Adolescentes e jovens em conito com a lei: a percepção de “punição” no regime socioeducativo de internação
Plurais Revista Multidisciplinar, v.6, n.1, p. 171-188, jan./abr. 2021 |
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DOI: https://doi.org/10.29378/plurais.2447-9373.2021.v6.n1.9439
ADOLESCENTES E JOVENS EM CONFLITO COM
A LEI: A PERCEPÇÃO DE “PUNIÇÃO” NO REGIME
SOCIOEDUCATIVO DE INTERNAÇÃO
1
Solimar Santana Oliveira
2
http://orcid.org/0000-0002-5831-3726
Secretaria de Estado da Educaçao de Goiás
Guilherme Resende Oliveira
3
http://orcid.org/0000-0002-2170-3608
Universidade de Brasília
RESUMO:
A partir do objeto investigado, o sistema socioeducativo, este artigo tem o objetivo de investigar a per-
cepção de adolescentes e jovens que estão em cumprimento de medida socioeducativa de internação em
um Centro de Atendimento e Medida Socioeducativa (CASE)
4
. A metodologia de abordagem qualitativa
iniciou-se por meio de revisão teórica, abarcando autores que contribuem para a temática como Foucault
(1987); Freire (1980; 1987); Volpi (1999); Soares (2002); Onofre (2007); Leal e Carmo (2014), entre
outros. Por seguinte pesquisa de campo por meio de entrevistas semiestuturadas com um grupo de 6
adolescentes e jovens que cumprem medida de internação no CASE. Foi realizada a triangulação dos
documentos, referencial teórico e dados empíricos gerados por meio das entrevistas, no qual passaram
também por uma análise de conteúdo com o propósito de apreender a percepção dos colaboradores da
pesquisa em questão. Os documentos investigados demonstram que a socioeducação deve cumprir a
oferta de educação, e isso é constatado, porém os teóricos desse tema defendem que deve-se abranger
uma formação além do ensino de disciplinas, para atuação cidadã efetiva em seu contexto e seu convívio
político-social. A análise demonstrou que há limitações na implementação da ação socioeducativa, pois,
esses sujeitos apontam que o sistema é uma oportunidade de continuidade formativa, contudo ainda é
também uma via punitiva pelo conito que eles possuem com a lei.
Palavras-Chave: Educação. Socioeducação. Punição.
ABSTRACT:
ADOLESCENTS AND YOUNG PEOPLE IN CONFLICT WITH THE LAW:
THE PERCEPTION OF “PUNISHMENT” IN THE SOCIO-EDUCATIONAL
REGIME OF HOSPITALIZATION
Based on the object investigated, the socio-educational system, this article aims to investigate the per-
ception of adolescents and young people who are in compliance with a socio-educational measure of
hospitalization in a Center for Assistance and Socio-educational Measure (CASE). The qualitative ap-
proach methodology started through a theoretical review, covering authors who contribute to the theme
as Foucault (1987); Freire (1980; 1987); Volpi (1999); Soares (2002); Onofre (2007); Leal and Carmo
1 A produção cientíca proposta é fruto de estudos realizados na pesquisa, “A ação socioeducativa e o
papel da secretaria de estado da educação de Goiás na garantia de educação àqueles que estão em cumprimento
de medidas socioeducativas”, A problemática envolvia o questionamento se o atendimento socioeducativo pode
ser concebido como um período de oportunidade para a continuidade formativa ou como punição por ato ilícito
cometido pelo jovem e/ou adolescente.
2 UNIALFA. E-mail: sollimar.advogada@gmail.com
3 Doutor em Economia (UNB). Professor Titular (UNIALFA). E-mail: guilherme.oliveira@unialfa.com.br
4 Todos os procedimentos realizados no decorrer da pesquisa foram aprovados pela instituição colabora-
dora e cumpriu todos os requisitos éticos durante a realização da pesquisa.
Solimar Santana Oliveira e Guilherme Resende Oliveira
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(2014), among others. Following eld research through semi-structured interviews with a group of 6
adolescents and young people who are undergoing hospitalization measures at CASE. The triangulation
of documents, theoretical framework and empirical data generated through the interviews was carried
out, in which they also underwent a content analysis in order to apprehend the perception of the research
collaborators in question. The investigated documents demonstrate that socio-education must comply
with the education offer, and this is veried, but the theorists of this theme argue that training should be
included in addition to the teaching of disciplines, for effective citizen action in its context and its poli-
tical coexistence- Social. The analysis showed that there are limitations in the implementation of socio-
-educational action, as these subjects point out that the system is an opportunity for formative continuity,
however it is also still a punitive way for the conict they have with the law.
Keywords: Education. Socio-education. Punishment.
RESUMEN:
ADOLESCENTES Y JÓVENES EN CONFLICTO CON LA LEY: LA
PERCEPCIÓN DEL “CASTIGO” EN EL RÉGIMEN SOCIOEDUCATIVO
DE HOSPITALIZACIÓN
A partir del objeto investigado, el sistema socioeducativo, este artículo tiene como objetivo investigar
la percepción de adolescentes y jóvenes que están en cumplimiento de una medida socioeducativa de
hospitalización en un Centro de Atención y Medida Socioeducativa (CASE). La metodología del abor-
daje cualitativo partió de una revisión teórica, abarcando a autores que aportan al tema como Foucault
(1987); Freire (1980; 1987); Volpi (1999); Soares (2002); Onofre (2007); Leal y Carmo (2014), entre
otros. Seguimiento de la investigación de campo a través de entrevistas semiestructuradas con un grupo
de 6 adolescentes y jóvenes que se encuentran sometidos a medidas de hospitalización en CASE. Se
realizó la triangulación de documentos, marco teórico y datos empíricos generados a través de las entre-
vistas, en las que también se sometió a un análisis de contenido con el n de aprehender la percepción
de los colaboradores de la investigación en cuestión. Los documentos investigados demuestran que la
socioeducación debe cumplir con la oferta educativa, y así se verica, pero los teóricos de esta temática
argumentan que la formación debe incluirse además de la enseñanza de disciplinas, para la acción ciu-
dadana efectiva en su contexto y su política. convivencia- Social. El análisis mostró que existen limita-
ciones en la implementación de la acción socioeducativa, ya que estos sujetos señalan que el sistema es
una oportunidad para la continuidad formativa, sin embargo también sigue siendo una vía punitiva por
el conicto que tienen con la ley.
Palabras clave: Educación. Socioeducación. Castigo.
Introdução
Dados nacionais publicados pelo Levantamento anual do Sistema Nacional de Atendi-
mento Socioeducativo (SINASE) mostram que em 2018 foram solicitadas 1.440 vagas para o
cumprimento de medida socioeducativa de internação em alguns estados, contudo, 704 foram
negadas por falta de vagas no sistema. Em 2019, até o dia 10 de dezembro, foram 1.010 solici-
tações e 361 negadas (BRASIL, 2019).
Nesse panorama, entre atendimento e oferta de vagas para que haja o cumprimento de
medida de internação, tem-se a socioeducação a partir da compreensão de uma educação voltada
para o convívio social. Em alguns locais a gestão desse sistema socioeducativo pelas redes es-
taduais de educação. Em Goiás é realizada pela Gerência de Programas e Projetos Intersetoriais
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e Socioeducação da Secretaria de Estado da Educação (SEDUC) e pela Secretaria de Desenvol-
vimento Social (SEDS).
A sistematização do trabalho é voltada para uma abordagem de preparação dos adolescen-
tes e jovens para o convívio social, atuarem como cidadãos e futuros prossionais, na perspectiva
de ressignicação protagonista de suas vidas e da própria realidade social, bem como para não
reincidirem na prática dos atos infracionais.
A SEDUC e a SEDS são responsáveis pela gestão da política de atendimento socioe-
ducativo em âmbito estadual e visam garantir a escolarização básica nos níveis fundamental e
médio aos adolescentes e jovens em conito com a lei que cumprem medida socioeducativa de
internação provisória, internação em estabelecimento educacional e semiliberdade nas Unidades
de privação e restrição de liberdade do Estado.
A formação e o desenvolvimento de qualquer criança e jovem, como caminho para a
construção de seu futuro, é de extrema importância, e a educação se faz ainda mais fundamental
quando se trata de adolescentes em conito com a lei, que hoje cumprem algum tipo de medida
socioeducativa (GOIÁS, 2017).
Essa ação socioeducativa propõe a efetivação de uma educação de qualidade que possibi-
lite os adolescentes e jovens em comprimento de medidas socioeducativas, ser, viver e conviver
com foco em seu projeto de vida, propiciando oportunidades para que o mesmo seja agente
transformador da sua realidade frente ao convívio social e tenha uma vida futura fora do mundo
infracional e criminal (GOIÁS, 2019).
Cabe ressaltar que, ao tratar de medidas socioeducativas, tem-se também que reetir
acerca da privação de liberdade e ou prisão. Michel Foucault (1987) nos traz seus estudos sobre
a prisão, desde o seu surgimento
5
, passando por várias transformações que ocorreram no mo-
delo prisional. Para Foucault (1987) a prisão é a única que surge como a mais ecaz forma de
punição, sendo o melhor meio de castigar o indivíduo e deve ser regida por três princípios: o
isolamento, o trabalho e a duração do castigo. “De maneira que se deveria falar de um conjunto
cujos três termos (polícia-prisão-delinquência) se apoiam uns sobre os outros e formam um
circuito que nunca é interrompido” (FOUCAULT, 1987, p. 309). Infere-se desse modo que há
uma certa dependência dos três termos, sem um não haveria razão de existir o outro, sem aqueles
que não “obedecem” às regras, as leis, as doutrinas e tudo aquilo que envolve a convivência em
comunidade, não poderia haver o instituto da prisão, nem tão pouco o controle policial, porque
um foi feito para o outro e vice-versa.
5 Salientamos que o autor citado, Foucault, em sua obra trata da história da prisão e de seu nascimento no
Ocidente nas sociedades europeias respectivamente.
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Nesses termos, Soares (2002) arma que esses fatores, mas levando em consideração
principalmente a falta de escolarização, desigualdades sociais e de oportunidades no mercado
de trabalho, de maneira bem especíca culminaram para que o indivíduo, entrasse para uma
vida ilícita e viesse a ser penalizado pelo sistema judiciário e por isso veio a ser apreendido em
penitenciárias ou alguma casa/instituição/unidade de reclusão, como forma de punição pelo ato
que foi feito/praticado por ele.
Diante disso, tem-se como proposta o objetivo de investigar a percepção de adolescentes
e jovens, que estão em cumprimento de medida socioeducativa de internação em um Centro de
Atendimento e Medida Socioeducativa (CASE), acerca da concepção do atendimento socioe-
ducativo como um período de oportunidade, para a continuidade formativa, ou como punição
por ato ilícito cometido pelo adolescente e/ou jovem.
A metodologia de abordagem qualitativa que se iniciou por meio de pesquisa teórica,
abarcando autores que contribuem para a temática e, por seguinte, pesquisa de campo por meio
de entrevistas semiestuturadas com os 6 adolescentes e jovens que cumprem medida de inter-
nação no CASE do município de Porangatu no Estado de Goiás. Essas entrevistas ocorreram no
ano de 2020 e ressalta-se que, com a Pandemia de Covid 19, houve a garantia da segurança e da
saúde por meio da observância das regras sanitárias e das orientações da Organização Mundial
da Saúde (OMS), devido ao contexto que estávamos expostos. As entrevistas, após permissão
dos entrevistados e da gestão do CASE, foram registradas por meio de gravação em áudio e por
anotações escritas da pesquisadora que foi presencialmente ao local.
Para garantir o anonimato desses colaboradores eles serão apresentados neste artigo como
S1, S2, S3, S4, S5 e S6. Portanto, o propósito global nesta pesquisa contempla uma metodologia
de investigação que prioriza a descrição à indução e ao estudo das percepções dos indivíduos
envolvidos na investigação (BOGDAN; BIKLEN, 1994). Além disso, a pesquisa qualitativa
permite uma compreensão mais ampla dos fenômenos investigados, a partir do contexto em
que estão inseridos.
O texto está dividido em seções no qual se inicia pela apresentação de concepções acerca
da privação de liberdade para os jovens e adolescentes que estão em conito com a lei a partir das
contribuições dos teóricos e da previsão legal do ECA e do SINASE. Em seguida, abordamos a
Socioeducação como é contemplada no ECA e no SINASE, e dando sequência nessa abordagem
como está contemplada na Rede de Ensino. No próximo tópico é apresentada as percepções dos
socioeducandos. Por m tecemos algumas considerações acerca das percepções apresentadas e
de toda a triangulação realizada por meio da análise dos teóricos, dos documentos legais e das
entrevistas dos colaboradores da pesquisa.
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A privação de liberdade para jovens e adolescentes em conito
com a Lei
A socioeducação é o processo de ressocialização realizado por meio da Educação, as
legislações que contemplam sua previsão é o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e o
SINASE.
O ECA de 1990 é o instrumento que tenta assegurar os direitos das crianças e dos adoles-
centes em substituição ao anterior Código de Menores de 1979, que permitia ao Estado recolher
crianças e adolescentes que estariam em situação irregular perante as leis (sem família ou em
delinquência, termo utilizado na referida lei) e interna-los até a sua maioridade em uma espécie
de reformatório para receber educação e aprenderem algum ofício para o trabalho.
O princípio fundamental do estatuto, que foi instituído pela Lei de número 8.069 de 13
de julho de 1990, é a proteção integral a todas as crianças e adolescentes. Em sua Parte Especial,
está direcionada sobre ações para aqueles jovens que se incluem no grupo em conito com a lei.
Neste, apresenta-se a política de atendimento dos direitos a eles.
Por isso, a socioeducação é um direito previsto que tem como um dos seus objetivos
promover a escolarização dos adolescentes em situação de privação de liberdade com vistas ao
exercício de sua cidadania no sentindo de voltar ao convívio em sociedade.
O adolescente em contexto de privação de liberdade (BERGER, 2005, p. 81) é autor de
ato constituído como infracional. Um ato infracional é, segundo o artigo 103 do ECA (1990),
“como crime ou contravenção penal”, e ainda disciplina que “são penalmente inimputáveis os
menores de 18 (dezoito) anos, sujeitos às medidas previstas nesta lei” (BRASIL, 1990, art. 104).
De modo que no ECA a privação de liberdade está prevista no artigo 106, “nenhum adolescente
será privado de sua liberdade senão em agrante de ato infracional ou por ordem escrita e funda-
mentada da autoridade competente”. Já no artigo 108 “a internação, antes da sentença, pode ser
determinada pelo prazo máximo de 45 (quarenta e cinco) dias”. E o artigo 123 ainda estabelece
que a internação deverá ser em locais distintos, oferecendo abrigo ao adolescente, bem como
atividades pedagógicas condizentes com sua idade, ainda que essa internação seja provisória.
O processo do adolescente que se enquadra como autor de ato infracional, como está
estabelecido no ECA (1990), ocorre em tribunais especiais, onde ele é julgado: são as Varas Espe-
ciais da Infância e da Juventude – no qual está sujeito ao cumprimento de medida socioeducativa
conforme o previsto no artigo 112, podendo ser: advertência; obrigar de reparar o dano; prestar
serviços à comunidade; liberdade assistida; inserção em regime de semiliberdade e internação
em estabelecimento educacional.
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Essas medidas socioeducativas podem ser compreendidas a partir de duas dimensões
defendidas por Volpi (1999) como de natureza coercitiva (punitivas) e educativa (formação).
De qualquer forma, as medidas socioeducativas devem constituir-se numa garantia de acesso do
adolescente infrator ao conhecimento sistematizado, além de garantir a superação de sua exclusão
social. Além do acesso ao ensino, o adolescente infrator deverá ser assistido pela saúde, defesa
jurídica e prossionalização, promovidas prioritariamente pelas políticas públicas de acesso
formuladas para este infrator especíco conforme legislação brasileira.
Além da medida de privação de liberdade, o ECA (1990) prevê outras, sendo quatro
medidas socioeducativas: prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, regime de
semiliberdade e a internação. Todas essas medidas são aplicadas pela autoridade competente.
Sobre a medida de prestação de serviços à comunidade, o artigo 117 do ECA ensina que
se trata da realização de tarefas gratuitas e não podem exceder o tempo máximo de 6 meses,
preferencialmente em entidades assistenciais, hospitais, escolas e órgãos comunitários ou go-
vernamentais.
Este tipo de serviço deverá considerar a aptidão do adolescente, podendo ser cumprida
num período máximo de 8 horas diárias, inclusive aos sábados, domingos ou feriados e não
prejudicar o tempo dedicado ao ensino ou trabalho formal.
A liberdade assistida tem como objetivo o acompanhamento, auxílio e orientação do
adolescente por pessoa designada pela autoridade competente, durante um período mínimo de
6 meses, podendo ser prorrogado por igual período, ser revogada ou substituía, desde que con-
sultados o seu orientador, Ministério Público e defensor.
O regime semiaberto é uma transição do regime fechado para o aberto, oportunidade em
que o adolescente infrator poderá exercer atividades laborais e estudos, independentemente de
autorização judicial.
Já a medida socioeducativa de internação não deve ultrapassar o período máximo de 3
anos, contudo o juiz deve a cada 6 meses realizar uma avaliação dessa medida de internação,
interrompendo-a, prorrogando ou mudando para a medida semiaberta.
Essas medidas socioeducativas como a de liberdade assistida que é coercitiva e educa-
tiva e que por meio de acompanhamento o adolescente deve ser assegurado sua frequência na
escola, ou a de prestação de serviços à comunidade, poderá car sob a responsabilidade dos
municípios que poderá rmar convênios com entidades não-governamentais para a execução
dessas medidas socioeducativas.
Em linhas gerais, o adolescente que está em conito com a lei e que cumpre alguma me-
dida socioeducativa, segundo Volpi (1999) deve ter garantido: o acompanhamento personalizado,
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inclusão social, manutenção dos vínculos familiares, acesso à escola e ao mercado de trabalho
mediante prossionalização.
Elas devem promover a proteção integral do adolescente por meio de políticas públicas
e sociais básicas, além disso, deve garantir a escolarização em qualquer tipo de medida socioe-
ducativa inclusive na medida de internação.
Assim sendo, para que se tenha essa compreensão, deve-se também compreender o que é
a socioeducação, que segundo o ECA (1990) e o SINASE (2012), ainda não existe uma denição
unânime do termo. Essas duas leis trazendo consigo as diretrizes e normas para o atendimento
socioeducativo no Brasil, contudo, não descrevem o termo socioeducação de maneira clara, su-
gerindo apenas interpretações acerca da palavra. Por isso, é necessário recorrer a pesquisadores
e teóricos que tratam do assunto como Bisinoto et al. (2015), Paes (2008), Volpi (1999), Zanella
(2011) e Valente (2015).
Bisinoto et al. (2015) faz uma crítica à falta de clareza e pouca intencionalidade das po-
líticas públicas de ressocialização dos jovens e adolescentes infratores no Brasil, evidenciando
uma lacuna entre a teoria e prática no que tange às medidas socioeducativas propostas pelo ECA
e SINASE.
Paes (2008) também fez uma crítica neste sentido, esclarecendo que as políticas públicas
de ressocialização no Brasil enfatizam muito mais as medidas socioeducativas do que as formas
de ensinar e prossionalizar os adolescentes e jovens infratores.
Zanella (2011) dene a socioeducação como um conjunto de ações pedagógicas voltadas
para a ressocialização e intencionalidade socioeducativas tendo como objeto os adolescentes e
jovens infratores, de forma que possam complementar seus estudos, bem como, ter a oportuni-
dade de participar ativamente do mercado de trabalho.
Dessa forma, para Zanella (2011) o planejamento e a avaliação da ação socioeducativa
devem ser realizadas no intuito principal de conceber o adolescente como o objeto do processo
de socioeducação e não a infração cometida por ele, pois quem é o sujeito a ser ressocializado é
o adolescente, por isso, ao planejar e avaliar as medidas deve-se considerar o adolescente e seus
direitos previstos nas legislações.
No sentido de pensar no adolescente e não apenas no ato cometido por ele, Valente (2015)
dene a socioeducação como além de tentar imputar ao adolescente o sentimento de responsa-
bilização, também é um mecanismo para atingir dimensões sociopsicológicas do adolescente
para que ele possa aprender a ser e conviver em sociedade.
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A partir desses autores percebe-se que, realmente, ainda existe imprecisão quanto a deni-
ção do termo socioeducação e, ainda mais, essa indenição leva ao reducionismo de um trabalho
socioeducativo, gerando diculdades no exercício de sua função educativa. Desse modo, a lógica
punitiva no entendimento comum sobre a dimensão pedagógica da medida socioeducativa, imer-
ge o adolescente nessa condição e o torna apenas como aquele que sua medida socioeducativa
deixando de ser um sujeito de direito e de ser um indivíduo em desenvolvimento.
A socioeducação no ECA e no SINASE
O estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) de 1990 é o início da retomada das dis-
cussões para assegurar os direitos das crianças e dos adolescentes em substituição ao anterior
Código de Menores de 1979.
Contudo, para se fortalecer e fazer cumprir essa política de direitos, tem-se em 2002 a
partir de avaliações nacionais acerca dos programas de atendimento socioeducativo realizado
pelo Ministério da Justiça, a elaboração de um documento que veio com a proposta de estabelecer
diretrizes para execução de medidas socioeducativas. A partir deste documento criou-se em 2006
pela Resolução nº 119/2006 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente
(CONANDA), o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE), e posteriormente
pela Lei de número 12.594 de 18 de janeiro de 2012.
Tanto o ECA (1990) como o SINASE (2012) fazem referência a criança e o adolescente
com uma concepção de sujeitos de direitos, prevendo sua proteção integral e assegurando o
pleno desenvolvimento, seja físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de usufruir
e exercer sua liberdade e dignidade.
O SINASE (2012) foi constituído com o propósito de se estabelecer diretrizes estaduais,
municipais e distrital, para o atendimento socioeducativo, garantindo o direito à educação, bem
como a ressocialização do adolescente infrator. As diretrizes propostas pelo SINASE pressu-
põem um conjunto de princípios, regras e critérios jurídicos, políticos, educativos, nanceiros e
administrativos baseados nas normativas nacionais e internacionais das quais o Brasil se tornou
signatário.
Entende-se que o objetivo principal do SINASE é a implementação efetiva de uma política
voltada ao adolescente e conito com a lei. Em seu Artigo 1° institui-se que: “Esta Lei institui
o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE) e regulamenta a execução das
medidas destinadas a adolescente que pratique ato infracional” (BRASIL, 2012).
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A socioeducação aqui é compreendida como política pública especíca para adolescentes
e jovens que estão inseridos no SINASE, ou seja, que estão ou que tiveram seus direitos violados
ou ainda que violaram direitos pelo cometimento de atos infracionais. Assim sendo, segundo o
SINASE, as medidas socioeducativas têm por objetivos responsabilizar os adolescentes e jovens
infratores sobre seus delitos, com reprovação de sua conduta infracional, aplicando-lhes as dispo-
sições de sentença previstos na legislação, bem como promover sua integração e inserção social.
O SINASE é a lei que regulamenta a execução das medidas socioeducativas destinadas
aos adolescentes, de modo que, ela determina as normas e os padrões que devem ser seguidos
pelas instituições e pelos prossionais que atuam nesse sistema (LEAL; CARMO, 2014). O
sistema funciona por meio de relações mantidas pelo sistema educacional, sistema único de
saúde, sistema de justiça e segurança pública, e sistema único da assistência social. Assim sendo,
o SINASE é uma política pública que se destina a “inclusão do adolescente em conito com
a lei que se correlaciona e demanda iniciativas dos diferentes campos das políticas públicas e
sociais” (BRASIL, 2006, p. 23).
Infere-se então que esse sistema é um grande marco regulatório e importante no que
tange a socioeducação, pois promove a intervenção do jovem de maneira educativa visando sua
proteção integral.
A socioeducação na rede de ensino
A concepção de socioeducação parte da premissa de que o jovem e a promoção de seu
desenvolvimento constituem a centralidade da proposta socioeducativa. Com o Estatuto da
Criança e do Adolescente representa uma importante conquista na atenção e intervenção com
adolescentes e jovens autores de atos infracionais (LEAL; CARMO, 2014).
O processo socioeducativo deve romper com os ciclos vivenciados pelo adolescente
vinculando-o a um processo de educação que seja voltado à vida em liberdade. Assim sendo, as
autoras Leal e Carmo (2014, p. 206) armam que a partir desse entendimento “a Socioeduca-
ção se congura como uma resposta às premissas legais do ECA, ao mesmo tempo que é uma
resposta às demandas sociais contemporâneas”. Segundo elas os principais objetivos da socio-
educação envolvem a responsabilização do adolescente e jovem infrator incentivando sempre
que possível sua reparação, além da integração social e garantia de seus direitos individuais e
sociais conforme preceitua a legislação brasileira.
Dessa forma, entende-se que a educação e a responsabilização são eixos estruturantes no
processo da socioeducação, com um papel fundamental na mediação entre jovens e adolescentes
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e a sociedade, contribuindo para a reintegração ao convívio familiar e social, além de evitar o
cometimento de novos atos infracionais.
Concebe então a socioeducação como uma ferramenta desenvolvida e voltada para ações
que sejam orientadas para a transformação da realidade do jovem numa perspectiva emancipató-
ria. Nesse sentido, Leal e Carmo (2014) esclareceram que há um conito entre as respostas das
políticas públicas de proteção ao adolescente e jovem infrator no Brasil, pois a prática efetiva
das ações necessárias para a socioeducação andam longe de serem implementadas por todos os
estados brasileiros, promovendo um mínimo de dignidade humana conforme preceitua a Cons-
tituição Federal de 1988 e legislações correlatas.
Para que a socioeducação seja uma política de ação formadora para aqueles que estão
em cumprimento de medidas socioeducativas, ela deve ser realizada por meio de uma dimensão
pedagógica intencional visando a ressignicação das trajetórias dos adolescentes em conito
com a lei e possibilitando com isso a construção de novos projetos de vida.
O ambiente de privação de liberdade possui suas particularidades, desse modo, é um
grande desao para todo o sistema socioeducativo. Teixeira (2007, p. 14) defende que a educa-
ção no sistema prisional deve ser “uma educação que contribua para restauração da autoestima
e para a reintegração posterior do indivíduo em sociedade.”
Sobre isso, temos a contribuição de Paulo Freire (1987) ao armar de que não há outro
caminho a seguir, a não ser aquele da pedagogia humanizadora, em que o diálogo seja uma
constante e permanente ação a favor dos oprimidos.
Conforme o que os autores defendem, há uma grande falta de uma mobilização e cons-
cientização da sociedade em relação aos presos, sobretudo, em relação ao direito à educação
daqueles que se encontram em tal situação. Entende-se que a presença da sociedade civil no
ambiente prisional, através da participação efetiva nas discussões e promoção de ações educati-
vas, facilitaria no desenvolvimento de projetos educativos e propiciaria novas oportunidades e
motivação para que os presos aderissem de forma efetiva aos programas de ensino.
Desse modo, Freire (1980, p. 26) enfatiza que a conscientização se constitui como uma
dialética que não existe fora da práxis, pois se o país é consciente de seu dever em relação à
educação dos oprimidos, esse pensar consciente será capaz de transformar a realidade desses
mesmos indivíduos, transformando-os e transformando a sociedade a sua volta.
Por isso, o grande desao na atualidade, quando se fala de educação e ressocialização de
jovens e adultos dentro do sistema penitenciário brasileiro, está, em primeiro lugar, em garantir
que o jovem possa concluir seus estudos na idade própria, que já é um grande desao. Segundo,
desmisticar a educação dentro dos centros do sistema penitenciário, pois, a realidade é que a
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pessoa ao regressar a sociedade, sofre muito preconceito em vários segmentos, principalmente
no mercado de trabalho, sendo que, um dos objetivos dessa educação em cárcere é ressocializar
esse indivíduo de modo que o mesmo dê continuidade em seus estudos e possa efetivamente
ingressar qualicado em um emprego digno, superando qualquer falsa suposição sobre seu
passado como detento.
Dessa forma, o ensino garantido e ministrado aos adolescentes e jovens no sistema so-
cioeducativo não é um privilégio apenas, mas um direito previsto na legislação brasileira.
Para que esse direito se efetive com eciência, os sujeitos envolvidos nesse processo
devem conhecer a realidade de cada instituição que mantêm o jovem ou o adulto, bem como
procurar entender tua a estrutura e carga de conhecimentos já trazidos pelo aluno, de maneira
que dessa forma poderá trabalhar com ele os mecanismos que o auxiliaram na sua transformação
plena e assim ele poderá nalmente regressar a sociedade.
Onofre (2007) arma que a socioeducação não se constitui apenas como uma forma de
comunicar e fazer com que os adolescentes e jovens interajam com outros indivíduos, mas como
um instrumento de socialização, dando-lhes oportunidade de uma vida mais digna e longe dos
delitos.
De tal modo que percebermos essas particularidades dentro do ambiente prisional é tão
importante, quando, ministrar um conteúdo em si para esse público-alvo. Com isso, poderá ha-
ver uma signicativa restauração de fatores pessoais implícitas em cada indivíduo: motivação,
autoestima e auto realização, além de favorecer de certo o exercício da cidadania.
Para Julião (2003) a educação dos adolescentes e jovens infratores tem como objetivos
manter os reclusos ocupados; melhorar sua qualidade de vida no interior da prisão; incentivar a
mudança de atitudes; acesso ao conhecimento e inserção à vida social pautada nos ideais éticos
e morais exigidos de todo indivíduo.
Uma educação que preocupa-se em proporcionar qualidade de vida e ocupação para
aqueles que vivem em uma realidade de reclusão é um desao muito além daquela educação
que busca primeiramente a formação da pessoa, pois, aqui temos que mostrar para o indivíduo
que está inserida nesse processo, toda a importância de uma formação para uma vida pregressa,
pensar num futuro melhor, mudar valores e princípios em prol de uma convivência em socieda-
de, nesse sentido observamos a grande barreira aqui a ser derrubada: a transformação da pessoa
humana para viver em sociedade, a ressocialização do ser por meio da Educação.
Assim sendo, é função da Rede de Ensino por meio da socioeducação devolver o adoles-
cente à sociedade para exercer a cidadania e usufruir de liberdade convivendo com o próximo
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levando em conta direitos e deveres, e é função do Estado oferecer as condições dignas de ali-
mentação, saúde, formação prossional, lazer, esporte, cultura, e educação.
Percepções dos socioeducandos
Nesta seção apresentam-se as percepções acerca da ação socioeducativa dos socioedu-
candos do CASE em Porangatu e do Colégio Presidente Kennedy. Aqui totaliza-se com 06 o
número de sujeitos colaboradores da pesquisa, sendo todos socioeducandos. Eles serão nomeados
da seguinte forma para preservar sua identidade: S1, S2, S3, S4, S5 e S6.
As percepções dos socioeducandos
6
se fez necessário para captar as inuências da ação
socioeducativa, sua efetividade e suas implicações na vida desses sujeitos. Principalmente no
que tange essa percepção como oportunidade de formação ou de punição.
Assim sendo o primeiro tópico abordado foi o período escolar em que estavam durante
a medida socioeducativa de internação. A partir das informações passadas por eles temos suas
caracterizações elencadas:
• S1 está há um ano em meio e cursa o 9º ano do ensino fundamental, não estudava
anteriormente e já trabalhava - seu trabalho era na zona rural. Ele gostaria de fazer
um curso na área de informática;
• S2 está há um ano, não estava estudando regularmente e não informou os motivos.
Ele gostaria de fazer um curso na área de informática e no futuro poder ser Bom-
beiro;
• S3 está no CASE há seis meses e cursa o 8º ano do ensino fundamental, não estudava
anteriormente a medida, não informou os motivos para parar de estudar, e trabalhava
como ajudante de pedreiro. Ele gostaria de fazer um curso na área de informática;
• S4 está sob medida de internação há seis meses e não estudava anteriormente, infor-
mou que precisou trabalhar e por isso parou com os estudos. Ele gostaria de fazer
um curso na área de mecânica, com Bomba Injetora, pois já estava trabalhando com
isso e gostaria de se aperfeiçoar;
• S5
7
é um socioeducando egresso do CASE e cou sob medida de internação por um
pouco mais de 1 ano, estudava no ensino regular antes de cumprir a medida socioe-
ducativa de internação, estava matriculado no 1º ano do Ensino Médio e após saída
da unidade ainda não retornou os estudos em escola regular porque não conseguiu
realizar a matrícula, disse que tentou mas que não deu certo e que irá tentar poste-
riormente. Ele gostaria de fazer um curso na área de informática;
• S6 está em medida de internação há um ano e 11 meses, não estudava há mais de três
6 Todos os socioeducandos que estavam cumprindo medida socioeducativa de internação que participaram
da pesquisa foram acompanhados durante as entrevistas pelo coordenador do CASE. Foi solicitado pelo coordena-
dor que durante a entrevista não fosse falado sobre os atos ilícitos cometidos pelos jovens.
7 O Egresso do CASE S5 por não estar na unidade de medida socioeducativa durante a entrevista esteve
acompanhado de um responsável que consentiu a entrevista de maneira documentada por meio do TCLE.
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anos antes de cumprir a medida socioeducativa e agora está matriculado no 1º ano
do Ensino Médio. Ele gostaria de fazer um curso para ser Bombeiro;
Por seguinte iniciamos a conversa acerca das relações deles com os educadores do CASE.
Todos os socioeducandos armaram ter um bom relacionamento com seus professores e que
gostam do ensino ofertado. S1 (2020) apontou que gosta muito das atividades extracurriculares
como jogar bola, ouvir música, hip hop e demais atividades que possibilitam que eles saiam dos
alojamentos. “Gosto porque... é melhor que car lá no alojamento, né. (S1, 2020).”
Sobre a oferta de outros cursos, como prossionalizantes, alguns informaram que teve
o de “Jovens Empreendedores”, confecção de pizza, “Eles ensinam a fazer esses trem de
cozinha, pizza, outras coisas... (S1, 2020)” e outros desconhecem qualquer curso diferente que
tenha sido ofertado pelo CASE, talvez porque estão amenos de um ano na unidade e devido a
Pandemia muitas atividades que poderiam ser ofertadas não ocorreram.
Esse curso de Jovens Empreendedores os socioeducandos que zeram referência a ele
informaram que foi por meio de vídeo e data-show que ocorreram as aulas.
O socioeducando S5 fez um relato muito interessante de que iria fazer um curso na área
de seu interesse, informática, contudo não foi possível porque o Juiz não liberou. “Eu ia fazer um
curso, só que aí não deu certo pela... porque o juiz não autorizou, mas foi só isso.” (S5, 2020).
Aqui entra aquela questão que foi relatada anteriormente pelos gestores de que a oferta de cursos
por outras instituições e órgãos é condicionada há muita burocracia e que não é fácil retirar um
socioeducando para estudar em outras instituições, mesmo que acompanhado de um servidor que
geralmente não é identicado, ca no ambiente como um estudante comum, para não constranger
o estudante e demais cursistas. Essa questão foi tão latente para esse socioeducando que ao nal
da entrevista ele ainda reforçou que “gostaria de ter tido feito um curso prossionalizante pra
mim já sair trabalhando, com emprego. (S5, 2020).”
Nesse sentido questionamos acerca dessas oportunidades de educação, de acolhimento
e de certo modo de encarceramento o que eles percebiam e sentiam sobre isso, se sentiam que
estavam sendo punidos pelo Estado. Sobre isso S1 (2020) armou que para ele era uma oportu-
nidade, pois antes ele não estava estudando, “E aqui eu posso aprender muitas coisas, e quando
sair eu posso terminar meus estudos, né... Que eu nunca pensava em terminar meus estudos, e
aqui... já tenho a minha oportunidade. Vou fazer um curso rápido de Técnico em Informática.”
(S1, 2020).
Outro fator apontado por S1 (2020) é de que poderia ter mais oportunidades de realizar
outras tarefas no CASE para que ele pudesse aprender mais, e poder realizar algo melhor. “Se
tivesse oportunidade para gente fazer algo melhor, igual eu faço a limpeza da unidade, eles pu-
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dessem dar mais tempo pra para car mais de fora do alojamento... fazer... tiver mais, melhor...
mais atividade. (S1, 2020).” Percebe-se um anseio com relação a saída da parte de alojamentos
no qual pelo relato desse socioeducando é um período que ca ocioso e o seu desejo é de realizar
mais tarefas, mais atividades, cursos, entre outras coisas no intuito de aprender e poder ter novas
oportunidades. S4 assevera que é uma oportunidade que não teria caso estivesse na rua porque
dentro da unidade “Aqui tem que estudar agora, é bom véi... livra a cabeça, sei lá... ca de
boa, né... mas é bom, é uma oportunidade boa. (S4, 2020).”
Uma fala que traz reexão acerca de que o CASE é considerado por alguns deles como
uma medida punitiva e de prisão, encarceramento é a de S4 que para ele deveria ter que haver
melhorias na “cela” dele. “Aqui é bom, mas quero que melhora minha cela, os trem tudo, né...
A cela tá meia paia, mas...Melhorar minha cela...A situação tá meia ruim... tá crítica não, mas
tá de boa. (S4, 2020).” Ele ainda complementa que poderia haver mais oportunidades para
aprender mais.
O socioeducando S5 também relata que para ele o Estado o está punindo por ter feito
algo contra a lei, ele diz que estudar no CASE é muito bom, mas “Só que, tipo, car preso...
(S5, 2020)”. Aqui nesse relato vê-se que o jovem sente-se como um “preso” e não como um so-
cioeducando, talvez devido diversas questões como no caso de a falta de oferta de modalidades
de cursos prossionalizantes, ou de outras atividades que saíssem do proposto pelo currículo
comum. Temos até aqui nestes relatos uma provocação para podermos perceber uma dimensão
punitiva em conito com a dimensão educativa.
Para o socioeducando S6 não percebe que está sendo punido, ele arma que está sendo
ótimo estar no CASE, “é bom pra mim, porque aqui eles, não é obrigação deles, mais é um
futuro pra nós também, né, uma coisa boa pra nós, porque sem o estudo também, hoje tá difícil
né (S6, 2020).” Ele ainda complementa sua fala ao relatar que é preciso estudar para conseguir
sobreviver e “o estudo ajuda mais, a gente seguir a vida da gente. Eu pretendo assim, terminar
meus estudo e lutar, né, pra ver se eu consigo o que eu quero, ser um bombeiro. (S6, 2020).”
Esse socioeducando, S6, no nal da entrevista armou que no CASE ele pode repensar
na vida e em suas ações. Disse:
No tempo que eu aqui eu fui reetindo minha cabeça, pensando nos erros
que já cometi, e que eu vim parar aqui também e pretendo ser uma pessoa que
dá orgulho para família, pessoa melhor daqui para frente. (S6, 2020).
Todos de maneira unânime apontaram que os estudos no CASE é uma oportunidade de
poderem ser melhores e que poderiam após a saída da unidade poder fazer cursos e arrumar
emprego. Contudo percebe-se que uma fala recorrente e que poderia ser de conformismo e a de
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que eles no nal das entrevistas armavam que estava tudo bom, tudo ótimo e que nada precisava
de ajustes. Mas ca-se com a indagação acerca da questão dos cursos prossionalizantes, das
atividades extracurriculares e de qualquer atividade que poderia agregar novos valores para eles.
Nem eles podem indicar com propriedade acerca disso, pois em sua maioria já se conformaram
com aquilo lhe é ofertado.
Algumas considerações
Partindo do pressuposto de que a socioeducação e tema relevante e urgente para ser dis-
cutido e investigado sobre sua efetividade na garantia de direitos dos jovens e adolescentes em
conito com a lei. A questão central que norteou foi se o atendimento socioeducativo pode ser
concebido como um período de oportunidade para a continuidade formativa ou como punição
por ato ilícito cometido pelo jovem e/ou adolescente. Nesse ínterim teve como objetivo investi-
gar a percepção de jovens e adolescentes que estão em cumprimento de medida socioeducativa
de internação do Centro de Atendimento e Medida Socioeducativa (CASE) do município de
Porangatu no Estado de Goiás.
Na primeira seção tivemos as contribuições dos teóricos que culminou em algumas de-
nições acerca do termo socioeducação. A partir deles, podemos concluir que ainda existe certa
imprecisão quanto ao conceito, mas é partir desses apontamentos que podemos considerar que
para melhor compreender sua denição, a socioeducação está diretamente vinculada à educação
social, que é um campo vasto desde a educação escolar e não escolar, bem como a educação
formal, não formal e a educação informal, e engloba uma diversidade de práticas educativas,
sendo a educação para o trabalho, cidadã, política, na cidade e nas prisões, entre outras.
Por seguinte temos a articulação entre o ECA, o SINASE e, assim, a Socioeducação que
ocorre por meio da coordenação e operacionalização das políticas públicas sobre adolescentes
e jovens em conito com a lei. Por isso, esse entrelaçamento articulado dessas duas legislações,
ECA e SINASE, e a Socioeducação quando efetivado poderá promover programas, serviços
e ações desenvolvidas a partir da inter-relação entre práticas educativas, demandas sociais e
direitos humanos.
Os sujeitos entrevistados, adolescentes e jovens, fazem parte desse contexto de articulação
no que prevê o ECA, o SINASE bem como a própria Socioeducação que deve principalmente
ter como objetivo promover o desenvolvimento de potencialidades humanas, da autonomia e da
emancipação, além de fortalecer os princípios éticos da vida social.
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Uma problemática encontrada durante a visita ao CASE foi a de que suas famílias não
residem no município onde se localiza o centro de atendimento socioeducativo, pelo menos a
grande maioria, o que é se torna um grande desao para aproximar eles da escola. Esse dado,
não foi aqui neste texto analisado pois não era o objetivo deste artigo, contudo ele é interessante
e poderá ser subsídio para análises futuras em diálogos com autores que tratam do tema.
O que ocorre é que, infelizmente, os socioeducandos ao cumprirem medida de internação,
só fazem jus a visitação familiar uma vez por semana, nas quintas-feiras e muitas vezes as famílias
não conseguem ir até o local. Aqui ressaltamos que esse sistema de visitação apenas um dia na
semana é muito parecido, se não igual, ao do sistema prisional, no qual um dos socioeducandos
inclusive clamou seu alojamento de “cela”, o que acaba por se fazer uma referência a uma prisão
comum, ou seja, acaba inferindo que a percepção do mesmo e de que ele se vê sendo punido pelo
estado. Aqui nesse ponto ca apenas a interrogação e reexão de que o sistema socioeducativo
ainda é percebido, de forma errônea é claro, como um sistema punitivo.
Além disso, outro ponto que foi percebido é o de que muitos desses socioeducandos já
não estavam frequentando a escola, já trabalhavam ou simplesmente não frequentavam por ou-
tras questões. Com isso, cou-se no ar algumas questões como, por exemplo, o que ainda falta
para que estes sujeitos ao sair do CASE ainda tenham interesse em continuar frequentando uma
escola, uma formação, um curso, uma faculdade? Existe políticas para inserção desse socioedu-
cando de maneira satisfatório e de qualidade na sociedade? A resposta ainda é negativa. Não há
políticas voltadas para a efetiva reinserção desse socioeducando na sociedade, tão pouco algo
dentro da unidade socioeducativa que o cative e que o leve a ter o desejo e anseio por continuar
sua formação. Acerca disso, nas falas dos socioeducandos isso cou tão supercial e que foi
perceptível que quando estão dentro da unidade o desejo é participar de todas as atividades e
formações possíveis, mas ao entrevistar o egresso, o mesmo relatou que ainda não voltou a es-
tudar, ou seja, existe uma lacuna entre o período de cumprimento da medida socioeducativa e a
saída, o que poderíamos chamar de pós medida de internação.
Assim sendo, naliza-se com mais esse apontamento de que uma necessidade de
agregar a efetividade de parcerias, instituições e organizações em prol de oferecer oportunida-
des formativas aos socioeducandos, na perspectiva da EJA, de que cumpra-se as funções de:
reparar, equalizar e qualicar, bem como ir no sentido de uma formação que seja cidadã, haja
visto que muito direitos desses jovens e adolescentes foram violados, e um deles foram acesso
e permanência para uma educação de qualidade de modo que assim eles poderão superar essa
percepção e sentimento de medida de punição.
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Recebido em: 20 de fevereiro de 2021.
Publicado em: 20 de abril de 2021.
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