenvol-
vidas existe a preocupação de atender os objetivos estratégicos da FADBA. Dezessete (17) dos
respondentes armaram que possuem esta preocupação, mas destes, dez (10) declaram que não
tem clareza quais são estes objetivos. Mais uma vez observa-se o distanciamento entre o planejado
e o executado, cabendo destaque para o não reconhecimento por parte da equipe.
Esse fato remete a necessidade de uma autoavaliação institucional que busque a explicitação
e socialização dos objetivos estratégicos. No entanto, o que mais importa em todo o processo é a
capacidade da empresa de se auto avaliar e em seguida adotar estratégias que potencializem o seu
negócio (MINTZBERG, 2009).
Para o atingimento das metas estabelecidas em um planejamento é fundamental que os
colaboradores no desenvolvimento de suas atividades busquem atendê-los. Através desta pesqui-
sa foi constado que entre os vinte (20) respondentes dezenove (19) armam que se preocupam
em atender estas metas, porém dez (10) não tem clareza sobre quais são elas. Mintzberg (2009),
explicita que os gerentes (colaboradores) fazem parte de um grupo pelo meio do qual as “coisas”
acontecem, assim, estar atento as demandas desse grupo favorecem a implantação da estratégia.
Ao serem questionados sobre os valores da FADBA, dezoito (18) respondentes armaram
conhecer e compartilhar dos mesmos valores e apenas dois (2) armaram conhecer, mas não ter
clareza sobre eles. Visto que a instituição estudada é de perl confessional, é esperado que os valores
dos seus colaboradores tenham alinhamento com ela. Tal hipótese constata-se quando dezoito (18)
dos respondentes armam que além de conhecer os valores da FADBA compartilham dos mesmos.
Esse aspecto é destacado nos eixos estabelecido. Há um pilar com a denominação de “Desenvol-
vimento Espiritual”, que propõe o fortalecimento da fé e comprometimento pessoal e coletivo
com a missão, através de um plano de reavivamento envolvendo toda comunidade acadêmica. O
fato desses colaboradores serem conhecedores e participes dos mesmos valores denominacionais
da FADBA, confere para eles a possibilidade, como diz Mintzberg (2009), de resolverem as crises
“colocando a mão na massa”.
A missão da FADBA para maioria dos respondentes (17) é conhecida e guia para realização
do trabalho desenvolvido por estes colaboradores. É importante o fato de que dentre os respon-
dentes nenhum arma desconhecer a missão da instituição confessional estudada. A visão por sua
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vez, também é conhecida pela totalidade dos respondentes, sendo que quatro (4) armam não ter
clareza dessa missão.
Quando se perguntou aos respondentes se eles acreditavam que as decisões estratégicas
tomadas na FADBA tinham como base o Planejamento Estratégico vigente, a maioria, quatorze
(14), armaram que sim, porém, sendo difícil a percepção deste alinhamento, e cinco (5) dos
respondentes armam que não acreditam e que não conseguem perceber esse alinhamento. Para
minorar os impactos as organizações/instituições precisam realizar três atividades integradas entre
si: a gestão do ambiente; a gestão da organização/instituição e a gestão do alinhamento entre a
estratégia e a empresa. A gestão estratégica serve para demonstrar as propostas de valor, ou seja,
demonstrar como a administração corporativa extrai mais valor dos negócios que possui e opera,
pois recursos, negócio e organizações estão alinhados uns com os outros. Para Mintzberg (2009)
é fundamental que o estrategista tenha conhecimento amplo das metas, desaos e estratégias da
organização.
A clareza das metas de avaliação utilizadas pela FADBA, em relação aos seus colaborado-
res e aos Departamentos onde estes atuam, é considerada por sete (7) dos respondentes como não
existentes. Três (3) respondentes armam que possuem clareza das metas que devem atingir e dez
(10) dizem conhecer, mas armam não ter clareza.
Foi pedido aos respondentes que indicassem a sua participação em reuniões sobre gestão
estratégica, avaliação estratégica e planejamento estratégico e quinze (15) dos respondentes ar-
maram ter participado. O distanciamento entre o planejado e o executado volta a aparecer nessa
questão. O que se consolida como uma vulnerabilidade do processo.
Em relação a crença da tomada de decisão do líder imediato ter como base o plano estratégico
da FADBA, oito (8) dos respondentes armaram que não conseguiam avaliar este processo e dez (10)
armaram que somente às vezes acreditam que o plano estratégico é basilar para o líder imediato.
Mota (1992) destaca dentre as implicações que dicultam o sucesso da estratégia está a débil
articulação entre o planejado e o executado no dia-a-dia. A fala de um dos gestores diretos entre-
vistados sobre esse aspecto revela a necessidade de alinhamento entre o planejado e o executado.
Quando questionado a resposta foi a seguinte:
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[…] Parcialmente, eu acho que nos primeiros dois anos isso aconteceu mas
aconteceu um problema essencial para que isso não tivesse continuidade
houve um conito direto porque quem sabe na primeira avaliação do MEC
ou nas primeiras avaliações a gente percebeu que o documento que o MEC
utilizava para avaliar a instituição não era o planejamento estratégico, o
planejamento utilizado pelo MEC era o PDI, e o PDI não estava alinhado
com o planejamento estratégico. Isso quer dizer, muito dos objetivos, muitas
das metas traçadas, muito do que estava sendo feito não estava no PDI e de
certa forma o que estava no PDI não estava muito claro como seria e qual
era a materialização disso, qual era a comprovação disso. Então começou a
se perceber ai em 2016 para frente que não adiantava ainda seguir a risca o
planejamento estratégico e esquecer o PDI e aí o planejamento estratégico
perdeu um pouco de força nesse processo […][Entrevistado gestor 3].
Diante da questão que investiga a percepção dos respondentes sobre a existência de mudan-
ças para uma gestão mais estratégica e prossional a partir da elaboração e apresentação do plano
estratégico vigente, doze (12) dos respondentes armaram que na maioria das vezes percebem as
mudanças. Nesse aspecto, os gestores diretos têm compreensões distintas, os que acreditam
que as mudanças são parte de um processo mais paulatino e não mágico e aqueles que ainda não
percebem as mudanças ocorrendo com a intensidade necessária para uma efetiva transformação
do paradigma de gestão, como podemos ver a seguir nas falas:
[…] Eu vejo que efetivamente o planejamento estratégico ele contribuiu para
uma otimização das tomadas de decisões e dos direcionamentos institucionais
no entanto percebo que em virtude de mudança administrativa mais pro nal
do quinquênio que havia sido proposto ele sofreu alterações por mudanças no
gerenciamento institucional o que acabou enfraquecendo e até mesmo tirando
o direcionamento que o próprio planejamento havia sido proposto para o nal
de 2018, que pegava a última parte desse quinquênio[…] [Entrevistado gestor
2].
[…] Não vejo muita diferença não, acho que houve uma tentativa muito
interessante, o plano estratégico precisa de fato ser uma coisa olhada com
seriedade, estamos de novo começando um novo processo de planejamento
estratégico. Eu espero que esse surta mais efeito do que o outro, seja
realmente uma coisa que atenda aos anseios da comunidade acadêmica
e não necessariamente a visão especíca de uma diretoria, ter sempre esse
cuidado quando se pensa em planejamento estratégico para que ele seja de
fato colaborativo que as pessoas se sintam participes, para que elas desejem
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acompanhar, que não seja um instrumento apenas de lógica instrumental […]
[Entrevistado gestor 4]
Os ativos do conhecimento e a capacidade de aprender de uma organização são fontes im-
portantes de vantagem competitiva. Há nesse processo, ao observar a fala dos gestores, o desejo
de alteração no sentido e uso do planejamento.
Foi solicitado aos respondentes que indicasse qual fator era mais relevante para a gestão
estratégica. Oito (8) dos respondentes armaram que é a “natureza da organização”. O respondente
que indicou a opção “outra” especicou que não consegue identicar um aspecto que favoreça a
gestão estratégica da FADBA. Aqui ca evidenciada a inuência da identidade organizacional,
pois os valores são traduzidos no BSC e estão arraigados nos participantes.
Em seguida, foi perguntado aos respondentes qual aspecto mais relevante para causar desfa-
vorecimento da gestão estratégica da FADBA. A “cultura da organização” e a “ação das lideranças”
foram indicadas como as mais relevantes. Foram indicados ainda, pelos respondentes, que “não é
somente uma coisa e sim várias, sendo elas: Transparência da gestão, cultura organizacional, enga-
jamento das equipes, ação das lideranças” e que “a condição nanceira do país tem tornado difícil
seguir o plano estratégico como foi elaborado, porque muitas coisas mudaram no cenário global”.
Quando ao nível de participação nas decisões da FADBA trezes (13) dos (vinte) 20 respon-
dentes se declararam participantes, sendo quatro (4) participantes ativos; nove (9) que embora
participem acreditam que poderiam fazer mais. Para Mintzberg (2009), o que mais importa em
todo o processo é a capacidade da empresa de se autoavaliar e em seguida adotar estratégias que
potencializem o seu negócio. Assim, elevar o nível de participação dos gestores nas decisões é
imprescindível e estrategicamente necessário.
Por m, foi perguntado aos respondentes se eles acreditavam que o planejamento estratégico
gerou melhoras nas relações da FADBA onde quinze (15) respondentes armam que sim e destes,
oito (8) armam também que ainda se tem muitos problemas de transparência na gestão. Assim,
é possível identicar que o processo de implementação da gestão estratégica da FADBA, não é
uma etapa consolidada, carecendo ainda de amadurecimento e reestruturação, com relação direta
aos principais gestores e colaboradores que estão a frente da instituição.
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Ao adotar a gestão estratégica, na percepção dos participantes, observa-se que na FADBA
é possível vericar um aprendizado no processo, pois a equipe gestora e os colaboradores
compartilham da identidade institucional. Nesse caso, merece destaque o fato dos valores estarem
ancorados na religião que comungam; o que fortalece e favorece esse elemento; há objetivos pri-
oritários denidos nos diferentes eixos, mas ainda não introjetados nos colaboradores.
É importante que a FADBA esteja atenta à necessidade de adequação e melhoria do seu
modelo de gestão estratégica, pois o sucesso de uma IES depende da qualidade dos serviços que
presta a comunidade e essa qualidade, por sua vez, depende do Projeto de Desenvolvimento Ins-
titucional, projeto pedagógico e desempenho dos professores, colaboradores e gestores dos mais
diferentes níveis institucionais, requerendo uma gestão estratégica de todos os recursos.
Considerações Finais
Toda IES possui características e cultura próprias o que pode inuenciar no processo de
gestão estratégica. No modelo da FADBA observa-se dois fatores relevantes valores arraigados e
uso do BSC.
Ao buscar descrever o modelo de gestão estratégica adotado na IES estudada, após acesso
ao documento denominado “Planejamento Estratégico FADBA - 2014-2018”, cou explicito a
adoção do modelo de Gestão Estratégica com uso de BSC. O BSC, é uma ferramenta gerencial
com sistema de mensuração que se concentra na estratégia da organização, buscando criar valor
sustentável no futuro. Como modelo para uma IES confessional, pode-se armar que adequação,
pois explicita os valores institucionais alinhando-os para as atividades nalísticas.
Ao caracterizar o perl do público-alvo e a sua inuência no processo de gestão estratégica,
vericou-se tratar de um conjunto de atores que na sua maioria é do sexo masculino, com idade
predominante na faixa etária de 28 a 57 anos. São chefes de departamento, líderes de equipe, pro-
fessores e assistente social. Dos 22 respondentes, 18 eram gestores. No conjunto de respondentes
50% possui 10 anos ou mais de atuação na FADBA. Aqui cabe apresentar a primeira limitação
do estudo – concentração da aplicação do instrumento de coleta de dados com a equipe gestora.
A consulta mais ampla permitiria avaliar a inclusão, ou não, da equipe de colaboradores e não
somente de lideranças no processo de formulação; a qualidade da disseminação da comunicação
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em todos os níveis organizacionais; e, por m, o engajamento na execução da estratégia, difícil
etapa de implementação de uma nova sistemática de gestão.
Quando se buscou identicar os principais impactos gerados com a adoção da gestão es-
tratégica na IES a fala dos gestores foi mais adequada a essa nalidade para eles o planejamento
contribuiu para uma otimização das tomadas de decisões e mudou o direcionamento institucional.
A mudança da sistemática explicitou a estratégia da IES, viabilizando o que os autores chamam de
formulação. Entretanto, ainda lacunas na implementação. A equipe, de diferentes formas, arma
conhecer, mas não demonstra engajamento, o que pode ser resultado de algumas falhas apresentadas
na literatura: implementação lenta; problemas internos; intensicação das crises externas; gestão
inecaz; falta de preparo dos colaboradores; falta de colaboração entre os pares; comunicação e
treinamento insucientes; falhas de liderança e monitoramento inadequado.
Assim, ao buscar identicar a percepção de gestores e colaboradores em relação ao resultado
da implementação da gestão estratégica na Faculdade Adventista da Bahia (FADBA) no período
de 2014 a 2018, pode-se armar que a formulação adequada do mapa estratégico já tem contribu-
ído de maneira signicativa para o desenvolvimento institucional, mas destaca-se que a FADBA
necessita analisar as fortalezas e debilidades decorrentes desse período de implementação para
alcançar os objetivos delineados no Planejamento Estratégico para a gestão.
Com isso, é possível dizer que essa pesquisa pode oferecer, para a instituição, informações
importantes para embasarem as medidas necessárias que favoreçam o processo de consolidação
e apontar novos caminhos de pesquisa para a avaliação da efetividade do ciclo. A pesquisa mais
uma vez corroborou para a visão de que as fortalezas da instituição são os pilares para a conso-
lidação do processo de gestão estratégica. A depender de quanto o processo de implementação
da gestão estratégica tenha sido compartilhado com os demais atores da instituição, maior será
a probabilidade de alcance dos objetivos em curto prazo. A análise da implementação da gestão
estratégica na FADBA, revelou a necessidade de uma reestruturação operacional que obedeça às
diretrizes planejadas.
Quando se analisa a percepção dos gestores que participaram efetivamente na elaboração
do plano, observam-se ações delineadas para que o planejamento estratégico alcance o que se está
proposto, no entanto, os dados analisados revelam que há uma descontinuidade entre o planejado
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e o de fato executado, expondo assim a fragilidade da FADBA em consolidar sua gestão com
base em ferramentas estratégicas. Esse aspecto pode ser ponderado quando se arma ser esse o
primeiro ciclo de gestão.
Há limites claros na elaboração desse trabalho. Um deles é a evidenciação da inuência da
IASD no processo de implantação de uma gestão estratégica, o que levanta o seguinte questiona-
mento: qual o modelo de “gestão” da mantenedora para suas IES e sua política denominacional?
Esse aspecto que, pode caracterizar uma limitação, também se reverte em oportunidades, suscitando
ao investigador recortes inovadores.
REFERÊNCIAS
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Recebido em: 01 de abril de 2020.
Inserido em: 20 de maio de 2020.
Esta obra está licenciada com uma Licença Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional.
Estrutura e organização na universidade multicampi
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ESTRUTURA E ORGANIZAÇÃO NA
UNIVERSIDADE MULTICAMPI
CELESTE MARIA PACHECO DE ANDRADE
Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Doutorado em História: História Social, Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo; Professora do Programa de Pós-Graduação Gestão e
Tecnologias Aplicadas à Educação (GESTEC/UNEB) e do Programa de Pós-Graduação em
História: História, Cultura e Práticas Sociais (PPGH/UNEB); Pesquisadora do Grupo de
Pesquisa Educação, Universidade e Região - EduReg/UNEB; ORCID: 0000-0002-7308-8782.
E-mail: candrade@uneb.br
LÍDIA BOAVENTURA PIMENTA
Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Doutorado em Educação, Universidade Federal da
Bahia; Professora do Programa de Pós-Graduação Gestão e Tecnologias Aplicadas à Educação
(GESTEC/UNEB); Coordenadora Adjunta da Unidade Acadêmica de Educação à Distância
(UNEAD/UNEB); Pesquisadora do Grupo de Pesquisa Educação, Universidade e Região -
EduReg/UNEB; ORCID: 0000-0003-0936-9202. E-mail: lpimenta@uneb.br
Celeste Maria Pacheco de Andrade e Lídia Boaventura Pimenta
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ESTRUTURA E ORGANIZAÇÃO NA UNIVERSIDADE MULTICAMPI
O estudo ocupa-se da estrutura organizacional da Universidade do Estado da Bahia, entre os anos de
2005 a 2015, indicando um quadro de mudanças e permanências que se associam às demandas internas
e externas da instituição. Investiga as motivações e estratégias utilizadas nas alterações operadas na
estrutura organizacional da instituição considerando o modelo multicampi. A partir de legislação
especíca e documentos da IES, adota-se uma natureza descritivo-qualitativa de pesquisa amparada
numa perspectiva da gestão que considera a importância das alterações na estrutura organizacional na
perspectiva de atender e acompanhar as características do modelo. O artigo faz uma exposição sobre o
modelo multicampi, com ênfase na descentralização como forma de democratizar o acesso à educação
superior e analisa a forma de organização da universidade com base no sistema de uxo de organização
e modelos de estrutura organizacional, que abrange a área acadêmica e administrativa. Conclui que a
UNEB se estruturou para atender a exigências especícas da sua natureza multicampi no sentido de
buscar a excelência que uma universidade pública e de qualidade almeja.
Palavras chave: Universidade. Organização Administrativa. Multicampi.
ESTRUCTURA Y ORGANIZACIÓN EN LA UNIVERSIDAD MULTICAMPI
El estudio aborda la estructura organizativa de la Universidad del Estado de Bahía, entre los años 2005
y 2015, indicando un marco de cambios y permanencias que se asocian con las demandas internas y
externas de la institución. Investiga las motivaciones y estrategias utilizadas en los cambios realizados en
la estructura organizativa de la institución considerando el modelo multicampi. Con base en la legislación
especíca y los documentos IES, se adopta una naturaleza descriptiva-cualitativa de la investigación basada
en una perspectiva de gestión, que considera la importancia de los cambios en la estructura organizacional
para cumplir y monitorear las caractesticas del modelo. El artículo hace una exposición sobre el modelo
multicampi, con énfasis en la descentralización como una forma de democratizar el acceso a la educación
superior y analiza la forma de organización de la universidad basada en el sistema de ujo organizacional
y los modelos de estructura organizacional, que cubre el área académica. y administrativo. Concluye que
la UNEB fue estructurado para cumplir con los requisitos especícos de su naturaleza multicampi para
buscar la excelencia que busca una universidad pública y de calidad.
Palabras clave: Universidad. Organización Administrativa. Multicampi.
Estrutura e organização na universidade multicampi
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ORGANIZATIONAL STRUCTURES AT THE MULTICAMPI UNIVERSITY
The study is about the organizational structure of the Universidade do Estado da Bahia, from 2005 to 2015,
identifying the structural changes and stabilities,which are associated to internal and external institutional
demand. The research is about motivations and strategies used on the organizational structure changes
of the institution, considering the multi-campus model. Based on specic legislation and IES documents,
it adopts a descriptive-qualitative research supported by a management perspective that considers the
importance of the organizational structure changes, with perspective of meeting and monitoring the
models characteristics. The article presents the multi-campi model, with emphasis on decentralization as
a way to democratize access to higher education and analyzes the way the university is organized based
on the organizational ow system and organizational structure models, which covers the academic and
administrative area. It concludes that UNEB has structured itself to meet the specic requirements of its
multicampus nature in order to pursue the excellence that a public and quality university aspires to.
Keywords: University. Administrative Organization. Multicampi.
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ESTRUTURA E ORGANIZAÇÃO NA UNIVERSIDADE
MULTICAMPI
Introdução
A instituição universidade, desde os seus primórdios tem preocupações especícas com a
produção, divulgação e aplicação do conhecimento com vistas à melhoria das condições de vida
da sociedade. Cumpre, portanto à instituição universitária impulsionar a pesquisa e o desenvol-
vimento cientíco, proporcionando a descoberta e a aplicação de novas tecnologias contribuindo
desta maneira para o crescimento socioeconômico e cultural da comunidade, região e país onde
está inserida. Além disse deve promover a extensão, aberta à participação da população visando
a difusão das conquistas e benefícios resultantes do desempenho da instituição. Para além dessas
funções baseadas em princípios administrativos e acadêmicos, a universidade tem responsabilidade
também com a formação e titulação permanente de pessoal.
Essa diversidade de funções está associada a uma complexidade da estrutura universitária e,
no caso da Universidade do Estado da Bahia, de natureza multicampi, motivou o seu redimensiona-
mento exigindo no seu cotidiano um maior controle em busca de eciência e ecácia institucional.
De uma preocupação inicial com a pesquisa e o ensino, suas atividades foram se multiplicando,
incorporando a necessidade de produção e disseminação do conhecimento, bem como a forma de
controle e gestão da atividade acadêmica.
Além disso, o volume de ações concomitantes a serem realizadas resulta em uma interdepen-
dência das áreas nalística (acadêmica) e meio (manutenção), requerendo estrutura organizacional
e processo decisório compatíveis com tais ações. Neste caso, devem-se enfatizar aspectos inerentes
ao processo de gestão de unidade educacional, a saber: formação, conhecimento, tecnologia, quali-
dade, cultura, descentralização, priorização, comunidade, inclusão, eciência, ecácia, efetividade,
competividade, diversidade, inclusão, repetência, cidadania, questões acadêmicas e pedagógicas,
evasão, equipe, em atenção às iniciativas da própria sociedade, que abrangem contexto de educação
formal, socioambiental, econômico, político e cultural.
As mudanças nas sociedades colocaram em xeque o modelo de gestão das instituições de
ensino superior, provocando uma grande discussão a partir da Declaração de Bolonha (1999)
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Salvador, v. 5, n. 1, p. 96-122, jan./abr. 2020
onde cava patente que o modelo anterior deveria ser ultrapassado em busca de novas perspec-
tivas da gestão universitária. O horizonte, por sua vez tem exigido das instituições universitárias
o aprimoramento do processo de gestão e estrutura organizacional. Considerando o conceito de
administração como o ato de planejar, organizar, dirigir e controlar as atividades de uma orga-
nização, diagnosticando deciências e identicando aspectos positivos, estabelecendo metas,
planos e programas para alcançar os objetivos estabelecidos, através de decisões e procedimentos
(LACOMBE; HEILBORN, 2008), a gestão universitária orienta-se por objetivos institucionais e
instrumentos básicos da gestão universitária, quais sejam: o Projeto Pedagógico Institucional (PPI),
Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI), Programa de Gestão, Planejamento de Execução
Anual, Avaliação Institucional, Projetos Pedagógicos de Cursos. Acrescente-se a legislação baseada
em princípios da administração pública: Plano Plurianual (PPA), Lei de Diretrizes Orçamentárias
(LDO), Lei Orçamentária Anual (LOA) e a Programação Orçamentária e Financeira Anual, pre-
vistos no art. 165 a 169 da Constituição Federal de 1988, documentos que orientam as estratégias
de ação de reitores, pró-reitores, diretores de unidade, coordenadores de colegiados de cursos de
graduação e de pós-graduação.
Trata-se, portanto, de uma dinâmica, o fazer de uma instituição universitária, pois, a exis-
tência dos documentos institucionais perpassa ainda, um fazer educacional que não se desenvolve
ajustado como um todo. Acrescido a isso deve-se levar em consideração que, a elaboração de
cada documento institucional é produzida em conjunturas especícas e, com elas muito do que
foi pensado para certo momento, perde o seu sentido por ocasião da organização das estratégias
e metas de execução.
Quando a universidade possui estrutura multicampi e multirregional, ou seja, sua estrutura
organizacional é composta por campi instalados em vários municípios ou vários departamentos
em um município, a gestão deve ter como foco os objetivos estabelecidos para a instituição e não
para um campus. Assim, o processo de tomada de decisão observa o todo e utiliza como subsídio
os instrumentos aqui mencionados no sentido de melhor exercer ou dirigir as ações e estabelecer
as prioridades. A questão nesse modelo de Universidade é que todos os campi representam um
universo especíco, onde as relações sociais estão envoltas em uma série de outras variáveis que
terminam por representar desaos para o que se pretende como uma política universitária, capaz
de dar sentido e homogeneizar as práticas universitárias por toda a instituição.
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Desta maneira a estrutura dos órgãos que viabilizam a ação da universidade deve estar
adequada e assegurar o uxo das demandas acadêmicas e administrativas, de forma que encontre
um caminho e consiga adequar suas propostas ao requisitado pelos seus diversos espaços comuns.
Essa possível unidade dentro da diversidade talvez seja o maior exercício de gestão na Instituição,
diante de um modelo multifacetado como é o multicampi.
O tema despertou interesse e motivou as autoras por criar-lhe oportunidades para realizar
estudos em duas áreas sempre presentes no seu dia a dia: a instituição de educação superior cuja
intenção respalda-se no desenvolvimento de suas atividades prossionais área de concentração
de pesquisa, a outra gestão em instituição universitária. Trata-se, portanto, de uma reexão im-
plicada, isso porque a vida no seu cotidiano é vivenciada de forma a necessitar de um olhar que
leve em consideração as exigências da pesquisa sobre as questões especícas motivadoras desse
estudo e, mais o fato de vivenciar tais questões fazem das autoras testemunhas privilegiadas de
uma problemática em si.
O estudo nasce do seguinte questionamento: considerando o modelo multicampi, quais as
estratégias adotadas pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB) para alterar a sua estrutura
organizacional? Esse olhar, faz com que se tenha uma perspectiva da gestão, de conhecer as alte-
rações na estrutura e ao mesmo tempo, conjecturar sobre a perspectiva de atender e acompanhar
as características do modelo.
Registre-se que a UNEB possui modelo multicampi e multirregional, com sede em 24
municípios baianos e, integra a administração pública estadual, sendo mantida pela autarquia
Universidade do Estado da Bahia, vinculada à Secretaria de Educação do Estado e, como tal, deve
seguir as orientações denidas na legislação, não podendo dela se afastar sob pena de responder
aos ditames da lei.
Entre os anos de 2005 e 2015 ocorreram diversas alterações na estrutura organizacional da
UNEB. Foram dez anos de modicações em termos de criação de novos órgãos ou alteração de
competências e contribuíram para implementar modicações signicativas nas formas de estrutu-
ração das rotinas administrativas entre docentes, servidores técnicos administrativos e discentes.
Estrutura e organização na universidade multicampi
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Para o desenvolvimento da pesquisa e a discussão dos seus resultados é importante desta-
car que esta é uma pesquisa de natureza descritiva, por limitar-se à análise das características das
modicações na estrutura organizacional da instituição universitária, sem propósito de explicar o
fenômeno abordado. Esse modelo de pesquisa qualitativa é reconhecido como adequado para o
estudo de uma unidade de estudo delimitada. Neste contexto, Roesch (2005) acrescenta a importân-
cia da pesquisa, quando realizada em estudo de organizações e suas estruturas de funcionamento.
O artigo desdobra-se em três pontos. Inicia com uma exposição sobre o modelo multicampi,
enfatizando a descentralização como forma de democratizar o acesso à educação superior, segue
com uma análise sobre a forma de organização da universidade a partir da estrutura acadêmica e
administrativa e, naliza com a reexão sobre estrutura organizacional no modelo multicampi: da
Universidade do Estado da Bahia.
MODELO MULTICAMPI: descentralização para democratizar o acesso
O subtítulo remete a uma questão muito presente nos anos oitenta do século XX, quando a
preocupação dos pensadores da educação era a forma como ampliar o acesso ao ensino superior.
E, de fato houve uma expansão de vagas mas, em instituições privadas. Numa sociedade desigual,
principalmente em termos de recursos nanceiros e de oportunidades de ascensão, grande parte da
população não teve acesso às instituições de ensino superior da iniciativa privada. Essa realidade
exigia a ampliação do número de vagas entre as instituições estaduais de ensino.
As universidades estaduais paulistas tomaram a dianteira na expansão de suas vagas e na
criação de faculdades isoladas, que, mais tarde se tornaram universidades estaduais. A esse respeito
Edivaldo Machado Boaventura (2009, p. 8) faz a seguinte reexão:
Era importante conhecer de perto a experiência da UNESP. Experiência de
uma universidade multicampi, brasileira e paulista, interna e estadual. Trouxe
a Salvador o professor Armando Otávio Ramos, à época, reitor da UNESP, um
dos seus fundadores, ex-vice-reitor, que se entusiasmou pela ideia e mostrou
seus êxitos e vicissitudes. O reitor paulista forneceu amplo material sobre a
universidade que dirigia, desde a lei de criação até normas e pareceres internos,
colocando-se inteiramente às ordens para ajudar.
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O termo multi vem do latim multus, a um, que signica muito, “copioso, frequente, nu-
meroso”, conforme José Cretella Júnior e Geraldo e Ulhoa Cintra, Dicionário Latino-Português
(1953, p. 760). Antônio Houaiss (2000, p. 1976) traduz o termo como “abundante, em grande
quantidade”. O vocábulo multicampi surge da junção das partículas multi, multus, com, campus,
campi, em Vergilius “o lugar em que se faz algum exercício”. (CRETELLA JÚNIOR, ULHOA
CINTRA, 1953, p. 169).
O que há em comum nessa busca pela dicionarização do vocábulo é que, elas exprimem
a ideia geral que se pretende ao pensar uma instituição que está presente em vários locais e que
exprimem a capacidade de cada grupo em apresentar as suas especicidades e fortalecer a cidade/
região onde estão implantadas. No caso especíco da UNEB, há que acrescentar que a instituição
está presente em dezenove dos vinte e sete Territórios de Identidade, nos quais o estado da Bahia
está dividido para efeito de planejamento e ação da Administração Pública Estadual.
A universidade multicampi é composta por mais de um campus, propiciando a descen-
tralização administrativa e dispersão físico-geográca, com reexo nas dimensões acadêmicas,
organizacionais e espaciais (FIALHO, 2005). A autora enfatiza que o campus universitário “é
um espaço contínuo, delimitado e exclusivo, onde se reúnem os edifícios de uma universidade,
podendo estar situado dentro da cidade, na sua periferia ou fora dela. A idéia-limite do campus
consiste no território que reúne todas as instalações de uma universidade. (CUNHA, L. A., 1998,
p. 74 apud FIALHO, 2005, p. 53)”.
A referida dispersão dentre outros aspectos, diz respeito às relações entre regiões geográcas
e centros urbanos, aos diversos cenários históricos, culturais, educacionais, sociais, econômicos,
demográcos, em decorrência das diferentes regiões onde os campi estão instalados, exigindo da
instituição uma articulação entre os fatores externos e o que é abordado e discutido no seu ambiente
interno e, em seguida difundido na sociedade.
Entretanto chama a atenção a necessidade de uma discussão sobre a questão territorial. O
Brasil é um país onde suas dimensões territoriais comportam modelos diferentes e diferenciados
de instituições educacionais em seus sistemas de educação. Desta forma, entende-se que o modelo
multicampi de universidade não está alheio às condições materiais brasileiras e suas demandas por
educação superior pública. É nesse quadro que se efetiva o propósito de universidade que, ao se
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encarregar de formar o prossional e cidadão, de prover e socializar a pesquisa, expressa, também,
a estrutura e o funcionamento da sociedade na qual está inserida.
Acrescenta Chauí (2005), que na instituição universitária existe cotidianamente a convivência
de diversidade de opiniões, atitudes e projetos que ressaltam as divisões e contradições da sociedade.
A universidade multicampi e multirregional atua de modo mais próximo às comunidades nas quais
seus campi estão situados e, portanto, traz na sua ação as demandas, valores e costumes destas. O
raciocínio é pertinente nos aspectos subjetivos, considerando que na própria estruturação de um
campus, a escolha dos cursos a serem ofertados tem relação com as características das localidades
onde estão instalados. Essa especicidade vez por outra interfere nos embates que devem ser re-
gistrados diante de uma política de reestruturação da Universidade, ponto destacado neste estudo.
O modelo de estrutura multicampi da universidade abrange dimensões territoriais, em re-
lação às regiões geográcas e centros urbanos; espaço-temporais e funcionais que dizem respeito
aos cenários históricos, culturais, interagindo com os valores locais e regionais; bem como, ações
funcionais e áreas de conhecimento, as quais têm efeitos diretos no desenvolvimento das atividades
e projetos, agregando cursos, docentes e discentes.
O modelo multicampi é favorável a proporcionar o acesso à educação superior mais próximo
do local de residência e vivência das pessoas. Assim, com o objetivo de proporcionar a formação
de professores para o próprio sistema de ensino, o Governo do Estado da Bahia, a partir da década
de sessenta decidiu pela expansão do ensino superior no interior do Estado. Faz parte da política
pública resultante da expansão, a criação de Faculdades de Formação de Professores, de maneira
a permitir a permanência dos candidatos à formação prossional em suas regiões. Dessa forma, o
pessoal qualicado permaneceria no município de origem contribuindo para o desenvolvimento
de sua região.
A estratégia adotada pelo Governo consistiu em implantar nos “municípios capitais regionais
entidades deste nível de ensino para atender, primeiramente, à demanda educacional e, em segundo
lugar, responder às necessidades sociais e econômicas pela formação de quadros prossionais.”
(BOAVENTURA, 2005, p. 03). Segundo o autor:
Celeste Maria Pacheco de Andrade e Lídia Boaventura Pimenta
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Em 1983, a administração contava com a Universidade Estadual de Feira de
Santana, já autorizada, com a Universidade do Sudoeste e a Superintendência
de Ensino Superior do Estado da Bahia (SESEB), composta pelo Centro de
Educação Técnica da Bahia (CETEBA), e pelas Faculdades de Agronomia do
Médio São Francisco, de Formação de Professores de Alagoinhas, Jacobina
e Santo Antônio de Jesus, e Filosoa, Ciências e Letras, de Caetité. Essa
situação resultou da Lei Delegada Estadual número 12, de 30 de dezembro de
1980, conforme decisão do governador Antônio Carlos Magalhães e do seu
secretário Eraldo Tinôco. (BOAVENTURA, 2009, p. 05)
No conjunto das discussões sobre a interiorização do ensino superior na Bahia, surgiu, então,
o embrião da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), criada no início da década de oitenta sob
o modelo multicampi, estruturada a partir da reunião das citadas Faculdades.
A UNEB tem por objetivo promover a formação integral do cidadão e o desenvolvimento
das potencialidades econômicas, tecnológicas, sociais, culturais, artísticas e literárias da comuni-
dade baiana, sob a égide dos princípios da ética, da democracia, das ações armativas, da justiça
social, pluralidade étnico-cultural e demais princípios do Direito Público, conforme dispõe o § 2º
do art. 1º do seu Regimento Geral.
O citado Regimento Geral, no intuito de valorizar o modelo multicampi e multirregional
da UNEB, considerando as unidades acadêmicas instaladas com sede em 24 cidades do estado
da Bahia, faculta à Universidade a adoção de administração compatível com a necessidade do
funcionamento de sua estrutura organizacional, incorporando princípios de descentralização, de
economicidade e de cooperação recíproca. (Art. 6º do Regimento Geral, 2011).
Ressalte-se que a gestão da universidade mulicampi implica em entender a oferta da educação
superior de forma única e orgânica em todos os campi, implementando o planejamento acadêmico
e nanceiro de forma orgânica e institucional. Assim favorece o controle da qualidade das ações e
a otimização na aplicação dos recursos, além de proporcionar maior integração com a comunidade
(número maior de pessoas), considerando as peculiaridades regionais e as novas demandas em
decorrência das mudanças da sociedade, conforme mencionado anteriormente.
Antes da reforma que reestruturou as Universidades Estaduais baianas, em 1997, a UNEB
tinha sua estrutura acadêmica composta por faculdades, de forma que havia diferenciação na grati-
Estrutura e organização na universidade multicampi
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cação da remuneração pelos cargos de diretores de Faculdade. Após a citada reforma as faculdades
passaram a se constituir em Departamentos, unidades universitárias responsáveis diretamente pela
oferta de cursos, fomento da pesquisa e extensão. Na atualidade os trinta departamentos compõem
a administração setorial da Instituição, os quais se constituem em unidades acadêmicas e gozam
de autonomia nos limites de sua competência, são responsáveis pelo planejamento, execução,
avaliação das atividades didático-cientícas e administrativas e, ainda, pela gestão administrativa,
patrimonial, orçamentária, nanceira e política.
ESTRUTURA ACADÊMICA E ADMINISTRATIVA: organizando a ação da
Universidade
Para a compreensão de como as instituições universitárias funcionam e cumprem o seu papel
na sociedade, há que se conhecer como se caracteriza a estrutura organizacional da instituição,
ou seja, o modelo de gestão adotado. Tais itens retratam a instituição em relação à organização,
funcionamento e dinâmica do processo decisório.
Por estrutura organizacional entende-se como o “conjunto de elementos articulados entre
si de forma que cada elemento é interdependente” (APPOLINÁRIO, 2004). Considere-se que a
estrutura é tida como o que há de mais permanente em uma organização, em contraste com sis-
tema, que é, por denição, dinâmico. Ainda pode-se considerar, teoricamente, a oposição entre
estrutura e conjuntura, isto é, o que permanece e o que muda por contingência do ambiente em
dado momento, o que se aplica também à instituição universitária.
A estrutura de uma organização também é entendida como a soma das maneiras pelas quais
o trabalho é dividido em tarefas distintas e, em seguida, como a coordenação é realizada entre essas
tarefas. Os elementos da estrutura devem ser escolhidos, visando a obtenção de uma consistência
ou harmonia interna e, ainda, as características da organização, ou seja, entre outras, seu tamanho,
idade, tipo de ambiente em que atua, sistema técnico que utiliza (MINTZBERG, 2003).
Em especial, as universidades brasileiras, após a Reforma Universitária de 1968, conforme
previsto na legislação, a estrutura organizacional é composta pela coordenação sistêmica entre
departamentos e colegiados. Assim, foram instituídos os departamentos, caracterizando-se como
Celeste Maria Pacheco de Andrade e Lídia Boaventura Pimenta
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a célula básica da universidade, cuja subdivisão não é possível, com a nalidade de servir a toda
a universidade (HARY E FACHIN, 2000, p. 15).
Observando-se os atos constitutivos da universidade em estudo, seu estatuto e seu regimento
geral, aprovados pelos órgãos competentes, verica-se a existência de duas situações em sua es-
trutura. Em uma estão os cursos e programas inerentes às áreas de ensino, pesquisa, extensão, cuja
responsabilidade pela criação, execução, acompanhamento e avaliação está a cargo dos colegiados
de curso, departamentos e o Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (CONSEPE), entendidos
como componentes da estrutura denominada acadêmica. Na outra, a Reitoria, composta pelas Pró-
-Reitorias, Conselho Universitário (CONSU), suplementares de Natureza Interdisciplinar e Órgãos
de Apoio Acadêmico-Administrativo, integram a estrutura executiva, de natureza administrativa e,
a partir dos objetivos ou atribuições de cada um desses órgãos, foram inseridas as suas respectivas
estruturas.
Acrescente-se que, com a nalidade de assegurar e dirigir os sistemas de uxos que viabili-
zam o funcionamento da instituição e denir os inter-relacionamentos das suas diferentes partes,
em termos gerais, uma organização, segundo Mintzberg (2003) está estruturada em cinco níveis:
a) núcleo operacional, que envolve os membros da instituição que executam as atividades
diretamente relacionadas com a nalidade da organização;
b) cúpula estratégica, cuja responsabilidade consiste em assegurar que a organização
cumpra a sua missão, apresentando resultados ecazes, bem como que atenda aos anseios
dos que a controlam ou que detêm poder sobre ela, a exemplo de órgãos governamentais
ou proprietários e acionistas;
c) linha intermediária que consiste no elo entre o núcleo operacional e a cúpula estratégica,
representada pela cadeia de gerentes com autoridade formal, proporcional ao seu porte e à
conança na supervisão direta para coordenação;
d) tecnoestrutura, composta por analistas que desenvolvem formas de padronização, com o
objetivo de tornar mais ecaz o trabalho das pessoas que atuam na instituição, em atenção
às contingências impostas pelo ambiente externo; e,
e) assessoria de apoio, composta por unidades especializadas, criadas para apoiar a
organização fora de seu uxo de trabalho operacional.
Estrutura e organização na universidade multicampi
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De acordo com o autor, a constituição da estrutura de uma instituição é essencial para que
se proceda à seleção de elementos ou parâmetros delineadores de inuência direta na divisão do
trabalho e nos mecanismos de coordenação.
Assim, a divisão do trabalho é responsável pelo agrupamento e pela dimensão das unidades
como parâmetros delineadores da estrutura ou da hierarquia da instituição. Por outro lado, diz
respeito, também, à especialização das tarefas, à formalização do comportamento, ao treinamento
e à doutrinação, como referências individuais da comunidade acadêmica da instituição.
Em relação a esses parâmetros que inuenciam na coordenação do trabalho, Mintzberg (2003)
destaca os sistemas de planejamento e controle, os instrumentos de interligação ou coordenação e,
ainda, a descentralização que tem relação com o processo de tomada de decisão.
Além da divisão do trabalho e dos mecanismos de coordenação, a estrutura da instituição
universitária sofre a inuência da especialização. Esta, em uma dimensão horizontal, corresponde
à subdivisão das tarefas desenvolvidas pelas pessoas e é resultado da repetição de atividades e
procedimentos padronizados. Nesse vetor não se destacam muitas diferenciações nas ações execu-
tadas, pois de menor complexidade e de responsabilidade limitada, não exigiria de seus executores
ações que fugissem ao determinado pela norma. Contudo na universidade a especialização faz a
diferença, posto que seus docentes atuam com as especicidades inerentes às áreas de conhecimento
e, portanto, são especialistas.
Já a dimensão vertical caracteriza-se pela supervisão e controle do trabalho pelas autoridades
hierarquicamente competentes, o que exige uma maior responsabilidade pelos desdobramentos
dos atos administrativos, o controle daqueles atos executados por terceiros e as consequências das
decisões tomadas e registradas dos documentos internos físicos ou via sistemas informatizados
institucionais.
No âmbito da universidade multicampi, objeto de estudo desta pesquisa, as unidades acadê-
micas constituem o referência principal de especialização horizontal; a estrutura vertical é composta
pelos níveis hierárquicos existentes compostos por docentes e técnicos administrativos que, por
analogia, representam o núcleo operacional e a Reitoria, esta correspondendo à cúpula estratégica.
Celeste Maria Pacheco de Andrade e Lídia Boaventura Pimenta
109
Salvador, v. 5, n. 1, p. 96-122, jan./abr. 2020
Mintzberg (2003) complementa que os padrões para estabelecer o “design estrutural” da
instituição devem ser inuenciados pela sua idade e tamanho, como mencionado e pelo sistema
técnico que adota, pelo ambiente em que opera, bem como pelos relacionamentos de poder que
a circundam e a inspiram. Esses dois elementos são muito interessantes por duas características
iniciais: a primeira diz respeito ao fato de que em uma instituição consolidada, mais antiga, seus
procedimentos estão cristalizados e as mudanças encontram maiores diculdades para mudanças
ou mesmo atualização de procedimentos. Exemplo disso é o uso das tecnologias da informação,
onde os processos administrativos começaram a ser virtuais e resistências ao uso; a segunda diz
respeito à dimensão da instituição. A centralização institucional contribui para um maior controle
e padronização dos procedimentos e numa instituição de pequeno porte esses controles são mais
próximos e, portanto, passíveis de uma maior scalização.
Desta forma, ainda segundo Mintzberg (2003), os modelos da composição de estrutura e os
fatores situacionais devem ser agrupados de maneira a estabelecer o que ele denomina de con-
gurações básicas de uma organização, ora apresentadas:
a) estrutura simples, a qual caracteriza uma organização com pequena estrutura, poucos
assessores de apoio, divisão de trabalho sem rigor. A cúpula estratégica tem o poder sobre
as decisões, identicando-se uma pequena hierarquia gerencial baseada na supervisão
direta. Há pouca formalização e uso mínimo do planejamento e treinamento;
b) burocracia mecanizada, baseada na padronização dos processos de trabalho, com tarefas
operacionais rotineiras a altamente especializadas. É o modelo de estrutura mais próximo
ao que Max Weber criou, caracterizado por ter responsabilidades, qualicações, canais de
comunicação e normas de trabalho padronizadas, além de possuir hierarquia de autoridade
claramente denida. O núcleo operacional possui procedimentos formalizados por normas
e regulamentos, bem como o sistema de comunicação preciso em toda a organização;
c) burocracia prossional, caracterizada pela coordenação da padronização das
habilidades, na qual o núcleo operacional é composto por prossionais especializados
contratados e detentores de “considerável controle sobre seu próprio trabalho”. Assim,
agem de maneira independente, institucionalizando a autoridade de natureza prossional.
Contudo, a estrutura é burocrática e a coordenação é exercida com a adoção dos padrões
estabelecidos previamente e observados pelo núcleo operacional especializado. Há uma
forte descentralização e a formulação de estratégias é efetivada por meio das iniciativas de
seus membros, prevalecendo aquelas que forem melhor defendidas. Este modelo evidencia
Estrutura e organização na universidade multicampi
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Salvador, v. 5, n. 1, p. 96-122, jan./abr. 2020
duas situações para a gestão, a saber: a autonomia outorgada aos prossionais quanto à
escolha de como e quando desempenhem suas atividades, podendo dicultar a prestação do
serviço, bem como a possibilidade de ignorar as necessidades da organização;
d) forma divisionalizada, na qual a estrutura é dividida de acordo com a demanda a atender,
o que implica em cada divisão ter uma estrutura própria de ação. A descentralização é
relativa, posto que seja restrita à coordenação das divisões. A cúpula estratégica delega
ampla autonomia para que as divisões tomem as decisões, acompanhando e monitorando
os resultados a partir dos padrões estabelecidos. Porém, como somente a cúpula possui
o conhecimento detalhado sobre a organização, esta pode incentivar e inuenciar nas
decisões de duas ou mais divisões, combinadas, o que resultará no comprometimento da
autonomia de cada divisão;
e) adhocracia, consistindo na conguração mais nova e mais complexa entre as cinco
apresentadas pelo autor, demonstrando menor reverência aos princípios clássicos da
administração. O processo de informação e de decisão uem de maneira exível e informal,
facultando a implementação de inovações onde quer que se façam necessárias, muitas vezes
sem obedecer à cadeia de autoridade. Baseia-se na contratação de especialistas, os quais
devem unir esforços em equipes multidisciplinares responsáveis por um projeto especíco.
A estes são concedidos poderes necessários à execução das ações previstas. O processo
de tomada de decisão acontece no âmbito de gerentes e não gerentes em todos os níveis
hierárquicos, a depender da natureza da decisão a ser tomada.
O sistema de uxo e tipos de estrutura existentes em qualquer organização, apresentados
por Mintzberg, possibilita a análise da estrutura de uma organização, no caso a universidade. No
sentido de contextualizar quanto a estrutura na administração do ensino superior, Hardy e Fachin
(2000), discorrem:
a) burocracia, com ajustes ao conceito tradicional de Weber, com a nalidade
de combinar características burocráticas e prossionais, tendo em vista a
necessidade de adotar estruturas administrativas que promovam a coordenação
e direção exigidas em razão do aumento do tamanho e complexidade das
instituições universitárias ocorrido no mundo;
b) colegialidade, “comunidade de letrados” ou “scholars” (HARDY e
FACHIN, 2000, p. 23), entendida como a descentralização dentro dos órgãos,
resultado da “ocorrência de um alto grau de inuência dos membros do corpo
docente no processo decisório” (HARDY e FACHIN, 2000, p. 23);
Celeste Maria Pacheco de Andrade e Lídia Boaventura Pimenta
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Salvador, v. 5, n. 1, p. 96-122, jan./abr. 2020
c) modelo político, desenvolvido por Baldrige (1971 apud HARDY e FACHIN
2000), que utilizou teorias do conito, do poder em comunidades e de grupos de
interesse, além de sua pesquisa sobre a tomada de decisão por consenso, com o
intuito de elaborar o quadro para a análise política desse modelo, identicando
uma visão “intensamente política da vida universitária” (HARDY e FACHIN,
2000, p. 25).
Assim registra o mencionado autor:
Nós não vemos nem os rígidos aspectos formais da burocracia nem os elementos
de um “colégio” acadêmico, repletos de tranqüilidade e de busca do consenso.
Pelo contrário, se rebeliões estudantis incapacitam o campus, se professores
formam sindicatos e fazem greve, se administradores defendem suas posições
tradicionais, e se grupos de interesse externos e governantes irados invadem os
saguões acadêmicos, todos esses atos devem ser visualizados como políticos.
(BALDRIDGE, 1971 apud HARDY e FACHIN, 2000, p. 25).
d) anarquia organizada ou garbage can, quando as “decisões não são tomadas
intencionalmente, sendo determinadas por ausência de ação ou por acidente”
(HARDY e FACHIN, 2000, p. 27), tendo como premissa que o comportamento
administrativo decorre de ambiguidades nas preferências, na tecnologia e na
participação. Os autores ressaltam que os responsáveis pela concepção deste
modelo estabelecem limites para a sua utilização, sendo mais propícia se existir
um líder que adote o papel de agregar ou quando houver folga de recursos.
Mintzberg (2003) abordou os modelos de estrutura forma geral, Hardy e Fachin (2000)
enfatizam os modelos no ambiente universitário. A discussão sobre estrutura organizacional na
instituição universitária neste estudo apresenta características que a aproximam do modelo buro-
crático, em cujo modelo as organizações são redes de grupos sociais, dedicadas a determinados
ns e organizadas para uma eciência máxima. (BALDRIDGE apud FINGER, 1988), bem como
da burocracia prossional, coma atuação dos professores em áreas especícas de conhecimento,
combinada ainda com a colegialidade, com decisões a partir do grupo.
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA: estrutura organizacional no
modelo multicampi
Conforme mencionado anteriormente a UNEB está estruturada sob a forma do sistema
multicampi de educação superior, com sede e foro na Cidade do Salvador e jurisdição em todo o
Estrutura e organização na universidade multicampi
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Salvador, v. 5, n. 1, p. 96-122, jan./abr. 2020
território baiano, de acordo com o disciplinado na Lei Delegada n.º 66, de 1º de junho de 1983. À
época de sua criação, oferecia basicamente: a) cursos de formação de professores nos seus nove
campi, respectivamente nos municípios de Salvador, Alagoinhas, Jacobina, Santo Antonio de Jesus,
Caetité, Senhor do Bonm, Paulo Afonso e Barreiras; b) curso de engenharia agronômica na cidade
de Juazeiro; e, c) curso de Graduação de Professores da Parte de Formação Especial do Currículo
de Ensino de 2º Grau, com habilitação em administração, construção civil, eletricidade, nutrição
e dietética e química aplicada, no Centro de Ensino Técnico da Bahia (CETEBA), em Salvador.
A partir de 1986, a universidade começa oferecer cursos em outras áreas de conhecimento a
exemplo de Desenho Industrial, Ciências Contábeis e Comunicação Social. Atualmente a UNEB
tem responsabilidade com o desencadeamento de ações nas tradicionais áreas do conhecimento:
Ciências Exatas e da Terra, Ciências Biológicas, Engenharias, Ciências da Saúde, Ciências Agrá-
rias, Ciências Sociais Aplicadas, Ciências Humanas, Linguística, Letras e Artes, com o objetivo
de promover a formação integral do cidadão e o desenvolvimento das potencialidades econômi-
cas, tecnológicas, sociais, culturais, artísticas e literárias da comunidade baiana, sob a égide dos
princípios da ética, da democracia, das ações armativas, da justiça social - dos direitos humanos
-, pluralidade étnico-cultural e demais princípios do Direito Público, conforme dispõe o Art. 1º
do Estatuto (BAHIA, 2012), nos seus 29 Departamentos, situados no campus capital e em 23
municípios baianos.
Salienta-se que a UNEB foi reestruturada pela Lei Estadual nº 7176/1997, quando a base de
sua estrutura acadêmica passa a ser de Departamentos, em substituição às unidades universitárias,
antes denominadas faculdades ou centros. Desta forma, cou instituído o sistema binário na estru-
tura da universidade, cuja cadeia de instâncias de decisão constituiu-se em Reitoria, Departamento
e Colegiado de Curso, em substituição ao sistema ternário, que envolvia a Reitoria, as Faculdades
ou Centros, os Departamentos e Colegiados. Há que se registrar que a mencionada Lei Estadual
nº 7176/1997 foi revogada pela Lei Estadual Nº 13.466, de 22 de dezembro de 2015, contudo a
estrutura organizacional da UNEB ainda permanece com base nos departamentos, conforme previa
a lei anterior.
Nesta época foram incorporados os Órgãos Suplementares de Natureza Interdisciplinar,
vinculados à Reitoria ou aos Departamentos com a atribuição de desenvolver atividades nalísticas e
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113
Salvador, v. 5, n. 1, p. 96-122, jan./abr. 2020
meio, em contribuição ao alcance pleno da missão, diretrizes e objetivos da Universidade, de acordo
com o expresso no Art. 31 do Estatuto (BAHIA, 2012). Na ocasião, são denominados, também,
Órgãos de Apoio Acadêmico-Administrativo (Art. 32), vinculados à administração superior, aos
quais competem apoiar o funcionamento da instituição universitária através de ações de natureza
nalística ou administrativa, conforme exemplos a seguir, em atenção ao disposto no Anexo III do
Estatuto da UNEB: Secretaria Geral de Cursos (SGC), Secretaria Especial de Registro de Diplomas
e Certicados (SERDIC), Comitê de Ética na Pesquisa (CEP), Teatro UNEB, Memorial Antônio
Conselheiro, Parque Estadual de Canudos, Centro de Processos Seletivos (CPS) (BAHIA, 2012).
Assim, observa-se que a estrutura organizacional da UNEB tem por suporte inicial a Admi-
nistração Superior, composta pelos Conselhos Superiores e Reitoria formada pelas Pró-Reitorias,
Secretarias, Órgãos Suplementares de Natureza Interdisciplinar e os Órgãos de Apoio Acadêmi-
co-Administrativo. Em seguida, está a Administração Setorial, constituída pelos departamentos
e seus órgãos, a m de suprir a área acadêmica e administrativa, conforme dispõem o art. e
o art. 16 do Regimento Geral da Instituição, a saber: a) Órgãos Deliberativos da Administração
Superior - Conselho Universitário (CONSU), Conselho Superior de Ensino, Pesquisa e Extensão
(CONSEPE), Conselho de Administração (CONSAD); b) Órgãos Executivos da Administração
Superior que compõem a Reitoria-Gabinete do Reitor, Vice-Reitoria, Assessoria Especial (AS-
SESP), Procuradoria Jurídica (PROJUR), Pró-Reitoria de Graduação (PROGRAD), Pró-Reitoria
de Pesquisa e Ensino de Pós-Graduação (PPG), Pró-Reitoria de Extensão (PROEX), Pró-Reitoria
de Assistência Estudantil (PRAES), Pró-Reitoria de Planejamento (PROPLAN), Pró-Reitoria de
Administração (PROAD), Pró-Reitoria de Gestão e Desenvolvimento de Pessoas (PGDP), Pró-
Reitoria de Infraestrutura (PROINFRA), Unidade de Desenvolvimento Organizacional (UDO),
Ouvidoria, Órgãos Suplementares de Natureza Interdisciplinar, Órgãos de Apoio Acadêmico-Ad-
ministrativo; c) Órgãos de Administração Setorial - Conselhos de Departamento, Departamentos,
Colegiados de Curso, Núcleos de Pesquisa e Extensão (BAHIA, 2012).
Com o propósito de subsidiar a análise concernente à discussão motivadora deste estudo – as
alterações na estrutura organizacional na Universidade do Estado da Bahia o Quadro 1 apresenta
um comparativo entre a estrutura em 2005 e a estrutura atual, posterior às alterações ocorridas
até a 2015.
Estrutura e organização na universidade multicampi
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Registre-se que este estudo busca entender as alterações implementadas na estrutura organi-
zacional da UNEB, e, desta forma, não abrange a discussão concernente à Administração Setorial,
Órgãos Suplementares de Natureza Interdisciplinar e Órgãos de Apoio Acadêmico-Administrativo,
os quais são objeto de pesquisa complementar.
Na coluna denominada “Atribuições” correspondem àquelas previstas no Regimento Geral
atual (BAHIA, 2012). Na coluna “Competência na Estrutura Organizacional 2005” constam as
indicações dos órgãos competentes em relação às atribuições dispostas no Regimento Geral à época,
conforme Resolução CONSU nº 324/2005. Utilizando das disposições da pesquisa documental,
o estudo comparativo é possível a partir das informações constantes na coluna “Competência na
Estrutura Organizacional em 2006 a 2015”, em atenção ao descrito no Regimento Geral da UNEB,
aprovado pela Resolução CONSU nº 864/2011.
Quadro 1 Comparativo das Atribuições dos Órgãos da Administração Superior da Estrutura Organizacio-
nal da UNEB no período 2006 a 2015
Atribuição
Competência na Estru-
tura Organizacional
em 2005
Competência na Es-
trutura Organizacio-
nal em 2006 a 2015
Deliberativa, responsável pela formulação da Polí-
tica Universitária, denição das práticas gerais das
áreas acadêmica e administrativa e funciona como
instância revisora, em grau de recurso, das deli-
berações relativas ao âmbito de sua competência
(BAHIA, 2012).
CONSU CONSU
Consultiva e deliberativa, responsável pela de-
nição da organização e funcionamento da área
acadêmica nos aspectos técnicos, didáticos e cien-
tícos (BAHIA, 2012).
CONSEPE CONSEPE
Administração e scalização econômico-nanceira
da Universidade, incumbido de assegurar o regular
funcionamento da entidade (BAHIA, 2012).
CONSAD CONSU
Celeste Maria Pacheco de Andrade e Lídia Boaventura Pimenta
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Salvador, v. 5, n. 1, p. 96-122, jan./abr. 2020
Representação social da Universidade, atuando
como facilitador das articulações da organização
universitária com a comunidade externa – baia-
na, brasileira e internacional, composto também
pela Vice-Reitora e Chea de Gabinete (BAHIA,
2012).
Gabinete do Reitor Gabinete do Reitor
Execução, coordenação e acompanhamento das
atividades relacionadas com o ensino de graduação
(BAHIA, 2012).
Pró-Reitoria de Ensino
de Graduação (PRO-
GRAD)
Pró-Reitoria de Ensino
de Graduação (PRO-
GRAD)
Execução, coordenação e acompanhamento das
atividades de ensino de pós-graduação e dos cur-
sos de aperfeiçoamento, bem como pelo desenvol-
vimento de estudos e elaboração de programas de
pesquisa (BAHIA, 2012).
Pró-Reitoria de Pesquisa
e Ensino de pós-gradua-
ção (PPG)
Pró-Reitoria de Pesqui-
sa e Ensino de pós-gra-
duação (PPG)
Assessoramento, acompanhamento, supervisão e
coordenação das atividades relativas à extensão, à
cultura e à arte, bem como ao esporte e recreação
(BAHIA, 2012).
Pró-Reitoria de Extensão
(PROEX)
Pró-Reitoria de Exten-
são (PROEX)
Assessoramento técnico-administrativo, planeja-
mento, gerenciamento, execução, acompanhamen-
to, controle e avaliação das atividades de adminis-
tração geral e patrimonial.
Pró-Reitoria de Admi-
nistração (PROAD)
Pró-Reitoria de Admi-
nistração (PROAD)
Órgão técnico de assessoramento, responsável
pelo planejamento, programação, orçamento,
acompanhamento dos planos - global e setoriais.
Pró-Reitoria de Planeja-
mento (PROPLAN)
Pró-Reitoria de Plane-
jamento (PROPLAN)
Assessoramento jurídico, responsável pela repre-
sentação judicial e extrajudicial.
Procuradoria Jurídica
(PROJUR)
Procuradoria Jurídica
(PROJUR)
Planejamento, assessoramento, acompanhamento,
execução e avaliação das ações relacionadas ao de-
senvolvimento e organização institucional, com o
uso da Tecnologia de Informação e Comunicação.
Unidade de Desenvol-
vimento Organizacional
(UDO)
Unidade de Desenvol-
vimento Organizacio-
nal (UDO)
Fonte: Elaborado pelas autoras, 2020.
A parte estruturante da UNEB foi mantida e concentrada nos órgãos da administração superior.
A única diferença apontada consiste na incorporação de competências do CONSAD ao CONSU
Estrutura e organização na universidade multicampi
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Salvador, v. 5, n. 1, p. 96-122, jan./abr. 2020
em decorrência da promulgação da mencionada Lei Estadual nº 13.466/2015, que revogou a Lei
Estadual nº 7176/1997.
Entretanto a expansão da Universidade após a criação de novos campi e cursos, com a am-
pliação das vagas de ingressantes nos cursos, além da oferta de serviços motivou criação de novos
órgãos na estrutura organizacional, conforme detalhamento no Quadro 2. De início, observa-se a
criação da Pró-Reitoria de Gestão e Desenvolvimento de Pessoas (PGDP), desmembrada da Pró-
-Reitoria de Administração (PROAD), com as atribuições de “Assessoramento técnico-adminis-
trativo, planejamento, gerenciamento, execução, acompanhamento e controle das atividades de
gestão e desenvolvimento dos servidores docentes e técnicos administrativos”. (UNIVERSIDADE
DO ESTADO DA BAHIA, 2013)
Acompanhando o crescimento dos campi e com as demandas pela manutenção dos prédios em
que estavam instalados os Departamentos da UNEB, foi necessária a descentralização das ações de
infraestrutura. Desta forma, foi criada a Pró-Reitoria de Infraestrutura (PROINFRA), desmembrada
da Pró-Reitoria de Administração (PROAD), com as funções de “Elaboração, acompanhamento e
avaliação da execução de projetos arquitetônicos, de engenharia, elétricos, hidráulicos, de rede de
comunicações, urbanísticos e paisagísticos”. (UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA, 2013)
Das mudanças na estrutura da UNEB a que teve maior impacto político e educacional foi a
criação da Pró-Reitoria de Ações Armativas (PROAF) que passou a desempenhar funções ine-
rentes, anteriormente aos seguintes órgãos Pró-Reitoria de Ensino de Graduação (PROGRAD),
Pró-Reitoria de Pesquisa e Ensino de Pós-graduação (PPG), Pró-Reitoria de Extensão (PROEX)
e Pró-Reitoria de Planejamento (PROPLAN). Coube então a PROAF as funções de “Gerencia-
mento, assessoramento, execução, acompanhamento, controle e avaliação das ações relacionadas
com a inclusão, promoção de igualdade, de garantia de equidade e de justiça social no âmbito da
comunidade universitária”. (UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA, 2014). A criação da
PROAF oferece uma nova forma de ingresso na UNEB através do sistema de cotas e das ações de
defesa dos direitos humanos e das minorias. Nesta linha, a criação da Pró-Reitoria de Assistência
Estudantil (PRAES) trouxe consigo ações relacionadas à permanência discente na Universidade,
seja através da participação em Programas e estágios, seja através de auxílio à residência e viagens
para participação em eventos.
Celeste Maria Pacheco de Andrade e Lídia Boaventura Pimenta
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Salvador, v. 5, n. 1, p. 96-122, jan./abr. 2020
QUADRO 2. Órgãos Criados na Estrutura da UNEB no período 2006 a 2015
Atribuição
Competência na Estrutura
Organizacional em 2005
Competência na
Estrutura Or-
ganizacional em
2006 a 2015
Gerenciamento, assessoramento, execução,
acompanhamento, controle e avaliação das ações
relacionadas com a inclusão, promoção de igual-
dade, de garantia de equidade e de justiça social
no âmbito da comunidade universitária.
Pró-Reitoria de Ensino de
Graduação (PROGRAD), Pró-
Reitoria de Pesquisa e Ensino
de pós-graduação (PPG), Pró-
Reitoria de Extensão (PRO-
EX) e Pró-Reitoria de Planeja-
mento (PROPLAN)
Pró-Reitoria de
Ações Armativas
(PROAF)
Execução orçamentaria, nanceira e contábil.
Pró-Reitoria de Administração
(PROAD)
Secretaria Especial
de Contabilidade
e Finanças (SE-
CONF)
Assessoramento técnico, voltado à normatização,
orientação e realização dos procedimentos licita-
tórios, celebração e acompanhamento de contra-
tos e convênios.
Pró-Reitoria de Administração
(PROAD) e Pró-Reitoria de
Planejamento (PROPLAN)
Secretaria Especial
de Licitações e
Contratos e Convê-
nios (SELCC)
Assessoramento técnico-administrativo, plane-
jamento, gerenciamento, execução, acompanha-
mento e controle das atividades de gestão e de-
senvolvimento dos servidores docentes e técnicos
administrativos.
Pró-Reitoria de Administração
(PROAD)
Pró-Reitoria de
Gestão e Desenvol-
vimento de Pessoas
(PGDP)
Elaboração, acompanhamento e avaliação da exe-
cução de projetos arquitetônicos, de engenharia,
elétricos, hidráulicos, de rede de comunicações,
urbanísticos e paisagísticos.
Pró-Reitoria de Administração
(PROAD)
Pró-Reitoria de
Infraestrutura
(PROINFRA)
Assessoramento, divulgação, proposição, acom-
panhamento, apoio, regulamentação e avaliação
das ações de internacionalização.
Gabinete do Reitor, Pró-Rei-
toria de Pesquisa e Ensino
de pós-graduação (PPG),
Pró-Reitoria de Planejamento
(PROPLAN)
Secretaria Especial
de Relações Inter-
nacionais (Serint)
Promoção da articulação entre a Administração
Superior e os diversos campi e comunidades,
bem como, os poderes públicos e respectivos
órgãos, entidades privadas, órgãos não-governa-
mentais.
Gabinete do Reitor
Secretaria Especial
de Articulação
Interinstitucional
(SEAI)
Estrutura e organização na universidade multicampi
118
Salvador, v. 5, n. 1, p. 96-122, jan./abr. 2020
Órgão vinculado ao Gabinete da Reitoria, res-
ponsável pela concepção de diretrizes, apoio
acadêmico e técnico aos processos avaliativos no
âmbito da Universidade (UNIVERSIDADE DO
ESTADO DA BAHIA, 2014).
Pró-Reitoria de Ensino de
Graduação (PROGRAD), Pró-
Reitoria de Pesquisa e Ensino
de Pós-graduação (PPG), Pró-
Reitoria de Extensão (PRO-
EX) e Pró-Reitoria de Planeja-
mento (PROPLAN)
Secretaria de Ava-
liação Institucional
(SEAVI)
Promoção da educação a distância, na graduação,
pós-graduação e extensão, em consonância com
as Pró-Reitorias acadêmicas e departamentos.
Pró-Reitoria de Ensino de
Graduação (PROGRAD), Pró-
Reitoria de Pesquisa e Ensino
de Pós-graduação (PPG) e
Pró-Reitoria de Extensão
(PROEX)
Unidade Acadêmi-
ca de Educação a
Distância (Unead)
Fonte: Elaborado pelas autoras, 2020.
Dentre as alterações realizadas na estrutura da UNEB nos últimos anos, duas outras merecem
destaque, visto que são estruturais para o seu desenvolvimento institucional. A primeira delas é a
criação da Secretaria de Avaliação Institucional (SEAVI), desmembrada da Pró-Reitoria de Ensino
de Graduação (PROGRAD), Pró-Reitoria de Pesquisa e Ensino de Pós-graduação (PPG), Pró-
-Reitoria de Extensão (PROEX) e Pró-Reitoria de Planejamento (PROPLAN) e com as funções de,
como “órgão vinculado ao Gabinete da Reitoria, responsável pela concepção de diretrizes, apoio
acadêmico e técnico aos processos avaliativos no âmbito da Universidade” (UNIVERSIDADE
DO ESTADO DA BAHIA, 2014).
A implementação da avaliação institucional foi uma decisão de governo para denição
das prioridades de investimentos. As avaliações passaram a ser realizadas através da análise de
indicadores especícos, bem como através do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes
(ENADE), que integra o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES). A ava-
liação busca a vericação da qualidade dos prossionais formados pelas instituições, mas também
buscam adentrar pelo cotidiano institucional através das visitas técnicas quando são vericados os
planos de cursos, material disponível como laboratórios e bibliotecas. (BRASIL, 2004).
Por m, uma mudança importante diante do crescimento do uso das tecnologias da in-
formação, aplicadas ao ensino, bem como a expansão dos cursos na modalidade à distância foi
necessária a criação de uma Unidade Acadêmica de Educação a Distância (UNEAD), como parte
Celeste Maria Pacheco de Andrade e Lídia Boaventura Pimenta
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Pró-Reitoria de Ensino de Graduação (PROGRAD), Pró-Reitoria de Pesquisa e Ensino de Pós-
-graduação (PPG) e Pró-Reitoria de Extensão (PROEX). O que anteriormente estava disperso em
várias Pró-Reitorias passaram a compor um único órgão responsável pela promoção “da educação
a distância, na graduação, pós-graduação e extensão, em consonância com as Pró-Reitorias acadê-
micas e departamentos”. (UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA, 2014).
Além disso, a informatização dos procedimentos, as distâncias entre os departamentos da
administração central contribuíram para a valorização das tecnologias da informação no cotidiano
universitário, tornando uma ferramenta estruturante do processo organizacional.
Considerações Finais
O estudo sobre as modicações da estrutura organizacional da Universidade do Estado da
Bahia, entre os anos de 2005 e 2015 contribui para elucidar as discussões sobre como as institui-
ções podem e devem acompanhar os objetivos da instituição, e diálogo com as demandas externas
para alcançar a excelência nas suas atividades ns e meio. A expansão da UNEB seja na oferta
de cursos destinada à formação prossional, formação continuada ou titulação, o alargamento
das áreas de pesquisa e, consequentemente o aumento da atuação junto às suas comunidades nas
atividades da extensão, levou a ajustes na sua estrutura organizacional, sem, entretanto, abdicar
da identidade e institucionalidade da Universidade, na administração e nos campi, através de seus
órgãos colegiados e Reitoria e Pró-Reitorias.
A discussão foi motivada pelo questionamento: quais as estratégias adotadas pela Univer-
sidade do Estado da Bahia (UNEB) para alterar a sua estrutura organizacional? Considerando o
modelo multicampi da unidade de estudo, a pesquisa sobre as alterações na estrutura organizacio-
nal utilizou como referência o modelo multicampi, em decorrência dos vinte quatro campi, suas
comunidades e suas especicidades.
Contribuiu também a discussão concernente à estrutura acadêmica e administrativa, com
detalhe ao sistema de uxo de decisão em uma organização que contempla o núcleo operacional,
a cúpula estratégica, linha intermediária, tecnoestrutura e a assessoria de apoio, combinada com a
análise das diversas estruturas organizacionais previstas na literatura. Das estruturas constatadas,
identica-se maior aproximação com o modelo burocrático prossional, o qual respalda a atuação
Estrutura e organização na universidade multicampi
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dos professores em áreas especícas de conhecimento, e a colegialidade, com decisões a partir do
grupo, previsto na legislação brasileira.
Observa-se que as alterações na estrutura organizacional resultaram em criação de órgãos e
transferência de atribuições para outros órgãos, em decorrência da legislação, no caso especíco
do Conselho de Administração (CONSAD), que teve suas atribuições assumidas pelo Conselho
Universitário (CONSU).
De outra forma, a UNEB no intento de atingir o objetivo de promover a formação integral
do cidadão e o desenvolvimento das potencialidades econômicas, tecnológicas, sociais, culturais,
artísticas e literárias da comunidade baiana, sob a égide dos princípios da ética, da democracia,
das ações armativas, da justiça social, pluralidade étnico-cultural e demais princípios do Direito
Público, conforme mencionado anteriormente, as alterações na estrutura organizacional foram de-
mandadas por conjunturas políticas administrativas com a nalidade de atender às suas demandas
de forma mais ágil e especíca por área de atuação, seja acadêmica ou administrativa, a exemplo
da Pró-Reitoria de Ações Armativas, onde a mobilização da comunidade serviu de elemento
alavancador do processo que teve como ponto alto a aprovação das cotas raciais para ingresso no
processo seletivo.
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funcionamento das Universidades Estaduais da Bahia, revoga a Lei nº 7.176, de 10 de setembro
de 1997, e dá outras providências.
Celeste Maria Pacheco de Andrade e Lídia Boaventura Pimenta
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Estrutura e organização na universidade multicampi
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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA. Conselho Universitário (CONSU), Resolução n.º
1023/2014, aprova a criação e implantação da Pró-Reitoria de Ações Armativas (PROAF) da
UNEB.
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA. Conselho Universitário (CONSU), Resolução
n.º 1024/2014, aprova a criação e implantação da Secretaria Especial de Licitações, Contratos e
Convênios (SELCC) da UNEB.
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA. Conselho Universitário (CONSU) Resolução n.º
1025/2014, aprova a criação e implantação da Secretaria Especial de Articulação Interinstitucio-
nal (SEAI) da UNEB.
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA. Conselho Universitário (CONSU) Resolução n.º
1.026/2014, aprova a criação e implantação da Secretaria Especial de Avaliação Institucional
(SEAVI) da UNEB.
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA. Conselho Universitário (CONSU) Resolução
n.º 1027/14, aprova a criação e implantação da Secretaria Especial de Relações Internacionais
(SERINT) da UNEB.
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA. Conselho Universitário (CONSU) Resolução
n.º 1.051/2014, aprova a criação e implantação da Unidade Acadêmica de Educação a Distância
(UNEAD) da UNEB.
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA. Conselho Universitário (CONSU) Resolução n.º
1.106/2015, aprova a criação e implantação da Secretaria Especial de Contabilidade e Finanças
(SECONF) da UNEB.
Recebido em: 15 de abril de 2020.
Inserido em: 20 de maio de 2020.
Esta obra está licenciada com uma Licença Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional.
Lina Maria Brandão de Aras e Ana Claudia Pacheco de Andrade
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COMPETÊNCIAS E HABILIDADES
DO PROFESSOR GESTOR: atribuições
no modelo multicampi
LINA MARIA BRANDÃO DE ARAS
Universidade Federal da Bahia (UFBA). Doutorado em História Social, Universidade
de São Paulo, Professora do Programa de Pós-graduação em História e do Programa
de Pós-graduação em Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismo.
ORCID: 0000-0003-0654-9777. E-mail: laras@ufba.br
ANA CLAUDIA PACHECO DE ANDRADE
Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Mestre em Literatura e Diversidade Cultura
- Universidade Estadual de Feira de Santana, Professora do Curso de Licenciatura
em Letras, Língua Portuguesa e Literaturas, Campus V/UNEB, Grupo de Pesquisa
Políticas Públicas e gestão escolar: aspectos sócioculturais e contemporaneidade.
ORCID: 0000-0002-1991-203X. E-mail: acandrade@uneb.br
LUZINETE GAMA DE OLIVEIRA
Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Mestre em Gestão e Tecnologias Aplicadas
à Educação (GESTEC/UNEB); Graduada em Biologia pela Universidade Estadual
de Pernambuco (UPE); Coordenadora da Auditoria de Controle Interno da UNEB.
Pesquisadora do Grupo de Pesquisa Educação, Universidade e Região - EduReg/UNEB.
ORCID: 0000-0002-8780-8314. E-mail: lgoliveira@uneb.br
Competências e habilidades do professor gestor: atribuições no modelo multicampi
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COMPETÊNCIAS E HABILIDADES DO PROFESSOR GESTOR: atribuições no modelo multicampi
O artigo ocupa-se de evidenciar as habilidades pertinentes ao professor universitário que, ao longo da sua carreira,
ocupa posições administrativas na Instituição de Educação Superior (IES). O interesse pelo tema está no fato de
as autoras possuírem atuação na graduação, s-graduação e extensão, e experiência em gestão universitária.
O tema tem sido bem aceito nas discussões referentes à gestão, considerando que há uma disponibilidade maior
de produções que versam sobre gestão escolar, o que evidencia a necessidade de se tratar o tema no universo da
educação superior e que permite problematizar: faz-se necessário um perl especíco de professor gestor para
atender ao modelo multicampia? A pesquisa delimita o professor gestor, em especial, o diretor de departamento
e toma como campo de estudo a Universidade do Estado da Bahia (UNEB), fazendo, quando necessário, um
diálogo com outras IES baianas: Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), Universidade Estadual
do Sudoeste da Bahia (UESB) e Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC). A opção por esta instituição
deve-se ao fato de, no conjunto, possuir natureza multicampi, em um total de vinte e quatro, enquanto a UESB
possui dois campis. O objetivo do artigo consiste em evidenciar que, mesmo com experiência no ensino, na
pesquisa e na extensão, é também exigido dos docentes o conhecimento da área administrativa que os habilite
para o exercício da gestão. A metodologia adotada é pesquisa de natureza descritiva e abordagem qualitativa
baseada em bibliograa, legislação e documentação pertinente ao funcionamento da IES. A pesquisa conclui
demostrando que, o fato de a UNEB ser de natureza multicampi, possui um modelo de gestão próprio, de forma
a atender a esta sua caractestica, o que implica no desenvolvimento de habilidades especícas para o professor
gestor com o propósito de promover o desenvolvimento das funções da universidade de forma ecaz e eciente.
Palavras chave: Gestão Universitária. Professor Gestor. Habilidades e Competências.
PROFESSOR MANAGER’S SILLS AND EXPERTISE: assignments at multi campi model
The article is about skills to the university professor who, throughout his career, occupies administrative positions
in the University. The interest in this subject goes in the fact that the authors have experience in education
and university management. The theme has been well accepted in the discussions regarding management,
considering there are articles that deal with school management, which highlights the need to discuss about
graduation education management. Thefore, our research problem is: is it necessary to have a specic managing
professor prole to attend a multi-campi University needs? The research delimits managing professor, especially
the departments manager of the Universidade do Estado da Bahia (UNEB), making, when necessary, a dialogue
with other State University, at Bahia: State Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), Universidade
Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB) and Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC). The option for this
institution is due to the fact that it multi-campus, in a total of twenty-four, while the UESB has two campuses. The
objective of the article is to show that, even with experience in teaching, research and extension, professors are
also required to have knowledge of administration that enables them to exercise management. The methodology
adopted is descriptive research and a qualitative approach based on bibliography, legislation and documentation
pertinent to the functioning of the University. The research conclusion shows as UNEB is multi-campus it has
its own management model in order to meet this characteristic. This implies the development of specic skills
for the managing professor with the purpose to get designed results in ongoing improvements effectively and
efciently.
Keywords: University Management. Managing Teacher. Skills and Competences.
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COMPETENCIAS Y HABILIDADES DEL GESTOR UNIVERSITARIO:
atribuciones en el modelo multicampi
El artículo trata de resaltar las habilidades pertinentes para el profesor universitario que, a lo largo de su
carrera, ocupa puestos administrativos en la Institución de Educación Superior (IES). El interés en el tema
radica en el hecho de que los autores tienen experiencia en cursos de pregrado, posgrado y extensión,
y experiencia en gestión universitaria. El tema ha sido bien aceptado en las discusiones sobre gestión,
considerando que hay una mayor disponibilidad de producciones que se ocupan de la gestión escolar,
lo que destaca la necesidad de abordar el tema en el universo de la educación superior y que permite la
problematización: es necesario ¿Un perl especíco de gerente de maestros para cumplir con el modelo
multicampia? La investigación delimita al profesor gerente, en particular, al director del departamento
y toma como campo de estudio la Universidade Estadual da Bahia, haciendo, cuando sea necesario,
un diálogo con otras IES bahianas: Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), Universidade
Estadual del Suroeste de Bahia (UESB) y Universidad Estadual de Santa Cruz (UESC). La opción para
esta institución se debe al hecho de que, en su conjunto, tiene una naturaleza multicampi, en un total de
veinticuatro, mientras que UESB tiene dos campus. El objetivo del artículo es mostrar que, incluso con
experiencia en la enseñanza, la investigación y la extensión, también se requiere que los profesores tengan
conocimiento del área administrativa que les permitirá ejercer la gestión. La metodología adoptada es
una investigación de naturaleza descriptiva y un enfoque cualitativo basado en bibliografía, legislación y
documentación relevante para el funcionamiento de la IES. La investigación concluye demostrando que el
hecho de que UNEB es de naturaleza multicampi tiene su propio modelo de gestión para cumplir con esta
característica, lo que implica el desarrollo de habilidades especas para el profesor gerente con el n de
promover el desarrollar funciones universitarias de manera efectiva y eciente.
Palabras clave: Gestión Universitaria. Profesor Gerente. Habilidades y Competencias.
Competências e habilidades do professor gestor: atribuições no modelo multicampi
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COMPETÊNCIAS E HABILIDADES DO PROFESSOR GESTOR:
atribuições no modelo multicampi
Introdução
Considera-se haver uma relação entre os termos administração e gestão e que o primeiro
se aplica às funções de planejar, organizar, dirigir e controlar, enquanto o segundo consiste nas
funções da administração sendo desempenhada pelo líder junto a sua equipe motivada. A gestão
voltada para a educação, em especial à instituição de ensino superior pública, objeto de análise do
presente estudo, chama à atenção o contexto vivenciado pela sociedade brasileira, uma vez que
as universidades se encontram atreladas às mudanças político-culturais e demandas próprias do
nosso tempo, buscando um diálogo produtivo com a comunidade a que serve. Com base nessa
compreensão, pensar as habilidades e competências de um gestor professor implica reconhecer
aspectos essenciais para o bom funcionamento da instituição no que se refere à oferta de cursos
de graduação, atividades de pesquisa e extensão, bem como programas de pós-graduação, em
unidades acadêmicas, na Universidade do Estado da Bahia (UNEB) denominados departamentos.
Tais aspectos são fundamentais para a sustentabilidade da instituição e que não podem ser desvin-
culados de um processo que inclui um saber administrativo.
Isto signica que o professor gestor opera uma alteração em sua atividade para além da
docência, pois passa a exercer outra função, a de gestor, e que lhe impõe outra postura. Em razão
disso, professores gestores assumem uma responsabilidade a mais: a de viabilizar ações referentes
ao sistema de ensino, sustentadas em um conjunto de teorias desenvolvidas e legitimadas tanto no
campo pedagógico e acadêmico, quanto na área da administração.
Sendo assim, este estudo busca identicar as habilidades e competências necessárias ao pro-
fessor gestor no exercício de diretor de departamento da UNEB, de modo que esteja capacitado a
desenvolver ações no ambiente da instituição de educação superior pública, cada vez mais, anadas
com a legislação pertinente. Ao lado desta condição está o fato de que, quando o professor assume
a gestão, tem ao seu lado uma equipe de servidores comprometidos com os mesmos objetivos
visando o alcance de uma educação de excelência.
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A compreensão destes aspectos assume relevância por expor a necessidade de preservar
o processo de autonomia nas universidades públicas. É sabido que muitos problemas ocorridos
nas instituições universitárias demonstram relação com questões de ordem administrativa, o que
resulta muitas vezes em diculdades no que se refere ao atendimento de demandas e que, con-
sequentemente, exige ações assentadas em melhor planejamento. Isto posto, a apropriação de
conhecimentos especícos da administração para uma gestão universitária mais ecaz, revela que
o professor gestor, visando a meta de formação de prossionais e da produção do conhecimento
cientico, diferentemente de uma empresa (cujo foco da gestão reside na produtividade e lucro),
deve estar atento para desenvolver competências de gestor a m de melhor conduzir o processo
de decisões para efetivação das funções da universidade.
Em atenção ao questionamento formulado e ao objetivo geral estabelecido, este artigo tem
como fundamentação teórica os seguintes tópicos: conhecimentos e habilidades necessárias ao
professor gestor; as diretrizes para atuação do gestor, com ênfase a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional, LDB nº 9.394/1996 e da Lei Estadual nº 8352/2002, Estatuto do Magistério
Público das Universidades; e a estrutura e funcionamento da universidade multicampi.
Com este fulcro, o estudo faz uma exposição sobre habilidades necessárias ao professor-
-gestor, segue com a indicação de diretrizes norteadoras do trabalho do gestor, prossegue com
uma análise das implicações da gestão em uma instituição multicampi a partir do caso da UNEB e
conclui evidenciando as especicidades inerentes aos desaos identicados na gestão para atender
a multicampia.
PROFESSOR GESTOR: habilidades na área administrativa
Este ponto se ocupa de uma exposição sobre habilidades concernentes à administração para
desenhar o perl necessário ao professor gestor em uma instituição de educação superior (IES).
É fato que o professor é especialista na área de conhecimento em que atua na função docente,
considerando as diversas grandes áreas de conhecimento de acordo com o Conselho Nacional de
Desenvolvimento Cientíco e Tecnológico (CNPq), a saber: Ciências Exatas e da Terra, Ciências
Biológicas, Engenharias, Ciências da Saúde, Ciências Agrárias, Ciências Sociais Aplicadas, Ciências
Humanas, Linguística, Letras e Artes. No que tange à gestão, nem sempre possui as competências e
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habilidades pertinentes a planejar, organizar, dirigir, controlar, avaliar e motivar a equipe - funções
básicas de um gestor.
A gestão da Universidade é uma questão complexa em todos os seus aspectos: em decor-
rência dos objetivos de formar prossionais, participar da construção da cidadania e do desenvol-
vimento social; as funções que desempenha simultaneamente de ensino, pesquisa e extensão; os
prossionais com os quais a instituição atua, especialistas nas diversas áreas de conhecimento; a
tecnologia que concebe e utiliza; e o modelo de estrutura organizacional e de decisão colegiada que
adota. Esses são alguns dos fatores, aparentemente, de fácil compreensão, contudo, muitas vezes
de difícil padronização, utilizando como referência outras organizações existentes na sociedade
(FINGER, 1988).
Assim, a este professor gestor cabe a responsabilidade de lidar e decidir quanto a iniciativas
de ensino, pesquisa e extensão, envolvendo docentes, técnicos administrativos, alunos, perspectivas
da sociedade, recursos orçamentários e nanceiros, tecnologias, dentre outros. Bem como há que
se considerar que, diante das inúmeras transformações, exige-se dos atores desse processo novas
habilidades e competências, pertinentes ao processo de gestão de uma unidade educacional, situada
em uma sociedade em constantes mudanças.
Neste trabalho, competência é entendida como um conjunto “de conhecimentos, habilidades
e atitudes interdependentes e necessárias à consecução de determinados propósitos.” (Durand,
1998, p. 03, apud ANDRADE; STRAUHS, 2006). Ou seja, ter o conhecimento e ser capaz de
diagnosticar a situação, identicar possíveis estratégias, escolher a que melhor atenda e agir.
A habilidade diz respeito à capacidade de desenvolver uma ação. Na gestão concebem-se três
tipos básicos de habilidades, a saber: habilidades técnicas, que expressam o saber utilizar métodos,
técnicas e equipamentos no exercício da função; habilidades humanas, as quais dizem respeito à
aptidão de se comunicar, motivar, coordenar, liderar, solucionar conitos em sua equipe de traba-
lho; e habilidades conceituais, relacionadas à predisposição em ter iniciativa, ideias, conceitos, de
pensar e propor soluções com visão de futuro (LACOMBE; HEILBORN, 2008).
Para o entendimento das habilidades e competências do gestor cabe evidenciar que gestão
corresponde ao conjunto de atividades realizadas por uma equipe coordenada e motivada por um
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líder, ou seja, o gestor. A ação de gerir exige requisitos básicos a exemplo de: um conjunto de fun-
ções; desempenho de papeis; competências de conhecimento, perspectiva e atitudes; e emprego de
habilidades conceituais, humanas e técnicas. Na universidade integrante da esfera pública, todos
estes itens referentes às funções, papéis e competências estão relacionados ao cumprimento das
atividades da administração pública, se encontram em consonância com os princípios da burocracia
descritos por Weber (SILVA, 2001).
Lacombe e Heilborn (2008), à luz de Katz (1974), sintetizaram as habilidades necessárias ao
gestor, ao pressupor que o administrador seria alguém que dirige as atividades de outras pessoas
e assume a responsabilidade de atingir determinados objetivos por meio da soma de esforços. Os
autores ressaltam que a suposição de que exista um tipo característico de gestor adequado aos
diversos tipos, tamanhos e estruturas de organizações, é amplamente aceita.
Recorrendo à perspectiva de Tok (2013), este chama a atenção quanto ao desao do ges-
tor contemporâneo, do qual são requeridos: liderança, sabedoria, coragem e determinação. Desta
forma, o papel do professor gestor é transgurado, saindo da perspectiva puramente pedagógica e
acadêmica para ocupar o lugar e o espaço de um líder, gestor de políticas vinculadas à educação
superior, de recursos e de procedimentos pedagógicos, acadêmicos e administrativos.
Assim, o professor gestor, no exercício do cargo e função de diretor de uma instituição
universitária, ênfase deste estudo, deverá conhecer e reetir acerca das demandas contemporâneas
para a educação em decorrência dos atributos da sociedade caracterizada como a sociedade do
conhecimento, da tecnologia e comunicação. Também ao domínio das diretrizes legais e dos parâ-
metros relevantes do âmbito do direito educacional e das políticas e diretrizes para a organização
e o funcionamento da universidade, acrescenta-se, ainda, a legislação concernente à execução
orçamentária e nanceira e de gestão de pessoas, neste caso docentes, técnicos administrativos e
terceirizados.
Nessa direção, a universidade pública como estrutura autárquica deverá obedecer aos funda-
mentos da administração pública, conforme previsto na Constituição Federal de 1988, competindo-
-lhe observar os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eciência. Em
relação à gestão pública, esta deve culminar também no cumprimento dos objetivos institucionais
previstos nos seus documentos institucionais tais como Plano de Desenvolvimento Institucional
Competências e habilidades do professor gestor: atribuições no modelo multicampi
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(PDI) e Plano Plurianual (PPA), objetivos estes viabilizados por meio de programas internos de
gestão. Deve, ainda, atender aos regramentos da legislação federal e estadual que regulam a educa-
ção superior, bem como aos que regulam a execução do orçamento público. A esse respeito, Esther
(2011) registra que à ótica da gestão organizacional, as competências gerenciais têm adentrado na
gestão pública, especialmente das universidades. Há também que se ressaltar sua ampla função
social, do empoderamento da comunidade acadêmica e o seu papel de conscientização da sociedade
civil, que fazem parte da natureza da ação.
UNIVERSIDADE PÚBLICA: diretrizes para atuação do gestor
Segundo a Lei nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as leis e diretrizes da
educação nacional, no seu artigo 21, inciso II; um dos níveis da educação escolar é a educação
superior. Como este texto se ocupa do estudo de uma instituição pública, recorrendo à mesma lei,
o artigo 19 estabelece sobre as categorias administrativas das instituições de ensino, sendo que o
inciso I advoga que “públicas, assim entendidas as criadas ou incorporadas, mantidas e adminis-
tradas pelo Poder Público” e, no caso do Estado da Bahia, a educação superior mantida pelo poder
público é formada por quatro universidades na condição de autarquias, vinculadas à Secretaria
Estadual de Educação: Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), Universidade Estadual
de Santa Cruz (UESC), Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB) e Universidade do
Estado da Bahia (UNEB), esta última que ocupa a análise aqui desenvolvida.
No aspecto que interessa para a presente análise, a gestão, no artigo 56 a Lei de Diretrizes
e Bases da Educação (LDB) estabelece que:
Artigo 56. As instituições públicas de educação superior obedecerão ao
princípio da gestão democrática, assegurada a existência de órgãos colegiados
deliberativos, de que participarão os segmentos da comunidade institucional,
local e regional.
De posse de uma compreensão de gestão, ao referir-se a órgãos colegiados deliberativos,
merece destaque o parágrafo único do artigo 56 indicando aspectos que interessam para a presente
análise:
Lina Maria Brandão de Aras e Ana Claudia Pacheco de Andrade
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Em qualquer caso, os docentes ocuparão setenta por cento dos assentos em
cada órgão colegiado e comissão, inclusive nos que tratarem da elaboração e
modicações estatutárias e regimentais, bem como da escolha de dirigentes.
O inciso evidencia o que chamamos de atores no processo de gestão das IES, os docentes.
Neste caso não restam dúvidas sobre as responsabilidades dos docentes para a existência das uni-
versidades. A lei é clara ao determinar a porcentagem de setenta por cento dos docentes com a tarefa
perante os órgãos colegiados e comissões. Esta participação ganha maior responsabilidade quando
são detalhadas as atribuições desses docentes no que diz respeito à legislação interna pertinente a
estatutos, regimentos e escolha dos seus dirigentes.
Considerando que o objeto de estudo é professor gestor, quando se trata de gestão a LDB
nº 9394/1996 contempla a educação básica, em termos de denominar a presença de prossionais
para a realização das tarefas de direção e coordenação pedagógica. No entanto, pode-se inferir
que a autonomia da universidade não exige que a lei estabeleça quem será este prossional, uma
vez que já indica que 70% do corpo docente deverá se responsabilizar por tarefas administrativas.
O que a mencionada LDB enfatiza a respeito do ensino superior é a exigência de titulação do
corpo docente, no artigo 66, devendo ser “prioritariamente em programas de mestrado e doutorado”,
condição inerente às funções da universidade em relação à pesquisa e produção do conhecimento.
Na educação básica, por exemplo, o parágrafo 2º do artigo 67 é claro ao armar que:
São consideradas funções de magistério as exercidas por professores e
especialistas em educação no desempenho de atividades educativas, quando
exercidas em estabelecimento de educação básica em seus diversos níveis
e modalidades, incluídas, além do exercício da docência, as de direção de
unidade escolar e as de coordenação e assessoramento pedagógico.
Signica que a legislação maior da educação prevê, entre as atividades educativas, além da
docência, o cargo de direção, coordenação e assessoramento pedagógico. Isso tem relação com o
que se anunciou anteriormente a respeito do fato de que uma disponibilidade signicativa de
produções e publicações em relação à gestão escolar, voltada para a educação básica.
Observadas essas questões gerais presentes na LDB nº 9394/1996, como o objeto de estudo
é o perl do professor gestor, verica-se o que prevê a Lei Estadual nº 8.352, de 02 de setembro
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de 2002 que dispõe sobre o Estatuto do Magistério Público das Universidades do Estado da Bahia,
visando indagar a esta lei especíca sobre a gestão nas universidades estaduais baianas.
Para a questão em tela, o documento, ao tratar das atividades do magistério superior, no artigo
3º estabelece que, nas Universidades mantidas pelo Estado da Bahia, entende-se por atividades
de magistério superior, precisamente o inciso II: “as inerentes ao exercício de direção e assesso-
ramento na administração acadêmica”. Claro que a lei é el ao que a tradição sempre reconheceu
como atividades de magistério superior, o que está exposto no inciso I: “as pertinentes à pesquisa,
ensino e extensão que, indissociáveis, sirvam à aprendizagem, à produção do conhecimento, à
ampliação, difusão e comunicação do saber”.
Como o objeto de interesse é a gestão em âmbito geral, área acadêmica e área administrativa,
o artigo é ilustrativo ao denir como “[…] as atividades de direção, assessoramento e chea,
relacionadas com órgãos e funções acadêmicas da administração universitária.” Para melhor
fundamentar a questão de estudo, evidencie-se os parágrafos nos quais a citada Lei Estadual nº
8.352/2002 esclarece os cargos e funções da administração acadêmica que são de responsabilidade
dos docentes universitários, sendo: Reitor, Vice-Reitor, Pró-Reitor da Área Acadêmica, Diretor de
Departamento, Coordenador de Colegiado de Curso e Outros inerentes à área acadêmica,
Esta estrutura é seguida pelas quatro universidades estaduais baianas, deixando estabelecido
que as funções da natureza administrativa podem ser ocupadas por servidores técnico-administrati-
vos, a exemplo das Pró-Reitorias de Gestão e Desenvolvimento de Pessoas, Administração, Plane-
jamento e Infraestrutura. De outra forma, os cargos e funções da área acadêmica são privativos dos
docentes, a saber: Ensino de Graduação, Pesquisa e Ensino de Pós-graduação e Extensão. Mesmo
que haja diferença na denominação dessas Pró-Reitorias entre as universidades, a respeito desses
cargos, a lógica é a mesma, os cargos da área acadêmica só podem ser ocupados por docentes.
Observe-se, a seguir a situação de cada uma das universidades estaduais baianas a respeito
do funcionamento administrativo quando se trata da gura do professor gestor.
A UEFS foi instituída pela Lei Delegada nº 12, de 30 de dezembro de 1980, como sucessora
da Fundação Universidade de Feira de Santana, criada pela Lei nº 2.784, de 24 de Janeiro de 1970,
com sede e foro na cidade de Feira de Santana. Com uma administração central representada pelos
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órgãos superiores Conselho de Administração (CONSAD), Conselho Universitário (CONSU) e
Conselho Superior de Ensino, Pesquisa e Extensão (CONSEPE), com representação entre outros
atores, dos docentes, segue na sua estrutura com as Pró-Reitorias, unidades de desenvolvimento
organizacional e unidades universitárias constituídas por Departamentos de Ensino, Pesquisa e
Extensão e Colegiados de Cursos. Trata-se de uma IES com oferta das suas atividades no campus
localizado na cidade de Feira de Santana, contando com nove departamentos, o que já a diferencia
da organização e funcionamento da UNEB, com trinta departamentos distribuídos em 24 campi.
A Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC) foi criada pela Lei nº 6.344, de 05 de
dezembro de 1991, e reorganizada pela Lei Nº 6.898, de 18 de agosto de 1995. Teve sua origem
nas escolas isoladas criadas no eixo Ilhéus/Itabuna, na década de sessenta. Em 1972, resultante
da iniciativa das lideranças regionais e da Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira
(CEPLAC), as escolas isoladas (Faculdade de Direito de Ilhéus, Faculdade de Filosoa de Itabu-
na, e Faculdade de Ciências Econômicas de Itabuna) congregaram-se, formando a Federação das
Escolas Superiores de Ilhéus e Itabuna (FESPI).
Assim como a UESC, tem modelo unicampi composto por dez departamentos, localizada
entre os municípios de Ilhéus e Itabuna. A sua organização administrativa é constituída por órgãos
de administração superior; órgãos de administração setorial; órgãos de apoio administrativo e órgãos
suplementares. Considerando a participação de docentes como gestores, é importante salientar que a
administração Superior é formada pelo CONSU e CONSEPE. A administração Setorial é composta
pelos Departamentos e Colegiados de Curso. Quanto aos órgãos de apoio administrativo e órgãos
Suplementares que fazem parte da estrutura administrativa da UESC, não foi alcançado por esse
estudo, pois podem ser ocupados por técnicos e não são privativos de docentes.
Em termos de natureza multicampi como a UNEB, faz parte da estrutura da educação superior
do Estado da Bahia, a Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), instituída pela Lei
Delegada n.º 12, de 30 de dezembro de 1980, autorizada pelo Decreto Federal n.º 94.250, de 22
de abril de 1987. Considerando a estrutura multicampi, conforme dene o artigo do Regimento
Geral da UESB, prevê que:
A Universidade adotará regime de administração compatível com a necessidade
do funcionamento dos seus Órgãos e Departamentos, incorporando princípios
de descentralização, sem prejuízo da unidade acadêmico-administrativa, a
m de atender às peculiaridades de sua conguração territorial e do modelo
multicampi.
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De acordo com o Regimento geral da UESB, artigo 7º, a estrutura organizacional é consti-
tuída pelos órgãos: Administração Superior, formada por Órgãos Deliberativos, Órgão Curador e
Órgão Executivo; Administração Setorial, desdobrado em: órgãos deliberativos setoriais e órgãos
executivos setoriais; e órgãos suplementares.
É constituída por três campi: Campus Universitário de Vitória da Conquista, em Vitória da
Conquista, composto por 10 (dez) departamentos; Campus Universitário de Jequié, no município
de Jequié, contando com 05 (cinco) departamentos; e Campus Universitário Juvino Oliveira, em
Itapetinga, composto por 03 (três) departamentos.
Finalmente a UNEB, universidade na qual está centralizado o estudo: a Universidade do
Estado da Bahia foi criada pela Lei Delegada n.º 66, de 1º de junho de 1983, reconhecida pela
Portaria Ministerial n.º 909, de 31 de julho de 1995 e resultante da integração de faculdades da
capital, Salvador, incluindo o Centro de Ensino Técnico da Bahia (CETEBA) e do interior.
Entre as universidades mantidas pelo Governo do Estado da Bahia é a que tem abrangência
maior em termos físicos estando presente em todas as regiões do Estado constituindo-se em 24
campi e 30 departamentos que ofertam cursos de graduação e de pós-graduação nas mais diversas
áreas do conhecimento.
De acordo com o art. 8º do Regimento Geral, a gestão da UNEB possui a seguinte estrutura
organizacional:
Órgãos Deliberativos de Administração Superior, conceituados pelo Conselho Uni-
versitário (CONSU), Conselho Superior de Ensino, Pesquisa e Extensão (CONSEPE),
Conselho de Administração (CONSAD);
Órgãos Executivos de Administração Superior, representado pela Reitoria, composta
pelas Pró-Reitorias;
Órgãos Deliberativos de Administração Setorial, compostos pelos Conselhos de Depar-
tamento e Colegiados de Curso;
Órgãos executivos da Administração Setorial, as Diretorias de Departamentos;
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Órgãos Suplementares;
Órgãos de Apoio Acadêmico-Administrativo.
Conforme o artigo do Regimento Geral “a Estrutura acadêmico-administrativa da UNEB
tem como base os Departamentos e é composta pela Reitoria e Órgãos que respondem pelas ati-
vidades indissociáveis de ensino, pesquisa e extensão […]”. Pode-se compreender que, apesar da
complexidade da sua estrutura, considerando os diferentes órgãos, o Departamento, diferente do
que acontece nas outras Universidades Estaduais da Bahia, é a base da organização acadêmica da
UNEB. Como órgão executivo da administração setorial, o Departamento, na estrutura administra-
tiva da UNEB, é Constituído por dois órgãos: o Conselho de Departamento com função deliberativa
e a Direção do Departamento, função executiva.
Ressalte-se que a base orgânica em departamentos das quatro instituições aqui apresentadas
decorre da promulgação da Lei Estadual n.º 7.176, de 10 de setembro de 1997, que reestruturou
as quatro universidades e estabeleceu em seu artigo 2º que:
As Universidades Estaduais da Bahia, integrantes do Sistema de Educação
Superior, cam constituídas pelos cursos atualmente em funcionamento, sem
prejuízo de outros que venham a ser criados, adotando a estrutura orgânica
com base em Departamentos, a serem estabelecidos em ato regulamentar.
Cabe ainda registrar que a Lei Estadual nº 13.466, de 22 de dezembro de 2015 revogou a
Lei Estadual n.º 7.176/97, quando dispõe no Artigo 4º, que a “organização e o funcionamento das
atividades acadêmicas e administrativas das Universidades serão estabelecidos por Estatuto Jurídico
Especial, para atender a suas peculiaridades.” Contudo, complementa no Artigo 13: “enquanto
não forem editados os Estatutos de que trata o artigo desta Lei, ca mantida a atual organiza-
ção administrativa e acadêmica das Universidades Estaduais da Bahia.” Até a data de elaboração
deste artigo, as alterações em estatuto das referidas instituições não sofreram alterações, portanto
permanece a mesma estrutura, apesar de revogada da Lei Estadual n.º 7.176/97.
Na UNEB, os Departamentos, diferentemente das outras três instituições estaduais baianas,
são os responsáveis pelo desempenho da área nalística da universidade, acadêmica e pedagógica,
bem como pela gestão dos recursos orçamentários e nanceiros, mediante a descentralização de
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crédito orçamentário à respectiva unidade gestora - unidade responsável por administrar dotações
orçamentárias e nanceiras próprias ou descentralizadas vinculada ao departamento -, a seguir
caracterizada.
O Departamento é, também, responsável pela elaboração do seu plano de execução anual,
onde se encontram relacionadas às ações e metas previstas para realização no exercício, bem
como o recurso disponível. Observa-se, desta maneira, que o Departamento, na UNEB, participa
do processo de planejamento, indicando o que vai fazer e de quanto precisa, e não apenas recebe
os recursos que a Reitoria repassa para que possa desenvolver suas ações.
Esta estrutura organizacional, na qual a administração superior (Conselhos Superiores e
Pró-Reitorias) e a administração setorial (departamentos) são responsáveis pela gestão acadêmica,
pedagógica, orçamentária e nanceira, é a opção da UNEB no sentido de assegurar que todos os
seus campi tenham recursos orçamentários e nanceiros para desenvolver as ações nalísticas.
Neste caso, destaca-se a gura da direção do departamento, órgão da administração setorial
que só poderá ser ocupado por um docente com assento nos dois dos dois conselhos superiores
CONSU e CONSEPE. Para melhor compreensão do seu papel, cita-se o artigo 62 do Regimento
Geral (RG) da IES, que, dene:
O Departamento é o órgão de Administração Setorial, pertencente à estrutura
universitária, que congrega docentes, técnico-administrativos e discentes,
sendo responsável pelo planejamento, execução, acompanhamento, controle
e avaliação das atividades didático-cientícas e administrativas, gozando de
autonomia nos limites de sua competência.
De acordo com o Art. 10 da Resolução CONSU n.º 888, de 06 de maio de 2012,
em consonância com a referida Lei Estadual n.º 8352/2002, a gestão de uma unidade
de ensino é de competência apenas do segmento docente. A sua nomeação à função
decorre de mandato eletivo pelo período de dois anos, podendo ser prorrogado por igual
período. Os requisitos para a candidatura ao cargo de Diretor de Departamento, além de
ser integrante da carreira do magistério superior da UNEB, de acordo com o artigo 10 da
referida resolução são:
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I - integrar o quadro permanente da UNEB, após o cumprimento do
estágio probatório;
II - ser lotado no respectivo Departamento;
III - estar em efetivo exercício do magistério, em sala de aula ou
exercendo atividades privativas do docente, como prevê a Lei Estadual
nº 8352/2002; IV - possuir formação mínima de pós-graduação lato
sensu;
V - não ultrapassar a idade limite para efeito de aposentadoria
compulsória antes da integralização do mandato;
VI - residir na cidade sede do Departamento ou em município localizado
em até 200 km de distância.
Sendo o foco da pesquisa a gura do professor gestor, o próprio RG explicita as
exigências do ocupante deste cargo na estrutura acadêmico-administrativa da UNEB.
Como se pode observar, os requisitos estão relacionados com aspectos funcionais, exceto
quando faz referência à formação mínima exigida (inciso IV do artigo 10) e prática para
exercício do cargo (inciso VI do artigo 10). No entanto, atendendo às exigências do
artigo 10, para além das exigências funcionais não faz referência à experiência em cargo
de gestão ou que o candidato tenha formação na área de gestão.
Neste caso, o docente, atendendo aos requisitos previstos no artigo 10 da Resolução
CONSU nº 888/2012, sendo eleito e empossado no cargo de Diretor, terá que fazer a
gestão de instâncias e setores que, de acordo com o artigo 66 do RG fazem parte da
estrutura do Departamento:
Artigo 66. O Departamento tem a seguinte estrutura:
I - Gabinete da Direção:
a) Secretaria da Direção;
b) Assessoria da Direção;
c) Protocolo.
II - Colegiado de Curso:
a) Secretaria de Colegiado.
III - Coordenação Administrativa:
a) Grupo de Trabalho de Recursos Humanos;
b) Grupo de Trabalho de Almoxarifado e Patrimônio;
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c) Grupo de Trabalho de Serviços Gerais.
IV - Coordenação Orçamentária, Financeira e Contábil;
V - Coordenação Acadêmica:
a) Secretaria Acadêmica.
VI - Coordenação de Biblioteca;
VII - Coordenação de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC);
VIII - Coordenação de Laboratórios;
IX - Núcleo de Pesquisa e Extensão (NUPES):
a) Secretaria.
Constata-se que, além dos aspectos didático-pedagógicos previstos no inciso V do artigo 66,
ou seja, aqueles relativos ao ensino de graduação, pós-graduação, nas modalidades presencial e À
distância; pesquisa e extensão, estão, de acordo com § 2º do artigo 10, os aspectos administrativos,
assim discriminados:
I - quanto aos recursos humanos: quanticação e qualicação do pessoal docente e técnico-
-administrativo;
II - quanto aos recursos nanceiros: acréscimos orçamentários para cobertura de projetos
e atividades;
III - quanto aos recursos materiais: dimensionamento físico do espaço, instalações, equipa-
mentos e materiais de consumo.
Em atenção ao mencionado anteriormente, no âmbito da UNEB, o professor gestor, neste
caso o diretor, congrega todas as funções previstas no Estatuto e Regimento Geral e Regimento
Interno, desde a gestão acadêmica, política, de pessoal, execução administrativa, orçamentária e
nanceira. Cada Departamento possui uma Unidade Gestora (UG) conceituada, conforme Instru-
ção Normativa da Superintendência de Administração Financeira, SAF 20, de 9 de agosto de
2017, como unidade administrativa investida do poder de gerir e executar recursos orçamentários
e nanceiros, próprios ou descentralizados, podendo também efetuar atividades de execução con-
tábil e patrimonial da despesa pública. Nesse contexto, o diretor gestor gura como Ordenador da
Despesa, denido pelo Decreto-Lei 200, de 1967 como “toda e qualquer autoridade de cujos
atos resultarem emissão de empenho, autorização de pagamento, suprimento ou dispêndio”.
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O docente, ao ingressar no papel de gestor de Departamento, recebe a delegação de compe-
tência, conferida pelo Reitor e exercida na forma da lei, do Estatuto e Regimento Geral. O diretor
de Departamento exerce duas funções no nível executivo, como Diretor do Departamento e, no
nível deliberativo, como presidente do Conselho de Departamento. Observa-se, no entanto, que as
formas de ingresso do docente no quadro de servidores da instituição busca assegurar a mensuração
das suas competências e habilidades relacionadas, prioritariamente, para o exercício enquanto do-
cente, no cumprimento de atividades nalísticas (ensino, pesquisa e extensão). Ratica-se, assim,
que esses processos não estabelecem como critérios de avaliação para o ingresso saberes ligados
ao domínio de atividades administrativas, com as quais o docente pode se deparar quando assume
o papel de gestor universitário.
Com esta estrutura complexa para atender a sua multicampia não é de estranhar que se apre-
sentem para o professor gestor das diferentes unidades desaos que comportam pensar habilidades
e competências para além daquelas exigidas para o gestor de uma IES com uma estrutura mais
concentrada, aspecto tratado no ponto a seguir.
Gestão na multicampia da UNEB e suas particularidades (complexidades)
A análise proposta nesta seção requer que reconheçamos a multicampia como uma particu-
laridade que implica em complexidade da gestão. Estando organizada no modelo de multicampi e
multirregional, a UNEB é administrada de forma descentralizada. Uma das formas de expressão
da descentralização é a sua presença em 19 dos 27 Territórios de Identidade nos quais está dividido
o Estado da Bahia, para efeito de planejamento, o que reforça a necessidade de se pensar a sua
gestão considerando particularidades desta abrangência social.
Renald Legendre (1993, p.1397), no seu dicionário de educação, dene Universidade mul-
ticampi como “compreendendo várias constituintes situadas em localidades diferentes” e toma
como exemplos a Universidade do Quebec (UQ) e a Universidade de New York (SUNY). Assim,
no âmbito da gestão universitária, o termo aparece não só para distinguir a sua espacialidade
(multicampi), ou abrangência de ação, mas, também, para caracterizar a universidade moderna, a
multiversidade, como denominou Clark Kerr (1982). A conguração multicampi é reforçada por
essa multiversidade de ações, tendo em vista que a localização em espaços distintos oportuniza a
interação com várias comunidades externas e, assim, atende a um número maior de pessoas.
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A universidade multicampi é entendida como a matriz de um tipo de instituição universitária
composta por muitos campi, propiciando a desconcentração administrativa e dispersão físico-
-geográca, com reexo nas dimensões acadêmicas, organizacionais e espaciais, sendo vários
campi localizados em um só município ou em diferentes municípios. (FIALHO, 2005).
Salienta-se aqui a fala do idealizador da UNEB, professor Edivaldo Boaventura, explicitando
que a “localização dessas faculdades em centros urbanos do interior se apresentava sumamente
signicativa para que se criasse uma universidade com pluralidade de campi.” (BOAVENTURA,
2009, p. 31).
Acresce a isso que tinha bem presente em mente a maneira como se
comportava a educação superior estadual em face do espaço, das exigências
de formação de quadros, especialmente, para o ensino. Além de tudo, o que
mais me motivava era voltar o ensino superior para o interior no atendimento
à demanda de educação universitária nos principais centros urbanos da Bahia.
[...] (BOAVENTURA, 2009, p. 32).
A referida dispersão, dentre outros aspectos, diz respeito às relações entre regiões geográcas
e centros urbanos, aos diversos cenários históricos, culturais, educacionais, sociais, econômicos,
demográcos, em decorrência das diferentes regiões onde os campi estão instalados, exigindo da
instituição uma articulação entre os fatores externos e o que é construído no seu ambiente interno.
Este cenário se constitui no ambiente de atuação do professor gestor, o diretor de departamento
da UNEB.
Outro aspecto que se relaciona com o modelo multicampia a ser considerado é trazido
por Zabalza (2007, p. 77), quando expressa que “as cidades disputam o privilégio de ter uma
universidade, e os diferentes grupos sociais veem nela um sinal de prestígio (porém não qualquer
universidade e qualquer tipo de curso, mas os que têm a melhor ‘marca social’)”. Como armado
por Fialho (2005, p 116.), a universidade:
[...] na sua essência, é responsável para pensar outros fenômenos, a exemplo
o processo da re(produção) social que lhe originou e interfere na sua atuação
como a todos os demais fenômenos à sua volta, potencializados pela sua
abrangente competência para, em resumo, lidar com fatos do conhecimento,
da história e da ciência.
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Não restam dúvidas dos desaos que se apresentam para a gestão de uma IES de modelo
multicampi, a partir das suas particularidades e complexidades que se apresentam para a gestão
como desaos. Tendo como foco para a gestão universitária, a gura da direção do departamento,
cargo que somente poderá ser exercido por docentes, implica em responsabilidade do professor
gestor assumida como agente público e cidadão ao comprometer-se com o alcance dos objetivos da
instituição no cumprimento da sua missão junto à sociedade.
Em relação à competência e atribuição de professores gestores com enfoque regimental, Green
(2000) ressalta duas dimensões de competências, as individuais e as organizacionais. Conforme o
autor, estas representam o conjunto de conhecimentos técnicos e habilidades do gestor que possuem
mecanismos diretamente relacionados aos objetivos da organização. No caso do professor gestor,
nos limites da Universidade do Estado da Bahia, constituída por unidades universitárias distribuídas
em diversos municípios da região favorecendo a interiorização do ensino superior, os conhecimentos
são de natureza acadêmica, administrativa, orçamentária e nanceira.
O modelo de gestão adotado pela UNEB sinaliza complexidades que requer adaptações para o
próprio funcionamento da instituição visto que o trato de questões administrativas está implicado na
observação de distintas realidades, considerando a presença em diferentes Territórios de Identidade.
Considerações
O título do artigo já remete a aspectos relevantes da gestão, habilidades e competências sem,
no entanto, pretender se estender para outros temas da administração como motivação e criatividade.
Considerando que no contexto atual as IES devem estar comprometidas não apenas com a formação
de prossionais e a produção de conhecimento mas, também, com o ambiente externo, o que inclui
as avaliações externas para recredenciamento; cada vez mais faz-se necessário pensar a gestão
universitária na perspectiva desse cenário. Cenário esse em que, além de pensar conhecimento e a
sua produção, apropriação e socialização, outros elementos se impõem, a exemplo de tecnologia e
inovação.
Considerando ainda que ao se falar de gestão tem-se que buscar os aportes teóricos e principio
lógicos da administração, quando este texto deniu por pensar a gestão universitária, reconheceu as
peculiaridades na estruturação para desenvolvimento das atividades da organização universitária.
Levou-se em conta, ainda, as implicações prossionais das suas autoras e tomou como objeto as
universidades estaduais da Bahia, com ênfase na Universidade do Estado da Bahia evidenciando a
sua multicampia.
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Tendo essas considerações acima como norteadoras, cabe ainda ressaltar que a UNEB, uma
vez adequada às transformações atuais e em um diálogo com as necessidades locais e regionais,
ao ter sua organização estruturada em departamentos, responsáveis pelas ações pedagógicas, aca-
dêmicas, administrativas, orçamentárias e nanceiras, tem nesta forma uma maneira de repercutir
positivamente sobre a realidade local operando transformações signicativas numa determinada
comunidade e seu entorno, e modicando deste modo a paisagem educacional, econômica e social
do lugar/território.
A universidade integrante da administração pública deverá obedecer aos fundamentos da
administração pública conforme previsto na Constituição Federal competindo-lhe observar os
princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eciência. De igual modo, a
UNEB deve alcançar seus objetivos, previstos nos documentos institucionais tais como PDI, PPA
e seus programas internos de gestão, observando o que dispõem as legislações Federal e Estadual
que regulam a educação superior, orçamento público e os aspectos administrativos.
Assim, do professor gestor, neste estudo o diretor de departamento, é esperado conhecer e
reetir acerca das demandas contemporâneas para a educação e as características da sociedade do
conhecimento. Também é previsto o domínio das diretrizes legais e dos parâmetros relevantes do
âmbito do direito educacional e das políticas e diretrizes para a organização e o funcionamento da
universidade, mais especicamente de uma unidade universitária, o departamento. Este se constitui
no perl especíco de professor gestor para atender ao modelo multicampi da UNEB.
Acredita-se que, ao analisar aspectos relacionados com habilidades e competências para a
gestão universitária, alguns temas se esboçam e evidenciam importância, apesar de não ter sido o
foco do estudo. Referem-se a dilemas comuns das universidades como organizações, a gestão e o
conhecimento, pois aí se impõem dois sentidos: um voltado para o ensino, a pesquisa e a extensão
e o outro se refere à gestão das funções das universidades.
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SAF N° 20, de 9 de agosto de 2017, que estabelece procedimentos para as inclusões, alterações
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Enviado em: 30 de março de 2020.
Inserido em: 20 de abril de 2020.
Esta obra está licenciada com uma Licença Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional.
Sessão Especial COVID-19
Ricardo Ducatti Colpas, Eliane Medeiros Borges e Galdino Rodrigues de Souza
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EM DEFESA DAS TECNOLOGIAS DE
INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO
NA EDUCAÇÃO BÁSICA: diálogos em
tempos de pandemia
GALDINO RODRIGUES DE SOUSA
Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Mestre em Educação pela Universidade
Federal de Juiz de Fora (UFJF); Doutorando em Educação Física pela Universidade
Federal do Espírito Santo (UFES); Professor da Faculdade de Educação da
UFJF; Pesquisador vinculado aos grupos EDUCCO; LaboMídia e GEFLIC.
ORCID: 0000-0002-1097-738X. E-mail: galdinorodrigues@yahoo.com.br
ELIANE MEDEIROS BORGES
Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Doutora em Educação pela Universidade
Estadual de Campinas (Unicamp); professora do programa de Pós-graduação em Educação
(UFJF); Coordenadora do Programa de Pós-graduação em Gestão e Avaliação da Educação
Pública e da UAB (UFJF); Líder do grupo EDUCCO. ORCID: 0000-0003-0703-3991.
E-mail: mborges.eliane@gmail.com
RICARDO DUCATTI COLPAS
Universidade Federal de São João Del-Rei (UFSJ). Doutor em Desenvolvimento
Humano e Tecnologias pela Universidade Estadual Paulista (UNESP); Professor do
Departamento de Ciências da Educação Física e Saúde UFSJ; Líder do grupo de Pesquisa
Interdisciplinar e Práticas Pedagógicas em Educação Física. ORCID: 0000-0001-7116-4481.
E-mail: ricardo@ufsj.edu.br
Em defesa das tecnologias de informação e comunicação na educação básica: diálogos em tempos de pandemia
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EM DEFESA DAS TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO NA EDUCAÇÃO
BÁSICA: diálogos em tempos de pandemia
Este artigo objetiva problematizar algumas medidas emergenciais adotadas na educação básica durante a
crise global do COVID-19. Dizem respeito ao uso das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC),
excepcionalmente, como ferramentas que possibilitam o ensino a distância e visam minimizar os impactos
imediatos do fechamento das escolas. Compreende a integração das TIC, como televisão, mídia impressa
e mídia digital, oportuna e pertinente para o momento incerto, visando garantir acesso à educação ao
maior número de estudantes. Essas medidas favorecem, principalmente, aqueles alunos que não possuem
internet em suas residências. Em continuidade, apresenta a metodologia dos Episódios de Aprendizagem
Situados como possível contribuição relevante aos esforços de desenvolvimento de uma “revolução digital
inclusiva” pós-pandemia nas escolas. Essa metodologia aparece como potencialmente capaz de propiciar
processos educativos relacionais entre ambientes formais e informais, com foco na interação, no diálogo e
na pesquisa, por meio da utilização crítica das TIC no ensino e aprendizagem.
Palavras-chave: Educação. TIC. Pandemia.
IN DEFENSE OF INFORMATION AND COMMUNICATION TECHNOLOGIES IN BASIC
EDUCATION: dialogues in times of pandemics
This article aims to discuss and problematize some emergency measures adopted in basic education during
the global crisis of COVID-19. They relate to the use of Information and Communication Technologies
(ICT), exceptionally, as tools that enable distance learning and aim to minimize the immediate impacts
of school closures. It includes the integration of ICT, such as television, print and digital media, which
are timely and relevant to the uncertain moment, aiming to guarantee access to education for the largest
number of students. These measures favor, mainly, those students who do not have access to the internet
in their homes. In continuity, it presents the methodology of Situated Learning Episodes as a possible
relevant contribution to the efforts to develop a post-pandemic “inclusive digital revolution” in schools.
This methodology appears as potentially capable of providing relational educational processes between
formal and informal environments, with a focus on interaction, dialogue and research, through the critical
use of ICT in teaching and learning.
Keywords: Education. ICT. Pandemic.
Ricardo Ducatti Colpas, Eliane Medeiros Borges e Galdino Rodrigues de Souza
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EN DEFENSA DE LAS TECNOLOGÍAS DE LA INFORMACIÓN Y LA COMUNICACIÓN EN
LA EDUCACIÓN BÁSICA: diálogos en tiempos de pandemia
Este artículo tiene como objetivo problematizar algunas medidas de emergencia adoptadas en la educación
básica durante la crisis global de COVID-19. Se relacionan con el uso de las Tecnologías de la Información
y la Comunicación (TIC), excepcionalmente, como herramientas que permitan el aprendizaje a distancia
y apuntan a minimizar los impactos inmediatos del cierre de escuelas. Incluye la integración de las TIC,
como la televisión, los medios impresos y digitales, que considera oportuno y relevante para el momento
incierto, con el objetivo de garantizar el acceso a la educación para un mayor mero de estudiantes.
Estas medidas favorecen, principalmente, a aquellos estudiantes que no tienen acceso a internet en sus
hogares. En continuidad, presenta la metodología de los episodios de aprendizaje situado como una
posible contribución relevante a los esfuerzos para desarrollar una “revolución digital inclusiva” post-
pandémica en las escuelas. Esta metodología parece potencialmente capaz de proporcionar procesos
educativos relacionales entre entornos formales e informales, con un enfoque en la interacción, el diálogo
y la investigación, a través del uso crítico de las TIC en la enseñanza y el aprendizaje.
Palabras clave: Educación. TIC. Pandemia.
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EM DEFESA DAS TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO
E COMUNICAÇÃO NA EDUCAÇÃO BÁSICA:
diálogos em tempos de pandemia
Introdução
Com base na mídia-educação, Miranda e Fantin (2018) nos ensinam que os usos das tecno-
logias de informação e comunicação (TIC) nas e pelas escolas devem ser entendidos como pos-
sibilidades de expressão, compreensão do mundo e, igualmente, oportunidade de interação. Para
além da modernização do ensino ou atualização das aulas, essa relação necessariamente envolve
outro tipo de atuação de professores e alunos, em síntese, um entendimento do processo ensino-
-aprendizagem para além da simples transmissão de conteúdo.
Pensamos, nesse processo, a importância do diálogo prévio, apresentando a proposta e suas
potencialidades, inclusive à família, bem como sua importância. Pensamos, também, a impor-
tância de valorização do presencial na educação básica, por mais que as TIC e as competências
tecnológicas sejam importantes no atravessamento desse cenário. Não se trata das TIC superarem
o professor ou o ensino presencial, mas delas potencializarem o papel do professor e o ensino
presencial, bem como o inverso!
O ano de 2020 nos apresentou desaos educativos e sociais que, no nosso entendimento,
devem ser amplamente considerados no que diz respeito aos estudos das TIC e das competências
midiáticas nas escolas. Esses desaos emergem do alastramento do COVID 19 (coronavírus),
que provocou morte, medo e mudanças de hábitos no mundo. No Brasil e na maioria dos países a
quarentena foi adotada como principal medida de combate a esse novo vírus, descoberto no último
dia do ano de 2019 supostamente na China.
1
No nosso país, decretos de calamidade pública foram emitidos ainda no início do ano de
2020 especicando o que permaneceria aberto e o que seria suspenso durante a necessidade de iso-
lamento social. Inicialmente, puderam funcionar apenas estabelecimentos considerados essenciais,
como farmácias e mercados. Posteriormente, houve certa exibilidade, permitindo a reabertura
1 Segundo a Organização Mundial da Saúde a origem do vírus ainda não está denida.
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parcial de atividades comerciais. Para isso foram estipuladas algumas normas de segurança, como
a proibição de aglomerações.
Foram criados canais de denúncia de aglomerações em diversas localidades. Na Paraíba,
além dos números 190 e 193, a população fez uso do aplicativo “SOS cidadão”, que enviava
diretamente às denúncias as forças de segurança locais (APLICATIVO SOS CIDADÃO, 2020).
No município de Viana, no Espírito Santo, e na cidade do Rio de Janeiro as prefeituras criaram
canais de atendimento chamados “disk-aglomeração” via WhatsApp (CORONAVÍRUS, 2020;
PREFEITURA, 2020).
De todos os cenários, o da educação repercute como um dos mais preocupantes e de
difícil solução, uma vez que, majoritariamente, se constrói por aglomerações. Escolas e
universidades foram as primeiras instituições a cancelar suas atividades. A estimativa da
UNESCO (HOW, 2020) para a Educação, datada do nal de abril de 2020, era a de que
o fechamento de instituições de ensino já atingia um total de 1,5 bilhão de estudantes em
191 países.
Frente a esse cenário inesperado, esforços tecnológicos foram adotados no sentido de
transição do aprendizado presencial para o aprendizado on-line de maneira emergencial.
Essas medidas geraram inúmeras repercussões. Uma delas diz respeito às disparidades
econômicas que, por vezes, negam o acesso às novas TIC a uma parcela das camadas
mais pobres. Outra, quanto à diculdade operacional dos professores com as tecnologias.
O objetivo deste artigo é o de problematizar algumas medidas adotadas no sentido
de tentar minimizar os impactos referentes a essa crise global de ensino e aprendizagem
na educação básica via TIC. Alguns governos integraram mídias tradicionais (impressa
e televisão) às mídias digitais (acesso a internet
via celulares e computadores) no sentido
de facilitar e democratizar a continuidade da Educação, principalmente a das comunidades mais
vulneráveis e desfavorecidas.
Feito isso, nos somamos a outra preocupação da UNESCO (STARTING, 2020) neste dramá-
tico momento. A organização tem se preocupado em desenvolver respostas universais e equitativas
no que diz respeito a uma “revolução digital inclusiva”. Tentando humildemente contribuir, temos
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também como objetivo apresentar uma metodologia desenvolvida pelo professor Pier Cesare Ri-
voltella (2013) que pode se somar aos esforços de desenvolvimento de competências midiáticas
autônomas pós-pandemia.
TIC, educação e pandemia
Diante do caótico cenário pandêmico, é fundamental nos posicionarmos desde a favor do
ensino presencial na educação básica. Isso evita margens para o oportunismo de algumas propostas
empresariais, no caso brasileiro, via grupos educacionais que tem suas ações negociadas na bolsa,
como a “Kroton Educacional” (LEHER, 2020). Só a educação presencial pode, de fato, dar conta
de algumas necessidades educativas especícas, como, por exemplo, o atendimento especial para
os decientes, a garantia da merenda tão importante a inúmeras crianças, a proximidade, a interação
direta, o toque e as práticas corporais com os colegas nas aulas de Educação Física.
Embora tenham existidos diversos esforços visando garantir acesso à educação via TIC
durante a pandemia, agora está mais claro do que antes que o ensino e a aprendizagem não podem
se limitar ao “à distância”, tampouco aos meios on-line. Esse é também o entendimento da dire-
tora geral da UNESCO (STARTING, 2020) Stefania Gianini. Caso limitasse, além do acesso, a
própria diculdade no manuseio das mídias, tanto dos professores quanto de alguns alunos, seria
fator de exclusão.
Todavia, de maneira excepcional, diante da necessidade de isolamento social e da incer-
teza da duração da pandemia, tivemos nas TIC a oportunidade de mitigar o impacto imediato do
fechamento das escolas. Inspirados em Sousa Santos (2020) questionamos: quais os potenciais
medidas poderiam ser tomadas pela educação diante a pandemia do coronavirus na ausência das
TIC? Respondemos: o total abandono dos nossos alunos.
Para a maioria dos governos, pensar alternativas de possibilidades educativas diante da
pandemia foi, na medida do possível, uma das prioridades (COVID-19, 2020). Argentina, Croácia,
China, Chipre, Egito, França, Grécia, Itália, Japão, México, Portugal, República da Coréia, Ará-
bia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Estados unidos compõem essa lista segundo a UNESCO
(HOW, 2020).
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A maioria dos países adotou ou ampliou as combinações tecnológicas nesse processo, por
meio principalmente de plataformas on-line, para garantir aprendizagem contínua.
Em quase todos os países, professores e administradores de escolas são
incentivados a usar aplicativos para apoiar a comunicação com alunos e pais,
bem como ministrar aulas ao vivo ou gravar aulas em estilo massivo aberto
on-line (MOOC). O conteúdo do aprendizado também é fornecido pela TV e
outras mídias (HOW, 2020, p. 01)
Assim como Nóvoa (2020) concordamos que a presença da escola se faz mais importante
nos momentos de crise. Nesse momento de isolamento social é fundamental que os professores,
pedagogos, coordenadores e diretores não abandonem seus alunos às suas respectivas sortes.
Caso contrário, podemos fazer uma analogia entre os lhos que crescem sem pai e os alunos que
nos momentos mais difíceis se veem sem o amparo dos educadores. O resultado é que no futuro
ambos, alunos e lhos sem pai, não conarão naqueles que, diante da diculdade, os deixaram.
Todavia, 43% do número total de alunos (cerca de 706 milhões) mantidos fora da sala de aula
pela pandemia do COVID-19 no mundo não têm acesso à internet em casa. Nos países mais pobres
as disparidades aumentam ainda mais, na África Subsaariana, 82% dos alunos não possuem acesso
á internet (STARTING, 2020). Isso torna o ensino a distância digital uma ferramenta que pode
contribuir com o processo de ensino e aprendizagem, contudo, não de maneira a gerar equidade.
Se, para grande parte das escolas privadas, não houve hesitação quanto à alternativa do
trabalho virtual, no que diz respeito às escolas públicas brasileiras, paira, neste momento, uma
grande discussão entre adotar ou não o uso das TIC em atividades remotas no processo educativo
durante o isolamento. Aqueles que são contra alegam, além da falta de preparo de professores e a
eventual exploração de seu trabalho pelo aumento de carga horária, que uma parcela dos alunos,
devido à pobreza, não possui acesso às tecnologias, principalmente àquelas que exigem acesso à
internet. Esses alunos estariam excluídos da possibilidade de acompanhar as atividades a distância
e, inclusive, de serem avaliados sobre as atividades. Há ainda a preocupação dos críticos apoiam a
essa possibilidade, de uma educação conteudista, como eles entendem que costuma ser a educação
a distância.
Por outro lado, os que a utilização das tecnologias, entendem ser essa uma solução plausível,
provisória e única diante o atual cenário de incertezas quanto ao momento de retorno à escola. Que,
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além disso, são os alunos mais pobres, mais frágeis, mais vulneráveis que precisam dos professores
e da escola neste momento, principalmente como suporte e apoio emocional. Os outros alunos
terão em casa um conjunto de possibilidades de manterem, durante a pandemia, o seu percurso de
aprendizagem e de suprirem suas necessidades de afeto, sentimentos e emoções.
Como diz o ditado popular, “nem muito ao céu e nem muito ao inferno”. Por mais que saiba-
mos a precariedade da realidade de muitas famílias brasileiras, a diculdade que assola a população
pertencente às periferias, por exemplo, entendemos que a escola pública não pode se ausentar do
processo educativo neste momento, independentemente dos argumentos. Que que claro que não
se trata de um processo de exclusão, mas, ao contrário, se trata de uma tentativa de inclusão. Para
os nossos alunos o simbolismo do afeto, no ato da escola garantir o processo educativo na atual
conjuntura, pode ter mais importância do que o processo educativo em si.
A perspectiva interacional nos faz considerar esse processo da escola e dos professores
presentes na vida dos alunos na atual conjuntura, via tecnologias, como possibilidade de atenção
pautada na mobilização da empatia (BERTHOZ, 2009; GOLEMAN; SENGE, 2014; RIVOLTELLA,
2012). Contribui para desconstruir possíveis individualidades que o próprio isolamento social possa
ajudar a desenvolver. Inclusive para potencializar esse processo, os professores podem indagar
os alunos quanto à importância das ações colaborativas que vêm sendo adotadas no combate à
disseminação do vírus.
A mobilização da empatia apresenta a possibilidade da mudança de pontos de vistas ou da
rearmação de alguns deles, inclusive no que diz respeito à compreensão do aluno quanto ao pró-
prio professor e à escola nos momentos de diculdade. A escola, ao se fazer presente na casa dos
alunos, ou ao menos ao demonstrar a intenção de se fazer presente em um período tão conturbado
apresenta, pragmaticamente, a desconstrução de referenciais egocêntricos por meio da percepção
empática. O que não ocorre, ou ocorre de forma inversa, caso a escola opte por nada fazer.
A interação pedagógica viabilizada por meio de tecnologias tem o potencial de promover,
particularmente pela comunicação de imagens, rememoração de experiências de pertencimento,
afetividade e companhia. É o que nos propõe a neurociência, quando explica que imagens podem
gerar boas lembranças que, consequentemente, guiam movimentos integradores e conectores, in-
cidindo positivamente na qualidade de vida dos alunos que estão connados (DAMÁSIO, 2018).
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As estruturas cerebrais gerenciam a conversão das imagens recebidas em símbolos, linguagens e
afetos. Nas telas exibidas em casa, no contexto da relação educação-tecnologia, as crianças podem
ver os professores, podem ver os colegas e até mesmo se ver em momentos vividos na escola.
Graças à mente humana, elas têm a oportunidade de traduzir essas imagens em códigos verbais,
gerando diversos tipos de respostas positivas.
Nesse período de isolamento social, uma das formas de enriquecimento da mente humana
pode se dar baseada nesse movimento de imagens recuperadas na memória via TIC. Nessa interação
os alunos têm a possibilidade de (re)criar internamente imagens do universo que os circunda. Em
outras palavras, essa tensão proporcionada ou potencializada pelo uso das TIC, pode desencadear
imagens a ponto de que sejam criadas narrativas de situações, fatos e conteúdos internos e externos
ao ambiente que naquele momento limita sicamente os alunos.
Retomando, mas como manter o senso de equidade no acesso à aprendizagem via TIC em
um momento tão excepcional como o vivido? A resposta está no uso das mais diversas TIC como
ferramentas. Incluindo o uso de transmissões de rádio, transmissões de TV, impressão e envio de
mídias impressas via Correios e também os meios on-line por intermédio de computadores, tablets
e especialmente celulares. Segundo a pesquisa “TIC domicílios” (2020), o meio principal de acesso
à internet no Brasil, por exemplo, é o celular (97%),
Dentre algumas medidas tomadas ao longo do mundo na relação entre TIC, equidade e edu-
cação, podemos citar a China, que forneceu computadores, pacotes de dados móveis e subsídios
de telecomunicações para estudantes de famílias de baixa renda. A França, por sua vez, emprestou
dispositivos e forneceu tarefas impressas para 5% dos alunos que não possuem acesso a internet
ou acesso a computadores no país. Portugal sugeriu uma parceria com a empresa dos correios para
entregar materiais impressos educativos em casa (HOW, 2020).
No sentido de garantir o processo educativo e acolher os alunos, na linha do que pensa An-
tónio Nóvoa (2020), o governo do Espírito Santo e o de São Paulo parecem dar um salto à frente
dos outros Estados brasileiros ao incluir, juntamente com a proposta de aplicativos de celulares,
também a televisão como espaço de aprendizagem. Essa relação é fundamental se considerarmos
que 96,5% dos domicílios brasileiros possui TV, segundo a última pesquisa do IBGE de amostra
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de domicílios, realizada em 2017. Retomamos o modelo muito divulgado no Brasil com o nome de
Telecurso 2000 e, segundo Nóvoa (2020), chamado de Telescola em Portugal, nos anos de 1960.
Com o nome de “Escolar”, as aulas no Espírito Santo, a partir do dia 15 de Abril de 2020,
passaram a se dar pela televisão aberta (canais 8.2, 8,3 e 8.4), com conteúdo para todos os anos,
e por um aplicativo do celular no qual o estudante interage com o professor por meio de salas de
aulas virtuais, sem a necessidade de acesso à internet depois de baixado. A ideia foi desenvolvida,
inicialmente, sem considerar os dias letivos. Segundo o secretário de Educação do Espírito Santo,
Professor Heliosandro Mattos, “são apenas medidas para manter o vínculo entre o aluno e o pro-
fessor, e diminuir a evasão escolar.” (COMETTI, 2020)
Em São Paulo o governo foi além. Junto à utilização do uso da plataforma on-line e da TV
para garantir as atividades pedagógicas, foram distribuídos kits de material escolar para 3,5 milhões
de crianças da rede estadual de ensino (GOVERNO, 2020). Todavia, o kit não contempla todas
as disciplinas previstas para os alunos, apenas matemática e português. Nele também constam
gibis da turma da Mônica, livro literário adaptado à idade e fascículo de orientação. Além disso,
o material também contempla informações aos pais dos alunos.
Compreendemos as medidas propostas pelo Governo do Espírito Santo e de São Paulo como
oportunas e pertinentes em um momento excepcional. Todavia, logo que passe a pandemia temos
que ter a capacidade de regressarmos ao que Nóvoa (2020) denomina de certa normalidade, mas
com consciência de que a crise nos demonstrou, claramente, a importância do diálogo das escolas
com as tecnologias, via práticas pedagógicas. Cabe ressaltarmos que não é coerente que pensemos
em abrir mão do encontro, do face a face, do contato direto, do trabalho cooperativo entre alunos e
alunos, professores e alunos, por mais que nessa relação às tecnologias devam fazer-se presentes.
A “metamorfose educativa”, a inclusão das tecnologias no processo educativo, deve ser pen-
sada após a retomada de certa normalidade, com o cuidado de não fazermos a defesa de qualquer
projeto homescholling. Sabemos que existem diversos interesses empresariais e políticos nessa
proposta pensada, inclusive, por velhos conhecidos como o Banco Mundial. O movimento “Todos
pela Educação” é um exemplo disso (EVANGELISTA; LEHER, 2018; RIBEIRO, 2019; COSTA
E SILVA, 2019; BATISTA; MENDES, 2020).
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Nesse jogo de disputa empresarial e política pela Educação, devemos ter o máximo de
atenção e criticidade. Os movimentos articulados pelos grandes empresários utilizam de ideias que
muito se assemelham aos argumentos apresentados por Miranda e Fantin (2018), Nóvoa (2020)
e por nós, ao longo deste texto. Essa estratégia discursiva se traveste de progressismo educativo-
-tecnológico para inserir as mais variadas empresas, dentre elas as de telecomunicação, na política
educativa. Aparentam preocupação com os “excluídos digitais”, mas, na verdade, querem fazer
valer seus interesses empresariais, que se referem, fundamentalmente, menos ao direito à educação
que às possibilidades de lucro.
Entretanto, a utilização desses argumentos tecnológicos pelo empresariado em prol da im-
plementação do que denomina de “educação remota” não deve nos fazer negar a importância da
relação tecnologias e educação. Sabemos que diversos pesquisadores nacionais e internacionais
sérios, que não apresentam qualquer tipo de viés empresarial, defendem essa proposta há certo
tempo (BARBERO, 1998; 2014 BAZALGETTE, 1989; 2000; BELLONI, 1984; 1991; 1992; 2001;
2008; BUCKINGHAM; 2005; 2006; FANTIN, 2006; 2008; 2009; 2010 GONNET, 2001; 2004;
MASTERMAN, 1985; 1994; 1997; RIVOLTELLA, 2001; 2005; 2006; 2007; SILVERSTONE,
1999). Seria, no mínimo, inconsistente a negação de tantos anos de pesquisa em nível mundial sob
o argumento de que todas apresentam interesses econômicos.
Em seu estudo, Fantin (2006) pondera que as TIC são apresentadas como possibilidades de
renovação de nossas práticas pedagógicas e da própria escola em relação às exigências do con-
temporâneo. Elas não se colocam em disputa com os professores. Pelo contrário, são elas meios
para que os professores consigam efetivar suas aulas de modo mais proximal e atrativo aos alunos
e, ao mesmo tempo, para que eles possam educar para o uso crítico das tecnologias.
Por mais que sejam tecidas críticas que situam esse diálogo como secundário, as tecnolo-
gias na escola, aliada a professores formados para sua utilização (SILVEIRA, BRUGGEMANN,
BIANCHI, 2019), garantem a inclusão de diversos jovens vulneráveis em um processo que já faz
parte do cotidiano daqueles que pertencem a classe média e classe média alta, por exemplo. Para
os jovens que já convivem com essas tecnologias, essa inclusão pode contribuir com um olhar
mais crítico diante delas (FANTIN, 2006).
Pensando em como o contemporâneo tem se organizado e que a escola não pode se ausen-
tar dessa organização, sob o risco de perder relevância, vemos como oportunidade de busca pela
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equalização social, de tentativa de um menor distanciamento, e também de problematização crítica
das tecnologias na educação, a metodologia dos episódios de Aprendizagem Situados, de autoria
do professor italiano Pier Cesare Rivoltella (2013).
A metamorfose educativa pós-coronavírus: uma leitura com as tecnologias e a metodologia
dos Episódios de Aprendizagem Situados
A metodologia dos Episódios de Aprendizagem Situados (EAS) pode contribuir no processo
necessário de renovação educativa, tecnológica e crítica. Em outras palavras, na mobilização da
relação entre contextos, conhecimentos formais e informais em prol de compartilhamento e de-
senvolvimento de habilidades e atitudes socioculturalmente constituídas na relação entre educação
e tecnologias via didática.
Tanto os saberes que o indivíduo aprende por si, de maneira autônoma ou informal, quanto
os saberes que aprende por intermédio da transmissão de outras pessoas, como professores, de
maneira formal, possuem relevância educativa, desde que forjados em situações de criticidade em
determinado contexto. A partir de uma proposta didática, a EAS pode contribuir na aproximação
da cultura escolar com as experiências que ocorrem com as tecnologias ou em rede (on e off-line),
ampliando os contextos de aprendizagem. Isso seria relevante para suprir certos descompassos entre
as demandas emergentes nos usos tecnológicos e os desaos da contemporaneidade postos à escola.
Hobbs (2017) assinala que as tecnologias são parte do ambiente cultural contemporâneo.
Estão presentes nas práticas culturais e sociais dos nossos alunos. Os ajudam a solucionar problemas
(tutoriais do YouTube), a se informarem (telejornais, postagens nas mais variadas redes sociais),
a se divertirem (lmes, desenhos, novelas, séries e jogos disponíveis online e na própria televi-
são), dentre outros processos da vida cotidiana como namoro e amizade. Nesse sentido, Miranda
e Fantin (2018) armam que as tecnologias possuem características importantes para o ensino e
aprendizagem no contemporâneo. Isso reforça a necessidade do cenário formal escolar contribuir
no desenvolvimento de competências das crianças e jovens para esse processo.
Segundo a pesquisa “TIC Domicílios” de 2019, 70% da população brasileira está conectada.
Na mesma linha, o “Relatório Digital in 2019” arma que a penetração da internet atingiu 70%,
acima da média global de 57%. 85% dos usuários de internet do Brasil navegam na web todos os
dias. O Brasil ca atrás apenas das Filipinas em termos de horas gastas na internet, passando um
total de 9h 29m por dia, bem acima da média global de 6h e 42 min.
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Quase metade da população rural (49%) e das classes D e E (48%) tinha acesso a internet
em 2019. Nas regiões urbanas, a conexão chegava a 74%. O meio principal de acesso a internet é o
celular (97%), seguido do computador (43%) que vem a cada ano perdendo adeptos. Ele era meio
de acesso a internet de 80% dos usuários em 2014. Na zona rural o uso do celular se acentua, 77%
dos brasileiros se conectam exclusivamente por ele, enquanto apenas 20% utilizam o computador.
Entre as famílias que ganham até 1 salário mínimo o uso exclusivo do celular chega a 78%
dos usuários, enquanto o computador a 19%. Entre as famílias com renda familiar entre 1 e 2 sa-
lários mínimos, a presença do computador sobe para 31% dos usuários e o uso do celular cai para
63%. Para os mais ricos, com renda acima de 10 salários mínimos, o uso exclusivo do celular é
feito pro apenas 17% dos usuários, enquanto 80% utilizam computador e celular para se conectar.
Dentre a população usuária de internet 89% utiliza quase todo dia. Nas classes D e E 78%.
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A pesquisa indica que o Brasil apresenta um crescimento importante nos indicadores de
utilização da internet, inclusive com as classes mais pobres. Nos países desenvolvidos da América
do Norte e Europa 80% da população, em média, utiliza a internet. Países em desenvolvimento
do leste europeu cam em torno de 50% a 60%. O Brasil se encontra numa posição intermediária,
70% de usuários de acordo com a pesquisa.
As redes sociais ocupam no Brasil o segundo lugar em termos de horas gastas por dia: 3horas
e 34minutos. 81% dos brasileiros com 13 anos ou mais estão ativos nas redes sociais, contra 58%
em média no resto do mundo. O alcance orgânico médio dos posts na página do Facebook no país
é de 8,5%, enquanto globalmente chega a 8%. A taxa de engajamento no país é de 4,22%, enquanto
a média no mundo é de 3,75%. O YouTube é a rede social mais utilizada no Brasil (95%), seguida
do Facebook (90%), do WhatsApp (89%) e do Instagram (71%).
Quanto à televisão, o Instituto Brasileiro de Geograa e Estatística (IBGE) divulgou em
2017 a “pesquisa nacional por amostra de domicílios” que apontava que praticamente todos os
domicílios (96,7%) brasileiros possuíam ao menos um aparelho de televisão, enquanto 3.3% não
possuíam. A região norte do Brasil era detentora do maior percentual de domicílios sem televisão,
7,2%, enquanto a região sudeste era a que tinha nesse o menor indicador, 2,2%.
Com esse panorama, torna-se importante a construção de algumas competências midiáticas
por meio da escola, no Brasil. Não sendo essa justicativa suciente, é atrativa para os alunos a
utilização das tecnologias na escola, podendo elas estimular a aprendizagem, principalmente por
fazerem parte dos seus cotidianos. Todavia, não devemos cair no conto salvacionista das tecnolo-
gias, do discurso integrado, de que elas seriam a salvação. Sua inserção, por si só, não modica
funções e relações existentes na escola (RIVOLTELLA, 2013).
O trabalho didático com as tecnologias, portanto, pode ser pensado pelo professor em três
frentes: tendo as tecnologias como ferramentas instrumentais ou suportes de ensino (lmes, imagens,
áudios, televisão, redes sociais...); meios para análise crítica (análises do que é veiculado pelas
mais diversas mídias, inclusive sociais); e até mesmo produção de mídias na escola (audiovisual,
games, blogs...). Na mídia-educação denominamos de Educação para, com e através das mídias
(FANTIN, 2006).
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Os preceitos da metodologia dos Episódios de Aprendizagem Situados (EAS) possibilitam
aos alunos um agir competente com as tecnologias dentro e fora da escola. Nesse agir eles mobi-
lizam, compartilham conhecimentos, habilidades e atitudes socioculturalmente constituídas. Essa
metodologia proposta por Rivoltella (2013) e desenvolvida por Fantin (2015) e por Miranda e
Fantin (2018), pode contribuir, inclusive, para que em supostos acontecimentos como o ocorrido
em 2020 devido ao COVID- 19, no qual as tecnologias são demandadas quase que de maneira
única, os alunos tenham internalizadas habilidades formativas capazes de orientá-los na construção
do conhecimento, na recepção do conhecimento e na divulgação de conhecimentos a partir das
tecnologias, sejam elas quais forem.
O conceito de Episódio de Aprendizagem Situado (EAS) se origina no interior da reexão
do Mobile Learning/Aprendizagem móvel e nas atividades de microlearning/microatividades,
impulsionadas pela cultura digital e suas fragmentações e recombinações de formatos textuais e
transmidiáticos. A partir dessas reexões, tornam-se possíveis outras possibilidades de estrutura-
ção do agir didático, da aula, ou seja, da aula, do planejamento e da avaliação (FANTIN, 2015;
RIVOLTELLA, 2013).
Nos fundamentos na neurociência a EAS busca atualizar os saberes sobre como aprendemos.
Rivoltella (2012) e FANTIN (2015) destacam três modalidades fundamentais de aprendizagem que
têm como pano de fundo as emoções: experiência/ensaio e erro, repetição/e exercício e imitação.
A partir dessas modalidades o professor pode se atentar para uma aprendizagem mais signicati-
va, com sentido e coerente com a forma com que nosso cérebro aprende, como pondera também
Goleman (2014).
Nessa linha de problematização da aprendizagem, é fundamental que sejam consideradas
a dimensão subjetiva e os contextos socioculturais. Por exemplo, se nos espaços de educação
informais a aprendizagem acontece de forma intuitiva, é importante que a escola e os professores
tenham essa clareza para retomar o que se aprende e transformar informação em conhecimento.
Essa passagem do implícito para o explicito, do fragmentado para o integrado, é função da educação
formal, inclusive, na relação dos alunos com as tecnologias.
Assim, o aluno é considerado pela EAS como construtor de conhecimentos e aprendizagem
baseado em cinco modalidades principais: a) aquisição, ou identicação de um tema de interesse/
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pesquisa para aprofundar; b) pesquisa, ou busca de informações relevantes para a síntese; c) or-
ganização e discussão das informações para apresentar; d) prática ou socialização da parte mais
importante do trabalho feito; e e) colaboração por meio de perguntas e críticas aos trabalhos dos
colegas, sustentando a discussão com argumentos (FANTIN, 2015; MIRANDA; FANTIN, 2018).
A EAS tem suas ideias inspiradas em Freinet (2002). A principal está na lição a posteriori e
no trabalho cooperativo entre pares. Outra está na forma de operar com o conhecimento baseado
em um saber de ação, feito de inteligência situacional, metacognição, consciência crítica e prota-
gonismo do aluno. Nesse sentido, as culturas das mídias atuais, presentes no cotidiano da maioria
dos alunos, adentram a escola como pequenas unidades de saber (microlearning).
Para que isso se efetive, as aulas são desenvolvidas em três momentos/elementos: i) mo-
mento preparatório/prévio, no qual a aprendizagem se dá por aquisição e pesquisa, por meio de
atividades (situações-estímulos) que promovam a experiência dos alunos aos conceitos iniciais e
sobre o tema em questão (vídeo, imagem, experiência, documento, depoimento); ii) momento ope-
ratório/operativo no qual são promovidas atividades de produção (inclusive midiáticas) incitando
a aprendizagem por meio de prática e colaboração sobre a situação-estímulo; e iii) o momento
reestruturador, reservado a discussão, sistematização e retomada dos conceitos de modo compar-
tilhado nos momentos anteriores. Objetiva-se nesse último momento a consciência dos processos
desenvolvidos e seus resultados, a m de xar aspectos que merecem ser destacados (FANTIN,
2015; MIRANDA; FANTIN, 2018; RIVOLTELLA, 2013).
MOMENTO EAS AÇÕES DIDÀTICAS APRENDIZAGEM
Preparatório Fazer experiência, conceitualizar,
analisar
Por aquisição, por pesquisa.
Operatório Analisar, aplicar Através da prática, por colabo-
ração
Reestruturador Discutir, publicar Através da discussão, por cola-
boração
Fonte: RIVOLTELLA, 2013; FANTIN, 2015.
Nessa metodologia, os momentos ou elementos estão organicamente articulados. Seu ritmo é
o ternário da didática: “encontre, elabore e compartilhe”, “compreenda, aja e reita”, e “pesquise,
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compartilhe e apresente. Suas ações-chave dizem respeito aos momentos de: entrar em contato
com as informações (buscar/pesquisar/encontrar); apropriar-se criticamente (compreender); pro-
duzir informações e críticas (elaborar/desconstruir/reorganizar/agir); reetir (metacognição); e
compartilhar (publicação).
Rivoltella (2013) e Fantin (2015) compreendem ainda que, do ponto de vista da neurociência
cognitiva, da neurodidática e da bioeducação o conceito de EAS potencializa os cenários básicos
de aprendizagem humana: 1) sobre a experiência, no momento de antecipação e operatório; 2)
por modelagem ou imitação, no momento de antecipação (em relação aos exemplos dados e às
situações-estímulos propostas, no momento operatório (ao envolver atividades colaborativas em
que as resoluções de problemas possam ser confrontadas, e no momento reestruturador (durante as
sínteses e sistematizações); e 3) o de natureza simplexa, no qual são elaboradas estratégias novas
e complexas para lidar com as complexidades dos desaos educativos, na criação por inibição
(atividade prévia precedida de um levantamento preliminar do aluno e uma moldura conceitual
preparada pelo professor das decisões antecipatórias das capacidades de excluir certas soluções
para buscar o que realmente interessa), na rapidez (no limite de tempo de uma aula), na seleção
(esforço de identicação e seleção de informações relevantes e concentração no que realmente
é importante do ponto de vista didático); 4) das raízes enativas, na centralidade da orientação do
professor (assumindo a situação didática, sua regulação e entendimento).
Essa proposta de trabalho com as TIC na escola permite ao aluno seu desenvolvimento em
outros espaços que também fazem uso das TIC, principalmente em sua casa, em uma perspectiva
de aprendizagem informal continuada, que parte da experiência como resolução de problemas.
Proposta que ressaltamos que em nada se aproxima da homeschooling, nem tampouco abdica da
educação presencial, do fazer e do compartilhar. Todavia, potencializa as possibilidades de apren-
dizagem por meio das tarefas incorporadas, deixando os alunos mais preparados para situações nas
quais é demandada autonomia e criticidade, como o que se vê no momento da pandemia.
A autonomia, naturalmente, virá se desenvolvendo e aprofundando ao longo do tempo, do
estudo e das problematizações. O que, por outro lado, não impede que os alunos sejam educados
para ela desde a mais tenra idade, uma vez que o contato com as tecnologias, seja ela qual for,
acaba se dando desde a mais tenra idade. Amante (2007) já evidenciava razões para integrar as TIC
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em contexto pré-escolar. Na Finlândia, desde 2016, a alfabetização midiática inicia-se na escola
primária (HENLEY, 2020). Seu foco é no pensamento crítico e na alfabetização noticiosa. Com
a epidemia do COVID-19, cou mais explicita a necessidade de sabermos reconhecer fake news,
inclusive, para não as espalharmos.
Por m, a proposta assume que não cabe à escola apenas a tarefa de ensinar conteúdos
curriculares ou disciplinares, mas também contribuir para o desenvolvimento de condições para
que os alunos saibam aprender criticamente com situações do seu cotidiano. Evidentemente, nosso
foco está nas TIC, porém, outros diálogos são possíveis com a EAS. Os desaos da escola hoje se
complexicam, por exemplo, diante de tantas informações advindas dos meios tecnológicos, algu-
mas extremamente produtivas e conáveis e outras nem tanto. A notar que nossos alunos também
são parte desse cenário informacional, por serem, além de receptores, emissores em potencial de
mensagens, por meio de posts, compartilhamentos e etc. Tal processo tecnológico, como outros,
necessita de sensibilidade da escola na construção ou no redimensionamento de suas preocupações.
Considerações nais
A pandemia e a quarentena demandaram medidas excepcionais no cenário educacional mun-
dial. Este artigo objetivou problematizar algumas medidas adotadas no sentido de tentar minimizar
os impactos referentes a essa crise global de ensino e aprendizagem na educação básica via TIC.
Além disso, também objetivou apresentar a metodologia EAS como possível contribuição aos
esforços de desenvolvimento de competências midiáticas autônomas pós-pandemia.
Destacamos a relevância e a necessidade dos usos das TIC como ferramentas pedagógicas
provisórias, considerando o fechamento das escolas e a incerteza quanto ao momento do seu retor-
no. Todavia, ressaltamos que faz-se necessário alternativas que busquem garantir o acesso a ampla
maioria dos estudantes, principalmente para o mais pobres. No Brasil, as propostas do governo do
Espírito Santo e de São Paulo de integração das TIC, incluindo a TV e as mídias impressas junto
às mídias digitais, nos parecem oportunas e pertinentes.
É importante que a escola e os professores contribuam para que seus alunos não se sintam
esquecidos/abandonados a própria sorte. A utilização da TV, da mídia impressa e da internet contribui
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substancialmente para isso. Podemos dizer também que a pandemia, “pedagogicamente”, nos
oferece algumas lições na relação com as TIC. Enfatizamos a necessidade de pensarmos formas de
construirmos uma “revolução digital inclusiva”. Como possibilidade de contribuição, apresentamos
a metodologia EAS como esforço didático integrativo, crítico e autônomo.
Na ausência de construção de novas estratégias pedagógicas, baseadas na pesquisa, na
reexão e na utilização crítica e criativa das TIC, o regresso a “normalidade” pós-pandemia nos
fará continuar negando e obliterando a relevância da relação entre tecnologias e educação. Toda
crise nos apresenta a oportunidade de mudança e ressignicação. Temos agora a oportunidade de,
de fato, avançarmos para a construção de escolas que eduquem também para uma cultura que já é
fortemente marcada pela presença das tecnologias. O que está em jogo é o próprio papel da escola
diante de deslocamentos e tensões que se colocam hoje, nesse tempo de incertezas, e continuarão
a nos interrogar pelos tempos que seguirão. Certamente, um momento privilegiado para questionar
alguns paradigmas e elaborarmos novas propostas no sentido de reinvenção da escola.
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Recebido em: 10 de abril de 2020
Inserido em: 20 de maio de 2020
Esta obra está licenciada com uma Licença Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional.
Estudos/Ensaios
Rosemary Lapa Oliveira
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Salvador, v.5, n.1 p.171-192, jan/abr. 2020
LEITURA E TRABALHO DOCENTE
NA ESCOLA: ontem e hoje
ROSEMARY LAPA OLIVEIRA
Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Pós-doutora e Doutora em Educação, Mestre em
Linguística. Professora Titular do Departamento de Educação da UNEB - Campus l Salvador.
Professora do Programa de Pós graduação em Educação e Contemporaneidade. Líder do Grupo
de pesquisa e estudo em leitura e contação de histórias GPELCH/UNEB/PPGEDUC e membro
de grupos de pesquisa FORMACCE-INFÂNCIA/UNEB. ORCID: 0000-0003-1165-8265.
E-mail: rosy.lapa@gmail.com
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Salvador, v.5, n.1 p.171-192, jan/abr. 2020
Leitura e trabalho docente na escola: ontem e hoje
LEITURA E TRABALHO DOCENTE NA ESCOLA: ontem e hoje
O presente artigo tem por objetivo provocar uma discussão acerca das ações pedagógicas que envolvem
as aulas de leitura no ensino médio das escolas de educação básica no Brasil, focando-se na produção
de leitura e como, diante das políticas brasileiras sobre a formação docente, os professores continuam
apresentando uma pedagogia da leitura que é obsoleta diante das demandas sociais e não alcança as
expectativas dos textos do Governo Federal sobre a formação para o letramento. O percurso de construção
do texto considerou um breve apanhado histórico, no qual se historicia a relação que a escola vem
mantendo com a leitura, através de evidências documentais e literias, culminando com dados empíricos
de pesquisa realizada em uma escola de ensino médio da capital baiana no momento em que o livro didático
é implantado no ensino médio. Assim, foram trazidos depoimentos de docentes e discentes relatando suas
experiências com o ensino aprendizagem de leitura na escola. Os resultados apontam que, embora tenha
havido uma melhora nos resultados de avaliações externas com relação à leitura, muito esforço ainda
precisará ser dispensado para que a formação do leitor considere a autonomia, a situacionalidade e a
intercriticidade, adjetivos considerados primordiais para a constituição de sujeitos de leitura.
Palavras-chave: Leitura. Políticas Educacionais. Formação Docente. Letramento. Ensino.
LECTURA Y TRABAJO DOCENTE EN LA ESCUELA: ayer y hoy
El presente artículo tiene por objetivo provocar una discusión acerca de las acciones pedagógicas que
involucran las clases de lectura en la enseñanza media de las escuelas de educación básica en Brasil,
enfocándose en la producción de lectura y cómo, frente a las políticas brasileñas sobre la formación
docente , los profesores continúan presentando una pedagogía de la lectura que es obsoleta ante las
demandas sociales y no alcanza las expectativas de los textos del Gobierno Federal sobre la formación para
el letramento. El recorrido de construcción del texto consideró un breve recuento histórico, en el que se
historiza la relación que la escuela viene manteniendo con la lectura, a través de evidencias documentales
y literarias, culminando con datos empíricos de investigación realizada en una escuela de enseñanza media
de la capital baiana en el momento en que el libro didáctico es implantado en la enseñanza media. Así,
se trajeron testimonios de docentes y discentes relatando sus experiencias con la enseñanza aprendizaje
de lectura en la escuela. Los resultados apuntan que, aunque ha habido una mejora en los resultados de
evaluaciones externas con relación a la lectura, mucho esfuerzo aún necesitará ser dispensado para que la
formación del lector considere la autonomía, la situacionalidad y la intercricidad, adjetivos considerados
primordiales para la constitución de sujetos de lectura.
Palabras Clave: Lectura. Políticas Educativas. Formación Docente. Alfabetización. Educación.
Rosemary Lapa Oliveira
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READING AND TEACHING WORK IN SCHOOL: yesterday and today
This article aims to provoke a discussion about the pedagogical actions that involve reading classes in
high school of basic education schools in Brazil. It is focusing on the reading production, and how, in
front of the Brazilian policies on teacher training, teachers continue to show a obsolete reading pedagogy
in the face of social demands and does not reach the expectations of the texts of the Federal Government
on training for literacy. The route of the construction of this text considered a brief historical overview,
in which Historicizing the relationship the school has maintained with reading through documentary and
literary evidence, culminating with empirical research data held in a high school in Salvador/Bahia at the
time the textbook is deployed in high school. Thus, teachers and students were brought testimonials about
their experiences with the reading teaching and learning at school. The results shows that although there
has been an improvement in the results of external evaluations in relation to reading, much effort will
still need to be released so that the reader’s training consider autonomy, situatedness and intercriticality,
adjectives considered overriding for the development of reading’s subjects..
Keywords: Reading. Educational Policies. Teacher Training. Literacy. Education.
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Leitura e trabalho docente na escola: ontem e hoje
LEITURA E TRABALHO DOCENTE NA ESCOLA: ontem e hoje
LDBEN nº9394/96, Art. 35. O ensino médio, etapa nal da educação básica,
com duração mínima de três anos, terá como nalidades:
I - a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino
fundamental, possibilitando o prosseguimento de estudos;
II - a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para
continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com exibilidade a
novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores;
III - o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação
ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico;
IV - a compreensão dos fundamentos cientíco-tecnológicos dos processos
produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina.
Originalmente voltado para a formação prossional, seja preparando para o ensino superior,
seja prossionalizando, o Ensino Médio (EM), nos anos 1960 a 1980, servia a um mundo do traba-
lho de estrutura taylorista-fordista própria das linhas de montagem (MAFRA, 2003), isso, porque,
naquele momento, havia uma dualidade: o educando optava por fazer um curso prossionalizante
ou continuar os estudos preparatórios para os exames vestibulares. Naquele cenário, considerando
o grande desenvolvimento da industrialização no Brasil, a política educacional vigente priorizou a
formação, no EM, de prossionais capazes de utilizar maquinarias e dirigir processos de produção.
Hoje, as relações de trabalho têm mudado e as consequências dessas mudanças podem ser percebidas
na preocupação de órgãos internacionais, e de cada nação de per si, em investir numa educação que
atenda ao novo mercado, cumprindo o que versa a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDBEN), um mercado regido pelas novas tecnologias que exigem uma formação não de acúmulo
de conhecimento, mas de “capacidade de pesquisar, buscar informações, analisá-las e selecioná-las,
capacidade de aprender, criar, formular, ao invés do simples exercício de memorização” (BRASIL,
2002, p.16), ou seja, utilizar os conhecimentos de forma autônoma e criativa.
Uma das primeiras medidas governamentais, no sentido de adaptar-se a essa nova necessidade
do mercado de trabalho, foi tomada a partir da LDBEN – Lei nº 9.394/96, inserindo, pela primeira
vez na história da educação no Brasil, o EM na educação básica, conforme vimos na epígrafe, a
lei obedece ao exposto na Constituição de 1988 que já pronunciava essa concepção, quando, no
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inciso II do Art. 208, garantia como dever do Estado a progressiva extensão da obrigatoriedade e
gratuidade ao ensino médio. Assim, o EM passou a preparar não só para o mercado de trabalho,
o que provocou o fechamento da maioria dos cursos prossionalizantes, mas para a continuação
dos estudos, tornando o EM propedêutico, visando prioritariamente a formação em nível superior,
universitária. No entanto, essa concepção, atualmente, está sendo objeto de revisão, através dos
decretos 2.208/97 e 5.154 que trazem o conceito de ensino médio integrado (BAHIA, 2006), uma
vez que a formação em nível superior não supre a necessidade do mercado de trabalho de mão de
obra técnica qualicada.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (PCNEM), embora sejam alvo
de críticas, por, principalmente, apresentar-se como um documento prescritivo e que dispensou a
participação dos prossionais que atuam em sala de aula, será trazido para discussão porque todas as
ações avaliativas e de interferência pedagógica na escola pública fazem referência ou alusão a esse
documento. Nele, a linguagem é considerada “como a capacidade humana de articular signicados
coletivos e compartilhá-los” (BRASIL, 2002, p. 05) e toma uma dimensão transdisciplinar, tendo
papel importante na nova abordagem pedagógica proposta pela reformulação da LDBEN, a qual
visa desenvolver competências e habilidades que forneçam aos jovens egressos do EM “meios
para progredir no trabalho e nos estudos” (Art.22, Lei nº. 9.394/96).
Inserida nesse contexto, a leitura tem se constituído, nas últimas décadas, uma preocupa-
ção como componente na formação educacional dos jovens egressos do EM e muitas pesquisas
têm sido feitas a esse respeito. Isso porque avaliações internas e externas ao ambiente escolar,
promovidas pelo Governo Federal, têm apontado para uma deciência na competência leitora dos
jovens egressos do EM, seja na forma do Programa Internacional de Avaliação dos Estudantes
(PISA), um programa da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE),
organização não governamental originária da União Européia, cujo objetivo declarado é auxiliar
os governos-membros no desenvolvimento de melhores políticas nas áreas econômicas e sociais,
a qual trienalmente avalia os alunos na faixa dos 15 anos, idade em que se pressupõe o término da
escolaridade básica obrigatória na maioria dos países participantes desse projeto; seja do Sistema
de Avaliação do Ensino Básico (SAEB). Nascido no âmbito das discussões internacionais, sur-
gidas no nal da década de 1980, sobre a qualidade de ensino, através de pesquisa desenvolvida
pelo Instituto Internacional de Avaliação da Educação, com sede na Holanda (embrião do PISA).
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Leitura e trabalho docente na escola: ontem e hoje
Conforme estudo desenvolvido por Batista e Rojo (2003) sabe-se que esses programas são
sistemas de avaliação que visam medir os resultados do ensino básico em termos de construção
de capacidades e competências, conforme evidenciado no site ocial do Inep:
O objetivo do Pisa é produzir indicadores que contribuam para a discussão da
qualidade da educação nos países participantes, de modo a subsidiar políticas
de melhoria do ensino básico. A avaliação procura vericar até que ponto as
escolas de cada país participante estão preparando seus jovens para exercer o
papel de cidadãos na sociedade contemporânea. (http://portal.inep.gov.br/pisa-
programa-internacional-de-avaliacao-de-alunos Acesso em 25ago2014)
Conforme percebe-se no objetivo declarado acima, esses tipos de avaliações têm o objetivo
de transformar a escola em empresa, sob a inspiração do programa de qualidade total no trabalho,
inclusive prevendo locação de maiores recursos para os estabelecimentos escolares que tiverem
melhores resultados, estabelecendo um ranking. Embora a teoria traga uma proposta de avaliação do
desempenho escolar, na prática, o que se percebe é que esse ranking tira muito seu caráter educativo.
De qualquer modo, os resultados, de um modo geral, têm apontado para problemas nas capa-
cidades e competências leitoras dos jovens brasileiros. Embora os últimos resultados apontem para
aumento das notas, elas ainda não reetem uma situação de leitura muito confortável, colocando
o Brasil em 55º lugar entre os 65 países participantes, conforme site ocial do Inep. Isto signica
dizer, à luz das concepções norteadoras de tais programas que,
Algumas atividades nesse nível requerem ao leitor localizar uma ou mais
informações, que podem precisar de inferências e de condições variadas.
Outras requerem reconhecer a ideia central de um texto, compreender relações
ou construir signicados dentro de um fragmento limitado do texto quando
a informação não é evidente e o leitor deve realizar pequenas inferências.
Atividades nesse nível podem incluir comparações ou contrastes baseados em
um único elemento do texto. Atividades típicas de reexão neste nível exigem
que os leitores realizem comparações ou várias conexões entre o texto e seus
conhecimentos, obtidos pela experiência pessoal ou atitudes.
1
Por esse motivo, a leitura tem se tornado uma preocupação constante tanto nos
meios acadêmicos, quanto nos órgãos de educação do governo brasileiro. Para entender um
1 http://download.inep.gov.br/acoes_internacionais/pisa/marcos_referenciais/2013/matriz_avaliacao_leitura.pdf Aces-
so em 25ago2014.
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pouco o que acontece hoje, nas escolas, no que tange à leitura, vejamos, a princípio, o que
nos diz a história, depois o que os documentos ociais falam sobre isso. Permeando estes
discursos, teremos os depoimentos recolhidos em pesquisa de mestrado (CAMPINHO
2008).
Orlandi (1997) defende que signicar é da ordem do humano, constituindo-o.
Para essa autora, há uma injunção à interpretação, ou seja, tudo tem de fazer sentido, seja
ele qualquer que seja, pois o homem se constitui através de sua relação com o simbólico.
Sendo assim, o simbólico de que é constituída a linguagem, é inerente ao ser humano
e, por isso, só sabemos ser pela linguagem. A leitura, sendo constituída de símbolos,
representação simbólica de seres humanos no mundo, faz parte de nosso dia-a-dia de forma
tão intensa que acabamos acreditando ser algo natural e que não necessitaria de qualquer
problematização ou reexão. Assim, tendemos a pensar que formar leitores é fazer com
que nossos alunos e alunas sejam capazes de ler e ponto. E por muito tempo, a escola se
ancorou nessa ideia. Essa certeza, porém, deixa de existir ao se observar o que outros
professores zeram em outros momentos da história do ensino da leitura. Nesse caso,
percebe-se que não se entendia a formação de leitores do mesmo modo que se entende
hoje, pois as nalidades que hoje são atribuídas ao ensino da leitura eram diferentes e,
muitas vezes, quando adotamos certas práticas e metodologias para o aprendizado da
leitura, damos continuidade a antigas concepções de formação de leitores, com as quais
usualmente discordamos.
No nal do século XIX e no início de XX, a expansão da escolarização, no Brasil, deu-se
gradativamente, tornando-se uma das metas do governo republicano, instalado em 1899. Várias
reformas de ensino começaram a ser propostas e novos métodos e teorias educacionais passaram
a ser difundidos. Apesar dessas iniciativas, muitas vezes a escola, em seu cotidiano, continuava
muito semelhante ao que havia sido para as gerações anteriores: espaços mal iluminados, mobi-
liário precário, professores mal remunerados e, muitas vezes, improvisados faziam parte do coti-
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Leitura e trabalho docente na escola: ontem e hoje
diano escolar. Um cenário ainda presente em várias escolas brasileiras, a despeito das políticas de
formação em serviço implantadas pelo Governo Federal a partir da década de 90 do século XX.
Naquela época, os castigos físicos norteavam a ação escolar e estudantes, todos na mesma
sala, eram agrupados pelo nível de instrução que possuíam. Essa medida era dada pelo livro didático
(LD), através do nível de leitura em que cada um se encontrava. O professor não dava aulas, como
hoje estamos acostumados a pensar, mas tomava a lição de cada um dos alunos, fazendo-os ler em
voz alta. O processo de tomar a lição consistia em o docente escolher e indicar antecipadamente
um trecho de um texto para que o discente zesse a leitura em voz alta diante da turma. Portanto a
leitura, parece, estava ligada à decodicação do código vocabular, à fonética e prosódia. Aprendia-
-se a ler, na escola, para mostrar essa leitura em público.
A oferta de leitura na escola era muito restrita, geralmente ligada ao LD, o qual trazia, modo
geral, apenas textos canônicos, de autores já mortos e, inicialmente, na sua maioria, de autores
portugueses. Os objetos disponíveis para a leitura, não só na escola, mas nas diversas instâncias
sociais, eram raros e poucos eram os lugares onde se podiam adquirir esses objetos, pois bibliote-
cas e livrarias só existiam nas cidades mais populosas. Por conta disso e aliado ao fato de poucas
pessoas frequentarem a escola, havia poucos leitores.
Graciliano Ramos, em Infância, narrativa autobiográca de sua meninice na virada do
século XIX para o século XX, conta que sentia diculdades para entender as lições, e o livro da
escola chegava a lhe provocar náuseas. As horas de leitura eram, para o menino, horas de tortura.
O mesmo menino que, depois de entrar em contato com algumas obras literárias fora da escola,
passou a buscar com ânsia e prazer outros objetos de leitura na pequena cidade em que morava,
no sertão pernambucano. Havia se tornado leitor, a despeito das práticas escolares, simplesmente
por ter acesso aos livros.
Provavelmente a leitura tenha provocado náuseas no pequeno Graciliano por ter uma lin-
guagem fora de seu tempo, pois é tradição entre os compêndios, transcrever os textos conforme
os autores o escreveram em seu tempo, muitas vezes tão atemporal que torna a “linguagem mais
complexa e a leitura difícil” conforme chama atenção um estudante do ensino médio, em depoimen-
to colhido para compor corpus de trabalho de pesquisa de mestrado (CAMPINHO, 2008). Sobre
isso, observa-se que nos livros do EM, por exemplo, é comum o trabalho com textos da poesia
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trovadoresca, do Barroco e do Arcadismo, todos esses com a linguagem de época preservada. In-
dependente de entrar na recente discussão acerca da tradução de textos clássicos para a linguagem
atual, esses textos eram escritos em uma língua que ainda não havia sofrido as regulações que
ocorreram a partir do século XVIII, daí um estranhamento bem maior.
José Lins do Rego, em Doidinho, romance autobiográco que narra sua vivência em um
internato no início do século, registra momentos de angústia ao ler para o seu professor as lições
do livro escolar. Mas, apesar do sofrimento que marcou, no geral, a sua relação com os objetos
de leitura escolares, o futuro escritor confessa a ampliação de horizontes proporcionada por eles,
fazendo-o conhecer outros mundos e a relativizar o seu. Em alguns casos, a leitura também pro-
vocava prazer, apesar das práticas escolares não terem essa intenção e, de modo geral, a relação
entre leitura e prazer ser vista como danosa.
As oportunidades de leitura escolares tinham em vista formar leitores não propriamente para
desenvolver as competências e usos da leitura, mas antes, provavelmente, o que se buscava na
formação de leitores era a transmissão de conteúdos instrutivos, em geograa, história, ciências e
habilidades básicas de leitura e escrita e das regras ortográcas do Português, além da transmissão
de regras e modelos de comportamento vigentes na época.
Aos poucos, a sociedade começou a se tornar mais complexa e as demandas em torno da
escolarização aumentaram signicativamente. Entre as décadas de 1920 e 1950 mais postos de
trabalho surgiram, outros costumes culturais foram adotados: a instrução e a educação passaram a
ser vistas como necessárias ao desenvolvimento econômico e cultural do país e um dos signos da
civilidade. Nesse novo cenário, várias reformas de ensino foram empreendidas, tentando mudar o
triste marco de o Brasil chegar ao século XX com mais de 80% da população analfabeta. Durante
as reformas, a rede pública de ensino expandiu-se enormemente. Novos métodos de ensino foram
discutidos no país, sob a forte inuência do movimento da Escola Nova. Novos modos de ler e
inovadores papéis passaram a ser atribuídos à leitura na escola. A leitura silenciosa, por exemplo,
passou a ser prescrita não só na escola, mas em outras instâncias da sociedade e a cada dia lia-se
menos coletiva e oralmente.
Com a progressiva introdução da leitura silenciosa e rápida, da busca do signicado do texto,
em detrimento da memorização do texto e de seus conteúdos, antes valorizados, com o progressivo
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Leitura e trabalho docente na escola: ontem e hoje
abandono da doutrinação moral e ideológica e a progressiva introdução de novos gêneros de textos
e de impressos nas salas de aula, essas práticas e objetos de leitura restritos foram gradualmente
sendo ampliados. No entanto, o que se via era ainda uma canonização do texto e do autor, “uma
concepção de língua como representação do pensamento e de sujeito como senhor absoluto de
suas ações e de seu dizer, o texto é visto como um produto – lógico – do pensamento do autor
(...)” (KOCH, 2003, p. 16). Essa concepção preconiza um leitor passivo ao qual cabe captar a
representação mental, juntamente com as intenções do produtor do texto.
O saldo positivo, até aqui, é que o público leitor cresceu e se diversicou. Mas, apesar de
todo esse movimento na produção intelectual sobre a leitura escolar, o dia-a-dia da maioria das
escolas continuava sem muitas inovações: os alunos continuavam temerosos em ler as lições, ain-
da tomadas em voz alta, e a angústia e o tédio continuavam a marcar a sua relação com a leitura
prescrita pela escola.
Em muitas escolas, alguns objetos de leitura chegaram a ser proibidos - como as histórias
em quadrinhos, que fascinaram crianças e jovens dos anos 1930 e 1940. No entanto, a despeito da
proibição, da censura, havia - e ainda hoje há - uma grande circulação de objetos de leitura entre
os alunos, independente do que a escola prescreve.
Entre as décadas de 1950 e 1970, cada vez mais se desenvolviam métodos alternativos de
ensino: surgiram as escolas experimentais e a ideia de um ensino centrado no aluno e nas suas
necessidades. A rede pública de ensino se expandia de modo muito rápido: cada vez mais as
camadas populares ingressavam na escola. Porém, muitas escolas continuaram a adotar antigos
comportamentos e métodos, tornando desagradáveis e temidos os momentos em que as práticas
de leitura se davam. Nesse período, aumentaram também os meios de acesso à leitura: bibliotecas
populares, inclusive ambulantes, foram criadas em muitas cidades do país e o número de livrarias
também aumentou signicativamente.
A partir década de 1970, há uma necessidade de atualização do conteúdo, cada vez mais
rápida, por conta do desenvolvimento de pesquisas que modicam o conhecimento pedagógico
e do ritmo da vida social que se modicou muito com a popularização da mídia jornalística pela
televisão. Com uma produção cada vez maior e mais diversicada, as obras destinadas aos leitores
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e leitoras infanto-juvenis passam a fazer parte, ao lado dos livros de leitura, das atividades de leitura
escolar: esse tipo de literatura também se escolariza. A escolarização do texto é aqui entendida
como o controle exercido pela escola sobre o que e como se deve ler. Nesse sentido, o texto sai de
seu contexto de circulação e se presta a objetivos meramente didáticos, desconsiderando-se sua
estética e características de gênero.
Mais recentemente, e a cada dia de maneira mais intensa, procura-se tornar presentes, nas
escolas, os usos sociais da língua escrita, na diversidade dos modos de ler e na diversidade dos
gêneros e dos portadores ou suportes de textos. O livro didático é colocado em xeque pelo emprego
do jornal, do livro, da revista e de todo um conjunto de textos cuja presença era proibida na escola:
quadrinhos, rótulos, listas, quadros e tabelas, placas, publicidade. Ao lado disso, livros e artigos
têm surgido, buscando auxiliar as professoras na tarefa de tornar seus alunos e alunas, leitores e
leitoras. Cada vez mais fala-se na alegria de ler, no prazer provocado pela leitura.
Estudos e pesquisas que procuram analisar o cotidiano da escola - em seu passado e em seu
presente - mostram que, a despeito de todos esses fatores de mudança e transformação, as práticas
escolares ainda hoje tendem a restringir fortemente a oferta de leitura e a formação de leitores.
Esses estudos indicam que os professores e as professoras - mesmo numa época de diversicação
da produção editorial brasileira - tendem a selecionar textos que evidenciem uma forte preocupação
com a formação moral e ideológica de seus alunos ou com o aprendizado das regras de correspon-
dência entre letra e fonema e de ortograa, usando o texto como pretexto. Esses mesmos estudos
mostram também que muitas professoras orientam seus alunos a lerem os textos, buscando, ao nal
de sua leitura, descobrir qual teria sido a lição da história, seu principal ensinamento ou exemplo,
evidenciando uma concepção de língua e linguagem como código transparente e possuidor de
uma interpretação única que é a correta, entendendo interpretação como sinônimo de leitura. Por
m, esses estudos mostram que o prazer da leitura é algo ainda muito distante da maior parte das
escolas e que os alunos tendem a ver suas aulas de leitura de maneira não muito diferente da de
Graciliano Ramos: “horas de tortura e aborrecimento” (RAMOS, 1981, p. 155).
Na virada do século XX para o século XXI, vários documentos produzidos sob orientação
do Governo brasileiro estabeleceram diretrizes sobre o fazer pedagógico referente à língua e à
linguagem, trazendo uma concepção interacional de leitura, na qual o texto é considerado um
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Leitura e trabalho docente na escola: ontem e hoje
lugar de trocas e o autor e leitor passam a ser interlocutores que se constituem e são constituídos
no ato de ler. Nessa perspectiva, a leitura é uma atividade interativa e de construção de sentidos na
interação texto-sujeitos. Portanto, as orientações para a aula de leitura, atualmente, preconizam o
desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico e, para isso, é necessário que
o leitor interaja com o texto, sendo autônomo, intercrítico e situacionado (OLIVEIRA, 2015).
Esses adjetivos: autônomo, intercrítico e situacionado, sendo ligados à situação de leitura
são, segundo Oliveira (2015), inerentes a uma pedagogia do enleituramento a qual visa a formação
cidadã através de textos que circulam socialmente, ampliando conhecimento de mundo e de gêneros
textuais, colaborando para que o leitor perceba nuances implícitas na tecitura textual que fará com
que se torne cidadão intercrítico, ou seja, o que considera as possibilidades, não anulando o outro,
como nos ensina Macedo (2010), autônomo, o qual, em Freire (2009), é processo de elaboração/
criação constante de práticas e situacionado, no sentido atribuído a essa palavra a Análise de Dis-
curso, entendendo que o contexto interfere na compreensão do sujeito, mas não é determinante,
no sentido do determinismo ideológico do início do século XX. Enm, torne-se leitor autônomo,
intercrítico e situacionado, adjetivos inerentes à ideia de letramento, a qual vamos nominar neste
texto, por falta de vocábulo melhor, leitura pedagógica.
Para um melhor entendimento das considerações feitas doravante, faz-se necessário esta-
belecer denições sobre leitura individual e leitura pedagógica. Por falta de uma designação mais
adequada, tomaremos a denição de leitura pedagógica, aquela que é conduzida pedagogicamente
no ambiente escolar, pois cabe principalmente à escola desenvolver as capacidades e habilidades
concernentes à produção de leitura, à formação do leitor crítico e independente. Já a leitura indi-
vidual é aquela em que o leitor interage com a leitura por razões outras que não as pedagógicas
do ambiente escolar. A leitura pedagógica é tomada, aqui, como produção de leitura, ou seja, ob-
servação, análise, reexão, planicação, tomada de decisão e, nalmente, ação. Ela costuma ser
concebida em dois estágios: leitura decifratória, ou de decodicação, aquela em que a atenção e
o esforço do leitor se dissipam principalmente na decifração, no esforço de decodicar o código
escrito e a leitura crítica, em que se emprega pequeno esforço na decifração e que supõe um leitor
crítico. Ambas as leituras visam – ou deveriam visar – o letramento, que faz do leitor um agente
ativo do que lê.
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Nas práticas de sala de aula, atualmente, percebem-se situações diversas como as descritas
por alunos em entrevistas colhidas em setembro de 2005 para compor o corpus de trabalho de
pesquisa de Campinho (2008). Nesse trabalho, foram ouvidas professoras de Língua Portuguesa
de uma escola pública de ensino médio, situada no centro da Capital baiana, no sentido de saber
a sua opinião sobre o uso do livro didático distribuído pelo Governo Federal, introduzido pela
primeira vez no ensino médio brasileiro. Além disso, foram ouvidos também estudantes desses
docentes, no sentido de perceber como era feita a aula de leitura por esses prossionais. Os relatos
dos sujeitos da referida pesquisa são trazidos abaixo em alguns momentos, tendo sido preservada
a sua identidade, sendo identicados por PROFESSOR ou ALUNO.
Ela chega, ela senta, faz tipo uma... coloca os alunos ao redor dela, e
manda as outras pessoas lerem, entendeu? os assuntos que ela passa de dever
de casa, não coloca no caderno não, que ela não cobra a gente no caderno, ela
responde, entendeu? Ela mesma vai falando e respondendo, tudo com a gente.
É esse o trabalho dela (ALUNO 6).
Tanto nesse depoimento em particular como em outros colhidos nessa mesma turma, nota-
-se a falta de referência a um trabalho pedagógico voltado para a produção de leitura que vise a
um leitor intercrítico, autônomo e situacionado, conforme descrito acima. A leitura explorada pela
professora parece ser a decifratória, de decodicação do signo linguístico o que não cabe a uma
turma de EM e se distancia do que preconizam os documentos ociais que regulam a educação
brasileira. O texto entra no planejamento da aula sem considerar a sua textualidade, possibilidade de
análise, de reexão, de planicação, o que em nada contribui para a formação de um leitor cidadão.
Ela sempre bota a gente pra ler, quer dizer, quem quiser ler, né. mas ela sempre
bota a gente pra ler. fala as páginas que é pra ler, se a gente quiser ler a gente
lê, e assim... explica tudo, os pontos parágrafos, coisa assim que é pra gente
ler, coisa assim (ALUNO 8)
Mais uma vez, temos um exemplo de concepção de leitura decifratória com uma informação
a mais: pode-se inferir que a professora desse estudante demonstra que se preocupa com outros
aspectos de leitura como postura, prosódia, uma vez que pede para que os alunos leiam. No entanto,
é importante considerar que esse tipo de leitura está muito aquém do que se espera de alunos egres-
sos do ensino fundamental. Pelo depoimento, observa-se que uma leitura pedagógica de atribuição
de sentidos ao texto, de desenvolvimento de habilidades de análise, observação, reexão, enm,
desenvolvimento de senso crítico e formação de cidadão não fazem parte da prioridade dessa aula,
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Leitura e trabalho docente na escola: ontem e hoje
pois a professora “explica tudo” e o tudo que ela ensina está mais ligado à prescrição gramatical
que ao uso prático da linguagem. O mesmo não se percebe neste outro depoimento:
a professora passa os textos, né, ela discute muito com a gente, deixa tudo
bem claro na nossa mente, é super bom mesmo, reforça mesmo a nossa leitura,
assim quem tem preguiça de ler (risos) aí vai lendo... eu gosto dos textos
também, é fácil (ALUNO 10)
Pode-se inferir que essa professora promove um trabalho que leva à leitura crítica, através
de debate sobre o texto com seus alunos, promovendo reexão, tentando favorecer um ambiente
para o desenvolvimento de habilidades de leitura crítica. O que é mais condizente com um trabalho
voltado para o EM, mas que ainda está aquém do esperado para esse ciclo escolar, o qual, segundo
orienta a matriz de avaliação de leitura do PISA/INEP, deveria ser:
realização de múltiplas inferências, comparações e contrastes com precisão
e detalhamento, demonstrando uma compreensão completa e detalhada de
um ou mais textos que podem envolver integração de informação entre esses,
lidando com ideias desconhecidas, na presença de informações concorrentes,
gerando categorias abstratas de interpretação (BRASIL, 2001, p. s.n.).
As atividades de Reetir e Avaliar requerem que o leitor delineie hipóteses ou que avalie
de forma crítica um texto complexo ou tópico desconhecido, levando em consideração múltiplos
critérios e perspectivas, e aplicando interpretações sosticadas para além do texto. Uma condição
presente para exercícios de acessar e recuperar nesse nível é a precisão de análise e atenção re-
nada para encontrar detalhes pouco perceptíveis nos textos. Mas esses procedimentos não foram
encontrados na pesquisa acima apontada.
Nos depoimentos acima, com alunos de diferentes professoras, podemos perceber quão di-
versicado é o trabalho de leitura na escola. Enquanto alguns estão ainda presos à decodicação e
textos canônicos, notadamente os dois primeiros, outros já trazem textos do cotidiano e provocam
inferências, análises, uma leitura que leva à reexão e autonomia, embora ainda longe do que se
espera para um egresso do ensino fundamental.
A despeito de toda a preocupação relativa à leitura, visível através de projetos
incentivados e subsidiados por instâncias governamentais, pouco se sabe sobre que tipo
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de leitura é feita na escola. Que concepção de leitura as professoras têm? Nos depoimentos
colhidos entre professoras e alunos, foi percebida uma incongruência entre o que a
professora diz que faz e entre o que os alunos e as alunas dizem que a professora faz,
ressaltando, nessa desavença, uma concepção de leitura que versa em sentido diferente
daquelas preconizadas pelas políticas públicas de educação no nosso país. As quais dizem
que:
As competências e habilidades propostas pelos Parâmetros Curriculares
Nacionais para o Ensino Médio (PCNEM) permitem inferir que o ensino de
Língua Portuguesa, hoje, busca desenvolver no aluno seu potencial crítico,
sua percepção das múltiplas possibilidades de expressão linguística, sua
capacitação como leitor efetivo dos mais diversos textos representativos de
nossa cultura. Para além da memorização mecânica de regras gramaticais
ou das características de determinado movimento literário, o aluno deve ter
meios para ampliar e articular conhecimentos e competências que possam ser
mobilizadas nas inúmeras situações de uso da língua com que se depara, na
família, entre amigos, na escola, no mundo do trabalho (BRASIL, 2002, p. 55)
Portanto, podemos dizer que as orientações governamentais versam sobre um leitor autônomo,
intercrítico e situacionado, capaz de atribuir sentidos aos textos e de dialogar com eles de forma
crítica, conforme já explicitado anteriormente. Dessa forma, tais orientações determinam uma
concepção de texto que, por conta de uma formação docente nem sempre guiada por uma lógica
do letramento; por conta da situação social do docente, situação global do discente, entre outros
tantos tangíveis e intangíveis fatores, está longe daquela praticada pelas professoras e impõem
um fazer em sala de aula para o qual docentes talvez não estejam preparados. No entanto, nota-se
o silenciamento de docentes diante do dizer acadêmico institucionalizado através do discurso da
autoridade, reorganizando o seu dizer para se aproximar do desejável pelas autoridades:
PROFESSORA 1: (...) você sabe que leitura e escrita são interligadas: não
adianta apenas saber ler. Tem que haver criticidade ao ver o mundo, o seu
mundo, o mundo lá fora, relacionar, entender os problemas e também ler
por prazer, então como trabalhar esse prazer? O aluno hoje em dia, com a
competição, com a internet, com a coisa fácil, não têm o prazer do livro,
preferem até ler livros, quem tem acesso, através dos computadores. Então
eu pergunto: será que poderão levar esses livros em ônibus pra ler ou em
momentos vagos?
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Leitura e trabalho docente na escola: ontem e hoje
Nesse depoimento, ainda parte da pesquisa anteriormente mencionada, nota-se um discurso
em defesa do livro, como se a leitura fosse apenas a da literatura, uma ideia, por sinal, que faz parte
da cultura escolar e já é tradição ali, conforme vimos no histórico feito anteriormente. A professora
relaciona a ideia de criticidade, o “ver o mundo, o seu mundo lá fora” com o livro. Num mudo tão
globalizado, a leitura escolar não pode se restringir e não se restringe ao livro, é necessário fazer
a leitura de textos do cotidiano: físicos e virtuais.
Na pesquisa de Campinho (2008), ainda há um outro sujeito de pesquisa que aparece de
forma muito importante, pois posiciona-se como observador quase apagado da cena sala de aula,
por ser estudante de graduação em situação de estágio. Esses sujeitos, por vezes fazem registro
de que os alunos têm diculdade em ler, no sentido de decodicar o escrito, outras em que a
diculdade reside em atribuir sentidos ao texto. Nesse caso, em particular, foi notada a diculdade
em decodicar a linguagem usada no texto, pois esse se insere na escola romântica, tão longe da
realidade linguística atual, tão longe da realidade cotidiana do aluno, sem conhecimento prévio
de tal estilo de linguagem.
Uma estagiária que participou da referida pesquisa relata a seguinte fala de um aluno, após
a leitura feita com diculdade por ele: “É difícil ler poesias como esta, porque as pessoas da
época eram muito inteligentes”. Pode-se perceber, nessa fala, a forte inuência de uma ideologia
imposta às classes mais baixas da sociedade de que os seus conhecimentos são desprezíveis e de
que um modelo de inteligência associada aos cânones. A observadora relata que a professora
contestou a fala de seu aluno e debateu o assunto, um procedimento que aponta para um modo
de ver o ensino-aprendizagem na sala de aula que valorize o diálogo, o debate, a construção do
conhecimento, considerando os dois sujeitos nesse processo: aquele que aprende ao ensinar e o
que ensina ao aprender, conforme nos ensinou Freire (1996, p. 23), porém não referência sobre
uma interpretação do texto que leve à crítica social, ao diálogo do leitor com o texto, produzindo
leitura e atribuição de sentidos. Sendo assim, percebemos que, de modo geral, as professoras têm
explicitada a ideia da leitura que extrapola a decifração do código, que preconiza um leitor autô-
nomo, um leitor de mundo:
PROFESSORA 3: O mais importante para mim é o trabalho com leitura,
interpretação e produção de textos, pois através do domínio dessas habilidades
o indivíduo se torna capaz de fazer uma leitura do mundo de forma eciente,
além de construir o seu conhecimento.
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PROFESSORA 4: A leitura era trabalhada através de textos extraídos de livros,
jornais, revistas, etc. Os textos eram lidos, discutidos pelos grupos. Os próprios
alunos elaboravam questões de interpretação que eram apresentadas aos
demais para a obtenção de respostas que levassem a vários questionamentos
e culminassem com a conclusão do trabalho proposto. Em outros momentos,
eram levados textos para que fossem pesquisadas palavras com o objetivo
de enriquecer o vocabulário e as questões eram previamente elaboradas por
mim, direcionando o trabalho a ser conduzido. Uma outra alternativa era a
distribuição de textos para que cada grupo de alunos expressasse sua opinião
acerca do assunto neles tratados para elaborar, posteriormente, seus próprios
textos.
No entanto, o que se evidencia nos relatos dos alunos é uma prática destoante da realidade
apresentada pelas professoras, na qual a leitura é parafrástica, ou seja, a que se caracteriza pelo
reconhecimento (reprodução/ reformulação do sentido dado pelo texto-fonte) para a produção
de um texto-derivado (ORLANDI, 2001) e/ou de decodicação. Para os alunos consultados, a
concepção de leitura corresponde à decodicação do código gráco, isto é, para eles ler é saber
decifrar as palavras e os sinais grácos, tanto as marcas de prosódia, quanto as marcas estilísticas
de pausa e entonação, que as acompanham.
(...) a professora de português, o trabalho dela eu gosto, entendeu. É bom
porque ela incentiva as pessoas a trabalhar junto, que ela incentiva as pessoas
a ler, entendeu, na sala de aula, para tirar também a vergonha que as pessoa
têm. (ALUNO 6)
(...) ela sempre bota a gente pra ler, quer dizer, quem quiser ler, ler, né. mas
ela sempre bota a gente pra ler. Fala a página que é pra ler se a gente quiser ler
a gente lê, e assim... explica tudo, os pontos parágrafo, coisa assim que é pra
gente ler, coisa assim.(ALUNO 8)
Para efeitos de análise, podemos inferir que se o aluno não se reporta a um estudo de leitura
que promova o diálogo e o pensamento crítico e divergente, é porque ele não existe. Em outros
depoimentos, evidencia-se o silenciamento que, com relação ao texto, as professoras impõem aos
seus alunos:
Ela chega, ela senta, aí coloca os alunos em redor dela, aí lê e manda as outras
pessoas leem, entendeu? os assuntos que ela passa de dever de casa, num
coloca no caderno não, que ela não cobra a gente no caderno, ela responde,
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Leitura e trabalho docente na escola: ontem e hoje
entendeu? Ela mesma vai falando e respondendo, tudo com a gente. É esse o
trabalho dela. (ALUNO 6)
A professora não oferece possibilidades de promoção da autonomia, intercrítica e situcio-
nalidade, tão importantes para a formação do cidadão atuante socialmente, pelo contrário, silencia
outros sentidos atribuíveis à leitura quando “Ela mesma vai falando e respondendo”. Além de
silenciar a sua própria leitura ao engajar-se na leitura proposta no LD, como podemos perceber na
análise que seu aluno faz da aula:
Ela chega... pede boa noite, é claro, fala: “hoje vamos trabalhar com o Barroco,
abra o livro em tal página”, aí começa a leitura, ela explica, pergunta as dúvida
da gente, se a gente tem dúvida em alguma coisa, explica... é isso (ALUNO 7)
Portanto, diante do exposto, podemos dizer que a leitura na escola caminha entre o que se
diz, ou seja, o desejável perante as possibilidades que alunos egressos de, no mínimo, dez anos de
aulas de leitura deveriam apresentar, ou o previsto entre as orientações governamentais e o que
se faz, ou seja, o que a professora consegue desenvolver em sala de aula, levando em conta as
suas próprias limitações e as limitações dos alunos e alunas. Assim, a produção de leitura não se
consubstancia enquanto atividade visceral da aula de Língua Portuguesa.
Conforme o exposto, vimos uma tendência de apagamento da voz do professor, atrás de
políticas paternalistas de apresentar normas e procedimentos, além do próprio planejamento da
aula, através do LD. Geralmente as pesquisas desenvolvidas em ambiente escolar apontam para
uma formação do docente que tem se apresentado equivocada e que não dá conta da formação do
leitor intercrítico, autônomo e situacionado. No entanto, se esse é o problema que se aponta, por
que não investir em reformas nos currículos de graduação, nos programas de formação continuada
e num plano de carreira atraente, ao invés de investir num “amparo” através do LD? Uma possível
leitura que se faz desses todos discursos é de descrença por esse prossional. Em AD discute-se
que a prática cientíca não está segmentada da prática política e vice-versa. Ambas são determi-
nadas pelas condições sócio-históricas e ideológicas de uma dada formação social. Nessa visão, o
discurso dos cientistas da linguagem, que assinam as orientações governamentais, nada mais é do
que o discurso do poder impondo metas e objetivos a serem alcançados, industrializando a escola,
um espaço que deveria ser o da construção de conhecimento.
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Aos alunos, é reservado espaço ainda mais silencioso do que o do professor. Enquanto esse
ainda é chamado para dar a sua opinião, àquele só resta calar e aceitar. Até na pesquisa de Campinho
(2008) a voz do aluno é trazida de forma muito apagada, ainda que não seja objetivo da pesquisa
feita tal discussão. A literatura ligada à crítica à educação é carente dessa análise. Orlandi (2001)
adota a posição de que somos sujeitos simbólicos vivendo espaços histórico-sociais. Hall (2005)
apresenta os estágios através dos quais uma versão particular do “sujeito humano” emergiu na idade
moderna: a princípio como sujeito centrado, com um sentimento estável de sua própria identidade
e lugar na ordem das coisas; seguido do sujeito sociológico, interativo, para uma concepção de
descentramento do sujeito na modernidade tardia.
Trazendo essa perspectiva para o viés do estudo da Leitura e trabalho docente na escola:
ontem e hoje, pode-se chegar às perguntas: A escola tem fomentado a formação do cidadão atuante
socialmente? As aulas de leitura tem feito seu papel de ampliação de conhecimento de mundo?
Por que o professor, a professora, em vários momentos, escolhe calar-se e repetir os discursos de
outrem? Acreditamos que as respostas a essas perguntas podem ser buscadas nas cenas relatadas,
bem como no seu contexto. Acreditamos, ainda, que proporcionar aos estudantes possibilidades de
leitura autônoma, intercrítica e situacionada podem fazer com que a escola se torne mais atrativa
aos jovens que verão ali o lugar de sua formação para o enfrentamento de situações diversas em
sua vida pessoal, prossional e ecológica, conforme se espera da educação na atualidade.
Então, como exigir dos alunos a capacidade leitora de analisar, raciocinar e reetir ativamente
sobre seus conhecimentos e experiências, enfocando competências que serão relevantes para suas
vidas futuras, como propõem o PISA, ou que demonstrem habilidades de leitura de textos argu-
mentativos mais complexos, relacionem tese e argumentos em textos longos, estabeleçam relação
de causa e consequência, identiquem efeitos de ironia ou humor em textos variados, efeitos de
sentidos decorrentes do uso de uma palavra, expressão e da pontuação, além de reconhecerem
marcas linguísticas do código de um grupo social como espera a Prova Brasil, se, em sala de aula,
o estudo do texto não conduz à consecução desses objetivos? Se na escola os estudantes são leva-
dos a apagar a sua constituição leitora, pois é pouco requisitada? Se a voz do professor é apagada
da cena político-educacional e esse prossional é alijado de atuar ativamente nas decisões que
concernem ao ensino?
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Leitura e trabalho docente na escola: ontem e hoje
Aos alunos da escola pública, sejam eles do ensino noturno ou do diurno, deve ser possível o
desenvolvimento da cidadania e a constituição como sujeito ativo e crítico. Dessa forma, talvez, os
resultados apresentados por programas tão amplos e centralizados de avaliação não apresentassem
resultados tão aquém do esperado.
Repensar a estrutura em que se ancora a educação básica, através de amplos debates em que
se ouvisse a voz dos professores, das professoras que efetivamente atuam em sala de aula, alunos
e alunas, pais e demais segmentos da comunidade escolar seria bastante salutar. É preciso repensar
as práticas pedagógicas e ideológicas, ligadas à educação dentro de cada comunidade escolar.
Por outro lado, não se pode deixar de enfatizar a importância no investimento nos pros-
sionais da educação em suas formações iniciais e continuadas, da necessidade de se fazer um
plano de carreira que valorize o prossional que procura sempre mais e mais conhecimentos para
exercer seu trabalho, ou seja, docentes que se mobilizem no sentido de incentivar a autonomia, a
intercrítica e a situcionalidade em seus estudantes. Além de se voltar para a pesquisa, como vem
assinalando as reexões feitas por Fiorin (2005), Moita Lopes (2006), André (2004), entre outros.
Muito de história poderíamos ter e quanto teríamos aprendido se, conforme orientação de
Lopes e Cavalcanti (1991) a sala de aula tivesse sido um local não só de ensino, mas também de
pesquisa. Certamente, teríamos agora um avanço tecnológico, educacional, didático, metodológico
e humano, ainda, maior.
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Acesso em 22 nov. 2004.
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Salvador, v.5, n.1 p.171-192, jan/abr. 2020
Leitura e trabalho docente na escola: ontem e hoje
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Recebido em: 15 de abril de 2019.
Avaliado em: 20 de julho de 2019.
Esta obra está licenciada com uma Licença Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional.
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Salvador, v.5, n.1 p.193-219, jan/abr. 2020
Antonio Carlos Dias Junior e Alan Caballero
QUESTÕES DE GÊNERO NA
APRENDIZAGEM AO LONGO DA VIDA
ANTONIO CARLOS DIAS JUNIOR
Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Departamento de Ciências Sociais na
Educação. Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação da UNICAMP.
ORCID: 0000-0001-6556-6118. E-mail: acdiasjr@unicamp.br
ALAN CABALLERO
Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Graduado em Pedagogia e
Mestrando na linha de Educação e Ciências Sociais, ambos pela UNICAMP. Grupo
de Estudos e Pesquisa em Políticas Públicas, Educação e Sociedade (GPPES).
ORCID: 0000-0003-1270-0971. E-mail: alanisaac09@gmail.com
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Salvador, v.5, n.1 p.193-219, jan/abr. 2020
Questões de gênero na aprendizagem ao longo da vida
QUESTÕES DE GÊNERO NA APRENDIZAGEM AO LONGO DA VIDA
Nossa intenção é problematizar o discurso de gênero que opera concomitantemente o discurso neoliberal
de Aprendizagem ao Longo da Vida - UNESCO em políticas globais e locais, neste caso no Brasil. Para isto
vericamos este discurso por meio de análise documental na Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional
(1996), Declaração de Incheon (2015a), Relatório de Monitoramento Global de Educação Para Todos
(2015b) e Base Nacional Comum Curricular (2017). A discussão e resultados apresentam essas políticas
em concordância com uma lógica empreendedora que nda por reiterar binarismos e heterossexismos.
Concluímos que políticas globais entendidas, sobretudo, pelos uxos da performatividade competitiva de
Stephen Ball podem exibir estruturas da performatividade de gênero de Judith Butler.
Palavras-chave: nero. Aprendizagem ao Longo da Vida. Performatividade.
CUESTIONES DE GÉNERO EM LA APRENDIZAJE A LO LARGO D¬E LA VIDA
Nuestra intención es problematizar el discurso de género que opera concomitantemente el concepto de
Aprendizaje a lo Largo de la Vida - UNESCO en políticas globales e locales, en este caso en Brasil.
Para esto, vericamos este discurso por medio del análisis documental en la Lei de Diretrices e Base
de la Educación Nacional (1996), Declaración de Incheon (2015a), Relatório de Monitoramento Global
de Educación Para Todos (2015b) y la Base Nacional Comum Curricular. La discusión e resultados
presenta esas políticas en concordancia con una lógica emprendedora que termina por reiterar binarismos
e heterosexismos. Concluyimos que políticas globales comprendidas, además, por los ujos de la
performatividad competitiva de Stephen Ball pueden exibir estruturas de la performatividad de género
de Judith Butler.
Palabras-clave: nero. Aprendizaje a lo Largo de la Vida. Performatividad.
GENDER QUESTIONS IN THE LIFE-LONG LEARNING
We intend to problematize the discourse of gender that operates concomitantly the concept of Life-long
Learning UNESCO in global and local policies, Brazil in this case. For this, we veried this discourse
by documental analisis in Law of Guideline and Basis of National Education (1996), Incheon Declaration
(2015a), Global Monitoring Repport of Education For All (2015b) and the Common National Curricular
Basis (2017). Our discusion and results presents these policies in agreement within a enterprenoural logic
and end up to reiterate binarisms and heteronormativities. We conclude that global policies understood,
mainly, by the ow of the Stephen Balls competitive performative may display structures of the Judith
Butler’s gender performative.
Keywords: Gender. Life-long Learning. Performativity.
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Antonio Carlos Dias Junior e Alan Caballero
QUESTÕES DE GÊNERO NA APRENDIZAGEM AO
LONGO DA VIDA
Introdução
As discussões e resultados deste artigo decorrem do projeto de pesquisa “Corpo e gênero
na escola: o trabalho dos gestores escolares em um campo de disputas” (iniciado em 2018) e foram
apresentados em uma primeira oportunidade na ocina “Questões de gênero e políticas globais”
na XII Semana de Educação, em 2018, organizada pelo Centro Acadêmico de Pedagogia (CAP),
da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Essa apresentação delineou um percurso
de leitura de algumas políticas locais brasileiras em conjunto com políticas globais, iniciadas
pelo recente acréscimo do conceito de Aprendizagem ao Longo da Vida (ALV) - UNESCO à
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) pela Lei nº 13.632/2018, percorrendo a
Declaração de Incheon e a Base Nacional Comum Curricular (BNCC).
Este percurso pelo texto das políticas estava acompanhado do objetivo de explorar
a aparição das questões de gênero (e sexualidade, exposto adiante) no discurso neoliberal de
ALV na agenda pós-2015. É evidente que essas políticas denotam preocupações, valores e
interesses ao abordar gênero, tanto no próprio texto quanto para a história da política. Nesta
chave, destacamos os contextos da palavra gênero no interior destas políticas, oferecendo
problematizações. Nossa análise caminha no sentido de apontar como a ALV em uma agenda
pós-2015 aborda gênero de forma insuciente para alcançar a equidade de gênero, visto que seus
esforços estão inteiramente voltados para atividades performativas das economias de mercado
na proliferação de conhecimentos necessários para a boa educação no século XXI, de caráter
exível e instável, com destaque para outro efeito paralelo: reiterar as normas de gênero de uma
sociedade heteronormativa pelo silenciamento e invisibilidade de algumas questões de gênero e
sexualidade, as quais, por sua vez, seriam necessárias para eliminar as causas de desigualdades
e violências de gênero identicadas nessas políticas, implicando na presença de estruturas e
estabilidades interiorizadas de populações em economias globalizadas.
Breve apontamento metodológico
Neste artigo seguimos os passos metodológicos da abordagem do ciclo de políticas
(BALL, 1994), de orientação pós-estruturalista, concentrado no estudo de discursos políticos
por meio da trajetória de políticas públicas. Nesta perspectiva, as políticas movimentam-se entre
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Questões de gênero na aprendizagem ao longo da vida
diferentes contextos de produção, portanto são inuenciadas, formuladas e implementadas por
uma pluralidade de atores políticos responsáveis por atribuir novos sentidos e práticas às políticas
existentes, exigindo criatividade e (re)tradução nos processos de signicação das políticas
para novos contextos. Para nossos propósitos, concentramos nossos esforços na apresentação
do contexto de inuência para as políticas educacionais, contexto no qual “grupos de interesse
disputam para inuenciar a denição das nalidades sociais da educação e do que signica ser
educado” (MAINARDES, 2006, p.51), destacando-se o conceito de ALV como o discurso de
referência de políticas globais para a atuação em contextos locais.
Utilizamos o método de análise documental por palavras-chave (LUDKE & ANDRÉ,
1986) para selecionar os trechos sujeitos a problematizações de gênero. Assim, selecionamos as
palavras corpo, sexo, gênero, sexualidade, mulher e menina como buscadores para a pesquisa,
pois estão sujeitas a uma multiplicidade de sentidos e, portanto, a diferentes inteligibilidades
(BUTLER, 2005; 2017). Como o uso da linguagem é a tônica da abordagem do ciclo de políticas,
entendemos que as condições de aparição das palavras-chaves nos textos das políticas aliadas
a um contexto de inuência (mobilização do conceito de ALV) tornam-se imprescindíveis para
compreendermos as enunciações prováveis desses signicantes a outros contextos políticos,
denotando a orientação de práticas locais a interesses globais. Por esta razão, concentramos
a discussão na problematização dos termos, tal como aparecem nos documentos, a partir do
conceito de gênero (BUTLER, 2017).
Estado e políticas públicas
Cabe-nos relembrar que a ação de um Estado, ou ainda, sua estatidade, recai sobre suas
políticas (HOFLING, 2001). Também estamos de acordo com Pires (2011, p.7) quando arma: “as
políticas públicas são o principal instrumento à disposição dos governos para enfrentar problemas
associados às desigualdades entre cidadãos, segmentos da população e unidades do território”.
As políticas podem minimizar ou acentuar desigualdades, tensão que está presente na
disposição mais bem-intencionada dos agentes sociais. A exemplo, essa tensão pode ser percebi-
da na sexualização do corpo da mulher negra quando, numa reunião de planejamento familiar no
SUS com uma equipe de três mulheres (duas brancas e uma negra), a justicativa cultural de que
“elas querem é pegar lho, começar cedo, é uma cultura da comunidade, muito difícil” responde
à seguinte pergunta: “será que nosso planejamento familiar não está funcionando?” (MILANEZI,
2011, p.40).
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Antonio Carlos Dias Junior e Alan Caballero
Ou ainda em outro exemplo, tomado de Campello: um programa de cisternas, política
de saúde de acesso a saneamento no Nordeste brasileiro, permitiu que em pouco mais de uma
década fossem “construídas 1,2 milhões de cisternas beneciando 4,6 milhões de pessoas”, entre
elas “mulheres que deixaram de carregar água em suas cabeças, liberando tempo livre para outras
atividades”, sendo 73% das cisternas entregues “para famílias cheadas por mulheres” (CAM-
PELLO, 2017, p.28), contribuindo para minimizar desigualdades nas relações de gênero e étnico-
-raciais, efeitos conseguidos também por políticas de habitação, como a urbanização das favelas e
por programas como Minha Casa Minha Vida, capazes de diminuir, entre 2002 e 2015, de 16,1%
para 7,5% o número de famílias nos 5% mais pobres, que “residiam em domicílios precários, sem
paredes de alvenaria, madeira ou revestimento adequado” (CAMPELLO, 2017, p.35)
1
e o aumento
de máquinas de lavar e energia elétrica nos lares.
Podemos citar, ainda, um terceiro exemplo: o fracasso escolar é mais comum para meninos
do que para meninas. Também é mais comum entre os negros do que entre brancos. E, por sua
vez, mais comum para os meninos negros do que para as meninas brancas. Qualquer política de
combate ao fracasso escolar, isto é, interessada em aumentar o uxo escolar, deveria buscar evitar
explicações nas quais o fracasso recaia exclusivamente sobre os próprios alunos, como enunciar
que os jovens “não querem nada” (como se não se esforçam para alcançar seus objetivos) ou são
“problemáticos” (casos de indisciplina, preguiça ou diculdade de aprendizagem) (OLIVEIRA &
CARVALHO, 2011, p.22).
Tomamos estes exemplos para ilustrar o que tomamos por biopoder (FOUCAULT, 2008).
Assim, dado este panorama de políticas públicas com viés de gênero, pretendemos problematizar
como questões de gênero materializam-se no texto de políticas educacionais relacionadas à ALV.
As indicações trazidas por esta empreitada também corroboram para suspeitar o quanto a narrativa
construída pela ALV pode ser generalizada para outras políticas públicas, como aquelas expostas
acima (CAMPELLO, 2017; MILANEZI, 2011; OLIVEIRA & CARVALHO, 2011), pondo em
xeque a própria noção de Pires (2011) de que teriam como objetivo a diminuição das desigualdades,
aumento da justiça social e cidadania, sem ponderar sobre o controle biopolítico que elas exercem
sobre a população (FOUCAULT, 1979).
1 “As casas chegaram a quem mais precisava: 85% das famílias cheadas por mulheres, 46% recebem Bolsa Família,
66,8% são negros (pretos e pardos), 53% têm ensino fundamental incompleto e não tem instrução e 70% têm até R$
800,00 de renda mensal” (CAMPELLO, 2017, p.37).
198
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Questões de gênero na aprendizagem ao longo da vida
Pode-se compreender a biopolítica como a operação conjunta dos poderes disciplinares e
confessionais a serviço de um Estado na intenção de prever, calcular e transformar em estatísticas
o comportamento de uma população, valorizando aspectos biológicos do corpo, sejam eles “a
proliferação, os nascimentos e a mortalidade, o nível de saúde, a duração da vida, a longevidade,
com todas as condições que podem fazê-los variar” (FOUCAULT, 2015, p.150). Esta denição
de biopolítica possui em seu princípio a administração dos corpos pela intervenção sobre a vida
da espécie humana, demonstrando um racismo biologicista em sua base, para o qual o sexo re-
presentou suas possibilidades de dispersão.
As políticas sociais, com efeito, encerram uma nova racionalidade do biopoder pautada
no bem-estar social, orientadas nesse sentido para que elementos indiretamente relacionados à
economia
2
, como a população, tornem-se condições para o funcionamento de um mercado (FOU-
CAULT, 2008). Neste registro, as políticas que recaem sobre o sexo são a razão da disseminação
dos poderes biopolíticos, racistas em seu acontecimento:
Toda uma política do povoamento, da família, do casamento, da educação,
da hierarquização social, da propriedade, e uma longa série de intervenções
permanentes no nível do corpo, das condutas, da saúde, da vida cotidiana,
receberam então cor e justicação em função da preocupação mítica de
proteger a pureza do sangue e fazer triunfar a raça (FOUCAULT, 2015,
p.162).
Sangue esse que evoca a hereditariedade e as alianças familiares, pelas quais se constituiu
o dispositivo de sexualidade com função de controlar, regular e interferir sobre a vida de uma
população. A política do sexo apresenta-se como uma política social, sendo esta compreensão
de política adequada para prosseguirmos com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDB) (1996) e incorrermos na Declaração de Incheon (2015a), no Relatório de Monitoramento
Global de Educação Para Todos (RMG) (2015b) e na Base Nacional Comum Curricular (BNCC)
(2017), para as quais a ALV é o discurso biopolítico com efeitos performativos na educação.
Apesar da relação entre performatividade e mercado ser uma literatura já consolidada, como de-
monstrada pelos estudos de Stephen Ball no decorrer deste artigo, encontramos em Judith Butler
um importante complemento aos efeitos de mercado instaurados por poderes biopolíticos, ainda
que a correlação entre mercado e gênero seja menos recorrente em sua obra em relação a temas
como Estado e gênero ou política e gênero.
2 O preço pode ser tomado como diretamente relacionado ao mercado (FOUCAULT, 2008).
199
Salvador, v.5, n.1 p.193-219, jan/abr. 2020
Antonio Carlos Dias Junior e Alan Caballero
Se tal correlação entre mercado, gênero e políticas torna-se viável, ocorre na exata medida
em que o Estado internaliza interesses mercadológicos nos quais as políticas possuem efeitos bio-
políticos, sendo direta sua correlação com o gênero uma vez que requer cções sobre o sexo para
materializar seus efeitos. Postas essas questões introdutórias, problematizaremos a possibilidade
da construção de uma igualdade de gênero
3
pelo conceito de ALV na agenda pós-2015.
Performatividades na política (social) do sexo
A. Aprendizagem ao Longo da Vida e gestão do mercado
Em 6 de março de 2018 foi acrescentado um novo artigo à LDB, no qual podemos ler: “Art.
3º O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: [...] XVIII – garantia do direito à
educação e à aprendizagem ao longo da vida” (BRASIL, 1996). Este último termo, “aprendizagem
ao longo da vida”, remete à Declaração de Incheon, resultado do Fórum Mundial de Educação
de 2015, dividida em três partes: Preâmbulo, Rumo a 2030: uma nova visão para a educação e
Implementação de nossa agenda conjunta.
A Declaração de Incheon, de 21 de maio de 2015, é antecedida pela Declaração de Jomtien
([1990]1998) e Declaração de Dakar ([2000]2001), sendo a década de 1990 o período de expansão
das políticas neoliberais para a educação, com o incentivo à “livre iniciativa” utilizando o mercado
como “o melhor dos caminhos para gerar Eciência, Justiça e Riqueza” cujos resultados, “nos
limites da liberdade, são a paz e a harmonia internacional” (MORAES, 1998, p.104).
Inserida nesse contexto, a ALV atende à substituição da noção de qualicação pela de com-
petências em virtude da “escola assegurar um tipo de acumulação primitiva de capital humano”
(LAVAL, 2004, p.46) em que os saberes tornam-se conteúdos de um saber-fazer ao contrário de
um saber-memorizável, isto é, os conhecimentos devem ser acompanhados da prática e não apenas
exercícios mentais. Este paradigma utilitarista repousa essencialmente no conhecimento como uma
ferramenta prossional para o mercado, acompanhado da autoaprendizagem contínua e responsa-
bilização do educando pelas suas escolhas no mercado educacional, isto é, por suas competências:
3 Entendemos que paridade de gênero, equidade de gênero e igualdade de gênero não devem ser compreendidos
como sinônimos. Em todo caso, compreendemos que igualdade de gênero não problematiza a identidade como equi-
dade de gênero, que o faz pelo conceito de diferença.
200
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Questões de gênero na aprendizagem ao longo da vida
“aquilo pelo qual o indivíduo é útil na organização produtiva” (LAVAL, 2004, p.55). A educação
torna-se então uma mercadoria descartável que mede a empregabilidade de um prossional.
Compreendemos a ALV como uma atitude voltada ao aprender a aprender, um imperativo
de formação para a vida sem apego à experiência (LAVAL, 2004). Sua intenção performativa
na educação ocorre num currículo imerso em TICs, aprendizagem de línguas, alfabetização e
operações matemáticas A isto se somam estratégias biopolíticas de produção de corpos úteis e
saudáveis esperado por sociedades hetoronormativas em economias de mercado competitivo, as
quais criam, entre outras, narrativas sobre HIV, AIDS, gravidez precoce e violências de gênero,
as quais corroboram com discursos de eciência e produtividade. A performatividade de mercado
constrói uma narrativa que insinua quais sexualidades são necessárias para uma boa educação no
século XXI, que estão inseridas, ainda, em contextos “glocalizados” em que são ressignicadas
para hibridizar tendências e interesses locais às políticas globais.
Devemos ressaltar que a Declaração de Incheon defende a expansão do acesso, inclusão
e equidade, igualdade de gênero, educação de qualidade e oportunidades de educação ao longo
da vida, além de complementar o quarto tópico dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentáveis
4
(ODS 4): “assegurar a educação inclusiva e equitativa de qualidade, e promover oportunidades
de aprendizagem ao longo da vida para todos”. Assim, o Art. 3º da LDB (1996) encontra respaldo
em políticas globais.
Na Declaração de Incheon, sobre as oportunidades de educação ao longo da vida temos
o seguinte:
Isso inclui acesso equitativo e mais amplo à educação e à formação técnica
e prossional de qualidade, bem como ao ensino superior e à pesquisa, com
a devida atenção à garantia de qualidade. Além disso, é importante que se
ofereçam percursos de aprendizagem exíveis e também o reconhecimento, a
validação e a certicação do conhecimento, das habilidades e das competências
adquiridos por meio tanto da educação formal quanto da educação informal.
Comprometemo-nos, ainda, a garantir que todos os jovens e adultos,
especialmente as meninas e as mulheres, alcancem níveis de prociência em
habilidades básicas em alfabetização e matemática, que sejam relevantes e
reconhecidos, adquiram habilidades para a vida e tenham oportunidades de
aprendizagem, educação e formação na vida adulta. Também nos empenhamos
4 Que substituíram em 2011 os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio.
201
Salvador, v.5, n.1 p.193-219, jan/abr. 2020
Antonio Carlos Dias Junior e Alan Caballero
com o fortalecimento da ciência, da tecnologia e da inovação. Tecnologias de
informação e comunicação (TIC) devem ser aproveitadas para fortalecer os
sistemas de educação, a disseminação do conhecimento, o acesso à informação,
à aprendizagem de qualidade e ecaz e a prestação mais eciente de serviços
(UNESCO, 2015a, p.3-4).
Com atenção especial para meninas e mulheres, Igualdade de gênero parece ser ponto
fulcral para a resolução desta questão, sendo descrita da seguinte forma:
Reconhecemos a importância da igualdade de gênero para alcançar o direito à
educação para todos. Dessa forma, estamos empenhados em apoiar políticas,
planejamentos e ambientes de aprendizagem sensíveis ao gênero; em incorporar
questões de gênero na formação de professores e no currículo; e em eliminar
das escolas a discriminação e a violência de gênero (UNESCO, 2015a, p.2).
Os interesses e direitos defendidos na Declaração de Incheon estão respaldados em pes-
quisas e discussões. No texto são mencionados a Reunião Mundial sobre Educação para Todos
5
,
o Grupo de Trabalho Aberto dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável
6
e o Relatório de
Monitoramento Global de Educação para Todos 2015, além do que denominam casualmente de
relatórios regionais
7
.
O RMG (2015) é de fácil acesso e apresenta resultados da monitoração (“quase anualmente”)
do “progresso rumo aos objetivos de EPT e aos dois Objetivos de Desenvolvimento do Milênio
(ODM) relativos à educação” (UNESCO, 2015b, p.5), apresentados em seis objetivos, dos quais
focamos no objetivo sobre gênero, e revisão de doze estratégias do Marco de Dakar responsáveis
por acelerar as conquistas dos objetivos do EPT, das quais trataremos as estratégias seis, sete e
oito, respectivamente. O documento em questão “fornece aos formuladores uma fonte ocial para
defender que a educação seja a chave da arquitetura global de desenvolvimento pós-2015”, além
de servir como “ferramenta indispensável para governos, pesquisadores, especialistas, em educação
e desenvolvimento, mídia e estudantes” (UNESCO, 2015b, p.57).
Devemos recordar, utilizando Ball (2011, p.45-46) que “as políticas normalmente não
dizem o que fazer; elas criam circunstâncias nas quais o espectro de opções disponíveis sobre o
5 Nossas pesquisas não encontraram qualquer documento ou discussão que integrasse esta reunião.
6 Nossas pesquisas não encontraram qualquer documento ou discussão que integrasse este grupo de trabalho.
7 Encontramos no Relatório nacional voluntário sobre os objetivos de desenvolvimento sustentável (2017) uma
amostra desse esforço de monitoramento, o qual, em linhas gerais, não difere dos propósitos e questões demonstrados
abaixo.
202
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Questões de gênero na aprendizagem ao longo da vida
que fazer é reduzido ou modicado ou em que metas particulares ou efeitos são estabelecidos”.
O que sabemos é que as políticas que pretendemos analisar corroboram com um novo paradigma
de gestão pública, fazendo do gestor seu “herói cultural” (BALL, 2001) ao incentivar a cultura
corporativa ou empresarial.
Outro ponto relevante, relacionado ao nosso objetivo inicial, é a preocupação de algumas
políticas com a igualdade de gênero e questões de sexualidade (Declaração de Incheon) ou apenas
com abordagens sobre a sexualidade (BNCC, como veremos adiante). A exclusão ou acréscimo
de palavras em textos políticos, como gênero e sexualidade (que podem assim assumir função
conceitual)
8
, não está necessariamente acompanhada de performatividades de gênero, já que exi-
giria na implementação da política a adequação entre a ação da equipe gestora e as intenções do
legislador (BUTLER, 2005).
Neste novo paradigma de gestão pública percebe-se, ainda, o abandono dos propósitos
sociais da educação (substituição do estado provedor pelo estado regulador), crescimento da
competitividade (aumentando a individualização) e novo panoptismo da gestão (da qualidade e
excelência). A “aprendizagem ao longo da vida” ou a “educação sensível ao gênero” funcionam
como a “sociedade de aprendizagem” e “economia baseada no conhecimento” em Ball (2001),
isto é, são signos produzidos neste período de globalização e adotados por diversos Estados-nação,
criando semelhanças em suas políticas e formas de solucionar os problemas sociais, quase sempre
percebidos como problemas de mercado no paradigma gerencialista.
9
“A forma do mercado [livre
e competitivo], gestão [avaliação de desempenho e responsabilização] e performatividade [julga-
mentos, comparações e exposição como forma de controle]” foram “estabelecidos para superar as
velhas tecnologias do prossionalismo e burocracia e claramente opõe-se a elas” (BALL, 2001,
p.105).
8 Relembramos com Reis (2016) que essas exclusões ocorrem pela difusão do termo “ideologia de gênero”, o qual pode
ser encontrado em projetos de lei com o título Escola Sem Partido ou Escola Livre, movimentados nas bancadas legis-
lativas por grupos religiosos defensores de uma noção conservadora de família que não acompanha as novas formações
familiares, e que crescem signicativamente desde meados do século passado em grande parte do mundo ocidental,
acompanhado do crescimento correspondente de movimentos de contracultura pela liberação sexual e liberdade homo-
afetiva (CASTELLS, 2008).
9 O Caminho da Servidão (2013), de Friedrich von Hayek, inaugura, para alguns autores, o neoliberalismo do século
XX a partir de provocações aos partidos socialistas, voltando-se para “os princípios da ‘sociedade aberta’” (MORAES,
1998, p.10) e contra o Estado de bem-estar social keynesiano. No contexto brasileiro, em especíco, encontramos a
pedra de toque de um paradigma social e econômico que representa importante contribuição para compreendermos
os discursos de ódio na atualidade dirigidos aos indivíduos e grupos organizados contrários ao que se convencionou
denominar por “ideologia de gênero” (REIS, 2016).
203
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Antonio Carlos Dias Junior e Alan Caballero
Essas concepções de Estado e de gestão rememoram o poder soberano
10
no qual os efeitos
pretendidos pelo sujeito do poder correspondem às práticas de poder, recorrem a uma perspectiva
jurídica segundo a qual a regra, na condição de regra, age para alterar os comportamentos da po-
pulação (BUTLER, 1997). As políticas de um Estado soberano constroem, assim, uma perspectiva
de poder centrado e não-conitivo.
Quando retornamos à Declaração de Incheon (2015a), seu projeto de implementação prevê
a criação de marcos legais pelos governos com participação da iniciativa privada, bem como o
incentivo ao nanciamento
11
e investimento de países desenvolvidos nos países subdesenvolvi-
dos, sendo o Produto Interno Bruto (PIB) a questão determinante desse esforço econômico para o
cumprimento dos objetivos estabelecidos nas declarações mundiais.
Estas tecnologias políticas são possíveis devido à elaboração de fabricações organizadoras,
que podem ser compreendidas como narrativas capazes de explicar e cooptar corpos a uma ima-
gem ccional ou “fachada calculada” (BALL, 2002, p.16) sem a necessidade de expor os efeitos
reais que essa narrativa gera para os sujeitos e instituições envolvidas. A citacionalidade
12
destas
tecnologias corroboram com os efeitos imaginários que dizem produzir, uma vez que um ato de
fala capaz de enunciá-los faz referência desse discurso a si mesmo, criando precedentes que variam
de acordo com os contextos nos quais são produzidos (BUTLER, 1997).
Para dar um exemplo, as políticas frisam a importância de ambientes democráticos e da
formação de cidadãos quando, na realidade, a produção destas políticas acontece num período
em que a descentralização do Estado ocorre concomitantemente a estratégias de centralização
materializadas em Parcerias Público-Privado (PPP) (BALL, 2004) e de descentração do eu para os
sujeitos dessas políticas, acarretando em cidadãos-consumidores mais que em cidadãos-participantes
(BALL, 2013).
A disjunção entre enunciado e signicado é a condição da possibilidade de
rever o performativo, do performativo como repetição de sua própria instância,
uma repetição que é pela sua vez a reformulação. [...] A citacionalidade da
10 Um Estado biopolítico não nega o poder soberano, é antecedido por ele e pode recorrer à produção de corpos dó-
ceis quando garante o direito à vida (FOUCAULT, 2015).
11 Sobretudo pelo reconhecimento da Parceria Global como canal nanceiro.
12 Butler (1997) utiliza o conceito de citação para referir-se ao discurso de ódio; tomamos a liberdade de reformular
o uso original proposto pela autora.
204
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Questões de gênero na aprendizagem ao longo da vida
performatividade produz esta possibilidade para agência e expropriação ao
mesmo tempo (BUTLER, 1997, p.87, tradução livre).
Com isto, Butler (1997) quer dizer que um Estado possui força discursiva trazida por sua
instância de representação das vontades do povo e do seu reconhecimento a essas vontades como
constituição das representações. Assim, o Estado age performativamente ao constranger ou per-
mitir determinados atos de fala para diminuir as condições de vida precária da população sob sua
responsabilidade. Butler (2018a) também propõe que o Estado é responsável pela precariedade
da vida de minorias sexuais ao patologizar e policiar sexualidades. As políticas oferecem, deste
ponto de vista, atos performativos para um Estado sobre os corpos da população.
Contudo, deve-se ter em mente que a performance de um Estado soberano na atualidade
ocorre com a substituição de um Estado provedor por um Estado avaliador, cuja função é manter
um “Estado forte” e “economia livre”: um Estado regulador de políticas neoliberais, entendidas
aqui como fabricações. Poderíamos, ainda, denominar este cenário de pós-soberano (BUTLER,
1997), já que diferentes centros de poder performam regulações. As exigências de lucro, concor-
rência e competição do mercado devem ser satisfeitas pelo gerencialismo e pela performatividade.
Neste ponto, a educação é requisitada como meio de alcançar os objetivos de mercado; é induzida
e reduzida a uma função estritamente econômica, sem qualquer autonomia para decidir sobre seu
currículo, incluindo temas transversais. A noção de educação é passiva diante de atividades eco-
nômicas, as quais enfatizam a formação do trabalhador (OFFE, 1990).
Estas características podem ser percebidas nas políticas globais quando o foco do currículo
está na alfabetização, na matemática, aprendizagens de línguas e de TICs: elementos básicos para
uma formação do trabalhador pós-moderno, pós-industrial ou plástico, em contraposição à pretensa
autenticidade dos sujeitos.
Por esta razão, concordamos com Ball (2004, p.1108) quando arma não ser mais possível
(..) ver as políticas educacionais apenas do ponto de vista do Estado-Nação:
a educação é um assunto de políticas regional e global e cada vez mais um
assunto de comércio internacional. A educação é, em vários sentidos, uma
oportunidade de negócios.
Este é o viés de análise que apresentamos para interpretar as oportunidades de educação
ao longo da vida presentes na Declaração de Incheon (2015a) são as contingências desta políti-
205
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Antonio Carlos Dias Junior e Alan Caballero
ca. As políticas globais passam a representar a “americanização da economia mundial” (BALL,
2004, p.1114). Será o gerencialismo outra tecnologia política capaz de incutir nos trabalhadores
e trabalhadoras os ideais de uma sociedade performativa. O prossionalismo é a meta do “herói
cultural” encarnado no gestor e se organiza por sistemas empresariais, exigências externas, obje-
tivos especícos e apelo à ordem. Neste meandro, a performatividade está orientada por rituais
13
e rotinas
14
: “A base de dados, a reunião de avaliação, a revisão anual, a redação de relatórios e a
candidatura a promoções, inspeções e comparação com pares estão em primeiro plano” (BALL,
2002, p.9), enquanto a ética e a função social da educação são reformulados e desvalorizados.
B. Currículo na Aprendizagem ao Longo da Vida
As tecnologias políticas da performatividade e do gerencialismo aliadas às concepções do
mercado competitivo induzem os prossionais da educação a uma relação particular com os sa-
beres curriculares. Na incerteza e instabilidade de seus resultados prossionais (provocados pela
responsabilização, avaliações de desempenho e comparações entre pares) as escolas são cooptadas
a compor uma sociedade de controle inuente sobre um “currículo moral oculto” (2004, p.1119)
que toma o autogerenciamento dos sujeitos e o incentivo para que sejam empreendedores de si
mesmos como uma oportunidade para relativizar os signicados de público e privado pelos novos
sentidos atribuídos à gestão pelo mercado.
As instâncias do público e do privado são trabalhadas por algumas feministas pelo viés da
visibilidade, como o faz Butler (2018a). Segundo Ball (2005, p.548), “em essência, a performati-
vidade é uma luta pela visibilidade”. Por sua vez, a identidade e a subjetividade constituem visi-
bilidades para Butler, sendo a performatividade um ato de materialização dos corpos, tornando-os
visíveis e passíveis de reconhecimento, consequência que pode ser percebida em Ball (2002; 2005;
2010) quando expõe na performatividade competitiva a fragilização da identidade prossional de
professoras/es preocupados com sua autenticidade e os efeitos do currículo para alunos/as, dos
quais resultam questionamentos, dúvidas e dilemas morais sobre sua atuação no ensino.
Quando estas recentes performatividades de prossionais da educação alteram práticas tra-
dicionais, espera-se modicações na vivência do currículo escolar pelos/as alunos/as, incorrendo
numa performatividade capaz de integrá-los na sociedade de controle para normalizar valores
13 “Pronunciamentos grandiloquentes e eventos espetaculares” (BALL, 2010, p.39).
14 “Registros, reuniões de comitês e força-tarefa, interações” (BALL, 2010, p.39).
206
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Questões de gênero na aprendizagem ao longo da vida
éticos, econômicos e ontológicos que ela propõe. O currículo aliado ao conceito de ALV, exposto
anteriormente, oferece, todavia, compreensões sobre gênero e sexualidade que normatizam iden-
tidades nos domínios de uma heterossexualidade.
Políticas globais não são políticas de identidade, pois se sustentam num discurso biopolítico
de saúde e utilidade dos corpos para a educação, concepção que recobre os currículos formais locais,
como é possível perceber pelo desaparecimento do termo gênero no texto da BNCC. A autogerência
dessas políticas neoliberais é uma concepção distinta de público e privado daquela presente no
bordão “o pessoal é político” do feminismo, pois a primeira não discorre sobre as exclusões que
o público impõe aos cidadãos por não reconhecer valores privados em sua atuação, geralmente
masculinos, além de não fomentar equivalências entre experiências políticas individuais e coletivas.
Em acordo com a agenda pós-2015, a BNCC mantém o tema da sexualidade como exclu-
sividade da disciplina de Biologia, planejado para o 8º ano, isto é, será abordado apenas nos anos
nais do Ensino Fundamental. O conteúdo a ser abordado na sala de aula se refere às transformações
do corpo no período da puberdade, doenças sexualmente transmissíveis e a sexualidade humana
“(biológica, sociocultural, afetiva e ética)” (BRASIL, 2017, p.347).
A BNCC privilegia os termos sexualidade e sexo a gênero, esta última retirada do texto da
política por pressão de grupos religiosos conservadores, privilegiando uma perspectiva heterosse-
xual visto que são os estudos de gênero que denunciam e desconstroem o paradigma heterossexual/
homossexual, presente em políticas anteriores, como os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRA-
SIL, 1997) a partir da noção de orientação sexual e da menção explícita à homofobia, lesbofobia
e transfobia nas Diretrizes Curriculares Nacionais (BRASIL, 2013).
Num dos trechos mais sensíveis relativos à noção de gênero, transgurado por nós pela
palavra corpo, encontramos, ao nal, a perspectiva da sexualidade reprodutiva após uma longa
descrição ética:
Pretende-se que os estudantes, ao terminarem o Ensino Fundamental, estejam
aptos a compreender a organização e o funcionamento de seu corpo, assim
como a interpretar as modicações físicas e emocionais que acompanham a
adolescência e a reconhecer o impacto que elas podem ter na autoestima e na
segurança de seu próprio corpo. É também fundamental que tenham condições
de assumir o protagonismo na escolha de posicionamentos que representem
207
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Antonio Carlos Dias Junior e Alan Caballero
autocuidado com seu corpo e respeito com o corpo do outro na perspectiva do
cuidado integral à saúde física, mental, sexual e reprodutiva (BRASIL, 2017,
p.235).
Ao dessubstancializar as instâncias de atuação política em detrimento ao crescimento eco-
nômico, ao desenvolvimento e ao progresso do Estado-nação, tem-se novamente o setor privado
agindo como agente de constrangimento e coerção de espaços públicos, implicado nas formas de
gerir a vida de seus cidadãos. A educação apresenta-se aqui como um desses elementos de gerên-
cia da vida através de um currículo cujas questões de gênero e sexualidade estão marcadas por
“interesses reprodutivos” (BUTLER, 2018b) ou biologicismos, demonstradas nas preocupações
constantes com o ensino das temáticas sobre DSTs e gravidez precoce para manter os corpos de
alunas/as saudáveis e produtivos - além da proximidade destes temas com o sentimento de vergo-
nha, reavendo a história da palavra queer nos discursos de ódio contra mulheres, homossexuais e
populações negras (BUTLER, 1997; 2005).
Cunha e Lopes (2017, p.30) armam que na BNCC “o conhecimento torna-se também um
objeto a ser mensurado e avaliado, tomado como indicador da ‘boa’ qualidade da educação”, tra-
zendo uma concepção de unidade para tal conhecimento, comprometendo um currículo que possa
vislumbrar conhecimentos atrelados à diferença, caracterizados pela sua imprevisibilidade, falta de
controle e dispersão das regularidades curriculares. Em todo caso, para as autoras a BNCC assume
uma posição totalitária na formulação e elaboração de seu currículo, pois se fecha em si mesma.
C. Qualidade na Aprendizagem ao Longo da Vida
A aproximação das políticas globais com políticas comerciais encontra respaldo no termo
“paridade de gênero” no RMG (2015b), no qual a igualdade de gênero é medida pela quantidade
de matrículas realizadas nas instituições de ensino, sem qualquer questionamento sobre a função
social que essa instituição realiza sobre os valores que transmite ou sobre seus princípios éticos,
assumindo que o aumento de matrículas é sempre favorável ao desenvolvimento educacional.
Delimita-se, então, uma noção de qualidade em educação. Porém, este aumento de matrículas
é essencial para a qualicação do trabalhador (OFFE, 1990) e posterior ingresso no mercado de
trabalho de escala global.
208
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Questões de gênero na aprendizagem ao longo da vida
Em seu Objetivo 5 – Paridade e igualdade de gênero, o RMG (2015b) apresenta progres-
sos no nível primário em 69% dos países, aumento na quantidade de matrículas de meninas em
comparação com os meninos
15
, maior probabilidade das meninas nunca realizarem matrículas em
relação aos meninos (48% contra 37%), maior probabilidade das meninas matriculadas chegarem
às séries nais enquanto os meninos abandonam a escola (26% contra 20%), além de um dado
especíco sobre a África Subsaariana: “Na Guiné e no Níger, em 2010, mais de 70% das meninas
mais pobres nunca frequentaram a educação primária, contra menos de 20% dos meninos mais
ricos” (UNESCO, 2015b, p.7).
As noções de público e privado foram e são constantemente discutidas no feminismo pela
posição subalterna das mulheres no lar e na frequência dos homens aos lugares públicos, prin-
cipalmente no que diz respeito ao trabalho. O impedimento das mulheres circularem livremente
por locais públicos gerou insatisfações demonstradas pelas ondas feministas ao reclamarem seus
direitos políticos como cidadãs (CABALLERO, 2016). O recorte do RMG (2015b) à educação das
meninas da África Subsaariana e do Oriente Médio deve, no entanto, ser entendida por meio dos
interesses econômicos de agências multilaterais em países subdesenvolvidos. Poder-se-ia dizer,
ainda, que são interesses de caráter notadamente econômico, já que o PIB aparece como principal
marcador nessas políticas globais.
16
Por isso Ball (2010, p. 39) arma que a performatividade é mais uxo do que estrutura: “o
uxo de demandas, expectativas e indicadores em constante mudança que nos fazem continuamente
responsáveis e constantemente registrados”, alterando a concepção foucaultiana de panopticismo de
certeza de vigilância para sua incerteza, o que provoca certa esquizofrenia coletiva de professores
que duvidam o tempo todo de suas competências, habilidades e até mesmo de sua formação, como
esperado pelo discurso da ALV.
A performatividade diz respeito ao “direito de aparecer, uma demanda corporal por um
conjunto de vidas mais visíveis” (BUTLER, 2018a, p.32), ou, em outra assertiva, “a performa-
tividade caracteriza primeiro, e acima de tudo, aquela característica dos enunciados linguísticos
15 “O número de países com menos de 90 meninas para cada 100 meninos matriculados na educação primária caiu de
33 para 16” (UNESCO, 2015b, p.7).
16 Com o avanço de governos ultraconservadores (ROLNIK, 2018), esse caráter economicista pode ser adotado ex-
plicitamente por um presidente da república quando os direitos de minorias sexuais são associados à ideia de “coita-
dismo” (GAÚCHAZH, 2019). Sintoma disto é a extinção da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Di-
versidade e Inclusão (SECADI), substituída pela Secretaria de Modalidades Especializadas em Educação (SEMESP)
pelo Decreto nº 9.465/2019, em uma estratégia deliberada para reorganizar gastos com políticas de inclusão.
209
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Antonio Carlos Dias Junior e Alan Caballero
que no momento de enunciação, faz alguma coisa acontecer ou traz algum fenômeno à existência”
(2018a, p.36). Assim, a performatividade requer os atos de fala para uma articulação entre um
corpo e um gênero.
Para evitar voluntarismos e estruturalismos Butler (2005) põe o corpo em tensão ao propor
a regulação dos gêneros por representações, e a contingência aos erros que acompanham a mate-
rialização desses gêneros. A performatividade nutre-se, assim, de uma imprevisibilidade sobre a
recepção da norma comunicada. Butler (2018a), assim como Ball (2010), reconhece a autossuci-
ência que o neoliberalismo gera nos corpos de indivíduos, rearmando a precariedade na vida de
algumas populações, como as minorias sexuais, ao desalentá-las da possibilidade de formar alianças
pelos valores trazidos por essa doutrina econômica, proporcionando diferentes performatividades
públicas e privadas para os gêneros.
A ALV participa dessas performances se apresentada como uma “microtecnologia de si”:
atua sobre corpos e subjetividades (BALL, 2013). Seu efeito é a descentração do eu pela reeduca-
ção constante (pedagogização do conhecimento), na qual a experiência é descartável e não mais
cumulativa, promovendo a culpa, a incerteza e a instabilidade como sentimentos morais obrigató-
rios para atingir-se o indivíduo empreendedor (BALL, 2010; 2013). Disto resulta uma ontologia
do sujeito plástico em que mulheres são participantes ativas na educação dos lhos no esforço de
converter capital econômico em capital cultural, uma vez que o capital familiar não é suciente
para atender ao mercado em constante mudança.
17
Outro fator relevante é perceber como a feminização do magistério brasileiro atribui às pro-
fessoras mulheres uma relação direta entre cuidado materno e educação, principalmente na Educa-
ção Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental (VIANNA, 2018). Conforme a autora, quanto
mais próximo do Ensino Superior maior a tendência à masculinização do corpo de professores; os
gestores homens, porém, são numerosos em todos os níveis de ensino e seu acesso a essa carreira é
facilitada pela relação entre administração e burocracia com atributos masculinos, tais como razão,
objetividade e controle sobre as próprias emoções, o que traz alguma impessoalidade ao cargo.
17 Nesse esforço de reconversão, Ball (2013, p.149) observa que “empresas no Reino Unido, como a Companhias
do país, oferecem seminários noturnos por £45 por pessoa sobre tópicos como “Criando meninos” e “Criando meni-
nas””.
210
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Questões de gênero na aprendizagem ao longo da vida
Ao compreender “os atos constitutivos não apenas como constitutivos da identidade do
ator, mas também como uma convincente ilusão, um objeto de crença” (BUTLER, 2018b, p.3,
itálico no original), a autora assume que a totalização de um discurso intensica nossa crença nele
para inscrevê-lo num corpo. A identidade de gênero é crença na estabilidade do eu pela repetição
estilizada de atos constitutivos. Assim, o encontro da política com seus “heróis culturais” provoca
uma relocalização desse discurso para o exercício prático de estilização dos atos de alunos/as.
Nestas condições, o gênero é vigiado e supervisionado por um princípio biopolítico inerente
aos direitos humanos. Porém, tal vigilância e supervisão se dão diferentemente na micropolítica
cotidiana, resultando numa tradução imperfeita entre o gênero nas políticas e as políticas estili-
zantes ou, para dizer de outra maneira, há uma imprecisão contingente entre as políticas do corpo
e as políticas no corpo. Corpos reproduzem situações históricas ao dramatizarem as biopolíticas
no próprio corpo, denotando diferentes contextos, estratégias e práticas para a corporalização das
políticas.
Neste sentido, se em Ball (2010; 2013) percebemos a performatividade agindo no sentido da
dessocialização das relações prossionais e educativas para um incentivo ao autointeresse, atitudes
egoístas e competições em várias esferas ao longo da vida
18
; em Butler (2018a) encontramos a per-
formatividade na materialização do corpo (e, portanto, do sexo) como uma resposta aos processos
de identicação, cujas lógicas entre o público e privado não se referem necessariamente às lógicas
de mercado, porém, quando vistas pela ótica do Estado, o gênero apresenta-se como matéria de
economia simbólica de produção de corpos sexuados em direção a uma economia de mercado.
Selecionamos as seguintes estratégias do RMG (2015b) para o combate à desigualdade de
gênero: estratégias integradas para a equidade de gênero - cujo destaque no texto recai sobre
as ações da ONU para Educação de Meninas; Ações para combater o HIV e a Aids - no qual as
abordagens mais amplas são creditadas aos “esforços globais pós-Dakar” (UNESCO, 2015, p.8)
para desenvolver uma “educação completa em sexualidade” num período de urgência; e Ambientes
escolares seguros, saudáveis, inclusivos e homogeneamente equipados –, menciona mais uma vez
18 A crise das relações sociais “autênticas”, como enuncia Ball (2005; 2010), está recongurada numa nova sociali-
zação que tem como princípio a plasticidade. Assim, para evitar uma naturalização conceitual sobre o termo sociali-
zação, assumimos a dessocialização como a desmontagem de antigos valores para a socialização (autenticidade), que
passam por uma nova conguração de socialização (plasticidade) que caracteriza a antiga socialização como dessoci-
alização porque não atende aos requisitos desta nova cultura de mercado.
211
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o Marco de Dakar como uma contribuição para o alcance de “objetivos relacionados à equidade
de gênero e à boa qualidade da educação” (UNESCO, 2015b, p.10), também reconhecendo que “o
trabalho em âmbito global pouco contribuiu para ajudar os países a estabelecer ambientes saudáveis
de aprendizagem”, dada a “falta de foco” de algumas questões amplas (UNESCO, 2015b, p.10).
As recomendações para o pós-2015 são:
1. As escolas deveriam ser seguras, inclusivas e sensíveis a questões gênero,
com ensino e aprendizagem que empoderem os alunos e promovam
relações positivas de gênero.
2. Os recursos deveriam ser priorizados às comunidades em que as
desigualdades de gênero sejam mais evidentes (UNESCO, 2015b, p.34).
Como o documento não determina o que compreende por gênero, lançamos mão de artifícios
interpretativos, como a categoria sexo, para compreender que os sujeitos de direitos são constan-
temente tratados como meninos ou meninas, professoras ou professores e mulheres ou homens.
Nesta chave, gênero é sinônimo de sexo e não menciona sexualidade senão como uma doença
(vírus do HIV ou a AIDS).
O documento também não diferencia igualdade de gênero e paridade de gênero, salvo neste
seguinte trecho:
A igualdade de gênero é mais complexa do que a paridade de gênero
e mais difícil de ser mensurada, pois requer que se explore a qualidade das
experiências de meninas e meninos na sala de aula e na comunidade escolar,
suas conquistas nas instituições educacionais e suas aspirações para o futuro
(UNESCO, 2015b, p.35).
Portanto, o documento privilegia a abordagem quantitativa, insuciente para combater as
desigualdades de gênero (CABALLERO, 2016), uma vez que não menciona homossexualidades
e transexualidades ou mesmo as representações masculinas e femininas na educação e na escola,
responsáveis pelo cerceamento das meninas na esfera privada do lar e de tantos casamentos pre-
coces nas tradições familiares da África Subsaariana ou do Oriente Médio, comprometendo sua
noção de qualidade na educação.
Outro fator importante para a teoria política de Butler (2005; 2017) diz respeito à abjeção,
isto é, como a exclusão de representações de corpos que compõem as identidades dominantes é
212
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Questões de gênero na aprendizagem ao longo da vida
necessária para criar fronteiras de visibilidade. Ao adotar certas representações, o que permite às
políticas globais agir sobre a população representada, a linha imaginária de separação entre os corpos
representados e não representáveis pode comprometer os objetivos de inclusão estabelecidos pela
política. A noção de público e privado trazido pelas políticas globais, lidas num período de forte
presença de atividades neoliberais na educação (mas não apenas nela), dilui as fronteiras entre o
público e o privado para estabelecer suas próprias representações como verdadeiras.
Se um programa político se propuser a transformar radicalmente a situação
social das mulheres, mas antes não levar em conta a construção social da
categoria “mulher” e se ser mulher, por denição, implica uma situação de
opressão – ele é inútil (BUTLER, 2018b, p.7).
Categorias como “mulher” ou “meninas” apresentam-se como universalismos nas políticas
mencionados anteriormente, diferindo apenas na nacionalidade, geograa e políticas destinadas
a diferentes grupos de mulheres que, aparentemente, possuem em comum uma essência não
questionada nestas políticas que as interpreta mulheres (BUTLER, 2017). A invariabilidade desta
categoria impõe um sentido de união e consistência a “mulheres”, por exemplo, necessária para
dar sentido às políticas a partir de contextos citacionais.
A reprodução da categoria de gênero atua em uma grande escala política
quando, por exemplo, as mulheres ingressam pela primeira vez em uma
prossão ou conquistam determinados direitos, ou quando são reconcebidas
pelo discurso jurídico e político de uma maneira signicativamente nova.
Mas a reprodução mais cotidiana da identidade genericada se por
meio de diferentes formas de atuação dos corpos em relação a expectativas
profundamente arraigadas ou sedimentadas de existência genericada. Em
outras palavras, uma sedimentação de normas de gênero produz o fenômeno
peculiar de um sexo natural, ou de uma verdadeira mulher, ou de uma série
de cções sociais prevalentes e imperativas, uma sedimentação que, ao longo
do tempo, produz um conjunto de estilos corporais que, de maneira reicada,
tomam a forma de uma conguração natural de corpos em sexos que existem
em uma relação binária uns com os outros (BUTLER, 2018b, p.8).
A conservação de um ideal de família nuclear é um fator de manutenção dessas naturaliza-
ções, ideal que pode ser reconstruído em políticas públicas. Na perspectiva foucaultiana, poder-
-se-ia com auxílio da história investigar como a burguesia no Ocidente, por conveniência, adota
o racismo biologicista no dispositivo de aliança no período vitoriano como alternativa para os
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Antonio Carlos Dias Junior e Alan Caballero
costumes sexuais: crianças onanistas, mulheres histéricas, pederastas e homossexuais serão alvos
da psiquiatria, da pedagogia e do direito (FOUCAULT, 2015).
Este dispositivo de sexualidade reproduz-se nas políticas quando não é mencionado como
questão, como faz o RMG (2015b, p.35): o “acesso pleno e equitativo de meninas e uma edu-
cação básica de boa qualidade” está resumido, portanto, no aumento do número de matrículas,
desempenho escolar, aprendizagem de línguas e contato com novas tecnologias. Por esta razão a
quinta recomendação (Mudar o foco da paridade para alcançar a igualdade de gênero) refere-se
aos materiais didáticos, programas de treinamento para professores e gestores e currículos “sen-
síveis
19
a questões de gênero” e que devem “incluir o ensino de saúde reprodutiva e sexualidade”
(UNESCO, 2015b, pp.39 e 53).
Nas políticas globais da agenda pós-2015, o reconhecimento parece existir apenas para
gêneros e sexualidades binárias, àquelas que não escapam da inteligibilidade da representação sus-
citada por uma estética normativa de pares complementares (BUTLER, 2005). A visibilidade está
compreendida no direito ao reconhecimento
20
, porém a competitividade de mercado está atrelada
ao não reconhecimento de alguns competidores; já para o gênero, “falar sobre o que é viver uma
vida humana já é admitir que modos humanos de viver estão atados a modos de vida não humanos
(BUTLER, 2018a, p.51).
21
É no enquadramento dos corpos a gêneros “humanizados” ou “huma-
nizantes” que as políticas globais podem ser lidas como biopolíticas, cujos aspectos totalitários
encontram-se em políticas nacionais, visto que o global se atualiza no local.
Conclusões
Nossa análise buscou captar duas formas de perceber performatividades na interpretação das
políticas globais de uma agenda pós-2015, como demonstrado pela Declaração de Incheon (2015a),
pelo RMG (2015b), pela BNCC (2017) e pela LDB (1996) - reatualizada no cenário global pela
Lei nº 13.632/2018. A atualização destas ideias está sujeita à imprevisibilidade de suas condições
de implementação nas escolas, levada adiante pelos “heróis culturais” destas políticas: os gestores
19 Cuja natureza dessa sensibilidade não é mencionada em momento algum,.
20 Para uma discussão sobre os efeitos psicológicos do processo de reconhecimento, ver Butler (2016).
21 Questão que nos coloca diante de como fazer (ou estranhar) um currículo queer em contextos de globalização
(LOURO, 2008).
214
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escolares. As políticas curriculares deslocam-se no espaço, provocando ruídos em seus signos
globalizados: sua signicação é acompanhada de dessignicação e falta de sentido, que se com-
pletam nas relações geopolíticas que a política mobiliza e nas reconexões de uma globalização
em que tudo não está interligado com tudo.
As políticas globais não são políticas de identidades, no sentido de Butler (2017), porém,
para falar como Massey e Keynes (2004, p. 9) “o espaço [do qual decorre e onde ocorrem essas
políticas] é, desde o início, parcela integrante da constituição daquelas subjetividades políticas”,
o que nos permite ler as políticas globais como políticas locais, sendo as experiências globais tra-
duções de localidades políticas em redes de subjetividades. As políticas curriculares, como outras
políticas públicas (CAMPELLO, 2017; OLIVEIRA & CARVALHO, 2011; MILANEZI, 2011;
PIRES, 2011)
22
, podem fazer da identidade um princípio de ação política para o cumprimento de
direitos fundamentais pautados em espaços ao invés de tempos (como o progresso, o desenvolvi-
mento, o moderno, o avanço) quando público e privado não impedem as “assembleias de corpos”
(BUTLER, 2018a), situações em que abjeção e normalidade são produzidos simultaneamente.
O local, particularidade do global que pode compô-lo ou não (e mesmo quando isto ocorre
não se igualam), é alvo de um corpo temporalizado pela ideia de desenvolvimento normal, de ciclos
na história da humanidade e de natureza comportamental. As performatividades de Ball (2001)
e Butler (2017) contribuem para denunciar a produção e normatização dos corpos que recorrem
ao pensamento jurídico do direito soberano para instaurar normas nos territórios (FOUCAULT,
2015), para as quais a racionalidade, a objetividade e a cognição (ideais masculinizados) presen-
tes no conceito exível de ALV na agenda pós-2015 para a educação apresenta-se também pela
lógica da binaridade e do heterossexismo ao não contraporem o “modelo expressivo do gênero”,
responsável por estruturar crenças de um eu estável, individual e pré-discursivo no lugar de
representá-las como estruturas de ontologias insucientes para retratar as cções performativas
do gênero (BUTLER, 2018b).
22 Duvidamos das políticas para duvidar do papel do Estado ao iniciar nosso processo investigativo. Não podemos,
porém, armar rigorosamente se outras políticas que não aquelas aqui apresentadas ou políticas educacionais, de for-
ma geral, tenham função biopolítica. Cada caso deve ser investigado em suas particularidades históricas e geográcas
para que nuances de tradução das políticas possam ser percebidas, como buscamos proceder aqui na “glocalização”
do gênero em políticas.
215
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Finalmente, salientamos que políticas globais (experiências locais globalizados) entendidas,
sobretudo, pelos uxos da performatividade competitiva
23
(BALL, 2005) podem exibir estruturas
da performatividade de gênero (BUTLER, 2017) que nos permitem lê-las como políticas sociais
do sexo, isto é, estratégias biopolíticas para controlar e regular a população através de seu gênero,
confrontando suas liberdades individuais em virtude do mercado e/ou sacralização do Estado,
ambas correntes nas políticas educacionais do Brasil.
Agradecimentos
Agradecemos à CAPES pela concessão da bolsa que tornou possível a elaboração deste
artigo, fruto de reexões da pesquisa de mestrado em andamento no PPGE/Unicamp: “Corpo e
gênero na escola: o trabalho dos gestores escolares num campo de disputas”. Também agradecemos
as leituras e correções generosas de Mirele Corrêa e Hugo Romano Mariano.
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23 Para diferenciar a performatividade evocada por Stephan Ball daquela elaborada por Judith Butler (e evitar con-
fusões) utilizamos “performatividade competitiva” em contraposição à “performatividade de gênero”, caso contrário
deveríamos utilizar “cultura da performatividade” para explicar o processo de subjetivação que decorre dos encontros
entre educação e mercado, porém, a “performatividade de gênero”, a nosso ver, poderia ser classicada como uma
“cultura da performatividade” em sentido abrangente ao subjetivar as identidades sexuais.
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Recebido em: 01 de outubro de 2020.
Avaliado em: 20 de março de 2020.
Esta obra está licenciada com uma Licença Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional.
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Percepções da comunidade escolar sobre os resultados qualitativos e quantitativos em uma escola integral
PERCEPÇÕES DA COMUNIDADE
ESCOLAR SOBRE OS RESULTADOS
QUALITATIVOS E QUANTITATIVOS
EM UMA ESCOLA INTEGRAL
ALESSANDRA MARCOS AGUIAR
Universidade de Pernambuco (UPE). Mestre em Educação pela Universidade de
Pernambuco. Professora da Secretaria de Educação e Esportes do estado de Pernambuco.
ORCID: 0000-0003-2232-8704. E-mail: alessandramarcos10@hotmail.com
ODALÉA FEITOSA VIDAL
Universidade de Pernambuco (UPE). Doutora em Educação pela UFAL. Professora Adjunta na
Universidade de Pernambuco. ORCID: 0000-0002-6759-0784. E-mail: odalea.vidal@upe.br
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Salvador, v.5, n.1 p.220-240, jan/abr. 2020
Alessandra Marcos Aguiar e Odaléa Feitosa Vidal
PERCEPÇÕES DA COMUNIDADE ESCOLAR SOBRE OS RESULTADOS QUALITATIVOS E
QUANTITATIVOS EM UMA ESCOLA INTEGRAL
O objetivo deste artigo é perceber, a partir da escuta da comunidade escolar, os impactos dos resultados
obtidos por uma escola integral do município de Surubim, no estado de Pernambuco. Para tanto, procedeu-
se a uma pesquisa quali-quantitativa, por meio de aplicação de questionários estruturados. A metodologia
norteou-se pela pesquisa-ação, com dados obtidos por um grupo focal. Percebeu-se, o reconhecimento da
comunidade escolar sobre o papel da gestão na oferta de um ensino com qualidade social, por meio de
variados projetos pedagógicos. Espera-se que os achados desta investigação possam inspirar outras escolas
integrais, a m de enriquecer sua rotina escolar com ações signicativas e fomentadoras de protagonismo.
Palavras-chave: Educação Integral. Comunidade Escolar. Projetos Pedagógicos.
SCHOOL COMMUNITY PERCEPTIONS ABOUT QUALITATIVE AND QUANTITATIVE
RESULTS IN AN INTEGRAL SCHOOL
The objective of this article is to understand, from the listening of the school community, the impacts of the
results obtained by an integral school in the municipality of Surubim, in the state of Pernambuco. Therefore,
a qualitative and quantitative research was carried out, using structured questionnaires. The methodology
was guided by the action research approach, with data obtained from a focus group. It was noticed the
recognition of the school community on the role of school management in offering a teaching with social
quality, through several pedagogical projects. It is expected that the ndings of this investigation may inspire
other integral schools, in order to enrich their routine with actions and protagonism promotion.
Keywords: Integral Education. School Community. Pedagogical Projects.
PERCEPCIONES DE LA COMUNIDAD ESCOLAR SOBRE LOS RESULTADOS CUALITATIVOS
Y CUANTITATIVOS EN UNA ESCUELA INTEGRAL
El objetivo de este artículo es comprender, a partir de la escucha de la comunidad escolar, los impactos de
los resultados obtenidos por una escuela integral en el municipio de Surubim, ne el estado de Pernambuco.
Para esto, se realizó una investigación cualitativa y cuantitativa, mediante la aplicación de cuestionarios
estructurados. La metodología fue guiada por la investigación-acción, con datos obtenidos por un grupo
focal. Se notó el reconocimiento de la comunidad escolar sobre el papel de la gerencia en ofrecer una
enseñanza con calidad social, a través de diversos proyectos pedagógicos. Se espera que los resultados
de esta investigación puedan inspirar a otras escuelas integrales, a n de enriquecer su rutina escolar con
acciones signicativas que promuevan el protagonismo.
Palabras clave: Educación Integral. Comunidad Escolar. Proyectos pedagógicos.
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Percepções da comunidade escolar sobre os resultados qualitativos e quantitativos em uma escola integral
PERCEPÇÕES DA COMUNIDADE ESCOLAR SOBRE OS
RESULTADOS QUALITATIVOS E QUANTITATIVOS EM UMA
ESCOLA INTEGRAL
Introdução
As atividades pedagógicas desenvolvidas no chão da escola demonstram ter relevância,
quando promovem a emancipação e protagonismo dos estudantes. Promovendo vivências reais,
que os preparem para sua atuação na sociedade, quer seja por meio das futuras práticas acadêmicas,
ou no mundo do trabalho. No entanto, esta contribuição dos educadores na vida do jovem, precisa
ser acompanhada por toda a comunidade escolar, pois é a partir dessa cooperação que serão obtidos
resultados qualitativos e quantitativos na instituição escolar.
O presente artigo tem como objetivo, perceber, a partir da escuta da comunidade escolar, os
impactos dos resultados obtidos por uma escola integral do município de Surubim, Pernambuco.
Além disso, serão apresentados os desaos da escola integral, as vozes da comunidade, através
da perspectiva da pedagogia de projetos.
Para tanto, utilizou-se em sua metodologia, o tipo de pesquisa exploratória, que através de
métodos qualitativos proporcionará o levantamento de informações, a construção de hipóteses,
a familiaridade com os objetos teóricos e empíricos, bem como com a questão geradora, o que
levou a uma coleta de dados que serviu de base para análise e resultado nal do trabalho. Foram
analisados, ainda grácos informativos e resultados de instrumentos como questionários.
A participação efetiva da comunidade escolar nas decisões da escola tem sido bastante evi-
denciada nos últimos anos, quando se tem dado maior atenção à valorização dos órgãos colegiados
e representações estudantis. É devido a esse feedback que as escolas têm avançado na questão da
gestão democrática.
De acordo com Röhr (2013), como orientação para a reexão pedagógica, não podemos nos
basear apenas em referências externas. Devemos nos fundamentar na integralidade do ser humano,
levando em conta todas as suas dimensões, embora saibamos que a inuência de fatores externos
também interfere no seu processo educativo.
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Alessandra Marcos Aguiar e Odaléa Feitosa Vidal
Ainda segundo este autor, a educação é um ato político. É a partir da conquista das novas
gerações que se procura o domínio da situação, a perpetuação de domínios políticos, a divulgação
de credos e a imposição de interesses econômicos. Nesse sentido a educação acaba se tornando
serva desses interesses e satisfações político-sociais, envolvendo seus agentes no fortalecimento
de sua perpetuação. Como agentes aqui, entendemos todos os envolvidos no processo educativo:
prossionais da educação, estudantes etc.
Em uma escola integral, investe-se na formação do ser, tomando por base os princípios nor-
teadores da Educação Interdimensional, que enfatizam o protagonismo juvenil e o desenvolvimento
das dimensões do ser humano: Logos, Mytho, Pathos e Eros, buscando ainda no dia-a-dia estar
pautados nos pilares da educação: Aprender a Conhecer, Aprender a Fazer, Aprender a Conviver,
Aprender a Ser (DELORS, 2010).
Embora o foco seja no aspecto pedagógico, outros necessitam estar a serviço do bem-estar do
jovem estudante, que por sua vez necessita de condições mínimas para o desenvolvimento cognitivo
favorável. A partir desta necessidade, uma escola de referência em ensino médio (EREM) deve
buscar desenvolver no seu dia-a-dia, atividades diversas que além de garantir o cumprimento da
carga horária e a grade curricular, deve também proporcionar momentos de interação, descontração,
reexão, protagonismo e convivência.
Especialmente através do protagonismo juvenil, o jovem é convidado a programar, articular,
realizar, ser avaliado e recompensado por atividades que constituem o calendário cultural da escola
e projetos diversos, como os citados anteriormente.
A escola integral e seus desaos
As conquistas diárias, realizadas por gestão, docentes e funcionários representam um ganho
enorme na função social da escola. Os resultados colhidos em cada ação feita na coletividade, de-
monstram o quanto temos avançado. No entanto, uma escola em tempo integral não possui apenas
aspectos positivos, que levam os estudantes a melhores resultados. uma série de desaos diários,
de toda ordem, que por vezes impedem a consecução de certas tarefas.
A escola em tempo integral, oferece aos jovens uma realidade bem distinta daquela conhe-
cida por eles na escola regular. A começar pela permanência diária em tempo integral, bastante
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Percepções da comunidade escolar sobre os resultados qualitativos e quantitativos em uma escola integral
cansativa, eles ainda se deparam com diferenciais como: um aumento considerável no quantitativo
de disciplinas, o novo sistema de avaliação, que inclui semanas de exames, semanas de simulados,
datas determinadas para segundas oportunidades, devidamente justicadas e solicitadas em tempo
hábil, aceitação de refeições padronizadas, servidas por rmas terceirizadas, foco em avaliações
externas, maior cobrança em relação a cumprimento de horários, respeito às normas de convivência,
resultados a serem atingidos, entre outras.
Não parece ser fácil, pertencer a uma escola com este funcionamento, especialmente se
durante o ensino fundamental não tiveram nenhum conhecimento e muito menos vivência deste
sistema. Por este motivo, é necessário por parte dos prossionais de escolas em tempo integral:
professores, funcionários de limpeza, alimentação, segurança, administrativo disciplina e equipe
gestora; garantir o bem-estar, a atenção e toda a gama de subsídios necessários à permanência
prazerosa deste jovem no ambiente escolar e sua formação interdimensional.
Há de se considerar, então, que os jovens inseridos no espaço escolar têm suas
vivências e experiências nesse espaço e é nele que também terão, ao menos em
parte, sua subjetividade constituída a partir das, e nas relações que aí estabelece
com seus pares os colegas, professores, coordenadores; enm, é nessa rede
de relações mantidas com os outros sujeitos que ele se constituirá como sujeito
social, bem como construirá sua singularidade. (MANCINI, 2006, p.62).
De acordo com este autor, é a partir das relações estabelecidas e vivenciadas no dia a dia da
escola, com as pessoas que a compõem, que o jovem estará construindo as suas características, suas
especicidades, características estas que denirão este jovem enquanto ser individual que convive
em sociedade. Ou seja, é neste espaço de convivência e aprendizagem que o jovem construirá sua
identidade como cidadão.
É fato que a escola em tempo integral requer uma adequação e investimentos constantes de
forma que possa oferecer ao estudante, o mínimo de condições possíveis que possibilite seu bem-
estar, uma vez que passa na escola o dia inteiro, todos os cinco dias úteis da semana. Isso signica
entre outras coisas: transporte escolar garantido, espaços adequados, recursos humanos sucientes
e preparados para lidar com esta clientela, acesso a internet, alimentação balanceada e de qualidade,
acompanhamento e atenção voltados para o desenvolvimento de suas habilidades e até mesmo
auxílio pessoal, podendo suprir assim suas necessidades físicas, sociais, intelectuais e emocionais.
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Alessandra Marcos Aguiar e Odaléa Feitosa Vidal
De acordo com as diculdades nanceiras pelas quais atravessa o nosso país atualmente,
torna-se cada vez mais difícil atender a estas exigências. Além disso, se faz necessária também
certa disponibilidade da família para acompanhar todo o processo de desenvolvimento destes es-
tudantes, apoiando a escola de maneira que juntas, escola e família, possam exercer suas funções
no processo de desenvolvimento de cada um. Como arma Piaget (2007):
Uma ligação estreita e continuada entre os professores e os pais leva, pois a
muita coisa que a uma informação mútua: este intercâmbio acaba resultando
em ajuda recíproca e, frequentemente, em aperfeiçoamento real dos métodos.
Ao aproximar a escola da vida ou das preocupações prossionais dos pais, e
ao proporcionar, reciprocamente, aos pais um interesse pelas coisas da escola
chega-se até mesmo a uma divisão de responsabilidades. [...] (PIAGET, 2007,
p.50)
A escola deve preocupar-se ainda em proporcionar momentos de interação entre ela e a
família, de forma que os pais e/ou responsáveis, apesar de suas próprias diculdades, sintam-se
partícipes no trabalho que a escola desenvolve na formação de seus lhos, o quanto sua presença
é necessária para a construção deste cidadão que tem como formação inicial a própria família.
A escola oferece a educação sistemática, porém formação principal se dá na corresponsabilidade
com a família.
A formação continuada dos professores e a presença pedagógica de todos os prossionais da
escola é outro fator de suma importância e responsabilidade para o bom funcionamento e resultados
numa escola de tempo integral. Pereira (2011, p. 69), destaca que:
A docência, portanto, é uma atividade complexa porque a realidade na qual
o professor atua é dinâmica, conituosa, imprevisível e apresenta problemas
singulares que, portanto, exigem soluções particulares. Exige mobilizações de
saberes para o cumprimento do objetivo de educar que é: o desenvolvimento
das diferentes capacidades – cognitivas, afetivas, físicas, éticas, estéticas, de
inserção social e de relação interpessoal – dos educandos, que se efetiva pela
construção de conhecimentos.
Esta citação aponta para a necessidade de uma melhor atuação escolar, mais especicamente
com a escola em tempo integral, pois, de acordo com o que vimos, refere-se não apenas à forma-
ção no sentido pedagógico, cognitivo, mas aos aspectos enfatizados neste modelo de escola em
relação às dimensões do ser: racional, espiritual, afetiva e corpórea. Além de referir-se também a
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Percepções da comunidade escolar sobre os resultados qualitativos e quantitativos em uma escola integral
aspectos relacionados a relações interpessoais, uma das maiores preocupações do corpo docente e
da equipe gestora desse modelo de escola, especialmente no 1º ano, quando o (a) estudante novato
(a) enfrenta diversas mudanças no seu novo ambiente, cotidiano e contatos com pessoas diferentes,
vindas também de diferentes realidades.
Mediante todos esses aspectos, podemos perceber um pouco da complexidade e dos desaos
de estar à frente de uma instituição de ensino integral.
De acordo com Dourado, Oliveira, Santos (2007), a organização da escola precisa contribuir
para a qualidade da educação, valorizando os sujeitos envolvidos no processo, os aspectos pedagó-
gicos, as expectativas dos envolvidos com relação a aquisição dos saberes escolares signicativos
e às diferentes possibilidades de trajetórias prossionais futuras.
Sendo assim, de forma a garantir uma educação de qualidade, pautada nos princípios de
gestão democrática, deve-se perpassar pela articulação entre as atividades administrativas e peda-
gógicas e priorizar a participação e o envolvimento de todos os sujeitos que compõem o processo
de ensino e aprendizagem.
Torna-se importante analisar uma das premissas interdimensionais: A Pedagogia da Presen-
ça. De acordo com Costa (2001, p. 26): “Esta é uma postura que exige de quem educa, uma clara
noção do processo e uma ágil inteligência do instante, implicando a necessidade de combinar, de
forma sensata, uma boa dose de senso prático com uma apreciável veia teórica”. É claro que o
professor é a gura que possui contato mais direto com os estudantes e por isso mesmo possui
mais condições de representar esta presença na vida dos mesmos, conhecer suas histórias de vida
que reetem muitas vezes em seus comportamentos, relacionamentos e resultados.
Não podemos esquecer, porém, que estamos nos referindo a uma escola de funcionamento
em horário integral, onde todos os funcionários passam os cinco dias da semana, de manhã à tarde,
convivendo com estes estudantes, como os quais acabam tendo, às vezes, mais contato do que com
os próprios familiares. Sendo assim, é preciso muito cuidado, atenção e providência no sentido
de signicar presença marcante positiva, apoio e exemplo para estes jovens. Anal, somos todos
educadores, temos um compromisso com a formação de cada estudante, seja ela nos aspectos:
intelectual, corporal, espiritual e afetivo.
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Alessandra Marcos Aguiar e Odaléa Feitosa Vidal
Em relação ao gestor escolar este deve ser um mediador de todos os aspectos que compõem
o processo de ensino e aprendizagem: o pedagógico, o administrativo, o relacional, dando ênfase à
participação de todos no sentido de desenvolver uma gestão democrática, voltada para os interesses
da comunidade em consonância com a realidade na qual está inserida.
É importante ressaltar que o ensino médio é a fase em que, além de estar aprofundando os
conhecimentos obtidos no ensino fundamental, o jovem estará vivendo a fase da adolescência,
talvez a mais crítica do ser humano, também é a fase em que ele se encontra a denir sua trajetória
de vida e de trabalho.
Considerando-se que seja um grande desao para a família e para o estado garantir formação
educativa no ensino médio, muito mais educação em tempo integral. Sendo assim, esta proposta
apresenta diversos tipos de diculdades e desaos que requerem uma atenção e providências es-
pecícas para sua efetivação com qualidade. Sobre isto Krawczyk (2013) arma que:
Essas mudanças no sistema educacional brasileiro são de extrema importância,
porque conferem à educação média o estatuto de direito de todo cidadão. Mas,
não é uma tarefa fácil a denição de políticas para esse nível de ensino em
razão da falta de consenso sobre sua função social, pois o processo de expansão
gera novos desaos para a comunidade educativa: é preciso criar condições
institucionais e de aprendizagem em sintonia com o mundo contemporâneo
para toda a população e, principalmente, faz-se necessária uma cultura social
democrática que tenha como princípio de qualidade a inclusão de todos nossos
jovens numa relação signicativa com a escola. (KRAWCZYK, 2013, p. 3)
Diante deste contexto, é importante salientar que o país vive hoje uma crise socioeconômica
crítica, e a educação, que deveria ser uma das prioridades para o pleno desenvolvimento da cidada-
nia, também se encontra neste estado de mudanças e incertezas. É certo que o número de escolas
em tempo integral vem aumentando, porém também é correto armar que o modelo brasileiro
de infraestrutura e manutenção dessas escolas, deixa muito a desejar, assim como a organização
e o funcionamento do currículo, especialmente se considerarmos o mundo contemporâneo e as
necessidades de nossos jovens.
Talvez o problema esteja no fato de que, simplesmente importar um modelo de escola de
outros países que possuem realidades totalmente diferentes da nossa, sem levar em conta essas di-
ferenças, não seja a solução para que tenhamos nossas necessidades atendidas de forma satisfatória.
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Percepções da comunidade escolar sobre os resultados qualitativos e quantitativos em uma escola integral
Sander (2015) torna-se ainda mais especíco e objetivo em relação ao funcionamento das
escolas de ensino médio em tempo integral quando arma:
A integração da cultura ao mundo da ciência e do trabalho é exigência
fundamental de uma concepção unitária e integral de educação básica. As
atividades culturais e lúdicas são fatores determinantes da formação para a
cidadania e a convivência social de crianças e adolescentes, jovens e adultos.
Este fato torna-se um elemento adicional em favor da escola em tempo integral,
no sentido de que ela permite reservar tempo e espaço para o desenvolvimento
do talento cultural e artístico e da atividade esportiva, elementos constitutivos
da qualidade de vida humana em sociedade. Este posicionamento político-
pedagógico implica a ampliação e reestruturação das escolas públicas, mediante
a instalação de quadras poliesportivas e espaços culturais como auditórios e
bibliotecas. (SANDER, 2015, p. 20).
Partindo das concepções destes dois autores acima citados que enfatizam a necessidade de
investimentos e aperfeiçoamento nas áreas física, material, humana e prossional, e, trazendo o
foco para a escola in lócus, além dos desaos citados, que possuem os seus desdobramentos em
relação a material didático, alimentação, acréscimo de quantitativo e especializações de recursos
humanos, entre outros, podemos ainda citar, de acordo com a vivência na escola in lócus, como
desaos constantes:
a) A ausência da família, como principal responsável pela formação do cidadão, que necessita
participar democraticamente do dia-a-dia da escola;
b) O diferencial entre o funcionamento das escolas de ensino fundamental em tempo regular
e esta nova realidade no ensino médio;
c) A desestruturação dos valores éticos, morais e religiosos, que juntos, todos esses fatores
levam às diculdades de adaptação e relacionamento, de conscientização e formação crítico-
-construtiva, de autoarmação, o que torna mais trabalhoso e difícil o papel social da escola;
d) A estrutura física, manutenção e a falta de investimento em recursos físicos e humanos
que favoreçam o processo do ensinar e do aprender.
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Todos esses pontos incidem em um dos maiores desaos no decorrer dos anos que é o de
superar as metas estipuladas anualmente, no Índice de Desenvolvimento da Educação de Pernam-
buco (IDEPE), fato que ainda gera a concorrência entre muitas instituições, descaracterizando uma
das funções da educação, que é a de humanização.
O percurso metodológico da pesquisa
Este trabalho foi realizado inicialmente a partir do levantamento bibliográco, baseado em
autores como Gadotti (2016), Costa (2008), Delors (2010). Foram realizadas ainda observações na
escola lócus da pesquisa, bem como questionário com membros da comunidade escolar e repre-
sentantes da Gerência Regional de Educação de Pernambuco (GRE), para o levantamento, análise
e consolidação de resultados que levassem ao resultado deste estudo. As Gerências Regionais de
Educação integram a estrutura básica da Secretaria de Educação, distribuídas em regiões geográcas
estratégicas, tendo, entre outras atribuições, que exercer ações de supervisão técnica, orientação
normativa e de articulação e integração, tendo em vista a melhoria da qualidade do ensino.
O primeiro passo, após o estudo de teóricos acerca do tema, foi a observação do ambiente
escolar, seu funcionamento, as atividades realizadas no dia a dia e a vivência dos estudantes com
tudo e com todos.
A pesquisa teve uma abordagem qualitativa, pois, de acordo com Gil (2014, p. 42), “os
métodos qualitativos são empregados através das pesquisas do tipo exploratório”, que têm como
objetivo proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo mais explícito ou
a construir hipóteses e também porque é uma pesquisa que envolve: levantamento de bibliograa
correlata, opiniões de pessoas entrevistadas sobre suas vivências junto ao problema pesquisado,
além de exemplos analisados.
Partindo deste princípio, iniciamos este trabalho apresentando uma abordagem cientíca
sobre o tema principal: escolas de ensino médio em tempo integral, utilizando referências de vários
autores, abrangendo uma retrospectiva da implantação e funcionamento da escola, até a aplicação,
análise e apresentação dos resultados do questionário com o grupo focal com integrantes da escola
lócus da pesquisa.
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Percepções da comunidade escolar sobre os resultados qualitativos e quantitativos em uma escola integral
Optou-se pela metodologia da pesquisa-ação que segundo, Thiollent (2016, p. 36), este
percurso metodológico pressupõe uma concepção de ação, que “requer, no mínimo, a denição
de vários elementos: um agente (ou ator), um objeto sobre o qual se aplica a ação, um evento ou
ato, um objetivo, um ou vários meios, um campo ou domínio delimitado”.
Através deste tipo de pesquisa, aplicamos um questionário com agentes que compõem a
comunidade educativa, como: professores, funcionários, estudantes, ex-estudantes, familiares, re-
presentante da gerência regional e parceiros da escola, analisar no contexto escolar, a fala de cada
um dos sujeitos da pesquisa. Buscou-se, não somente apresentar suas respostas, mas relacioná-las
ao teor desta pesquisa, que se refere especicamente à função social desta escola de ensino médio
em tempo integral, seus desaos e sua contribuição na educação da cidade. Ao todo, foram 14
questionários, aplicados, sendo, 3 funcionários, 3 mães, 3 estudantes, 1 professor, 1 representante
da GRE, 1 nutricionista da Secretaria de Educação e 2 ex-alunos.
Tivemos como lócus da pesquisa a Escola de Referência em Ensino Médio Maria Natalícia
Figueiroa da Silva (ERNAF), situada à Vila da Cohab II, área suburbana do município de Surubim,
agreste setentrional de Pernambuco. A ERNAF, como é conhecida foi transformada em EREM
no ano de 2008, tendo sido pioneira entre as demais escolas de referência em ensino médio de
Pernambuco e única no município à época.
Em 2018, no período da pesquisa, a escola funcionava com oito turmas de ensino médio no
horário de 7h20 as 16h50, diariamente. Contava ainda com um quantitativo de 09 (nove) profes-
sores ligados ao Programa de Educação Integral, da Secretaria Executiva de Educação Prossional
de Pernambuco, 04 (quatro) professores efetivos, não ligados ao Programa e 07 (sete) professores
contratados por processo seletivo da Secretaria de Educação e Esportes, 03 (três) funcionários
administrativos e 07 (sete) terceirizados.
A equipe gestora era composta por: uma gestora, um assistente de gestão, uma secretária,
uma educadora de apoio. A equipe técnico-administrativa contava com uma coordenadora de
biblioteca e uma analista em gestão educacional.
Os estudantes totalizavam 296, distribuídos entre os três primeiros anos, três segundos e dois
terceiros anos. A referida instituição encontra-se jurisdicionada à Gerência Regional de Educação
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Alessandra Marcos Aguiar e Odaléa Feitosa Vidal
(GRE) Vale do Capibaribe, Secretaria Executiva de Educação Prossional (SEEP) e da Secretaria
de Educação e Esportes (SEE) de Pernambuco. Foram contemplados para a pesquisa, representantes
de professores, funcionários, estudantes, ex-estudantes e familiares que formaram o grupo focal
para coleta de dados que serviram de base para análise e concretização deste trabalho.
A coleta de dados foi feita por meio da análise de conteúdo (BARDIN, 2015). Um núme-
ro signicativo de autores de livros, artigos e dissertações foram pesquisados para a tomada de
conhecimento acerca da implantação, funcionamento e resultados da escola de ensino médio em
tempo integral no estado de Pernambuco. Bem como foram apresentados dados bibliográcos que
evidenciam a implantação, funcionamento e resultados da ERNAF.
Para retratar o funcionamento, os desaos e resultados da ERNAF na história da educação
de nossa comunidade, inicialmente foi aplicado um questionário semiestruturado com o grupo
focal formado por representantes da nossa regional de educação, de funcionários, professores e
colaboradores da escola, pais, estudantes e ex-alunos, com o intuito de obter dados capazes de
direcionar as próximas etapas da pesquisa. Ou seja, qual o diferencial que podemos evidenciar no
funcionamento da escola em tempo integral e como ela se revela na qualidade de vida do estudante
desta escola e sua formação integral.
O questionário, segundo Gil (1999, p.128), pode ser denido “como a técnica de investi-
gação composta por um número mais ou menos elevado de questões apresentadas por escrito às
pessoas, tendo por objetivo o conhecimento de opiniões, crenças, sentimentos, interesses, expec-
tativas, situações vivenciadas etc.”
Este é o motivo pelo qual optamos pela aplicação do questionário com grupo focal da
comunidade educativa: a coleta de informações oriundas de dados amostrais a partir da vivência
de situações e experiências que nos permitiu coletar informações da realidade para a análise e
conclusão.
Através do questionário, abordamos de início as seguintes questões: Qual a importância
da escola em tempo integral para a educação do nosso município, do nosso estado, do nosso país?
Quais as principais diferenças entre o ensino da escola regular e o da escola em tempo integral?
Quais as principais vantagens que podemos destacar no trabalho desenvolvido pela ERNAF?
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Percepções da comunidade escolar sobre os resultados qualitativos e quantitativos em uma escola integral
Quais as principais diculdades e desaos encontrados pela ERNAF? Como se dá a contribuição
do trabalho desenvolvido pela ERNAF para o desenvolvimento integral do ser nas suas dimensões:
afetiva, cognitiva, espiritual e de corporeidade?
Partindo desses questionamentos apresentamos a função social da ERNAF, seus desaos
e contribuições para a educação interdimensional do ser, uma educação que faz a diferença, con-
solidamos, assim, a prática construtiva e mediadora deste trabalho até seu desfecho.
Como funcionalidade foi analisada a organização da instituição enquanto horário, carga
horária, recursos humanos, projetos, entre outros dados encontrados no Projeto Político Pedagógico
(PPP) da própria escola, bem como a losoa norteadora.
Os desaos foram representados especicamente através da questão da adaptação dos
estudantes em relação ao horário, relacionamento, processo avaliativo, espaço físico, recursos
humanos e materiais, superação das metas e subsídios para o funcionamento e bons resultados
através de uma educação de qualidade.
Os resultados foram retratados através dos índices de crescimento nas avaliações internas
e externas durante a última década, encontrados em sites do MEC, Secretaria de Educação, entre
outros. Os resultados para os estudantes e sua vida em sociedade, as contribuições dessa escola,
foram relatados na fala dos sujeitos participantes do grupo focal questionadas: representantes da
regional, de funcionários, professores, estudantes, ex-estudantes, colaboradores da escola.
Uma vez pesquisado, o material informativo foi analisado pelo grupo focal e serviu de
subsídio para a organização do trabalho de análise de conteúdo propriamente dito, contemplando
basicamente os seguintes tópicos: relevância das escolas em tempo integral para a educação; dife-
rencial das escolas regulares e das escolas em tempo integral no estado de Pernambuco; benefícios
destacados no trabalho desenvolvido pela escola pesquisada; principais desaos da escola in lócus;
contribuição da escola in lócus no desenvolvimento integral de seus estudantes.
Como se refere Bardin (2015) em relação à análise de conteúdo, esta consiste de um con-
junto de técnicas que se utiliza de procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo
das mensagens contidas nas comunicações que serão analisadas. A inferência de conhecimentos
ligados às condições de produção ou de recepção retrata a intenção da análise de conteúdo.
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Alessandra Marcos Aguiar e Odaléa Feitosa Vidal
De acordo com esta concepção, a análise de dados de certa forma se congura na inter-
pretação de respostas obtidas através das respostas contidas no(s) instrumento(s) da coleta destes
dados. Estas são uma representação da realidade experimentada pelos sujeitos questionados, e
representam ação imprescindível no resultado de trabalhos cientícos, baseados na pesquisa ação
qualitativa.
Sendo assim, pelo teor deste trabalho, seus objetivos e objeto de estudo, tornou-se impres-
cindível a explanação, na íntegra, das respostas obtidas no questionário aplicado ao grupo focal e a
análise realizada pela autora, que por possuir contato direto e constante com a realidade da escola,
facilita a interpretação e a discussão desses resultados.
Resultados qualitativos e quantitativos em uma escola integral: nossos achados
por meio da Pedagogia de projetos.
Os projetos desenvolvidos na escola precisam conduzir o estudante em um processo que
envolva produção, questionamentos e o hábito de pesquisar. Na pedagogia de projetos, estas
atitudes são ainda complementadas pela criação de relações, o incentivo a novas investigações,
compreensões e modos de reconstruir a informação (PRADO, 2003).
Para esta autora, os projetos desenvolvidos de maneira articulada, que contam com o pro-
tagonismo de vários atores no processo educativo, são de grande importância, pois, articulam o
projeto da gestão escolar com o que o professor desenvolve em sala de aula, propiciando o desen-
volvimento de projetos de interesse comum (IDEM). Diante do exposto é relevante informar que a
ERNAF lócus da pesquisa, desenvolve ações através da Pedagogia de Projetos, que vem dialogar
com a realidade da escola e seus partícipes.
Durante o período da pesquisa, foi possível observar a rotina da escola e as variadas ações
pedagógicas desenvolvidas ao longo do ano. São atividades de acolhida dos novos estudantes, de
dias festivos, como o carnaval, dia dos namorados, festa junina e Natal. Além de outras de cunho
pedagógico, a exemplo de monitoria estudantil, gestão participativa e compartilhamento de vivências
em sala de aula. As atividades mencionadas são assim intituladas: ERNAFOLIA, ERNAMORO,
Projeto Show de Talentos, ERNAFORRÓ, Projeto Afro-indígena na escola, ERNAFELIZ, Desle
Cívico e outros.
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Percepções da comunidade escolar sobre os resultados qualitativos e quantitativos em uma escola integral
Para ns deste estudo, nos deteremos em um destes projetos desenvolvidos na escola: o
Projeto Gestão Participativa.
A partir do mês de março do ano de 2018, a equipe gestora da ERNAF deu início ao Projeto
Gestão Participativa, caracterizado por encontros bimestrais entre a equipe gestora, diretoria do
grêmio estudantil, Nelson Barbosa, e estudantes representantes de todas as turmas. Este projeto
tem por objetivo principal, fortalecer o trabalho da escola com foco na gestão democrática de
forma a proporcionar aos estudantes um sentimento de pertencimento, cada vez mais aguçado,
levando-os a perceberem-se como o centro da função social da escola, com seus direitos e deveres,
na construção de uma educação de qualidade e fortalecimento da cidadania.
Dentre as atividades sugeridas e postas em prática, durante a vivência desse projeto, podemos
citar: melhor conservação do patrimônio escolar, momentos de cultura e lazer no ambiente escolar,
apoio a estudantes novatos, com diculdades diversas.
O projeto acontece com registro em ata, avaliação do funcionamento do bimestre e repla-
nejamento das atividades vivenciadas e sugeridas. Tem por base o projeto político pedagógico
da escola, que é desenvolvido no dia a dia da mesma, levando em consideração a realidade e ne-
cessidades da comunidade escolar, bem como os interesses dos estudantes dentro da proposta de
ensino-aprendizagem, sugerida pela Secretaria de Educação do Estado, com embasamento legal
nos documentos orientadores da educação nacional. Esse encontro também avalia o funcionamento
das atividades desenvolvidas em cada bimestre letivo, detectando problemas e diculdades em
todos os âmbitos: pedagógico, administrativo, social, visando um melhor resultado dos objetivos
propostos, listando sugestões de otimização do planejamento escolar.
É importante ressaltar que este trabalho acaba por oportunizar a criação e implantação de
novos projetos e planos de ação a poderão ser desenvolvidos por todos os componentes da escola:
estudantes professores, funcionários e familiares e vem apresentando resultados positivos que
fazem a diferença na história de nossa instituição.
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Alessandra Marcos Aguiar e Odaléa Feitosa Vidal
Análises e resultados: uma trajetória a ser compartilhada
Os resultados qualitativos que podemos destacar como relevantes para os estudantes e sua
vida em sociedade, assim como para seus familiares e as contribuições dessa escola, foram relatados,
através do questionário aplicado com representantes desta comunidade educativa. A importância
de detalhar neste artigo, o instrumento de coleta de dados, é evidenciar o grau de satisfação da
comunidade escolar, o que corrobora o objetivo da pesquisa.
O questionário aplicado foi precedido por várias etapas, a m de que sua compreensão
fosse a melhor possível por parte dos entrevistados, garantindo a dedignidade das informações
coletadas. A seguir, podemos conhecer as fases para a sua aplicação.
Quadro 1 – Fases do questionário e procedimentos
FASES PROCEDIMENTOS
Convite É solicitado aos sujeitos que analisem o tema de pesquisa
Enunciado É pedido aos entrevistados que respondam uma cha padrão, questionamentos a
respeito dodia-a-dia na escola em tempo integral
Averiguação Pede-se aos entrevistados que exempliquem as respostas
Questionário Solicita-se aos membros do grupo focal que respondam consistentemente aos questio-
namentos requisitados neste documento
Fonte: Autoras (2018)
Em relação à análise dos resultados do questionário, retomamos que a primeira pergunta se
refere a importância da escola em tempo integral para a educação. A segunda pergunta refere-se às
principais diferenças entre o ensino da escola regular e o da escola em tempo integral. A terceira:
vantagens e/ou benefícios do trabalho da ERNAF. A quarta: diculdades e/ou desaos do trabalho
da ERNAF. A quinta pergunta refere-se a como o trabalho da ERNAF favorece o desempenho
do (a) estudante na sua dimensão integral: afetiva, cognitiva, espiritual e corpórea. E por última,
solicita uma opinião a respeito da importância do trabalho da escola em tempo integral, mais
especicamente da ERNAF.
O levantamento de opiniões comuns entre os entrevistados, em cada item do questioná-
rio. Finalizada a etapa de coleta de informações, através dos questionários, procedeu-se ao
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Percepções da comunidade escolar sobre os resultados qualitativos e quantitativos em uma escola integral
processamento das respostas, com apoio do grupo focal. Assim, para cada pergunta, se elegeram
as principais contribuições dos sujeitos da pesquisa. A m de facilitar a referência aos integrantes
do grupo focal, foi convencionado um código: Funcionário (F); Mãe (M); Estudante (E); Professor
(P). A seguir as questões e as vozes que não calam:
Quando questionados sobre qual a importância da escola em tempo integral para a edu-
cação em seu município, em seu estado e em nível de Brasil? Obtivemos as seguintes respostas,
conforme análise: F1 - destaca a disponibilidade de tempo, assim como F2 e M1, que apontam a
oportunidade de estar por mais tempo se dedicando ao estudo. E1 e E2 veem vantagem em se pre-
parar para os vestibulares. F1, F2 e E3 destacam a importância do aspecto relacional no aprender
a conviver e formação dos jovens para o dia-a-dia. F1 e F2 concordam que o estudante não é só
desenvolvido no aspecto cognitivo.
Sobre quais as principais diferenças que você elenca entre o ensino da escola regular e o
da escola em tempo integral? Responderam que: F1 e E1 concordam que a EREM prepara para
a vida, também emocionalmente. M1 e M2 armam que prepara a superar obstáculos e ser mais
seguros de si.
No que concerne quais as vantagens e/ou benefícios que você destaca no trabalho edu-
cativo desenvolvido pela ERNAF? Armaram que: F2 e F3 armam que a escola sempre busca
integrar o estudante com a sociedade e mercado de trabalho. M3 e E1 apontam para o benefício
do protagonismo juvenil.
Quando questionados sobre as diculdades e/ou desaos? Tivemos os seguintes achados:
F1, M3 e E1 se referem à diculdade e o cansaço na fase de adaptação ao horário integral. F1
e F2 se ressentem da ausência dos pais no acompanhamento do aluno. M1 e P1 destacam as
diculdades de estrutura física da escola.
Ao serem indagados sobre como a ERNAF tem favorecido o desenvolvimento integral do ser
nas suas dimensões: afetiva, cognitiva, espiritual e de corporeidade? Responderam que: F1 e F2
armam que tem favorecido através do resgate de valores, que torna o estudante sujeito da ação, um
protagonista. E2 e E3 acrescentam que isto ocorre com o desenvolvimento integral do educando.
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Alessandra Marcos Aguiar e Odaléa Feitosa Vidal
Ao solicitarmos em linhas gerais, deixe sua opinião a respeito da ERNAF enquanto institui-
ção de ensino que desenvolve um trabalho diferenciado na educação do jovem surubinense? Para
F1 e P1 o que há de negativo é o difícil acesso, estrutura física precária, décit de funcionários e
recursos nanceiros, F3 e E1 destacam ainda que não é uma escola perfeita, embora seja eciente,
e que deve melhorar em alguns aspectos. No entanto, F2, F3, E2 e E3 destacam que a ERNAF é
referência no município e região, que busca o direito do aluno a uma educação de qualidade, sendo
uma escola de grande diferença na região.
De acordo com os achados na análise dos dados, a pesquisa conseguiu obter do grupo
focal, um panorama coerente do que foi tratado neste estudo, pontuando os desaos, possibilidades
e conquistas com as ações de cunho pedagógico e social desenvolvidos pela escola, assim aten-
dendo aos objetivos propostos por este estudo e o mais relevante a descrição do funcionamento
e organização da ERNAF. A importância da educação integral, em relação à modalidade regular,
foi destacada nas falas dos sujeitos, que enalteceram os esforços da escola no trabalho educativo.
Em relação as vantagens/benefícios que se destacam no trabalho educativo desenvolvido pela
ERNAF, obtivemos as respostas positivas em relação à qualidade, cultivo de valores e favorecimento
à socialização através dos relacionamentos. Ainda se percebeu que este modelo de escola facilita
a inserção do jovem no mercado de trabalho por desenvolver mais intensamente suas habilidades,
preparando-os com mais tempo e oportunidades para as avaliações internas e externas.
Importa destacar as vivências das aulas de Estudo Dirigidas, Monitoria Estudantil e Reforço.
O protagonismo juvenil se evidencia fortemente através de um variado quantitativo de projetos
vivenciados na comunidade. A participação da família possui caráter prioritário para o bom de-
sempenho dos estudantes através dos momentos disponibilizados para tal. É uma escola cujos
prossionais trabalham com muito compromisso, prossionalismo, dedicação, disponibilidade
para atender os estudantes em suas necessidades, valorizam o trabalho em equipe, com foco e
organização.
Estas atitudes possuem relevância também na Educação Interdimensional, que prepara os
estudantes nas dimensões afetiva, cognitiva, corpórea e espiritual. Além disso, considera o ser,
suas histórias, potencialidades, sua realidade. Os momentos de oração, reexão e outras vivências,
auxiliam bastante o estudante na fase em que se encontram. Ressalta aqui o reforço à vivência de
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Percepções da comunidade escolar sobre os resultados qualitativos e quantitativos em uma escola integral
uma gestão ainda mais democrática e participativa a partir do ano de 2017, através da criação de
novos projetos e renovação de alguns anteriores, no sentido de superar algumas diculdades que
vinham se intensicando na comunidade educativa.
Considerações nais
O objetivo deste artigo foi perceber, a partir da escuta da comunidade escolar, os impactos
dos resultados obtidos por uma escola integral do município de Surubim. As questões abordadas:
Como funciona esta escola em tempo integral? Quais os principais desaos encontrados no dia a
dia desta escola? Quais os principais resultados do trabalho realizado por esta escola que fazem a
diferença na vida da comunidade? Conseguiram dar conta de responder em relação ao funciona-
mento, organização, desaos e contribuições da ERNAF para o município de Surubim no estado
de Pernambuco.
Assim, foi possível conhecermos de perto este funcionamento, acompanhando o trabalho
diário e buscando a opinião de membros desta comunidade para também fundamentar nossos resul-
tados. Vale salientar que, apesar de apresentarmos alguns dados estatísticos, numéricos, em relação
aos resultados da ERNAF – como é conhecida a EREM supracitada, a abordagem da pesquisa
foi de cunho qualitativo, pois, como arma Minayo (2008), a análise dos dados acontece a partir
da análise do material adquirido no trabalho de campo para a construção do trabalho cientíco.
Tomamos como tipo de pesquisa, a pesquisa-ação, por apresentar caráter participativo,
impulso democrático e contribuição à mudança social, para a coleta dos dados, como instrumento
de coleta de dados o questionário, com diversos sujeitos envolvidos, direta, ou indiretamente, no
trabalho desenvolvido na escola. As respostas foram a base de dados para a análise dos resultados,
que compõe as categorias: funcionamento, desaos e resultados da escola em tempo integral.
Foram elementos importantes para uma apreciação mais consistente deste estudo, por não nos
determos apenas nos resultados propriamente ditos, porém, mais especicamente no funcionamento,
o que representa o dia-a-dia da escola. Para chegar a estes resultados diferenciados na comunidade,
os estudantes receberam uma educação também distinta, durante sua passagem por esta etapa da
educação básica na escola analisada, as opiniões dos sujeitos foram praticamente unânimes.
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Alessandra Marcos Aguiar e Odaléa Feitosa Vidal
Espera-se que os relatos exitosos, descritos neste estudo, contribuam para fomentar o inte-
resse em futuras pesquisas acerca dos benefícios da Educação Interdimensional, inserida em uma
escola de horário integral. Do mesmo modo se suscita a expectativa de ações governamentais para
mitigar as limitações nanceiras e estruturais, elencadas ao longo da pesquisa, além de políticas
públicas que possam contemplar a totalidade das escolas públicas do estado, que carecem de melhor
infraestrutura para atender seus estudantes.
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em 1977).
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THIOLLENT, Michel. Pesquisa-ação nas organizações. São Paulo: Atlas, 2016.
Recebido em: 07 de abril de 2020.
Avaliado em: 17 de maio de 2020.
Esta obra está licenciada com uma Licença Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional.
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Juliano Mota Parente
A NOVA GESTÃO PÚBLICA NA
EDUCAÇÃO: uma análise das escolas
“concertadas” na Espanha
JULIANO MOTA PARENTE
Universidade Estadual Paulista. Pós-doutor em Educação pela Universidade de Salamanca,
Espanha. Doutor em Educação (UNESP/Presidente Prudente). Mestre em Educação (UNISAL).
Membro do Grupo de Pesquisa e Avaliação de Políticas Educacionais (GAPE/UNESP/Marília).
ORCID: 0000-0001-6309-9632. E-mail: julianomparente@gmail.com
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A nova gestão pública na educação: uma análise das escolas “concertadas” na Espanha
A NOVA GESTÃO PÚBLICA NA EDUCAÇÃO: uma análise das escolas “concertadas” na Espanha
O objetivo deste artigo é analisar a Nova Gestão Pública (NGP) na educação, investigando que elementos
inuenciaram o sistema educacional na Espanha. A administração pública moderna tem utilizado nas
últimas décadas estratégias cada vez mais racionalistas, alinhadas a uma tendência de organização dos
processos de geso no contexto da globalização e da mercantilização dos serviços públicos. Neste sentido,
os sistemas educacionais reproduzem esse contexto histórico, incorporando em suas práticas ações que
reverberam as políticas de governo, corroborando as tendências internacionais que se amplicam no âmbito
da globalização. O presente trabalho congura-se como um ensaio teórico que se fundamenta na legislação
educacional por meio de elementos formais que nos auxiliaram na elaboração das categorias de análise.
Diante das evidências apresentadas, podemos concluir que a NGP como um fenômeno internacional, tem
sido incorporada na administração pública de vários países, inclusive na Espanha, com a argumentação
de modernização do Estado e efetivação de mecanismos de monitoramento e regulação, inuenciando nos
sistemas educacionais de forma a estabelecer uma educação padronizada com foco no resultado.
Palavras-chave: Educação. Nova Gestão Pública. Sistemas Educacionais.
THE NEW PUBLIC MANAGEMENT IN EDUCATION: an analysis of “concerted” schools in Spain
The purpose of this article is to analyze the New Public Management (NPM) in education, investigating which
elements inuenced the educational system in Spain. Modern public administration has used increasingly
rationalist strategies in recent decades, aligned with a tendency to organize management processes in
the context of globalization and commodication of public services. In this sense, educational systems
reproduce this historical context, incorporating in their practices actions that reverberate with government
policies, corroborating international trends that are amplied in the scope of globalization. The present work
is congured as a theoretical essay that is based on educational legislation through formal elements that
helped us in the elaboration of the analysis categories. In view of the evidence presented, we can conclude
that NPM as an international phenomenon, has been incorporated into the public administration of several
countries today, including in Spain, with the argument of modernization of the State and the implementation
of monitoring and regulation mechanisms, inuencing educational systems so as to establish a standardized
education focused on results.
Keywords: Education. New Public Management. Educational Systems.
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Juliano Mota Parente
LA NUEVA GESTIÓN PÚBLICA EN EDUCACIÓN:
un análisis de las escuelas “concertadas” en España
El propósito de este artículo es analizar la Nueva Gestión Pública (NGP) en educación, investigando qué
elementos inuyeron en el sistema educativo en España. La administración pública moderna ha utilizado
estrategias cada vez más racionalistas en las últimas décadas, alineadas con una tendencia a organizar los
procesos de gestión en el contexto de la globalización y comercialización de los servicios públicos. En
este sentido, los sistemas educativos reproducen este contexto histórico, incorporando en sus prácticas
acciones que repercuten en las políticas gubernamentales, corroborando las tendencias internacionales
que se amplican en el ámbito de la globalización. El presente trabajo se congura como un ensayo teórico
que se basa en la legislación educativa a través de elementos formales que nos ayudaron en la elaboración
de las categorías de análisis. En vista de las evidencias presentadas, podemos concluir que NGP como
fenómeno internacional, se ha incorporado a la administración pública de varios países, incluida España,
con el argumento de modernizar el Estado e implementar mecanismos de monitoreo y regulación, que
inuyen en los sistemas educativos en Brasil. para establecer una educación estandarizada centrada en
los resultados.
Palabras clave: Educación. Nueva administración pública. Sistemas Educativos.
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A nova gestão pública na educação: uma análise das escolas “concertadas” na Espanha
A NOVA GESTÃO PÚBLICA NA EDUCAÇÃO:
uma análise das escolas “concertadas” na Espanha
Introdução
A administração pública moderna tem utilizado nas últimas décadas estratégias cada vez
mais racionalistas, alinhadas a uma tendência de organização dos processos de gestão no contexto
da globalização e da mercantilização dos serviços públicos. Dos autores que estudam a temática,
Subirats et al. (2008) destaca que as diretrizes neste cenário estão carregadas de elementos tec-
nocráticos, que nem sempre reetem as demandas da sociedade, desarticulando-se das políticas
sociais e educacionais.
Diante deste panorama, percebemos que a gestão educacional, bem como as políticas
públicas por ela desencadeadas, se convertem em instrumentos de legitimação das lógicas de
mercado neoliberais, fomentando um Estado regulador dos serviços públicos que estabelece um
“acordo político do Pós-Estado da providência” (BALL, 2004, p. 1.106).
Neste sentido, os sistemas educacionais reproduzem esse contexto histórico, incorporando
em suas práticas ações que reverberam as políticas de governo, corroborando as tendências in-
ternacionais que se amplicam no âmbito da globalização. Na atualidade, autores que estudam a
temática (VERGER; NORMAN, 2015; HALL; GUNTER, 2015; VELEZ; ORTIZ, 2016) advertem
que a educação pública vem sendo desenvolvida em diversas partes do mundo sob a inuência de
modelos ligados à Nova Gestão Pública (NGP) e a Pós-Nova Gestão Pública (PNGP). Tendo em
vista que a PNGP é reconhecida como um referencial teórico mais recente, levando em conta que
muitos países ainda nem sentiram os seus efeitos, vamos considerar neste artigo a Nova Gestão
Pública como o contexto atual em que se consolidou o sistema educacional espanhol.
O objetivo deste artigo é analisar a Nova Gestão Pública na educação, investigando que
elementos inuenciaram o sistema educacional na Espanha. Nossa questão de pesquisa é quais os
fatores que inuenciaram o sistema educacional espanhol no âmbito da Nova Gestão Pública?
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Juliano Mota Parente
Para atingir este objetivo discutiremos a partir de dois fundamentos da NGP, que se con-
guram como nossas categorias de análise: a descentralização e as parcerias público-privadas. Dessa
forma, poderemos vericar se o processo de descentralização e as parcerias público-privadas no
contexto da educação na Espanha estão alinhadas ao modelo da Nova Gestão Pública.
O presente trabalho congura-se como um ensaio teórico baseado em pesquisa documental,
que investigou possíveis conuências entre o arranjo do sistema educacional espanhol e os funda-
mentos da teoria Nova Gestão Pública (NGP), e, sua possível caracterização como um fenômeno
global inserido no âmbito da comunidade européia. Ao mesmo tempo nos fundamentamos na
teoria econômica internacional (COHEN, 2008), que aborda possíveis conuências entre sistema
políticos, relacionados a aspectos sociais, culturais e geográcos, concernentes a transferências
políticas realizadas pelos governos (STEINER-KHAMSI, 2015).
Em termos estruturais o trabalho foi dividido em três subitens: no primeiro faremos um
breve diagnóstico do sistema educacional espanhol, apresentando algumas características que au-
xiliarão nas reexões suscitadas posteriormente. No segundo item, faremos uma abordagem sobre
o processo de descentralização da educação na Espanha e por m, no último item, analisaremos
alguns aspectos das escolas concertadas, uma das estratégias das parcerias público-privadas esta-
belecidas no âmbito da gestão educacional espanhola.
Características do sistema educacional espanhol
A Espanha é um país da Europa situado na península ibérica com uma população de quase
47 milhões de pessoas (ESPANHA, 2020). O país que faz parte da União Europeia é uma monarquia
parlamentarista dividida em 17 Comunidades Autônomas e 2 cidades autônomas, que congregam
50 províncias e 8.131 municípios.
No que se refere ao sistema educacional, que na Espanha, historicamente, sempre foi
fortemente centralizado, experimenta nas últimas décadas uma descentralização intermediária, fun-
damentada na divisão de poder entre o governo central e as Comunidades Autônomas (PUELLES,
1993). Com base na Ley Orgánica de Ordenación General del Sistema Educativo (LOGSE), que
estabelece as diretrizes e a estrutura do sistema educacional espanhol, as Comunidades Autônomas
são responsáveis pela organização e oferta de todos os níveis de educação (ESPANHA, 1990).
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A nova gestão pública na educação: uma análise das escolas “concertadas” na Espanha
Considerada uma das leis mais importantes da educação na Espanha, a LOGSE propõe uma série
de mudanças que estimulam a autonomia dos centros escolares e ampliação da qualidade educativa.
Legitimando as reformas educacionais propostas no nal do século XX, a LOGSE mate-
rializa uma conjuntura de racionalidade educacional alinhada aos marcos regulatórios e programas
implementados por vários países da União Europeia, fortalecendo um modelo de gestão denominado
Nova Gestão Pública (NGP).
De acordo com os dados do Ministério da Educação a Espanha tem hoje no regime geral de
ensino (educação básica) um total de 8.217.651 alunos matriculados. Deste total, 67% fazem parte
da rede pública de ensino e 33% estão matriculados em instituições privadas (ESPANHA, 2020).
O Auadro 1 mostra como estão organizados os níveis da Educação Básica no sistema educacional
espanhol.
Figura 1: Níveis da Educação Básica na Espanha
Fonte: Elaborado pelo Autor.
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Juliano Mota Parente
Conforme mostrado no Quadro 1, a educação básica na Espanha é composta por quatro
níveis: educação infantil, educação primária, educação secundária (ESO) e bachillerato. A educação
infantil, equivalente a do Brasil, abrange um período de seis anos, compreende as idades de 0 a 6
anos. A educação primária, dos seis aos doze anos e a educação secundária dos 13 aos 16 anos. A
educação primária e secundária equivalem ao Ensino Fundamental brasileiro, sendo que na Espanha
o aluno leva dez anos para concluir e no Brasil nove anos. O bachillerato tem uma duração de dois
anos e equivale ao Ensino Médio no Brasil que tem uma duração de três anos. De acordo com a
legislação espanhola (ESPANHA, 1990), a educação infantil e o bachillerato não são obrigatórios,
cando a obrigatoriedade para educação primária e secundária.
O sistema educacional espanhol, assim como vários países da Europa, vem desenvolvendo
políticas públicas que fortalecem o discurso da melhoria da qualidade da educação, desencadeando
processos educacionais no contexto da consolidação da NGP. Na Espanha, a NGP «tem estimu-
lado o maior alcance político da avaliação educativa e a maior presença de planos estratégicos e
indicadores de desempenho» (VERGER; NORMAN, 2015, p. 603, tradução nossa).
Esse panorama vem se propagando em vários países da Europa alinhado com a tendência
de construção de um modelo padrão de educação que se materializa por meio de uma «agenda
global estruturada para a educação» (DALE, 2004). Este posicionamento do bloco europeu forta-
lece a argumentação da construção de sistemas educacionais padronizados, utilizando largamente
o monitoramento do rendimento dos alunos, enfatizando o ranqueamento educacional medido
através de avaliações em larga escala padronizadas (Pisa)
1
.
Neste sentido, a Espanha intensica um processo de avaliação das escolas e dos alunos,
elaborando índices estatísticos que se propõem a medir a qualidade da educação oferecida no país.
Tianna-Ferrer (2018) analisando o sistema educacional espanhol nos últimos trinta anos destaca
que a partir da década de 1980, o país começa a avaliar os centros educacionais com ênfase no
currículo e no desempenho dos alunos. Segundo o autor, as políticas de avaliação educacional
desenvolvidas nas últimas décadas na Espanha tem se mostrado incoerente entre as intenções
apresentadas e as ações práticas efetivamente implementadas.
1 Programme for International Student Assessment.
248
Salvador, v.5, n.1 p.241-260, jan/abr. 2020
A nova gestão pública na educação: uma análise das escolas “concertadas” na Espanha
Puelles (2016) acrescenta que houve uma excessiva proliferação de leis educacionais que
trouxeram uma instabilidade legislativa, comprometendo o fortalecimento do sistema educacional
espanhol. Corroborando com as diretrizes da NGP, destacamos a Ley Orgánica Reguladora del
Derecho a la Educación (ESPANHA, 1985) que regulariza os centros “concertados”, repassando
recursos para instituições privadas na oferta da educação, a Ley Orgánica de la Participación, la
Evaluación y el Gobierno de los Centros Docentes (ESPANHA, 1995) com foco no rendimento
escolar e qualidade da educação e a Ley Orgánica de la Mejora de la Calidad Educativa (ESPA-
NHA, 2013) centrada na padronização dos processos formativos com vistas a atingir os níveis
educacionais estabelecidos pelos organismos internacionais.
Diante das reexões apresentadas, podemos inferir que a forte interferência da NGP vem
direcionando as políticas públicas educacionais na Espanha para a padronização dos sistemas em
contextos diferenciados. Não há dúvida que estes aspectos impactam na autonomia das escolas e
de toda a equipe escolar. Na Espanha, a autonomia é caracterizada pelo excesso de normativismo,
no âmbito da tradição gerencialista, “incrustada na cultura organizativa da administração” num
contexto em que “a autonomia escolar se coloca em segundo plano” (BOLÍVAR, 2009, p. 52).
De acordo com o autor, a autonomia na gestão da educação tem sido utilizada como um
“regime de regulação pós-burocrática” muito frequente nos países da Europa, em condições de
“quase mercado”, que podem comprometer a dinâmica de funcionamento e a identidade institu-
cional das escolas.
Modelos de gestão da educação baseados na descentralização
As Reformas na administração pública implementadas no nal do século XX impactaram
na gestão educacional em diversos países da Europa. Inuenciadas pela corrente gerencialista
iniciada nos Estados Unidos e na Grã Bretanha, que depois se espalhou para diversas partes do
mundo (PARENTE, 2018), as Reformas consolidaram a Nova Gestão Pública (NGP) num cenário
de reformulação dos sistemas educacionais.
Para Van Gestel e Teelken (2004, p. 437) a NGP se apresenta como um novo paradigma
da administração pública que “mantém as ideias da administração central que consideram como
aspectos chave a direção, a administração e o controle” (tradução nossa).
249
Salvador, v.5, n.1 p.241-260, jan/abr. 2020
Juliano Mota Parente
Culebro Moreno (2014) destaca que a NGP é um fenômeno multidimensional que in-
corporou na administração pública uma grande variedade de princípios e ferramentas de gestão.
Parcerisa (2016, p. 362) arma que a NGP começou a impactar na educação espanhola por meio
de ações governamentais realizadas nas escolas da Catalunha e na Andalucía. “No âmbito educa-
tivo, a NGP é traduzida na incorporação de sistemas de avaliação padronizados, na publicação de
resultados estatísticos que fomentam a competição entre as escolas e na autonomía institucional
das unidades escolares” (tradução nossa).
Um dos pilares centrais da NGP foi a criação de mecanismos de descentralização da edu-
cação, atribuindo aos governos locais a responsabilidade da oferta da educação pública. Ainda que
a descentralização seja vista como uma conquista de governos democráticos, paradoxalmente ela
é utilizada como uma ferramenta estratégica gerencial no fortalecimento da NGP: descentraliza-se
a execução enquanto a gestão continua centralizada.
Viñao (2000, p. 2), ao analisar o impacto das Reformas no sistema educacional da Espanha
esclarece que ao desconsiderar o processo histórico de construção das práticas relacionadas ao
processo de aprendizagem a Reforma não atingiu seu objetivo, pois ignorou “a existência e o peso
do conjunto de tradições e regularidades institucionais sedimentadas ao longo do tempo” (tradução
nossa).
Puelles (1993) faz uma profunda reexão acerca do tema, classicando os modelos de
gestão educacional por meio do nível de descentralização utilizado por cada país. O autor nos
esclarece que é um tema muito complexo e não se pode analisar de forma supercial, levando
em conta somente suas “vantagens e inconvenientes”, mas sim considerar que “se trata de uma
opção pela qual pesam fatores históricos e fatores políticos que condicionam fortemente a opção
escolhida” (PUELLES, 1993, p. 15, tradução nossa).
Portanto para nossa análise, seguindo o referencial do autor, podemos considerar que os
critérios que inuenciam a adoção de modelos de gestão educacional são: a organização política
territorial (sistema político), os fatos históricos e o contexto de desenvolvimento atual. O Quadro
2 mostra a relação entre os modelos de gestão educacional dos países e seus respectivos sistemas
políticos.
250
Salvador, v.5, n.1 p.241-260, jan/abr. 2020
A nova gestão pública na educação: uma análise das escolas “concertadas” na Espanha
Quadro 2: Modelos de gestão educacional dos países
Modelo de Gestão Países Sistema Político
Centralizado França, Irlanda, Grécia, Bolívia, Equa-
dor, Paraguai, Portugal, Costa Rica,
Panamá e Peru.
Unitário
Descentralização intermediária Itália e Espanha Unitário
Descentralização federal Austrália, Alemanha, Argentina, Brasil,
México, Venezuela.
Federalismo
Descentralização federal e muni-
cipal
Suíça, Estados Unidos Federalismo
Descentralização municipal e aca-
dêmica
Reino Unido Unitário
Fonte: Elaborado pelo autor de acordo com Puelles (1993).
Como podemos vericar, a tendência é que os países que têm um sistema político unitário
sejam mais centralizados. Segundo Puelles (1993), a gestão educacional centralizada predomina
em quase todos os países do mundo na atualidade, sendo subdivididas em dois grupos: centralizado
absoluto (países da África e Ásia), e os países com tendências de centralização (Portugal, França
e Costa Rica).
O segundo critério refere-se aos fatos históricos e seus reexos nas políticas educacionais.
“As considerações históricas explicam porque a maioria dos países, na atualidade, vive em regimes
de centralização” (PUELLES, 1993, p. 15, tradução nossa). De acordo com o autor, as experiências
vividas e como foi sendo estruturado o sistema educacional, pautam políticas públicas vinculadas
a essas concepções.
Finalmente o terceiro critério destaca o contexto atual, baseado na participação da socie-
dade, nas lutas dos movimentos sociais e no envolvimento das famílias no processo de formação
de seus lhos. Destaca-se aqui também o nível de engajamento da comunidade local na gestão da
escola em ações relacionadas à Associação de Pais e Mestres, eleição de diretores, etc.
Entretanto há que se destacar o caráter dinâmico da administração pública, no que se refere
à dimensão territorial. Neste sentido, a descentralização poderá ser maior ou menor de acordo tam-
bém com o contexto político e econômico do país. “A distribuição territorial do poder não é uma
251
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Juliano Mota Parente
coisa xa, algo que os países decidem de uma vez por todas em sua ata de nascimento político; não
é algo estático e sim algo fundamentalmente dinâmico” (PUELLES, 1993, p. 16, tradução nossa).
Conforme destacado pelo Quadro 2, a Espanha possui um nível de descentralização in-
termediária, pois transfere às Comunidades Autônomas a atribuição de organização e oferta da
educação em cada região. De acordo com Blanch (2011), a descentralização do sistema educacio-
nal espanhol se inicia em 1978 com a promulgação da Constituição que estabelece as primeiras
diretrizes de transferência do governo central para as Comunidades Autônomas. O processo de
inicia efetivamente em 1981 com os Estatutos de Autonomia, que amparados pela Carta Magna,
delimitam atribuições e competências.
El Estado se reserva las normas básicas sobre la ordenación general del sistema
educativo, la regulación de las condiciones para la obtención de los títulos
académicos y la jación de los aspectos básicos del currículo; en cambio,
las comunidades autónomas tienen competencia plena sobre los centros
docentes, profesores y alumnos; expiden los títulos académicos, supervisan o
inspeccionan el sistema educativo y gozan de autonomía nanciera (BLANCH,
2011, p. 12).
O formato de descentralização espanhol se assemelha muito com o utilizado por outros
países: o governo central ca responsável pelas políticas gerais e as Comunidades Autônomas
organizam as questões acadêmicas (currículo, professores, gestão da escola). Possivelmente o
aspecto divergente é a autonomia nanceira.
Puelles (1993) apresenta as principais características de um modelo de descentralização
intermediária, que de acordo com o seu estudo foi atribuído à Espanha.
Quadro 3: Principais características dos modelos de descentralização intermediária
Modelo Característica País
Modelo de descentralização
intermediária
- Intermediário entre o centralizado e o federal;
- Longa tradição de centralidade porém começam a
atribuir competências aos territórios, províncias, dis-
tritos ou municípios;
- A Constituição autoriza a criação de uma instituição
territorial intermediária entre o poder central e as co-
munidades locais.
Espanha
Fonte: Elaborado pelo autor de acordo com Puelles (1993).
252
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A nova gestão pública na educação: uma análise das escolas “concertadas” na Espanha
O Quadro 3 destaca três aspectos da descentralização intermediária: é um modelo que se
localiza entre o centralizado e o federal, característico de países com longa tradição centralizadora
que se abrem politicamente e a legislação cria uma instituição intermediária entre o governo central
e a comunidade local.
Puelles destaca ainda que o ponto central na descentralização da educação na Espanha é
que ela foi total na dimensão administrativa e quase total na dimensão política. Segundo o autor,
a descentralização política é muito signicativa porque as Comunidades Autônomas “tem amplo
poder legislativo, o que somados a autonomia nanceira, permite as comunidades a adoção de
políticas educativas diferentes, distintas inclusive das do governo central” (PUELLES, 1993, p.
27, tradução nossa).
Neste sentido, cabe ainda destacar que a efetividade de um processo de gestão não depende
somente do caráter legal, mas, sobretudo, das condições que são estabelecidas para que ela ocorra.
“A simples delegação da gestão, se as decisões continuam sendo tomadas pela Administração cen-
tral, não é descentralização; a esse outro processo se chama desconcentração” (GARCIA, 2015,
p. 204, tradução nossa).
Diante de tantas variáveis é possível armar que o processo de descentralização educa-
cional de um país é uma tarefa muito complexa. No caso especíco da Espanha, objeto de estudo
deste artigo, percebe-se traços históricos muito marcantes, diante de um país que viveu a ditadura
franquista ao longo de quase 40 anos e que sentiu a necessidade de fortalecimento dos governos
locais e da participação da sociedade em geral.
As escolas “concertadas” na Espanha como estratégia de parcerias público-
privadas
A estrutura organizacional do sistema educacional espanhol compreende dois tipos de es-
colas, de acordo com a titularidade jurídica: centros escolares públicos e centros escolares privados.
Os centros escolares públicos são escolas mantidas e reguladas pelo Estado. Os centros escolares
privados se subdividem em escolas privadas, cuja titularidade seja uma pessoa física ou jurídica
de caráter privado e os centros “concertados”, que são juridicamente instituições privadas, mas
que recebem recursos públicos para a manutenção de suas atividades.
253
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Juliano Mota Parente
Tanto as escolas públicas como as privadas fazem parte do sistema educacional na Es-
panha, tendo que respeitar a legislação especíca que regulamenta o seu funcionamento. O que
diferencia os centros escolares privados dos “concertados” é basicamente a transferência de recursos
nanceiros para as escolas concertadas, que não ocorre no caso das escolas privadas. Entretanto,
ambas (privada e “concertada”) tem autonomia na gestão escolar, desde que cumpram os requisitos
estabelecidos por lei.
As denominadas escolas “concertadas”, que já existiam na Espanha há muito tempo, pas-
saram a receber essa denominação no contexto das reformas educacionais na década de 1980, por
meio da Ley Orgánica 8, de 3 de julho de 1985, que regula o direito à Educação. De acordo com
o preâmbulo da referida lei, em consonância com a Ley 14/1970 que determina a obrigatoriedade
e gratuidade do ensino básico, a opção por agregar as escolas “concertadas” ao sistema educacio-
nal de forma mais efetiva ocorre em função do aumento da demanda de escolarização básica na
Espanha a partir da década de 1980 e a falta de recursos por parte da administração pública para
ampliar a oferta de vagas.
De acordo com a Ley 8/1985, se enquadram no regime de centros privados “concertados”
as instituições que “en orden a la prestación del servicio público de la educación en los términos
previstos en esta Ley, impartan la educación básica y reúnan los requisitos previstos en este Título”
(ESPANHA, 1985). A lei cria um “novo modelo” de escola, situado entre o público e o privado,
que atendendo a uma necessidade emergencial, se incorpora ao sistema educacional espanhol com
autonomia de gestão, porém agora regulada pelo Estado.
Analisando as escolas “concertados” sob a ótica da Nova Gestão Pública, vericamos
a utilização de uma das estratégias mais recorrentes das políticas neoliberais do nal do século
XX: as parcerias público-privadas. Para Verger, Curran e Parcerisa (2015, p. 680) “esta alianza
público-privada que rige el sistema educativo español desde mediados de los ochenta permitió, en
sus comienzos, lograr una rápida expansión educativa a bajo coste”.
O que deveria ser uma medida emergencial que objetivava minimizar os efeitos de uma
crise econômica que agravou a situação educacional na Espanha na década de 1980, acabou se
tornando uma regra incorporada ao sistema educacional. Atualmente, se considerarmos a quanti-
254
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A nova gestão pública na educação: uma análise das escolas “concertadas” na Espanha
dade de alunos da educação básica na Espanha, 33% estão matriculados em instituições privadas,
sendo que 78% deste percentual são de instituições concertadas.
O surgimento das escolas “concertadas” ocorre num momento histórico de consolidação do
processo democrático na Espanha, impulsionado pela necessidade de criar estratégias que possibi-
litassem o desenvolvimento social e educacional em consonância com o crescimento econômico,
de forma a garantir a universalidade da educação, principal desao da área educacional no nal
do século XX.
Entretanto, alguns autores questionam esta nova conguração do sistema educacional
espanhol. Agudo e Lacruz (2012, p. 88) entendem que as subvenções destinadas às escolas “con-
certadas” são uma forma “de privatización explícita y visible, donde el dinero público sirve para
nanciar un centro totalmente privado, que dispone de unas reglas de juego similares en teoría [...]
pero en la práctica son totalmente diferentes”.
Os autores se referem à autonomia na gestão escolar, tendo em vista que as escolas “con-
certadas” não dependem de autorização direta do Poder Público no que se refere ao planejamento
e execução de suas atividades (currículo, contratação de professores, atividades extra-escolares,
etc.). Na prática, a única medida que vincula as concertadas ao sistema público é a obrigatoriedade
de informar a quantidade de vagas disponíveis para que a administração local (Direcciones Pro-
vinciales das Comunidades Autônomas) faça a distribuição dos alunos de acordo com a demanda
e os critérios estabelecidos em lei.
Para LLera e Perez (2012, p. 98), as escolas “concertadas” na Espanha são uma “mistura
jurídica” entre sua titularidade privada e subvenção pública que se justicou na década de 1980
em função do crescimento demográco e da ampliação da escolarização obrigatória, mas que hoje
é questionada. De acordo com os autores, “el crecimiento del número de unidades escolares en
centros concertados ya no se justican por la insuciencia de los centros públicos para atender la
demanda, sino por otro tipo de razones».
Além da peculiaridade que permeia o enquadramento das escolas “concertadas” na Espa-
nha, outras questões vêm sendo apontadas no sentido de questionar a necessidade de incorporar
os centros escolares “concertados” ao sistema educacional espanhol. Em seu artigo intitulado «
255
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Juliano Mota Parente
Colegios concertados y selección de escuela en España: un círculo vicioso”, Llera e Pérez (2012)
discutem os motivos que levam as famílias a preferir matricular seus lhos em escolas concertadas.
De acordo com os autores, a crescente presença da iniciativa privada no sistema educaci-
onal espanhol tem estimulado a competitividade entre escolas, que são disputadas pelas famílias
num «mercado educacional» que se baseia na eciência e na qualidade dos serviços, característica
marcante da NGP.
Diante desse panorama, os autores constataram que a presença das escolas “concertadas”
no sistema educacional espanhol vem gerando uma segregação econômica visível na sociedade
atual. «Las plazas en los colegios privados serán copadas por alumnado de extracción socioeconó-
mica media-alta y la red pública se verá compuesta mayoritariamente por estudiantes de colectivos
desfavorecidos o inmigrantes» (LLERA e PÉREZ, 2012, p. 107).
A Tabela 1 apresenta os dados referentes a quantidade de escolas nos últimos dez
anos na Espanha.
Tabela 1: Evolução da quantidade de escolas na Espanha por titularidade.
Número de escolas 2007-2008 % 2017-2018 %
Públicas
18.050 71 19.061 67
Concertadas
4.095 16 5.285 19
Privadas
3.297 13 4.034 14
Total 25.442 100 28.380 100
Fonte: Ministério da Educação da Espanha (2020).
De acordo com os dados apresentados na Tabela 1, no ano letivo de 2007-2008,
a quantidade de escolas públicas na Espanha representava um percentual de 71%, das
escolas “concertadas” 16% e das escolas privadas 13%. Do total de escolas privadas neste
ano letivo, 4.095 eram “concertadas”, ou seja, das 7.392 escolas privadas que faziam
parte do sistema educacional espanhol 55,4% era “concertadas”, o que representava 16%
256
Salvador, v.5, n.1 p.241-260, jan/abr. 2020
A nova gestão pública na educação: uma análise das escolas “concertadas” na Espanha
do total de escolas.
Dez anos depois (2017-2018) o percentual de escolas públicas na Espanha caiu
4%, de 71% para 67%, enquanto as escolas “concertadas” cresceram 3%. Mesmo com
o aumento de escolas públicas (1.011 escolas), o aumento na quantidade de escolas
privadas (1.927) foi muito mais signicativo (quase o dobro). Com relação às escolas
“concertadas”, podemos observar também um aumento na mesma proporção. Nos últimos
dez anos houve um aumento na ordem de 77% na quantidade de escolas “concertadas” na
Espanha, o que quer dizer que em dez anos 1.190 escolas foram incorporadas no sistema
educacional espanhol com a titularidade “concertada”, perfazendo um total de 19% das
instituições na Espanha na atualidade.
O mesmo fenômeno pode ser observado quando analisamos os dados referentes a
quantidade de matrículas, conforme destaca a Tabela 2.
Tabela 2: Evolução da quantidade de matrículas de escolas na Espanha por titularidade.
Quantidade de matrículas 2007-2008 % 2017-2018 %
Públicas
5.514.018 69 5.499.031 67
Concertadas
1.893.049 24 2.090.770 26
Privadas
534.148 7 592.595 7
Total 7.941.215 100 8.182.396 100
Fonte: Ministério da Educação da Espanha (2020).
Conforme os dados apresentados na Tabela 2, a quantidade de matrículas no ano letivo
de 2007-2008 em escolas públicas representavam 69% dos alunos, ao passo que 31% estavam
matriculados em escolas privadas. De acordo com os dados, 24% dos alunos estavam matriculados
em escolas “concertadas”.
Dez anos depois a quantidade de alunos matriculados em escolas públicas baixou para
67%, e, aumentou para 33%, o percentual dos alunos que estudavam em escolas privadas. Com
relação aos alunos matriculados em escolas “concertadas”, no ano letivo de 2017-2018 houve
um aumento de 197.721 alunos, se compararmos ao ano letivo de 2007-2008, representando um
257
Salvador, v.5, n.1 p.241-260, jan/abr. 2020
Juliano Mota Parente
percentual de 26% do total de alunos matriculados nas escolas espanholas, ou seja, 1/4 dos alunos
na atualidade estudam em escolas “concertadas” na Espanha.
Os resultados obtidos nesse estudo, permitem raticar a condição de observância do sistema
educacional público espanhol com as características da NGP, tendo em vista que a descentralização,
materializada por meio da legislação, fomentou a regulação do governo central e a padronização
dos sistemas educacionais e a criação das escolas “concertadas” consolidou uma política de relações
público-privadas, por meio de repasse de recursos públicos para instituições privadas. Conforme
já foi destacado anteriormente, as duas ações estão alinhadas ao modelo da NGP.
Considerações nais
O presente trabalho objetivou analisar a Nova Gestão Pública (NGP), aqui caracterizada
pela adoção de práticas de descentralização e parcerias público-privada, no contexto das políticas
educacionais, e sua inuência na gestão do sistema educacional da Espanha.
Diante do cenário de adoção de práticas de descentralização, vericadas por meio da
organização política e administrativa do governo espanhol, bem como da inserção de arranjos
de parcerias público-privadas na perspectiva da inclusão das escolas “concertadas” no âmbito do
sistema educacional, podemos concluir que a Espanha aderiu ao modelo de gestão da NGP em
escala internacional, considerando sua efetivação em diferentes países da comunidade européia.
Da mesma forma, nossas categorias de análise mostraram uma aproximação das diretrizes
da NGP, reproduzindo uma tendência global de estabelecer estratégias comuns para padronizar a
educação através dos sistemas educacionais. A descentralização fortalecendo as instâncias locais,
reverberando políticas de avaliação em larga escala que subsidiam rankings educacionais e as par-
cerias público-privadas, como por exemplo, a regulamentação de escolas concertadas para reduzir
custos e aumentar a prestação de contas.
Os resultados obtidos no estudo permitem inferir que a concepção dos sistemas públicos
educacionais, sob o signo da NGP, têm privilegiado as acepções de racionalidade econômico-
-administrativa em detrimento dos aspectos culturais e pedagógicos que deveriam demarcar o
processo de ensino-aprendizagem. Nesse sentido, recomendamos futuras pesquisas que possam
explorar demais características da NGP em diferentes contextos regionais da educação que as
delimitações desse estudo não pretendiam explorar ou permitiriam generalizar.
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A nova gestão pública na educação: uma análise das escolas “concertadas” na Espanha
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Recebido em: 09 de maio de 2020.
Avaliado em: 29 de maio de 2020.
Esta obra está licenciada com uma Licença Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional.
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Denise Alves Lucena e Doriele Silva Andrade Costa Duvernoy
IMPACTOS EDUCACIONAIS E
SOCIOCULTURAIS NA EDUCAÇÃO
BÁSICA: estudo de caso sobre a
implantação de uma Comissão Própria
de Avaliação
DENISE ALVES LUCENA
Mestre em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação PPGE-UPE (2019).
Especialista em Gestão Pública (IFPE, 2013) e em Língua Portuguesa (FAINTVISA, 2009).
Graduada em Letras (UPE, 2007). Professora de Língua Portuguesa da Secretaria Estadual de
Educação de Pernambuco desde 2010. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisa em Políticas
Educacionais, Sujeitos, Docência e Currículo (POSDOC) da Universidade de Pernambuco.
Gestora da Escola Estadual Antônio Inácio desde 2014. ORCID: 0000-0002-3354-8633.
E-mail: denisealvesdelucena@gmail.com
DORIELE SILVA ANDRADE COSTA DUVERNOY
Universidade de Pernambuco (UPE). Doutora em Educação (Université Lumière Lyon 2 –
França, 2012) com período sanduíche no PPGE-UFPE. Mestrado em Educação (Université
Lumière Lyon 2, 2008). Graduada em Pedagogia (UFPE, 2005). Professora Adjunta da
Universidade de Pernambuco - UPE. Líder do Grupo de Estudos e Pesquisa em Políticas
Educacionais, Sujeitos, Docência e Currículo (POSDOC). Coordenadora do Programa de Pós-
graduação - Mestrado Prossional em Educação- PPGE-UPE. ORCID: 0000-0002-6984-4012.
E-mail: doriele.andrade@upe.br
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IMPACTOS EDUCACIONAIS E SOCIOCULTURAIS NA EDUCAÇÃO BÁSICA: estudo de caso sobre a
implantação de uma Comissão Própria de Avaliação
IMPACTOS EDUCACIONAIS E SOCIOCULTURAIS NA EDUCAÇÃO BÁSICA: estudo de caso
sobre a implantação de uma Comissão Própria de Avaliação
Este artigo traz uma discussão sobre a qualidade da educação básica, especialmente, dos termos
dimensões, parâmetros e indicadores, articulados entre si, a partir dos quais se materializam políticas
públicas educacionais para avaliar e monitorar a qualidade da educação escolar. De abordagem qualitativa,
articulando os aspectos teórico-metodológicos da pesquisa ação e de estudo de caso, esta pesquisa teve
como objetivo investigar, a partir da implantação e implementão de uma comissão própria de avaliação
(CPA), os indicadores alternativos propostos pela comunidade escolar para monitorar e avaliar a qualidade
da educação em uma escola da rede estadual de ensino, situada em Feira Nova, através da construção de
quarenta indicadores alternativos e seus respectivos parâmetros, subdivididos em dez dimensões. Esta
pesquisa não substitui ou desconsidera as avaliações em larga escala, mas possibilita a articulação dos
indicadores próprios de avaliações externas a indicadores alternativos criados pela CPA, para avaliar
a qualidade da educação ofertada pela instituição de ensino em questão. Como resultados obtidos, foi
possível elencar os impactos educacionais e socioculturais oriundos da implantação e implementação
desta CPA.
Palavras-chave: Qualidade da Educação. Avaliação da Educação Básica. Gestão Escolar. Autoavaliação
Institucional. Comissão Própria de Avaliação.
IMPACTOS EDUCATIVOS Y SOCIOCULTURALES EN LA EDUCACIÓN BÁSICA: un estudio
de caso sobre la implementación de un Comité de Evaluación
Este artículo analiza la calidad de la educación básica, especialmente los términos dimensiones, parámetros
e indicadores, articulados entre sí, a partir de los cuales se materializan las políticas educativas públicas
para evaluar y monitorear la calidad de la educación escolar. Con un enfoque cualitativo, articulando los
aspectos teóricos y metodológicos de la investigación de acción y el estudio de caso, esta investigación
tuvo como objetivo investigar, desde la implementación y la implementación de un comité de evaluación
propio (CPA), los indicadores alternativos propuestos por la comunidad escolar supervisar y evaluar
la calidad de la educación en una escuela estatal, ubicada en Feira Nova, mediante la construcción de
cuarenta indicadores alternativos y sus respectivos parámetros, subdivididos en diez dimensiones.
Esta investigación no reemplaza ni hace caso omiso de las evaluaciones a gran escala, pero permite la
articulación de los indicadores de evaluaciones externas a indicadores alternativos creados por el CPA,
para evaluar la calidad de la educación ofrecida por la institución educativa en cuestión. A medida que se
obtuvieron los resultados, fue posible enumerar los impactos educativos y socioculturales derivados de la
implementación y la implementación de este CPA.
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Denise Alves Lucena e Doriele Silva Andrade Costa Duvernoy
Palabras-clave: Calidad de la educación. Evaluación de educación básica. Gestión escolar. Autoevaluación
institucional. Comité de evaluación propio.
EDUCATIONAL AND SOCIOCULTURAL IMPACTS ON BASIC EDUCATION: a case study on
the implementation of an own Evaluation Committeen
This article discusses the quality of basic education, especially the terms dimensions, parameters and
indicators, articulated among themselves, from which public educational policies materialize to assess
and monitor the quality of school education. With a qualitative approach, articulating the theoretical and
methodological aspects of action research and case study, this research aimed to investigate, from the
implementation and implementation of an own evaluation committee (CPA), the alternative indicators
proposed by the school community for monitor and evaluate the quality of education in a state school,
located in Feira Nova, through the construction of forty alternative indicators and their respective
parameters, subdivided into ten dimensions. This research does not replace or disregard the large-scale
assessments, but it does allow the articulation of the indicators from external assessments to alternative
indicators created by the CPA, to assess the quality of education offered by the educational institution in
question. As results obtained, it was possible to list the educational and socio-cultural impacts arising
from the implementation and implementation of this CPA.
Keywords: Quality of Education. Basic Education Assessment. School management. Institutional Self-
Assessment. Own Evaluation Committee
.
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IMPACTOS EDUCACIONAIS E SOCIOCULTURAIS NA EDUCAÇÃO BÁSICA: estudo de caso sobre a
implantação de uma Comissão Própria de Avaliação
IMPACTOS EDUCACIONAIS E SOCIOCULTURAIS NA
EDUCAÇÃO BÁSICA: estudo de caso sobre a implantação de uma
Comissão Própria de Avaliação
Introdução
Com a implantação e implementação de uma Comissão Própria de Avaliação (CPA) em
uma escola da rede estadual de ensino, pretende-se que a noção de qualidade da educação, desta
instituição de ensino, passe a ter uma ressignicação que vá além dos muros da escola e da mera
transmissão de conteúdo.
Essa ressignicação deve propiciar que a escola seja vista como um espaço de aprendizagem
sintonizado com a comunidade escolar, com o meio em que os sujeitos, que dela fazem parte, pos-
sam construir com autonomia e, em cooperação, com seus conhecimentos e sua própria história.
A nossa atuação na gestão de uma escola da rede estadual de ensino, localizada no muni-
cípio de Feira Nova - PE foi determinante para a escolha do tema e da escola que é o lócus desta
pesquisa, pois nela, compartilhamos os desaos cotidianos de professores, alunos e comunidade
escolar, bem como a possibilidade de sensibilizar e apoiar estes sujeitos a buscarem soluções para
esses desaos que constituem problemas na escola.
Diante disso, acreditamos que a qualidade da educação de uma instituição de ensino está
atrelada aos resultados de avaliações internas e externas, mas que há, também, outros indicadores
educacionais que não são considerados pelas avaliações externas e que podem ser importantes para
melhorar a qualidade da educação ofertada na escola.
Por isso, surge a necessidade de se pensar, junto à comunidade escolar, novos indicadores
educacionais, a m de que os sujeitos deste lócus de pesquisa modiquem a sua realidade a partir
da reexão e ação, comprometidos com a qualidade da educação ofertada à sociedade.
Partindo dessa perspectiva, este texto visa a apresentar a nossa pesquisa, de abordagem
qualitativa e com base na pesquisa-ação cujo objetivo foi investigar, a partir da implantação e
implementação de uma comissão própria de avaliação, os indicadores alternativos propostos pela
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comunidade escolar para monitorar e avaliar a qualidade da educação em uma escola da rede
estadual de ensino, situada em Feira Nova - PE.
Mais especicamente, buscamos discutir sobre o Índice de Desenvolvimento da Educação
Básica de Pernambuco - IDEPE como parâmetro de rendimento dos estudantes em relação aos
resultados desejados e obtidos nas escolas da rede estadual de Pernambuco, sobre as concepções e
os parâmetros da qualidade total, da qualidade social e qualidade negociada da educação; conhecer
a percepção dos sujeitos da pesquisa sobre a avaliação externa, acompanhamento e avaliação da
qualidade da educação realizada pela escola; criar uma CPA que debata e aponte estratégias para
a elaboração de uma proposta alternativa de monitoramento de qualidade em educação na escola;
vericar as articulações possíveis entre os resultados obtidos pelos indicadores do IDEPE e pelos
indicadores próprios, fomentados pela CPA para acompanhamento do desempenho da escola.
No decorrer da pesquisa, levantamos discussões acerca da qualidade total da educação, a
qual visa à eciência (custo-benefício) e à ecácia (resultado), em contrapartida, relacionamos
este tipo à qualidade social e à qualidade negociada. A primeira se caracteriza por ter uma aborda-
gem mais democrática e popular, pois busca a formação humana, o direito à cidadania, ou seja, a
formação integral do ser. A segunda visa ao apoio a processos de mudanças complexas dentro da
escola. Ambas se assemelham ao pressuporem mais um princípio: a efetividade, o qual além de
unir os princípios da eciência e da ecácia, aponta o impacto que as ações de melhoria podem
exercer para transformar a situação existente no âmbito escolar. (MEZOMO, 1997; ZITKOSKI,
1997; HERÉDIA, 1997; DOURADO, 2007; FREITAS, 2005; BONDIOLI, 2005; PERONI, 2006;
MARCHART, 2007; BRASIL, 2010).
Essa discussão nos permite constatar a magnitude do termo qualidade da educação por ser
mais complexo que compreender o sentido de qualidade isoladamente. É por isso que a qualidade
da educação não dever ser vista sob apenas uma perspectiva, ela deve estar relacionada a valores,
tradições, conhecimentos cientícos, contexto histórico, social e econômico, bem como à missão
de cada instituição. Assim, a qualidade da educação deve atrelar, além de resultados de avaliações
externas, a autoavaliação escolar, as vivências intra e extraescolares. assim a qualidade da
educação atinge a totalidade do seu signicado.
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IMPACTOS EDUCACIONAIS E SOCIOCULTURAIS NA EDUCAÇÃO BÁSICA: estudo de caso sobre a
implantação de uma Comissão Própria de Avaliação
Logo, esse enfoque faz emergir a qualidade como uma política educacional, já que desenhar
uma política pública que garanta uma educação de qualidade a todos os cidadãos é considerar os
anseios e necessidades dos sujeitos envolvidos no processo educativo.
Com as reformas educacionais na década de 1990, houve um enfoque voltado à melhoria da
qualidade da educação brasileira, visto que muito se discutiu acerca dos problemas de desigualdade
no acesso à escolarização, das elevadas taxas de reprovação, de evasão escolar e, no decorrer dos
anos, essas discussões sobre a qualidade da educação enveredaram por diversos prismas.
Em contraponto à qualidade total, a qualidade social e a qualidade negociada implicam na
negociação entre os sujeitos envolvidos no processo educativo, quando coloca a possibilidade de
participação como direito dos sujeitos para que possam melhorar a própria vida e a do meio onde
vivem.
Assim, considerando o impacto que a centralidade do IDEPE, enquanto diretriz da política
educacional voltada à melhoria da qualidade da educação da rede estadual de ensino do Estado
de Pernambuco, como também a implantação e implementação de uma CPA em uma escola desta
rede de ensino, interrogamo-nos: quais os indicadores alternativos de avaliação e monitoramento
da qualidade da educação emergem a partir da criação de uma CPA na escola? Quais os impactos
poderiam ser observados na escola se os próprios sujeitos da escola elaborassem seus parâmetros
de qualidade para compor uma avaliação própria? Quais as possíveis articulações entre o índice
de desenvolvimento implementado nesta pesquisa-ação e os resultados obtidos no IDEPE?
Essas questões norteadoras oportunizam a construção de indicadores alternativos para ava-
liar e monitorar a qualidade da educação nas escolas, pautada numa perspectiva crítico-reexiva,
através do processo que permitiu a CPA elaborar indicadores de qualidade em educação a partir
de dez dimensões.
Do ponto de vista metodológico, este trabalho seguiu orientação de cunho qualitativo com
base nas orientações de Minayo (2001), Goldenberg (1997) e Duarte (1998), seguindo os princípios
da pesquisa-ação a partir de Fonseca (2002), Thiollent (2011) e Chisté (2016). A investigação foi
realizada por meio de estudo de caso e conduzida pelas concepções de Doley (2002), Latorre et
al. (2003), Yin (2005) e Yacuzzi (2005). A principal técnica de coleta de dados ocorreu através de
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Denise Alves Lucena e Doriele Silva Andrade Costa Duvernoy
grupo focal (GOMES E BARBOSA, 1999; FLICK, 2002; GONDIM, 2002; GASKELL, 2002).
Como instrumentos complementares à coleta de dados, utilizamos as técnicas de observação
participante e a entrevista semiestruturada (FLICK, 2004) durante os encontros do grupo focal.
Devido ao cotidiano escolar estar intrínseco ao objeto de estudo desta pesquisa, os sujeitos
participantes do grupo focal foram selecionados de forma a representar os segmentos da comuni-
dade escolar, tais como “alunos, professoras (...) tantos outros que “vivem” as escolas”, a m de
“escutar os sujeitos das escolas para, a partir dessa escuta e com eles, fortalecer processos contra
hegemônicos de políticas educacionais cotidianas” (FERRAÇO, 2007, p.03).
Ao propor escutar os sujeitos da escola, para, assim, fortalecer processos contra hegemô-
nicos de políticas educacionais, além da escolha de sujeitos pertencentes à comunidade escolar,
das técnicas utilizadas nas reuniões do grupo focal, emergiram, durante as reuniões, as seguintes
subtemáticas para discussão: qualidade da educação e função social da escola, tipo de resultados
esperados pela escola, pontos positivos e problemas enfrentados na/pela escola e a construção de
novas dimensões para autoavaliação da qualidade da educação.
Os subtemas tornaram-se categorias de análise que, por sua vez, puderam contribuir na
concepção de conceitos pontuais, discutidos ao longo da pesquisa, bem como de dados empíricos
que puderam auxiliar na composição de dimensões, parâmetros e indicadores alternativos.
O Sistema Educacional Brasileiro e a Qualidade da Educação
Antonio Chizzotti (2020), em pesquisa realizada sobre as nalidades dos sistemas de edu-
cação brasileira, analisa a educação escolar através de três nalidades denidas pela Constituição
Brasileira (1988): o pleno desenvolvimento da pessoa, o preparo para o exercício da cidadania
e a qualicação para o trabalho. Na pesquisa, ele discorre sobre o impacto social da educação e
seus efeitos sociais, tanto para a vida do indivíduo-cidadão, quanto para o conjunto da sociedade.
Sob este ponto de vista, a nalidade da escola adentrou ao discurso local e atualizou os
acordos e as divergências sobre os objetivos e as possibilidades atuais da educação nos estados
democráticos em todo o mundo.
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IMPACTOS EDUCACIONAIS E SOCIOCULTURAIS NA EDUCAÇÃO BÁSICA: estudo de caso sobre a
implantação de uma Comissão Própria de Avaliação
O Estado democrático pressupõe uma escola democrática: uma escola que deve dar a todos
as capacidades intelectuais e éticas necessárias para se formar, como pessoa-cidadã e participar
da vida pública (CHIZZOTTI, 2020, p.10).
Para ele, os sistemas de educação foram profundamente convulsionados pelas novas exigên-
cias sociais e culturais e, por este motivo, tornaram-se objetos de críticas e proposições sobre as
muitas orientações e atividades da escola, que revelam a sobreposição de projetos governamentais,
uma difusão de objetivos e a ausência de consensos sobre as nalidades atuais da educação escolar.
As considerações de Chizzotti (2020) pressupõem que as nalidades do sistema educacional,
na prática, não contemplam as necessidades do estudante, não corroboram com a Constituição
Federal e, por este motivo, a qualidade da educação ca comprometida.
A escola, para Chizzotti (2020, p.10),
(...) não está isenta, nem imune ao seu contexto social. Ela depende das
condições econômicas e políticas do Estado no qual está inserida. Essas
condições são determinantes para alcançar ou limitar o alcance das nalidades,
constitucionalmente expressas do sistema de educação.
Pensar a escola por esse prisma nos leva a considerar que a discussão sobre a nalidade do
sistema educacional é indissociável das discussões sobre a qualidade da educação.
Neste sentido, o sistema educacional brasileiro legitimou-se com a aplicação de avaliações
em larga escala em todo o território nacional, para que houvesse um parâmetro para a qualidade
da educação.
A questão da qualidade da educação está presente na atual Constituição Federal (CF), pela
garantia do padrão de qualidade (Art. 205), indicando a avaliação de qualidade pelo poder públi-
co como condição ao ensino livre à inciativa privada (Art. 209), e pela melhoria da qualidade do
ensino (art. 214). Isso é uma importante conquista, já que a Constituição Federal de 1967, embora
reconhecesse o papel da educação enquanto direito (Art. 168), delimitasse a competência da união
em estabelecer planos nacionais de educação e de saúde, assim como as diretrizes e bases da edu-
cação nacional; (Art. 8°); e que cada ente federativo assegurassem condições de eciência escolar
(art.169), não explicitava o debate sobre qualidade da educação.
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Denise Alves Lucena e Doriele Silva Andrade Costa Duvernoy
Com a LDB de 1996, a avaliação nacional é atribuída como papel da União, que deve “coletar,
analisar e disseminar informações sobre a educação” e assegurar o processo “[...] em colaboração
com os sistemas de ensino, objetivando a denição de prioridades e a melhoria da qualidade do
ensino” (Art. 9º, V, VI, respectivamente). (COSTA, 2019)
Dessa maneira, as implicações desses sistemas não se limitam a gestão escolar e educacional,
mas alargam as possibilidades do uso dos indicadores tanto para aferir a qualidade da educação
como para responsabilizar quem faz educação.
Dourado (2007), ao utilizar o termo qualidade da educação, elucida que este termo “não
pode ser reduzido à rendimento escolar, nem tomado como referência para o estabelecimento de
mero ranking entre as instituições de ensino.”
Pensar em qualidade da educação meramente como rendimento escolar ou ranqueamento
de instituições de ensino, leva-nos a discutir acerca de três conceitos de qualidade da educação.
Mezomo (1997), a partir das discussões de Crosby (1990), Juran (1990), Deming (1990) e
Donabedian (1991), percebem a qualidade total da educação como um ponto de referência para
os sistemas de avaliações em larga escala por trazer características como esforço, renovação e
inovação; ao passo que Zitkoski (1997) discute a qualidade total da educação como tecnicação
do conhecimento, burocratização do sistema e atroamento da capacidade crítica do ser humano.
Contrapondo a ideia de qualidade total, a qualidade social da educação, discutida por Peroni
(2006) e Dourado (2007), caracteriza-se por ser democrática e popular ao assegurar um processo
pedagógico que vise à melhoria das condições de aprendizagem do educando articulada a melho-
res condições de vida e formação da população. A qualidade social da educação assemelha-se à
qualidade negociada (FREITAS, 2005) por criar compromissos ancorados na comunidade escolar.
Assim, em contraponto à qualidade total, a qualidade social e a negociada implicam na ne-
gociação entre os sujeitos envolvidos no processo educativo, conforme corrobora Dourado (2007)
ao tratar a qualidade social da educação como:
(...) um conjunto de fatores intra e extraescolares que se referem às condições
de vida dos alunos e de suas famílias, ao seu contexto social, cultural e
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IMPACTOS EDUCACIONAIS E SOCIOCULTURAIS NA EDUCAÇÃO BÁSICA: estudo de caso sobre a
implantação de uma Comissão Própria de Avaliação
econômico e à própria escola – professores, diretores, projeto pedagógico,
recursos, instalações, estrutura organizacional, ambiente escolar e relações
intersubjetivas no cotidiano escolar. (DOURADO, 2007, p. 941)
Os fatores intra e extraescolares, descritos por Dourado (2007) para garantir uma quali-
dade social da educação, estão intrínsecos às nalidades dos sistemas de educação, descritos na
Constituição Federal (1988) acerca dos sistemas de educação brasileira.
A educação escolar continua sendo um campo de contradições permanentes entre projetos
políticos e projetos de vida. Esse contraste se reete quando notamos que os projetos políticos prio-
rizam os resultados numéricos, já que nas avaliações externas e nos índices educacionais é cobrada
a excelência, enquanto que o projeto de vida, por sua vez, requer, além de resultados de excelência,
o impacto social da educação escolar na vida do estudante. Isso aponta que há predominância da
qualidade total da educação nos projetos políticos e da qualidade social nos projetos de vida.
Logo, é possível pressupor que quando os sistemas de educação obtêm êxito, nem sempre a
qualidade social da educação acontece. Por isso, a necessidade de assegurar uma qualidade social
da educação.
Assim, para assegurar discussões sobre a qualidade da educação na escola, lócus da pes-
quisa, foi necessária a implantação e implementação de uma CPA para que houvesse reexões,
planejamentos, ações e avaliações com vistas a garantir o processo de escuta dos sujeitos envolvidos
na pesquisa. E, em decorrência desse processo, emergem a qualidade negociada e qualidade social
da educação durante o processo de elaboração de uma autoavaliação da unidade escolar com a
nalidade de avaliar a qualidade da educação.
Comissão Própria de Avaliação: um subgrupo do Conselho Escolar de uma
escola da rede estadual de ensino
Em meio aos diversos sistemas de avaliação que existem, atualmente, para todos os níveis e
modalidades de ensino e levando em conta toda a complexidade envolvida no processo de avalia-
ção de uma escola, especialmente, no contexto do IDEB e IDEPE, surge a necessidade da criação
e do desenvolvimento de dispositivos de autoavaliação como proposta para melhorar/garantir a
qualidade da educação das escolas.
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A autoavaliação de uma instituição de ensino da educação básica não se reduz à atribuição
de notas, infraestrutura e atividades extracurriculares e, muito menos, à denição de um diagnós-
tico revelado por números. Uma unidade educacional desenvolve suas atividades norteadas por
uma losoa educacional exposta em sua missão e descritas no seu Projeto Político Pedagógico
(PPP), o qual resulta de um amplo processo de estudo e reexões que vincula e reete o entorno
social, a comunidade escolar.
No estado de Pernambuco, o Art. 2º da Lei nº 11.014 de 28 de dezembro de 1993 dispõe
sobre a criação dos Conselhos Escolares nas Escolas da Rede Estadual de Ensino e indica que
este órgão colegiado tem como nalidade zelar pela qualidade da educação escolar oferecida à
população (inciso II), garantir a articulação da escola com a comunidade (inciso III) e visa a ajustar
as diretrizes e metas estabelecidas pela Secretaria de Educação Cultura e Esportes à realidade da
Escola (inciso VII). (PERNAMBUCO, 1993).
Devido a essas nalidades, o Conselho Escolar é considerado uma instância propícia à cria-
ção de um subgrupo denominado de Comissão Própria de Avaliação (CPA) com a incumbência
de autoavaliar a qualidade da educação da escola com atribuições consultivas, propositivas e de
assessoria sobre matéria de natureza avaliativa.
Assim, a CPA foi composta por professores, estudantes e membros da equipe gestora (es-
colhidos através de eleição, após apresentação ao Conselho Escolar das dimensões criadas pelo
grupo focal, da aprovação da implantação da CPA na escola e da Resolução nº 001/2019), visando
a nortear as atividades da CPA.
Dessa forma, reiteramos que a CPA é um subgrupo subordinado ao Conselho Escolar com
a nalidade promover a reexão-ação por meio de subsídios propiciados pela autoavaliação de
cada dimensão construída, a m de contribuir para o aperfeiçoamento dos processos avaliativos
institucionais e tomada de decisões.
Logo, o objetivo da CPA é criar uma atmosfera para que a comunidade escolar forme, co-
letivamente, uma consciência sobre os indicadores que estão contribuindo para a construção do
presente e do futuro institucional e daqueles que não estão correspondendo ao pleno andamento
das atividades.
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IMPACTOS EDUCACIONAIS E SOCIOCULTURAIS NA EDUCAÇÃO BÁSICA: estudo de caso sobre a
implantação de uma Comissão Própria de Avaliação
A criação de uma CPA deve ser pautada numa perspectiva social, mas sem, no entanto,
excluir as avalições externas, pois, embora as avaliações externas estejam inseridas na qualidade
total da educação, que é estritamente técnica; a qualidade social se propõe a efetivar avaliações de
cunho técnico, mas também em caráter humano, político, social e de negociação.
É nesse sentido que, ao se propor a implantação e implementação de uma CPA, surge a
necessidade de tecer reexões sobre a qualidade da educação ofertada na escola, por isso, faz-se
necessária a compreensão e aprofundamento dos termos dimensão, indicadores e parâmetros os
quais servirão como subsídios para a composição de indicadores a serem propostos, auferidos e
analisados por membros da CPA e validados pela comunidade escolar.
Para uma melhor compreensão desses termos, iremos discuti-los, a partir do nosso estudo
de caso, sobre a implantação e implementação de uma CPA em uma escola da rede estadual de
ensino, na cidade de Feira Nova, Pernambuco.
Anteriormente à implantação da CPA, nossos sujeitos de pesquisa, participantes do grupo
focal, foram estudantes, professores e membros da equipe gestora, selecionados através de edital pelo
Conselho Escolar da escola. Tiveram como objetivo discutir os resultados das avaliações internas
e externas e suas implicações na qualidade da educação da escolar. Eles puderam reetir também
sobre pontos cruciais à garantia da qualidade da educação da escola da qual fazem parte. Essas
reexões permitiram que os membros da CPA repensassem o signicado dos termos dimensões,
indicadores e parâmetros, os quais ganharam novos contornos nesta pesquisa.
A construção de dimensões para autoavaliação da qualidade da educação pela
CPA de uma escola da rede pública de ensino
A educação como um processo abrangente deve ser observada a partir de várias congurações.
Estas compõem as dimensões do espaço escolar por haver multiplicidade de aspectos que elencam
a estrutura da organização, o planejamento escolar, os sujeitos e as práticas produzidas neste local.
Nesse sentido, a dimensão é uma construção de múltiplos aspectos que podem afetar a vida
dos sujeitos, gerando inclusões, exclusões, conformismos e/ou transformações no âmbito escolar.
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Denise Alves Lucena e Doriele Silva Andrade Costa Duvernoy
As dimensões, na concepção em que será abordada neste texto, são importantes elementos
da realidade escolar, sejam eles positivos ou negativos, os quais estão suscetíveis aos quatro pontos
do ciclo PDCA (do inglês: Plan + Do + Check + Act).
Para dar conta destes pontos, as dimensões são mensuradas por indicadores e padronizadas
por parâmetros.
Para entendimento da associação entre o ciclo PDCA e a construção de dimensões, indi-
cadores e parâmetros, elaborados tanto por grupos focais (dimensões) e da CPA (indicadores e
parâmetros). Em síntese, apresentamos a gura 1 para compreensão do ciclo DIP (Dimensões,
Indicadores e Parâmetros) que constrói e se reconstrói quando necessário no âmbito educacional.
Figura 1: Ciclo da construção das Dimensões, Indicadores e Parâmetros ou Ciclo DIP
Fonte: Autoras, 2019.
Essas etapas referem-se à construção de cada elemento que está sendo tecido para pôr em
prática a qualidade negociada na educação básica. Inicialmente, há um planejamento de ações, em
seguida, a implantação destas no locus da pesquisa, análises constantes para validação do plane-
jamento e execução das ações estabelecidas e avaliação das etapas anteriores para obtenção dos
resultados esperados. Contribuindo, assim, para que as etapas sejam cíclicas e passíveis de ações
corretivas, caso haja insucesso em alguma etapa.
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IMPACTOS EDUCACIONAIS E SOCIOCULTURAIS NA EDUCAÇÃO BÁSICA: estudo de caso sobre a
implantação de uma Comissão Própria de Avaliação
No grupo focal, que constituiu o nosso estudo de caso, essas dimensões foram apreendidas
tanto por seus aspectos estruturais de ensino-aprendizagem (avaliação interna), quanto a algumas
dimensões da gestão escolar elencadas por Lück (2008) - gestão democrática e participativa de
pessoas; pedagógica; administrativa; da cultura escolar; do cotidiano escolar e de resultados edu-
cacionais - e a enfoques de multiplicidade do itinerário formativo e das interações dos sujeitos,
bem como outros aspectos que podem surgir de acordo com a realidade de cada espaço escolar.
As dimensões possibilitam a organização dos indicadores alternativos construídos pela CPA
por agrupamentos de assuntos/conteúdos ans, mas que primam por um objetivo comum.
Indicadores: da compreensão à concepção
A concepção de indicadores deve ser antecedida de processos participativos que envolvam
a comunidade educacional – estudantes, professores, funcionários e familiares – com vistas a
compartilhar os saberes e as experiências daqueles que vivenciam os espaços, além de incorporar
a reexão sobre o perl pedagógico da instituição, lócus da pesquisa.
Para compor indicadores da educação é necessário basear-se na escuta, no diálogo e na
observação das necessidades e dos interesses expressos pelos sujeitos da comunidade escolar e
transformar esses itens em objetivos pedagógicos que são propícios a mensurar os anseios daquela
instituição de ensino.
Deponti et al. (2002, p. 46), armam que indicador “é um instrumento que permite mensurar
as modicações nas características de um sistema”, ou seja, permite mensurar um sistema a partir
de estabilidade, avanços ou insucessos. As características de um sistema referem-se às dimensões
que estão sendo mensuradas por indicadores.
Lück (2009, p. 58) arma que “o indicador vem a constituir-se no elemento mensurável que
permite concluir que ocorreu um determinado resultado”. O resultado pode ser obtido através da
variação do indicador quando comparado a resultados anteriores.
Logo, as concepções de Deponti et al. (2002) e Lück (2009) se assemelham ao compreende-
rem indicador como um elemento/instrumento mensurável com vistas a variações de um sistema
e/ou resultado.
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A exemplo da concepção defendida por Deponti et al (2002) e Lück (2009) acerca do que
compreendem por indicador, consta nos Parâmetros Nacionais de Qualidade da Educação Infantil
denição semelhante às apresentadas por eles, quando versa que “indicadores presumem a possibi-
lidade de quanticação, servindo, portanto, como instrumento para aferir o nível de aplicabilidade
do parâmetro” (BRASIL, 2006a, p.08)
Bondioli (2004, p.18) esclarece que indicadores são “sinalizações, linhas que indicam um
percurso possível de realização de objetivos compartilhados. (...) aquilo que os diferentes atores
sociais (...) se empenham em buscar”.
Freitas (2005, p.12) compreende que os indicadores:
(...) são importantes mais pela signicação compartilhada que possuem perante
os atores da escola que pelo valor numérico ou de análise que possam gerar. Os
indicadores têm de ser uma construção social que se legitima e se desenvolve
no interior da instituição escolar e têm seu lugar natural no curso da avaliação
institucional, induzida e acompanhada pelas políticas públicas [...] (FREITAS,
2005, p.12)
A concepção de indicadores vai além de ser um elemento/instrumento que mensura algo, o
que o torna tão importante é a forma como são desenvolvidos.
No chão da escola, a construção social e negociada de indicadores, através da partilha de
anseios por melhorias é o que legitima a necessidade de se mensurar o sistema, a política pública,
a instituição escolar.
Jannuzzi (2004, p.15) nos apresenta essa mesma percepção de forma mais elaborada, ao
discorrer que,
Indicador é a medida, em geral, quantitativa dotada de signicado social
substantivo, usado para substituir, quanticar ou operacionalizar um
conceito social abstrato, de interesse teórico (para a pesquisa acadêmica) ou
programático (para a formulação de políticas). É um recurso metodológico
empiricamente referido, que informa algo sobre um aspecto da realidade social
ou sobre mudanças que estão se processando na mesma (JANNUZZI, 2004,
p. 15).
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IMPACTOS EDUCACIONAIS E SOCIOCULTURAIS NA EDUCAÇÃO BÁSICA: estudo de caso sobre a
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A ideia de mensurar o abstrato faz o indicador se tornar uma ferramenta capaz de modicar/
aprimorar o sistema educacional, quando acompanhado periodicamente, pois ele apresenta aspectos
da realidade e seus impactos. Observados os impactos e as realidades, notar-se-á em que medida
uma meta fora alcançada a partir do resultado do indicador.
Recomenda-se que a cada objetivo ou meta educacional dena o indicador, pelo qual se
vericará a sua realização, isto é, “o elemento observável que permitirá vericar em que medida
o objetivo ou meta foi realizado” (LÜCK, 2009).
Além disso, Freitas (2005, p.14) diz que “é importante frisar que a denição de indicado-
res, apesar das características locais que fortemente explicarão as diculdades ou facilidades de
realização, é estabelecida no conjunto das necessidades e dos compromissos do sistema público
de ensino”.
Para que as dimensões possam agrupar indicadores por anidades e os indicadores possam
ser auferidos é preciso que se tenham parâmetros para validar as ações propostas por cada indica-
dor para que possam ser avaliadas como válidas, insucientes ou inválidas. O parâmetro permite
identicar se o indicador cumpriu a meta estabelecida para determinada dimensão.
Parâmetros de qualidade da educação básica: noção, classicação e formulação
Os indicadores, conforme vimos, servem para mensurar os parâmetros que, por sua vez,
podem ser denidos como a norma, o padrão, ou a variável capaz de modicar, regular, ajustar o
sistema. (HOUAISS e VILLAR, 2001).
Parâmetros podem ser denidos como referência, ponto de partida, ponto de chegada ou
linha de fronteira. Indicadores presumem a possibilidade de quanticação, servindo, portanto, como
instrumento para aferir o nível de aplicabilidade do parâmetro (BRASIL, 2006a).
Parâmetros são sinônimos de padrões de qualidade, enquanto indicadores mensuram a quali-
dade, desde respostas óbvias às mais complexas. Devido a essa complexidade, formular indicadores
e parâmetros que subsidiem a constatação da qualidade da educação ofertada no âmbito escolar só
se torna dedigna quando há a participação dos sujeitos da escola.
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Por reconhecer os atores da comunidade escolar como sujeitos do processo educacional
e como principais usuários do ambiente educacional, é necessário denir parâmetros essenciais
que ofereçam a reexão sobre as necessidades desses sujeitos que podem ter cunho psicológico,
social, intelectual ou ambiental, através da relação harmoniosa com o entorno e da adequação dos
ambientes internos e externos à escola.
Conforme Moreira (1996, p.11),
Os parâmetros constituem instrumento promotor da qualidade do ensino, já
que se pretende que orientem e aperfeiçoem o trabalho pedagógico nas escolas.
Consoante a tal intenção, propõem-se objetivos, conteúdos essenciais, critérios
de avaliação e orientações didáticas.
Logo, a CPA, “ao consolidar os parâmetros, tem como objetivo apontar metas de qualidade
que ajudem o estudante a enfrentar o mundo atual como cidadão participativo, reexivo e autôno-
mo, conhecedor de seus direitos e deveres” (BRASIL, 1997).
O ciclo DIP, apresentado na Figura 1, indicou os passos para a construção de dimensões,
indicadores e parâmetros que nos possibilitaram, durante todo o processo, vericar os impactos
oriundos desse percurso. Esses impactos serão apresentados através das impressões ocasionadas
desde a concepção do grupo focal à implantação e implementação da CPA.
Resultados e Análises: Impactos da implantação e implementação da CPA na
escola
Após a implantação da CPA, na escola, as reexões tecidas permitiram aos membros da
CPA validarem as dimensões criadas pelo grupo focal, ao mesmo tempo em que se vislumbrou a
necessidade de construir indicadores alternativos que abranjam as concepções de Deponti et al.
(2002), Freitas (2005), Bondioli (2004), Jannuzzi (2004) e Lück (2009) e parâmetros, conforme
concepção e objetivos traçados, respectivamente, por Moreira (1996) e BRASIL (1997), que
permitissem aos sujeitos da escola autoavaliar a qualidade da educação ofertada na escola, locus
da pesquisa, a m de garantir o padrão de qualidade da educação, conforme preconizam os art.
205, 209 e 214 da CF.
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implantação de uma Comissão Própria de Avaliação
A problematização da construção de indicadores e parâmetros permitiu respondermos ao
questionamento que norteou a construção desta pesquisa: quais indicadores alternativos de avaliação
e monitoramento da qualidade da educação emergem a partir da criação de uma CPA na escola?
Durante o processo de criação de dimensões, indicadores e parâmetros realizados pela CPA,
utilizamos o passo a passo do ciclo DIP (Figura 1). Isso permitiu aos membros da CPA elaborarem
as dimensões necessárias à autoavaliação da escola, a saber: 1) prática pedagógica e avaliação,
2) multiplicidade de experiência formativa, 3) interações, 4) acesso e permanência dos alunos na
escola, 5) promoção da saúde e integridade do ser, 6) gestão escolar democrática, 7) ambiente físico
escolar, 8) formação e condições de trabalho dos prossionais da escola, 9) ensino-aprendizagem e
10) ambiente educativo, as quais estão diretamente ligados ao IDEPE e, em certo ponto, contribuem
para a melhoria do resultado deste.
A exemplo, temos as dimensões 1, 5, 8 e 9, respectivamente: prática pedagógica e avalia-
ção impacta nos resultados da avaliação do SAEPE e, consequentemente, no resultado do IDEPE,
pois envolve planejamento, monitoramento e avaliação; abandono e permanência do estudante
na escola, essa dimensão traz indicadores essenciais à composição do IDEPE, uma vez que se
refere ao uxo escolar; formação e condições de trabalho prossionais da escola, trata da forma-
ção de professores e a suciência da equipe escolar, pontos cruciais para a denição do IDEPE e
ensino-aprendizagem que contribui signicativamente para a melhoria da prociência do SAEPE
e, consequentemente, do IDEPE.
Esses elementos nos permitem constatar que os quarenta indicadores alternativos de avalia-
ção e monitoramento da qualidade da educação, bem como dos seus respectivos parâmetros, que
emergiram a partir da criação de uma CPA na escola, foram oriundos da necessidade de um novo
olhar sob a qualidade da educação da escola, locus da pesquisa, enfatizando o caráter humano,
político, social da avaliação.
Uma vez criados os indicadores alternativos pela CPA, buscamos vericar as articulações
possíveis entre os resultados obtidos pelos indicadores do IDEPE e pelos indicadores próprios,
fomentados pela CPA, para acompanhamento do desempenho da escola, o que nos permitiu
constatar que, embora os indicadores alternativos, oriundos das discussões da CPA, não estejam
diretamente ligados ao IDEPE, em certo ponto, contribuem para a melhoria do resultado deste.
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Sendo possível, inclusive, apontar os impactos na escola e para os próprios sujeitos envolvidos,
a partir da elaboração dos parâmetros de qualidade que compõem a autoavaliação proposta pela
CPA: a reexão sobre o cotidiano da escola, ampliação de espaços de diálogo e de atuação dos
estudantes, o empoderamento proporcionado tanto ao professor quanto ao estudante, à medida que
todos participavam, contribuíam e eram ouvidos respeitosamente.
A implantação e implementação de uma CPA na escola, permitiu a ressignicação da noção
de qualidade da educação desta instituição de ensino através da compreensão do Ciclo DIP. Na
medida em que as ações do ciclo eram executadas, os sujeitos se apropriavam das variantes do
termo qualidade da educação: qualidade total, qualidade negociada e qualidade social da educação,
segundo as concepções de Mezomo (1997), Zitkoski (1997), Herédia (1997), Dourado (2007),
Freitas (2005), Bondioli (2005), Peroni, (2006), Marchart (2007) e Brasil, (2010).
Esse processo permitiu a elaboração de dimensões, indicadores e parâmetros que resultou
na criação de uma cartilha elaborada pela CPA, com base nos estudos realizados acerca da qua-
lidade da educação, com ênfase na elaboração de indicadores próprios e alternativos para avaliar
a qualidade da educação ofertada pela unidade escolar, localizada no município de Feira Nova
A participação ativa destes sujeitos em atividades que envolvem a coletividade tem sido
o principal impacto social proporcionado por esta pesquisa, repensando, dessa forma, o lócus da
pesquisa como uma escola democrática, segundo pressupõe Chizzotti (2020).
No que concerne às implicações desta pesquisa no âmbito da gestão escolar, podemos
apontar as reexões acerca da qualidade da educação, as avaliações externas e autoavaliação que
podem ocorrer na escola sob diferentes prismas, segundo a concepção que a subsidia: qualidade
total, qualidade social e qualidade negociada.
Promover o desenvolvimento de um olhar mais atento às dinâmicas da escola e às suas
demandas formativas para a promoção de uma educação de qualidade permitiu aos sujeitos
envolvidos nessa pesquisa de se apropriarem de conhecimentos sobre a qualidade da educação,
função social da escola, resultados esperados da escola, dimensões, indicadores e parâmetros de
avaliação e autoavaliação da qualidade da educação, para, assim, subsidiar a criação da Comissão
Própria de Avaliação.
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Implantada em 2019, essa CPA continua em atividade e o acompanhamento de sua evolução
pode ainda nos oferecer ricos elementos de reexão.
Considerações Finais
Por ser um espaço dinâmico, a escola deve ser avaliada não apenas com indicadores pré-
-estabelecidos, mas também em situações polissêmicas e incertas. Devem-se levar em conta as
contradições, a pluralidade de pontos de vista, a diversidade dos sujeitos, e, segundo a sociologia,
os elementos estruturais e conjunturais.
Sob esse enfoque, essa discussão consistiu em uma quebra de paradigmas, por vários as-
pectos: inicialmente, porque discorre sobre a qualidade da educação, um tema complexo e com
inúmeras possibilidades de estudo e aplicações que rompem barreias; como também permeia algo
muito presente nas escolas da rede estadual de ensino, o IDEPE (que é tido como o indicador que
elevou o estado de Pernambuco ao patamar nacional de 1º colocado no IDEB) e algo ainda mais
desaador: propor aos sujeitos da escola elaborarem os próprios indicadores e seus respectivos
parâmetros. Isso implica uma abertura da gestão da escola e da Gerência Regional de Educação
(órgão ao qual a escola está jurisdicionada), para o exercício de uma visão de gestão democrática,
proporcionando adesão das ações dentro da escola e, principalmente, incentivar os sujeitos a se
envolverem em propostas inovadoras para promover a qualidade da educação na escola.
Logo, esta pesquisa não propõe substituir ou desconsiderar as avaliações em larga escala,
mas possibilitar a articulação dos indicadores próprios de avaliações externas a indicadores alter-
nativos criados pela CPA, a m de avaliar a qualidade da educação ofertada pela instituição de
ensino em questão.
Portanto, é imprescindível elencar os impactos oriundos da pesquisa durante sua execução:
impacto educacional, impacto propriamente social e o impacto cultural proporcionado por esta
pesquisa. (BOUFLEUER, 2012).
Como impacto educacional observa-se a mobilização da comunidade escolar para a compo-
sição da CPA da escola, percebendo nela a possibilidade de ampliar o espaço de expressão, escuta
e atuação de estudantes, professores e prossionais da educação dentro da escola.
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Como impactos sociais da pesquisa, podemos destacar a formação de recursos humanos ca-
pazes de construir dimensões, indicadores e parâmetros, utilizando a ciência a serviço da educação.
Os impactos culturais podem ser percebidos pela adoção de novas práticas de apropriação
e compartilhamento de signicados sobre avaliação da qualidade da educação, implicando em
práticas culturais que buscam melhorar o impacto da educação escolar na vida do estudante, a
sistematização de conhecimentos que possam contribuir para a melhoria de vida na escola e da
comunidade em seu entorno e a resolução de problemas cotidianos.
Por m, problematizar a função social e politica da escola, através dos mecanismos de ava-
liação, pode ser um valioso instrumento para o aprimoramento da gestão educacional.
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Recebido em: 30 de março de 2020.
Avaliado em: 10 de maio de 2020.
Esta obra está licenciada com uma Licença Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional.
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Paulo Roberto Prado Constantino, Marília Macorin de Azevedo e Sérgio Eugenio Menino
ORIENTAÇÃO EDUCACIONAL NAS
ESCOLAS TÉCNICAS ESTADUAIS
DE SÃO PAULO: inserção, atribuições e
contexto de atuação
1
PAULO ROBERTO PRADO CONSTANTINO
Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza (CEETEPS). Doutor e Mestre em
Educação pela UNESP - Marília. Graduado em Música (UEL – Londrina). Professor na Unidade
de Pós-Graduação, Extensão e Pesquisa do Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula
Souza. ORCID: 0000-0002-4612-4063. E-mail: pconst2@gmail.com
MARÍLIA MACORIN DE AZEVEDO
Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza (CEETEPS). Doutora em
Engenharia (POLI – Universidade de São Paulo/USP). Mestre em Qualidade pela
Universidade de Campinas (UNICAMP). Graduada em Tecnologia de Processamento
de Dados (Faculdade de Tecnologia de São Paulo - FATEC SP). Atua na Unidade de
Pós-Graduação, Extensão e Pesquisa do CEETEPS. ORCID: 0000-0003-0225-8155.
E-mail: marilia.azevedo@fatec.sp.gov.br
SÉRGIO EUGENIO MENINO
Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza (CEETEPS). Doutorando em Política
Cientíca e Tecnológica no IGE/UNICAMP, Mestre em Tecnologia (CEETEPS). Graduado em
Ciências Econômica (FAAP/SP). Atua na Unidade de Pós-Graduação, Extensão e Pesquisa do
CEETEPS. ORCID: 0000-0001-8498-0808. E-mail: sergio.menino@cps.sp.gov.br
1 Os procedimentos éticos requeridos à pesquisa foram observados na coleta e tratamento dos dados, justicando sua
procedência de fontes documentais abertas e disponíveis à consulta pública.
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ORIENTAÇÃO EDUCACIONAL NAS ESCOLAS TÉCNICAS ESTADUAIS DE SÃO PAULO: inserção,
atribuições e contexto de atuação
ORIENTAÇÃO EDUCACIONAL NAS ESCOLAS TÉCNICAS ESTADUAIS DE SÃO PAULO:
inserção, atribuições e contexto de atuação
A orientação educacional destinada às escolas de educação prossional está presumida nos documentos ociais
do Estado de São Paulo há quase um século, no entanto, seria disseminada em todo o território paulista somente
a partir de 2014. O artigo tem por objetivo delinear a inserção destes prossionais, suas atribuições funcionais
e os aspectos destacados de sua atuação, analisando a orientação educacional presente nas Escolas Técnicas
Estaduais ligadas ao Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza. Baseado em estudos exploratórios,
sobre os dados obtidos por meio de pesquisa documental e das experiências de autoria, identicaram-se os
primeiros momentos da função, as diculdades das escolas em obterem candidatos qualicados à função, os
eixos de atuação fundamentais destes sujeitos, bem como outras considerações relevantes para uma reexão
sobre a prática e a gestão da educação prossional técnica de nível médio.
Palavras-chave: Orientação Educacional. Educação prossional. Gestão escolar. CEETEPS.
SCHOOL COUNSELING IN VOCATIONAL EDUCATION OF STATE OF SÃO PAULO, BRAZIL:
insertion, assignments and working context
The school counseling for vocational education has been presumed in the ofcial documents of the State of
São Paulo, Brazil, for almost a century, however, it would only be disseminated as of 2014. The article aims
to outline the insertion of these professionals, its functional attributions and the highlighted aspects of its
performance, analyzing the school counseling present in the State Technical Schools at the Centro Estadual de
Educação Tecnológica Paula Souza. Based on exploratory studies, on the data obtained through documentary
research and authorship experiences, the rst moments of the function were identied, the difculties of schools
in obtaining qualied candidates, the guidelines of these works, as well as other relevant considerations for a
reection on the practice and management of technical education.
Keywords: School counseling. Vocational education. School management. CEETEPS.
ORIENTACIÓN EDUCATIVA Y PROFESIONAL EN ESCUELAS TÉCNICAS DE SÃO PAULO,
BRASIL: admisión, tareas y contexto de trabajo
La orientación educativa y profesional para las escuelas de educación profesional se presume en los documentos
ociales del Estado de São Paulo, Brasil, durante casi un siglo, sin embargo, solo se difundien todo São Paulo
a partir de 2014. El artículo tiene como objetivo esbozar la inserción de estos profesionales, sus atribuciones
funcionales y los aspectos destacados de su desempeño, analizando la orientación educativa y profesional
presente en las Escuelas Técnicas vinculadas al Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza. Con
base en estudios exploratorios, en los datos obtenidos a través de la investigación documental y las experiencias
de autoría, se identicaron los primeros momentos de la función, las dicultades de las escuelas para obtener
candidatos calicados, los ejes fundamentales de estas asignaturas, así como otras consideraciones relevantes
para una reexión sobre la práctica y la gestión de la educación técnica.
Palabras Clave: Orientación educativa y profesional. Educación profesional. Gestión escolar. CEETEPS.
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Paulo Roberto Prado Constantino, Marília Macorin de Azevedo e Sérgio Eugenio Menino
ORIENTAÇÃO EDUCACIONAL NAS ESCOLAS
TÉCNICAS ESTADUAIS DE SÃO PAULO:
inserção, atribuições e contexto de atuação
Introdução
O artigo pretende delinear a orientação educacional nas Escolas Técnicas Estaduais [Etec]
de São Paulo, ao explorar aspectos relacionados à trajetória, seleção, qualicação e atribuições
funcionais dos atores no âmbito de um sistema público de educação prossional, o Centro Estadual
de Educação Tecnológica Paula Souza [CEETEPS ou Centro Paula Souza].
No referido contexto, a função de orientação educacional é fundamentalmente exercida por
professores concursados de ensino médio e técnico, aos quais são atribuídas horas de atividades
em projetos em cada uma das escolas, com o objetivo de desenvolver ações educacionais coletivas
(CEETEPS, 2015).
Enquanto nas escolas estaduais [EE] de educação básica, ligadas à Secretaria da Educação
de São Paulo [SEE], existia uma atuação dos orientadores reconhecida em prescrições legais mais
antigas (ALMEIDA, 2019a), nas escolas técnicas estaduais [Etec] – ligadas à Secretaria do Desen-
volvimento e administradas pelo Centro Paula Souza, esta atuação e a localização do prossional
nos documentos ociais, bem como a extensão de sua oferta a todo o sistema educacional seriam
mais recentes, a partir do ano de 2014. Sob esta perspectiva, ao almejar uma compreensão sobre
a orientação educacional nas Etecs, torna-se necessário colocar sua adoção e atuação em paralelo
com o momento de expansão da instituição, em especial, de seu crescimento exponencial nos
últimos vinte e cinco anos.
Uma abordagem do trabalho dos orientadores educacionais na educação prossional seria
relevante na medida em que se reconhece, nas últimas duas décadas, um redimensionamento das
expectativas sobre este agente, conforme Mirian Grinspun (1994) e Laurinda Almeida (2019a) assi-
nalavam em suas publicações: de uma ênfase na orientação vocacional e nas questões disciplinares,
deslocou-se para outros eixos, como a participação efetiva do orientador no projeto pedagógico da
escola, questões de execução dos currículos, a constituição das aprendizagens junto aos alunos, o
desenvolvimento da ética e da cidadania e a convivência dentro e fora das escolas.
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ORIENTAÇÃO EDUCACIONAL NAS ESCOLAS TÉCNICAS ESTADUAIS DE SÃO PAULO: inserção,
atribuições e contexto de atuação
O presente texto, portanto, toma parte numa pesquisa mais ampla que vem analisando aspectos
educacionais e gestionários das equipes pedagógicas das Etecs – diretores de escolas, coordena-
dores pedagógicos, orientadores educacionais, auxiliares de docente; dentre outros prossionais,
desde o ano de 2012. A metodologia envolveu uma pesquisa documental de caráter exploratório
(GIL, 2008) sobre fontes abertas, aliadas à bibliograa disponível, mas também lançou mão das
experiências obtidas pelos autores, em mais de uma década atuando diretamente na supervisão
escolar, na pesquisa e na formação dos gestores das escolas técnicas estaduais paulistas.
Para organizar este percurso, na seção seguinte foi disposta uma breve fundamentação sobre
a orientação, com destaque para o Estado de São Paulo. Num terceiro momento, apresenta-se o
mapeamento desta orientação educacional no contexto das Etecs do Centro Paula Souza, ao que
se seguem as considerações sobre os achados desta pesquisa.
Breve fundamentação sobre a Orientação Educacional
O histórico da orientação educacional no Brasil guarda estreita relação com a educação
prossional no Estado de São Paulo, com uma presença que remonta a tempos anteriores aos dos
demais estados brasileiros.
Conforme relatado por Laurinda Almeida, em trabalhos que resgatam a memória prossional
dos orientadores educacionais no âmbito paulista (ALMEIDA, 2014a; 2019b), em 1924 foi fun-
dado um Serviço de Seleção e Orientação Prossional no Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo
(ALMEIDA, 2019a). Posteriormente, “em 1931, Lourenço Filho, então Diretor do Departamento
de Educação de São Paulo, criou o Serviço de Orientação Educacional e Prossional” (ALMEIDA,
2019a, p.114).
Nesta amplicação do atendimento no Estado, Almeida (2019a) assinalava a passagem de
uma Orientação Educacional ligada à tradição norte-americana e francesa – de aconselhamento e
orientação vocacional e, portanto, com preocupações proeminentes quanto ao trabalho; para uma
orientação escolar mais ampla e direcionada à educação básica em geral. No entanto, já no ano de
1932 o serviço seria extinto (ALMEIDA, 2019a).
No âmbito nacional, a Orientação Educacional também foi introduzida na escola brasileira
pelo viés da educação prossional, como apreende-se do relato de Almeida (2019a), ao mencionar
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Paulo Roberto Prado Constantino, Marília Macorin de Azevedo e Sérgio Eugenio Menino
que os primeiros trabalhos, como os pioneiros no Estado de São Paulo a partir de 1937, “iniciaram-se
nas escolas de nível médio que compunham a rede de Ensino Industrial”. (ALMEIDA, 2019, p.115).
Apresentando um panorama histórico do país, a autora mencionava um encadeamento de
publicações, que se iniciou pela:
Lei Orgânica do Ensino Industrial, aparecendo depois na Lei Orgânica
do Ensino Secundário, a seguir na Lei Orgânica do Ensino Comercial e,
posteriormente, na Lei Orgânica do Ensino Agrícola. [Seria] rearmada pela
Lei nº 4.024 de 20/12/61 e pela Lei nº 5.692 de 11/08/71. (ALMEIDA, 2019a,
p.114)
Uma primeira fase destas atividades de orientação, marcada pelas menções nos textos legais
dos anos de 1940 até a obrigatoriedade da presença do orientador educacional na Lei de Diretrizes
e Bases [LDB] para o ensino de 1971, foi sintetizada por Almeida (2019a) em seu artigo. Apesar
da longa citação, vale restituí-la na íntegra, pela expressão concisa dos cinco principais tópicos
que se apresentavam:
1º) Os textos legais consagram desde 1942 a Orientação Educacional como
instituição escolar obrigatória; 2º) Até a Lei 4.024 de 20/12/68, a maioria dos
textos legais refere-se à Orientação Educacional e Prossional; 3º) A Lei 5.692
de 11/08/71 usa a expressão Orientação Educacional e introduz Orientação
Educacional num sentido amplo, abrangendo tanto Orientação Escolar como
Orientação Prossional; e no seu artigo estabelece: “A parte de formação
especial do currículo terá o objetivo de Sondagem de aptidões e iniciação
para o trabalho, no ensino de Grau, e de habilitação prossional no ensino
de Grau”. A ênfase da Orientação Educacional recai mais em termos de
pesquisa e desenvolvimento vocacional, através do currículo, e menos em
termos de ajustamento escolar, o que aparecia nas leis anteriores; 4º) Todos
os textos legais reconhecem a escolha prossional como objeto da atuação da
Orientação Educacional e 5º) Os textos legais reconhecem a necessidade de o
Orientador cooperar ou articular-se com professores e família. A Lei 5.962/71
é mais explícita, estabelecendo, para o Orientador, uma atuação cooperativa
com professores, família e comunidade. (ALMEIDA, 2019a, p.115)
O ano de 1971 foi um marco para os orientadores educacionais, pois a LDB nº5692/71
(BRASIL, 1971) trouxe uma concepção alternativa da metodologia de orientação, ao avançar
de uma “abordagem mais individual, diagnóstica, de estudo de casos, para uma abordagem mais
preventiva, coletiva, que só pode ser conseguida via currículo; portanto, através de um trabalho
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ORIENTAÇÃO EDUCACIONAL NAS ESCOLAS TÉCNICAS ESTADUAIS DE SÃO PAULO: inserção,
atribuições e contexto de atuação
integrado do Orientador” (ALMEIDA, 2019a, p.119). Em um curto lapso de tempo, também ocor-
reria a regulamentação denitiva da prossão, que se encontrava instituída desde 1968 (BRASIL,
1968), por meio do Decreto 72.846 de 1973 (BRASIL, 1973).
Com a promulgação de uma nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira, a Lei nº
9.394 em 1996 (BRASIL, 1996), reconhecia-se uma vez mais a gura do orientador educacional
dentre os prossionais que atuariam na educação básica, citando-lhe nominalmente e reforçando
seu prestígio numa redação suplementar de 2009 (BRASIL, 2009):
Art. 61. Consideram-se prossionais da educação escolar básica os que, nela
estando em efetivo exercício e tendo sido formados em cursos reconhecidos,
são: [Redação dada pela Lei nº 12.014, de 2009]
II – trabalhadores em educação portadores de diploma de pedagogia, com
habilitação em administração, planejamento, supervisão, inspeção e orientação
educacional, bem como com títulos de mestrado ou doutorado nas mesmas
áreas; (Redação dada pela Lei nº 12.014, de 2009)
Art. 64. A formação de prossionais de educação para administração,
planejamento, inspeção, supervisão e orientação educacional para a educação
básica, será feita em cursos de graduação em pedagogia ou em nível de pós-
graduação, a critério da instituição de ensino, garantida, nesta formação, a base
comum nacional. (BRASIL, 1996, documento eletrônico)
Entretanto, sob diferentes denominações e em condições diversas, a orientação educacio-
nal seria efetivada no Brasil de modo intermitente (GIACAGLIA; PENTEADO, 2011), apesar
de prestigiada nos textos legais desde 1942 (ALMEIDA, 2019a; PASCOAL; HONORATO;
ALBUQUERQUE, 2008). Segundo Miriam Pascoal (2016), em alguns Estados seria uma gura
consolidada, como em “Brasília, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Amapá, enquanto em outros,
tal prossional não existe” (PASCOAL, 2006, p.115).
Situando uma perspectiva moderna, dentre os pressupostos teóricos de uma abordagem
renovada (GRINSPUN, 1994; SANCHES, 1999; PASCOAL, 2006; GIACAGLIA; PENTEADO,
2011; ALMEIDA, 2019a) da Orientação Educacional:
[...] o papel do orientador educacional deve ser o de mediador entre o aluno, as
situações de caráter didático-pedagógicas e as situações sócio-culturais. Além
disso, a razão de ser da escola e da própria educação é o aluno, centro dos
estudos da orientação educacional. (PASCOAL, 2006, p.115)
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A prática do orientador educacional precisaria ajustar-se às questões pedagógicas e de desen-
volvimento das competências socioemocionais entre os alunos, e ao compromisso ético com uma
escola democrática, reexiva e cidadã (SANCHES,1999). Estaria, portanto, para além das questões
vocacionais ou prossionais, na importância de promover indiretamente as aprendizagens e, em
parceria com outros membros da equipe escolar, “situar o aluno no contexto da escola, tratando
questões como indisciplina, desinteresse, agressividade como questões de relações – professor-
-aluno, professor-conhecimento-aluno, aluno-comunidade” (ALMEIDA, 2019a, p.120).
Ao retomar o olhar sobre o Estado de São Paulo, dois cenários se apresentam no atual
momento. As escolas técnicas estaduais [Etecs] paulistas adotariam recentemente a presença do
orientador educacional em toda a rede de ensino, a partir de 2014, enquanto nas escolas estaduais
[EE] notou-se um evidente retrocesso. Laurinda Almeida ressaltava que, desde 2016, os orientadores
educacionais foram extintos da rede pública estadual ligada a SEE (ALMEIDA, 2019a; 2019b) e
suas atribuições teriam sido absorvidas por outros atores, como os coordenadores pedagógicos.
Para a autora, até o nal dos anos de 1980, mesmo com o novo perl de orientação requisitado,
(...) os orientadores educacionais foram alocados nas escolas sem o suporte
necessário do sistema de ensino para seu trabalho. Não se levou em conta
o número de alunos das escolas para pensar no módulo para atendimento.
Não havia critério para alocação. Tanto uma escola com 200 alunos, como
uma escola com 2000 alunos, recebia um orientador. [...] Os diretores, muitos
deles, impunham aos orientadores funções que não eram as de seu cargo, tais
como supervisionar alunos nos pátios, vericar entrada e saída de alunos e
professores, cuidar da disciplina. (ALMEIDA, 2019a, p.119)
Miriam Pascoal atribuía o ocorrido na SEE ao que se referiu como “marcas do passado,
em que o orientador educacional exercia uma função de caráter comportamentalista, ligada aos
desajustes escolares, o que o confundia com o psicólogo escolar” (PASCOAL, 2006, p.120), o que
teria deixado “raízes profundas e difíceis de remover” (PASCOAL, 2006, p.120).
Como se observou na literatura, o orientador educacional é um prossional que precisa
ser permanentemente requisitado, debatido e reavaliado nos sistemas educacionais, para que sua
atuação não esmoreça. A m de evitar trajetória assemelhada à da educação básica na educação
prossional pública, a seção seguinte procura debater a orientação no contexto das escolas técnicas
estaduais de São Paulo, mapeando aspectos relevantes de sua inserção, presença nos textos legais
e possibilidades de formação e atuação.
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ORIENTAÇÃO EDUCACIONAL NAS ESCOLAS TÉCNICAS ESTADUAIS DE SÃO PAULO: inserção,
atribuições e contexto de atuação
A orientação educacional nas Escolas Técnicas Estaduais de São Paulo
O cenário: a instituição focada e a função da orientação educacional
Como mencionado anteriormente, para uma compreensão inicial sobre a orientação edu-
cacional nas Etecs torna-se necessário colocá-la a par com o momento de expansão da educação
prossional pública estadual, no início do século XXI.
No ano de 2020, 223 Etecs eram administradas pelo Centro Estadual de Educação Tec-
nológica Paula Souza, uma autarquia do Governo vinculada à Secretaria de Desenvolvimento
Econômico. Distribuídas por todas as regiões, estas escolas atendiam mais de 224 mil estudantes
gratuitamente, somente nos ensinos médio e técnico (CETEC, 2020), além de oferecer qualicação
básica, ensino superior em suas 73 Faculdades de Tecnologia [Fatecs] e contar com uma Unidade
de Pós-Graduação, Extensão e Pesquisa
12
(CEETEPS, 2020). Nas duas últimas décadas, entre 2000
e 2019, ocorreu uma forte expansão destas escolas técnicas, passando de 108 para 223 unidades
(CETEC, 2020). O crescimento possibilitou o aumento de matrículas em cursos técnicos, deman-
dando também a necessidade de ampliação das funções de apoio e suporte pedagógico (SILVA;
CONSTANTINO, 2019), como a referida orientação educacional.
Vale destacar que até o ano de 2012, somente as 34 escolas agrícolas do Centro Paula Souza
contavam com um Analista Técnico-Educacional admitido por concurso público – nome funcional
recebido pelo orientador educacional desde a década de 2000, com atribuições dispostas na Delibe-
ração CEETEPS nº 006/2009 (CEETEPS, 2009) e que serviriam de referência para a constituição
do serviço de orientação em toda a rede estadual nos anos seguintes. Sua presença primeiramente
nas escolas agrícolas poderia ser explicada pela relação histórica com este tipo de unidade escolar
(cf. ALMEIDA, 2019a), além das necessidades observadas na gestão da residência [internato
escolar] e na convivência dos alunos em tempo integral nestas Etecs.
2 Em 2020, vinham sendo oferecidos 185 cursos técnicos e especializações nas Etecs: 102 cursos técnicos presenciais,
5 cursos técnicos semipresenciais, 5 cursos técnicos online, 3 cursos técnicos na modalidade aberta, 32 cursos técnicos
integrados ao Ensino Médio, 28 cursos da modalidade Novotec Integrado, 4 cursos na Articulação da Formação Pro-
ssional Média e Superior [AMS) e 6 cursos técnicos integrados ao Ensino Médio na modalidade Educação de Jovens
e Adultos [EJA], distribuídos entre todos os eixos tecnológicos do Catálogo Nacional de Cursos Técnicos (BRASIL,
2017). As Fatecs oferecem 80 graduações tecnológicas em diferentes áreas, atendendo mais de 85 mil alunos no ensino
superior. A Unidade de Pós-Graduação, Extensão e Pesquisa conta diferentes programas latu e stricto sensu, dentre os
quais o curso de Mestrado Prossional em Gestão e Desenvolvimento da Educação Prossional. (CEETEPS, 2020)
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Paulo Roberto Prado Constantino, Marília Macorin de Azevedo e Sérgio Eugenio Menino
Com a ampliação do número de unidades escolares e a ausência de concursos públicos ou de
uma previsão de cargos em número suciente para todas as Etecs, a função de orientação educacio-
nal seria estendida, a partir do ano de 2014, por meio de professores concursados que atuavam no
ensino médio e técnico, aos quais seriam atribuídas horas de atividades em projetos, com o objetivo
de desenvolver ações educacionais coletivas (CEETEPS, 2015).
Em um primeiro momento desta extensão, a função e as atribuições da orientação educacional
se confundiam nos documentos legais com as da coordenação pedagógica, tal como historicamente
ocorreu na rede pública paulista ligada à SEE (ALMEIDA, 2019a; 2019b). O Regimento Comum das
Escolas Técnicas Estaduais de 2006 (CEETEPS, 2006) atribuía ao Coordenador Pedagógico, então
denominado professor responsável pelo Núcleo de Gestão Pedagógica e Acadêmica, entre outras
atribuições elencadas no Artigo 25, a de exercer a “orientação educacional e prossional” (CEETEPS,
2006, documento eletrônico), sem mais detalhamentos. A separação destas atribuições ocorreria, nos
textos legais, com a publicação de deliberações pelo CEETEPS relacionadas à coordenação pedagó-
gica, em 2012; orientação educacional e um novo Regimento Comum, em 2013. Nesta revisão do
Regimento Comum das Etecs (CEETEPS, 2013b), que considerava os planos de carreira do Centro
Paula Souza em implantação, as funções seriam nalmente apartadas, com o orientador tomando
parte na equipe gestora das unidades, como mencionado no Artigo 26, em seu parágrafo único:
[...] Integra a [equipe de] Coordenação Pedagógica a orientação educacional,
destinada a assistir o educando, individualmente ou em grupo, visando ao
desenvolvimento integral e harmonioso de sua personalidade, bem como sua
orientação prossional. (CEETEPS, 2013b, p.91)
Também no ano de 2013 seria publicada a regulamentação especíca da orientação educacio-
nal nas Etecs, a saber, a Deliberação CEETEPS nº 02/2013 (CEETEPS, 2013a), que apresentava a
função e suas atribuições; e a Instrução Cetec nº05/2013 da Unidade do Ensino Médio e Técnico do
CEETEPS, que expedia “instruções complementares a m de disciplinar as atividades do Professor
Coordenador de Projetos Responsável pela Orientação e Apoio Educacional nas Escolas Técnicas”
(CEETEPS, 2013c, p.01), relacionada às condições funcionais, de admissão e ao número de horas
destacadas a estes prossionais nas escolas.
No Quadro 1, apresenta-se o histórico dos textos legais do CEETEPS ligados à atividade de
orientação nas Etecs:
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ORIENTAÇÃO EDUCACIONAL NAS ESCOLAS TÉCNICAS ESTADUAIS DE SÃO PAULO: inserção,
atribuições e contexto de atuação
Quadro 1: Sinopse dos textos legais relacionados ao trabalho de orientação educacional no Centro Paula
Souza entre os anos de 2006 – 2020
Documento Ano Sinopse
Deliberação CEETEPS
nº 02, de 30 de janeiro de
2006. (CEETEPS, 2006)
2006 Aprova o Regimento comum das Etecs, e destaca a orien-
tação educacional entre as atribuições do professor respon-
sável pelo Núcleo Pedagógico.
Deliberação CEETEPS nº
06, de 05 de fevereiro de
2009. (CEETEPS, 2009)
2009 Regulamenta as atribuições dos empregos públicos, abran-
gidos pelo Plano de Carreira da Lei Complementar nº
1.044/2008. Entre as atribuições diversas, localizava as do
Analista Técnico-Educacional, que realizaria a orientação
educacional nas escolas técnicas agrícolas.
Deliberação CEETEPS
nº 02, de 21 de março de
2013. (CEETEPS, 2013a)
2013 Dispõe sobre atividade de Coordenador de Projetos Res-
ponsável pela Orientação e Apoio Educacional nas Escolas
Técnicas Estaduais do CEETEPS.
Deliberação CEETEPS nº
03, de 18 de julho de 2013.
(CEETEPS, 2013b)
2013 Aprova o Regimento Comum das Escolas Técnicas Esta-
duais do Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula
Souza. Faz menção à gura do orientador educacional em
um de seus artigos.
Portaria CEETEPS Nº 281,
de 3-05-2013 (CEETEPS,
2013c)
2013 Diretora Superintendente do CEETEPS delega competên-
cias ao Coordenador da Unidade do Ensino Médio e Téc-
nico para designar o Professor Coordenador de Projetos
Responsável pela Coordenação Pedagógica e o Professor
Coordenador de Projetos Responsável pela Orientação e
Apoio Educacional das Escolas Técnicas Estaduais.
Instrução CETEC nº 05, de
18 de Novembro de 2013.
(CEETEPS, 2013d)
2013 Instruções complementares à Deliberação CEETEPS nº
02, a m de disciplinar as atividades do Professor Coor-
denador de Projetos Responsável pela Orientação e Apoio
Educacional nas Escolas Técnicas.
Deliberação CEETEPS nº
18, de 16 de julho de 2015.
(CEETEPS, 2015)
2015 Dispõe sobre a atividade de Coordenador de Projetos Res-
ponsável pela Orientação e Apoio Educacional nas Escolas
Técnicas Estaduais do CEETEPS.
Instrução CETEC n° 04, de
28 de junho de 2018. (CEE-
TEPS, 2018)
2018 Expede instruções complementares à Deliberação CEE-
TEPS № 018, publicada em 20 de julho de 2015, a m de
disciplinar as atividades do Professor Coordenador de Pro-
jetos Responsável pela Orientação e Apoio Educacional
nas Escolas Técnicas.
Fonte: (CEETEPS, 2006; 2009; 2013a; 2013b; 2013c; 2013d; 2015; 2018)
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Paulo Roberto Prado Constantino, Marília Macorin de Azevedo e Sérgio Eugenio Menino
Nos anos de 2015 e 2018, a instituição atualizaria os documentos especícos relacionados
à orientação educacional pela última vez, publicando respectivamente a Deliberação CEETEPS
18/2015 (CEETEPS, 2015) e a Instrução CETEC nº04/2018 (CEETEPS, 2018), em vigência
até o presente momento.
Segundo estes textos em vigor, a inserção dos orientadores educacionais nas Etecs decorre de
um processo em dois tempos: primeiro, precisam participar de uma qualicação aberta aos profes-
sores da rede, que consiste em atender os pré-requisitos
23
estabelecidos na Deliberação CEETEPS
nº 18/2015 e realizar uma prova escrita, que versa sobre a legislação do Centro Paula Souza e as
atribuições previstas ao orientador. Após aprovação neste processo de qualicação, o prossional se
candidata às vagas disponíveis nas diferentes escolas. Havendo mais de um candidato por vaga, o
Diretor da unidade avalia os projetos e opta, sendo que cada unidade admite apenas um orientador.
A admissão para a orientação e apoio educacional só ocorre após parecer sobre o projeto
de trabalho por parte da Supervisão Pedagógica Regional e a designação pela Coordenadoria do
Ensino Médio e Técnico do Centro Paula Souza. A designação para a função é anual, podendo
existir reconduções sucessivas, desde que suas atividades tenham sido aprovadas pela direção e
validadas pelo órgão responsável pelas Etecs dentro do Centro Paula Souza.
Sendo indicado, o projeto de orientação e apoio educacional precisa enquadrar-se aos parâ-
metros de cálculo das horas-atividade especícas [HAE] semanais a serem atribuídas pela Unidade
de Ensino Médio e Técnico (CEETEPS, 2018), entre 20 e 40 HAE, variando em função do número
de alunos, cursos, professores e turmas ativas na unidade. Além disso, o professor admitido poderá
afastar-se de parte ou integralmente de suas aulas, em quantidade equivalente às HAE aprovadas
para o seu projeto, desde que haja um professor substituto habilitado na escola. Nestas condições,
dependendo da quantidade de horas atribuídas para execução do projeto e da existência de professor
substituto para o afastamento, o orientador pode ter que acumular sua função com a de professor,
ministrando aulas em uma ou mais Etecs (SILVA; CONSTANTINO, 2019). À remuneração das
horas determinadas para realização do projeto, também é disposta uma graticação de função,
representando a metade da graticação de um diretor de unidade.
3 Entre os requisitos solicitados dos candidatos, estão a necessidade de ser “I - docente contratado por prazo indeter-
minado [por meio de concurso público, no caso]; II - Estar em exercício no CEETEPS por no mínimo três (03) anos;
III - Ser portador de licenciatura; IV - Estar qualicado em processo especíco” (CEETEPS, 2015, p. 41).
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ORIENTAÇÃO EDUCACIONAL NAS ESCOLAS TÉCNICAS ESTADUAIS DE SÃO PAULO: inserção,
atribuições e contexto de atuação
A inserção dos orientadores educacionais nas Etecs: o processo de qualicação
Neste ponto, vale um olhar detido sobre o processo de qualicação para orientadores das
Etecs. Sua abrangência deveria ter acompanhado a forte expansão das unidades escolares, porém,
entre os anos de 2013 e 2018 foram abertos apenas três processos qualicatórios, dispostos no
quadro a seguir:
Quadro 2: Processos de qualicação para professores candidatos à Orientação Educacional nas Etecs
Ano Processo
Nº de professores qua-
licados por
processo nas Etecs
Nº de Etecs exis-
tentes no ano
Média - qualicados por
vaga nas escolas, por
processo
2013 3587/2013 239 217 1,10
2015 5057/2015 545 219 2,48
2018 771349/2018 378 222 1,70
Média geral –pro-
fessores qualica-
dos por escola nos
anos
1,7
Fonte: (CETEC, 2020)
No ano de 2020, as Etecs do Centro Paula Souza contavam com 10.004 professores na
ativa contratados por tempo indeterminado (CETEC, 2020), por meio de concurso público. Todos
estes, por princípio, em condições de participar do processo de qualicação à função de orienta-
ção educacional. Mesmo sendo possível constatar que as Etecs possuem atendimento, estruturas
e tamanhos distintos, o traço comum identicado no Quadro 1 seria a baixa procura pela função,
exceto no ano de 2015, em que 545 professores foram qualicados, proporcionando que uma
relação de qualicados por vaga de 2,4, numa discreta melhoria. É um indicador relevante, mas
não denitivo, sobre o processo de seleção nas escolas, já que existiriam unidades que poderiam
acusar muitos candidatos e outras que não obteriam nenhum prossional qualicado. Com pou-
cos postulantes às vagas, faltaria oportunidade aos Diretores de Etecs de receberem mais de um
projeto, com o intento de avaliar o que mais se adequaria ao perl de sua unidade e ao projeto
político-pedagógico constituído.
Caso não existam professores qualicados à função na unidade escolar ou em consulta às
demais Etecs, em casos excepcionais pode ser autorizada a admissão de candidatos não qualica-
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dos, requisitando apenas que o docente seja um contratado por prazo indeterminado e que possua
licenciatura.
Algumas hipóteses poderiam ser consideradas quanto à inserção e a baixa procura pela
orientação educacional, de modo semelhante ao observado por (SILVA; CONSTANTINO, 2019)
ao examinar outras funções institucionais: 1) que a função de orientação não seria atrativa aos
professores por não se tratar de um cargo efetivo e estável, ainda que o argumento do ajuste e
exibilidade aos diretores na escolha dos prossionais possa ser admitido [o que não ocorreria
com um orientador concursado em denitivo]; 2) que os candidatos não se sentiriam seguros em
candidatar-se ao trabalho em própria sua escola sede, pois mesmo havendo a vaga para a função,
pois poderiam ter seu projeto rejeitado pelo Diretor da unidade; 3) que os professores poderiam
considerar que as horas de atividade [HAE] atribuídas para execução do projeto não seriam su-
cientes para se dedicarem ao trabalho de orientação, 4) que pelo fato da orientação educacional
não prever uma dedicação escolar exclusiva, em muitos casos o postulante ainda precisaria se
manter em sala de aula para completar sua carga horária; 5) que os professores poderiam conside-
rar que a graticação paga pelo exercício da função não seria sucientemente atrativa; ou 6) que
os próprios professores considerem sua formação inicial insuciente para almejarem à orientação
educacional, uma vez que esta formação foi deteriorando-se no país, tendo pouco prestígio nas
atuais licenciaturas, cursos de Pedagogia e pós-graduações. Tais hipóteses poderão ser validadas
ou revistas em futuras pesquisas.
As atribuições dos orientadores educacionais nas Etecs
Para uma análise documental das atribuições dos orientadores educacionais na Etecs, abordou-
-se o conteúdo da Deliberação CEETEPS nº 18/2015 (CEETEPS, 2015). Dispensou-se a análise
da Deliberação relacionada aos Analistas Técnico-Educacionais (CEETEPS, 2009) das escolas
agrícolas por entender que: 1) 89% dos orientadores educacionais ativos nas 223 Etecs são admi-
tidos nos moldes da Deliberação CEETEPS nº18/2015; 2) a Deliberação CEETEPS nº18/2015 foi
concebida a partir de sua predecessora, encampando parte signicativa de seus elementos essenciais.
Extraídos os dados, efetivou-se uma abordagem descritiva baseada na análise de conteúdo
(BARDIN,1977), para a compilação dos dados e na construção de categorias de análise das atri-
buições baseada em grandes eixos de atuação, com a nalidade de agrupá-las no seguinte quadro
sinótico:
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ORIENTAÇÃO EDUCACIONAL NAS ESCOLAS TÉCNICAS ESTADUAIS DE SÃO PAULO: inserção,
atribuições e contexto de atuação
Quadro 3: Atribuições do Professor Coordenador de Projetos responsável pela Orientação e Apoio Edu-
cacional nas Etecs e os eixos de atuação identicados
Eixos de atuação
identicados
Principais atribuições do Professor Coordenador de Projetos Responsável
pela Orientação e Apoio Educacional nas Escolas Técnicas Estaduais do
CEETEPS
Gestão da informa-
ção e assentamentos
escolares
VI - colaborar com a Unidade de Ensino a m de garantir as informações sobre a
vida escolar dos alunos, encaminhando dúvidas e questionamentos aos órgãos e
servidores competentes;
IX - organizar, junto a Diretoria de Serviços - Área Acadêmica, dados estatísti-
cos referentes à frequência e rendimento dos alunos;
Participação em
reuniões e eventos
escolares
I - participar de reuniões pedagógicas, de curso e da equipe gestora, além dos
demais eventos escolares;
VII - reunir-se com pais e responsáveis;
Participação no pro-
jeto pedagógico e
plano de gestão
XI - colaborar na elaboração e execução da proposta do Projeto Político Pedagó-
gico e do Plano Plurianual de Gestão;
Mediação das rela-
ções interpessoais
IV - mediar às relações interpessoais entre os alunos e a escola;
Relações com o
Conselho Tutelar
III - acompanhar os casos encaminhados pela direção ao Conselho Tutelar;
Interações com o
corpo docente
VIII - interagir com o Coordenador de Projetos Responsável pela Coordenação
Pedagógica e com o Coordenador de Curso, auxiliando-os na tarefa de fazer com
que o corpo docente compreenda o comportamento dos alunos e das classes;
Atuação junto ao
corpo discente
XV - colaborar com demais demandas que contribuam com a formação plena
das competências, habilidades, atitudes e valores discentes dos cursos.
X - buscar a cooperação dos educandos, orientando-os quanto às suas escolhas,
relacionamento com os colegas e professores e vivências familiares;
II - colaborar com a formação permanente do corpo discente, no que diz respeito
aos valores e atitudes, promovendo atividades que levem o aluno a desenvolver a
compreensão dos direitos e deveres da pessoa humana, do cidadão, do Estado, da
família e dos demais grupos que compõem a comunidade, por meio de participa-
ção dos alunos nos órgãos colegiados, tais como Conselhos de Classe e Escola-
res, Grêmio Estudantil, Cooperativas, representação da classe e comissões;
XII - favorecer a articulação entre a vivência do aluno em sua comunidade os
temas abordados em sala de aula, contextualizando a aprendizagem;
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Recuperação de
aprendizagem
V - assistir alunos que apresentam diculdades de ajustamento à escola, proble-
mas de rendimento escolar e/ou outras diculdades escolares, especialmente na
recuperação e nos casos de progressão parcial, por meio de gerenciamento e co-
ordenação das atividades relacionadas com o processo de ensino-aprendizagem;
XIII - desenvolver nos alunos hábitos de estudo e organização, planejando ativi-
dades educacionais de forma integrada, com a nalidade de melhoria do rendi-
mento escolar;
Inclusão de alunos
com deciência
XIV - planejar e implementar ações referentes à inclusão de alunos com
deciência, com apoio dos demais departamentos da administração central.
Fonte: AUTORES, 2020; CEETEPS, 2015, p.41
Entre as 15 atribuições listadas na Deliberação nº18 (CEETEPS, 2015), 9 apresentam uma
preocupação expressa com a gestão da aprendizagem dos alunos, baseando-se em aspectos dis-
tintos como o ajuste ao projeto pedagógico da escola, o fomento às competências prossionais e
gerais, o desenvolvimento de recursos e métodos que favoreçam a aprendizagem. Curiosamente,
as atividades relacionadas à orientação vocacional e ao trabalho, tão presentes no início do século
XX (cf. ALMEIDA, 2019a), são praticamente abandonadas no documento, sem nenhuma menção
especíca, exceto pelo item X (CEETEPS, 2015) – que aborda o auxílio e orientação às ‘escolhas’
feitas pelos estudantes, em um tom genérico. A ênfase da atuação deste professor, portanto, teria
sido denitivamente deslocada aos aspectos pedagógicos e de gestão curricular, com vistas à
aprendizagem e a permanência estudantil.
Almeida (2019b) armava que o orientador educacional não havia sido inserido adequada-
mente no corpo gestor das escolas estaduais de São Paulo. No caso das Etecs, reconhece-se uma
preocupação expressa em diferentes itens do documento, como na participação do orientador no
projeto pedagógico e no plano plurianual de gestão das escolas técnicas [cf. item XI], nas interações
com o corpo docente [VIII], na participação em reuniões e eventos escolares [I, VII], na gestão e
circulação adequada de informações sobre os alunos, colaborando nas decisões da equipe gestora
e dos professores [VI, IX]. Tendo visitado e avaliado o trabalho gestionário de muitas escolas nos
anos seguintes à inserção dos orientadores educacional, notamos – pela observação não-sistemática
do cotidiano das unidades – que o orientador educacional está envolvido na gestão escolar e tem
tomado parte na equipe constituída nas Etecs.
Ocorrências isoladas precisam ser constatadas. A inclusão dos alunos com deciência ga-
nha destaque em um dos itens (XIV), destacando a relevância da temática na instituição, que tem
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ORIENTAÇÃO EDUCACIONAL NAS ESCOLAS TÉCNICAS ESTADUAIS DE SÃO PAULO: inserção,
atribuições e contexto de atuação
realizado um trabalho intensivo para o atendimento educacional especializado, incluindo a adap-
tação curricular, dos recursos educacionais e a alocação de professores adicionais para atuarem
diretamente com os envolvidos.
As relações com o Conselho Tutelar, com o intento de “acompanhar os casos encaminhados
pela direção ao Conselho Tutelar” (CEETEPS, 2015, p.41), são parte integrante das atribuições de
orientação, atendendo à regulação exigida do aproveitamento escolar dos alunos de menor idade.
As habilidades de comunicação e relacionamento interpessoal se fazem presentes nas expec-
tativas denotadas, não somente para que os orientadores possam “mediar às relações interpessoais
entre os alunos e a escola” (CEETEPS, 2015, p.41), mas também interagir com a Coordenação
Pedagógica, Coordenador de Curso, o corpo docente e demais atores escolares (CEETEPS, 2015).
Finalmente, entre as sugestões que se apresentam para o aperfeiçoamento da função de orien-
tação educacional nas Etecs a partir desta exploração inicial, estão: a) a promoção de incentivos
pecuniários e funcionais [carga horária, condições alternativas de atribuição de aulas e da função]
para que o orientador educacional amplie seu envolvimento e exista perenidade no trabalho, sempre
que possível; b) consequentemente, a adoção de remuneração em uma faixa salarial com salários
e graticações mais atrativos, baseados em um plano de carreira que se encontra disposto, mas
que poderia ser debatido e revisto; c) a carga horária de atuação dos orientadores ser xada em
dedicação exclusiva na unidades escolares, em 40 horas semanais; d) a ampliação dos programas
de formação continuada em serviço, de curta duração, voltados especialmente aos orientadores
educacionais em campo; e) a criação de programas de pós-graduação lato sensu que atendam as
particularidades e auxiliem na resolução de possíveis lacunas na formação deste prossionais em
exercício; f) a criação de cursos de formação continuada para os professores que pretendam ingres-
sar na orientação educacional, pois há um desequilíbrio na formação inicial [baixa carga horária
nos currículos, pouca oferta nos campi] posto nos cursos de Pedagogia e licenciaturas do país.
Considerações nais
A existência recente dos orientadores educacionais nas Escolas Técnicas Estaduais de São
Paulo foi trazida à ribalta, a m de compreendê-la e também de provocá-la à luz da literatura e
das demandas encontradas no sistema público de educação prossional. Ao expor sua função e
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Paulo Roberto Prado Constantino, Marília Macorin de Azevedo e Sérgio Eugenio Menino
contexto de atuação, podemos suscitar não somente o debate acadêmico, mas uma possível reexão
no âmbito escolar e institucional, que por m poderia amplicar a participação dos professores,
seu engajamento e seu interesse na carreira, elevando a qualidade das ações educacionais desen-
volvidas e seu alinhamento aos projetos pedagógicos das unidades.
Um aprofundamento sobre o trabalho de orientação nos ensinos médio e técnico ganha relevo
ao observarmos o público para o qual se destina: jovens que estão ingressando nas Etecs, oriundos
pouco do ensino fundamental; bem como adultos e idosos que acessam a educação prossio-
nal, com expectativas e experiências escolares distintas, mas que exigem igualmente atenção e
esforços dos orientadores. Conciliar estas complexas demandas às perspectivas de atendimento
em pequenos grupos ou individualizado, atender questões de inclusão e adaptação escolar, tornam
o desao ainda mais elevado.
Sob o ponto de vista institucional, identicou-se que as demandas relacionadas aos orientado-
res educacionais têm sido: a ampliação da formação continuada destes prossionais, os incentivos
para que se dirijam à função e a garantia de alguma perenidade, o que anal auxiliaria a própria
instituição no reforço dos papeis destes prossionais, minimizando a rotatividade nas escolas e
ampliando os resultados educacionais esperados.
Não se pretendeu exaurir os múltiplos aspectos relacionados à orientação educacional nas
Etecs. Por certo, as trajetórias, modos de seleção e qualicação, a formação e as atribuições fun-
cionais dos orientadores poderão ser objeto de novas investigações em campo, somados às suas
expectativas, histórias e memórias prossionais, além dos estudos sobre as políticas públicas,
possibilidades de revisão da legislação e da carreira, que se apresentariam como oportunidades
para a exploração do campo especicamente ligado à educação prossional.
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Recebido em: 30 de abril de 2020.
Avaliado em: 14 de maio de 2020.
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