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Salvador, v.5, n.1 p.241-260, jan/abr. 2020
Juliano Mota Parente
A NOVA GESTÃO PÚBLICA NA
EDUCAÇÃO: uma análise das escolas
“concertadas” na Espanha
JULIANO MOTA PARENTE
Universidade Estadual Paulista. Pós-doutor em Educação pela Universidade de Salamanca,
Espanha. Doutor em Educação (UNESP/Presidente Prudente). Mestre em Educação (UNISAL).
Membro do Grupo de Pesquisa e Avaliação de Políticas Educacionais (GAPE/UNESP/Marília).
ORCID: 0000-0001-6309-9632. E-mail: julianomparente@gmail.com
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A nova gestão pública na educação: uma análise das escolas “concertadas” na Espanha
A NOVA GESTÃO PÚBLICA NA EDUCAÇÃO: uma análise das escolas “concertadas” na Espanha
O objetivo deste artigo é analisar a Nova Gestão Pública (NGP) na educação, investigando que elementos
inuenciaram o sistema educacional na Espanha. A administração pública moderna tem utilizado nas
últimas décadas estratégias cada vez mais racionalistas, alinhadas a uma tendência de organização dos
processos de gestão no contexto da globalização e da mercantilização dos serviços públicos. Neste sentido,
os sistemas educacionais reproduzem esse contexto histórico, incorporando em suas práticas ações que
reverberam as políticas de governo, corroborando as tendências internacionais que se amplicam no âmbito
da globalização. O presente trabalho congura-se como um ensaio teórico que se fundamenta na legislação
educacional por meio de elementos formais que nos auxiliaram na elaboração das categorias de análise.
Diante das evidências apresentadas, podemos concluir que a NGP como um fenômeno internacional, tem
sido incorporada na administração pública de vários países, inclusive na Espanha, com a argumentação
de modernização do Estado e efetivação de mecanismos de monitoramento e regulação, inuenciando nos
sistemas educacionais de forma a estabelecer uma educação padronizada com foco no resultado.
Palavras-chave: Educação. Nova Gestão Pública. Sistemas Educacionais.
THE NEW PUBLIC MANAGEMENT IN EDUCATION: an analysis of “concerted” schools in Spain
The purpose of this article is to analyze the New Public Management (NPM) in education, investigating which
elements inuenced the educational system in Spain. Modern public administration has used increasingly
rationalist strategies in recent decades, aligned with a tendency to organize management processes in
the context of globalization and commodication of public services. In this sense, educational systems
reproduce this historical context, incorporating in their practices actions that reverberate with government
policies, corroborating international trends that are amplied in the scope of globalization. The present work
is congured as a theoretical essay that is based on educational legislation through formal elements that
helped us in the elaboration of the analysis categories. In view of the evidence presented, we can conclude
that NPM as an international phenomenon, has been incorporated into the public administration of several
countries today, including in Spain, with the argument of modernization of the State and the implementation
of monitoring and regulation mechanisms, inuencing educational systems so as to establish a standardized
education focused on results.
Keywords: Education. New Public Management. Educational Systems.
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Juliano Mota Parente
LA NUEVA GESTIÓN PÚBLICA EN EDUCACIÓN:
un análisis de las escuelas “concertadas” en España
El propósito de este artículo es analizar la Nueva Gestión Pública (NGP) en educación, investigando qué
elementos inuyeron en el sistema educativo en España. La administración pública moderna ha utilizado
estrategias cada vez más racionalistas en las últimas décadas, alineadas con una tendencia a organizar los
procesos de gestión en el contexto de la globalización y comercialización de los servicios públicos. En
este sentido, los sistemas educativos reproducen este contexto histórico, incorporando en sus pcticas
acciones que repercuten en las políticas gubernamentales, corroborando las tendencias internacionales
que se amplican en el ámbito de la globalización. El presente trabajo se congura como un ensayo teórico
que se basa en la legislación educativa a través de elementos formales que nos ayudaron en la elaboración
de las categorías de análisis. En vista de las evidencias presentadas, podemos concluir que NGP como
fenómeno internacional, se ha incorporado a la administración pública de varios países, incluida España,
con el argumento de modernizar el Estado e implementar mecanismos de monitoreo y regulación, que
inuyen en los sistemas educativos en Brasil. para establecer una educación estandarizada centrada en
los resultados.
Palabras clave: Educación. Nueva administración pública. Sistemas Educativos.
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A nova gestão pública na educação: uma análise das escolas “concertadas” na Espanha
A NOVA GESTÃO PÚBLICA NA EDUCAÇÃO:
uma análise das escolas “concertadas” na Espanha
Introdução
A administração pública moderna tem utilizado nas últimas décadas estratégias cada vez
mais racionalistas, alinhadas a uma tendência de organização dos processos de gestão no contexto
da globalização e da mercantilização dos serviços públicos. Dos autores que estudam a temática,
Subirats et al. (2008) destaca que as diretrizes neste cenário estão carregadas de elementos tec-
nocráticos, que nem sempre reetem as demandas da sociedade, desarticulando-se das políticas
sociais e educacionais.
Diante deste panorama, percebemos que a gestão educacional, bem como as políticas
públicas por ela desencadeadas, se convertem em instrumentos de legitimação das lógicas de
mercado neoliberais, fomentando um Estado regulador dos serviços públicos que estabelece um
“acordo político do Pós-Estado da providência” (BALL, 2004, p. 1.106).
Neste sentido, os sistemas educacionais reproduzem esse contexto histórico, incorporando
em suas práticas ações que reverberam as políticas de governo, corroborando as tendências in-
ternacionais que se amplicam no âmbito da globalização. Na atualidade, autores que estudam a
temática (VERGER; NORMAN, 2015; HALL; GUNTER, 2015; VELEZ; ORTIZ, 2016) advertem
que a educação pública vem sendo desenvolvida em diversas partes do mundo sob a inuência de
modelos ligados à Nova Gestão Pública (NGP) e a Pós-Nova Gestão Pública (PNGP). Tendo em
vista que a PNGP é reconhecida como um referencial teórico mais recente, levando em conta que
muitos países ainda nem sentiram os seus efeitos, vamos considerar neste artigo a Nova Gestão
Pública como o contexto atual em que se consolidou o sistema educacional espanhol.
O objetivo deste artigo é analisar a Nova Gestão Pública na educação, investigando que
elementos inuenciaram o sistema educacional na Espanha. Nossa questão de pesquisa é quais os
fatores que inuenciaram o sistema educacional espanhol no âmbito da Nova Gestão Pública?
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Para atingir este objetivo discutiremos a partir de dois fundamentos da NGP, que se con-
guram como nossas categorias de análise: a descentralização e as parcerias público-privadas. Dessa
forma, poderemos vericar se o processo de descentralização e as parcerias público-privadas no
contexto da educação na Espanha estão alinhadas ao modelo da Nova Gestão Pública.
O presente trabalho congura-se como um ensaio teórico baseado em pesquisa documental,
que investigou possíveis conuências entre o arranjo do sistema educacional espanhol e os funda-
mentos da teoria Nova Gestão Pública (NGP), e, sua possível caracterização como um fenômeno
global inserido no âmbito da comunidade européia. Ao mesmo tempo nos fundamentamos na
teoria econômica internacional (COHEN, 2008), que aborda possíveis conuências entre sistema
políticos, relacionados a aspectos sociais, culturais e geográcos, concernentes a transferências
políticas realizadas pelos governos (STEINER-KHAMSI, 2015).
Em termos estruturais o trabalho foi dividido em três subitens: no primeiro faremos um
breve diagnóstico do sistema educacional espanhol, apresentando algumas características que au-
xiliarão nas reexões suscitadas posteriormente. No segundo item, faremos uma abordagem sobre
o processo de descentralização da educação na Espanha e por m, no último item, analisaremos
alguns aspectos das escolas concertadas, uma das estratégias das parcerias público-privadas esta-
belecidas no âmbito da gestão educacional espanhola.
Características do sistema educacional espanhol
A Espanha é um país da Europa situado na península ibérica com uma população de quase
47 milhões de pessoas (ESPANHA, 2020). O país que faz parte da União Europeia é uma monarquia
parlamentarista dividida em 17 Comunidades Autônomas e 2 cidades autônomas, que congregam
50 províncias e 8.131 municípios.
No que se refere ao sistema educacional, que na Espanha, historicamente, sempre foi
fortemente centralizado, experimenta nas últimas décadas uma descentralização intermediária, fun-
damentada na divisão de poder entre o governo central e as Comunidades Autônomas (PUELLES,
1993). Com base na Ley Orgánica de Ordenación General del Sistema Educativo (LOGSE), que
estabelece as diretrizes e a estrutura do sistema educacional espanhol, as Comunidades Autônomas
são responsáveis pela organização e oferta de todos os níveis de educação (ESPANHA, 1990).
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A nova gestão pública na educação: uma análise das escolas “concertadas” na Espanha
Considerada uma das leis mais importantes da educação na Espanha, a LOGSE propõe uma série
de mudanças que estimulam a autonomia dos centros escolares e ampliação da qualidade educativa.
Legitimando as reformas educacionais propostas no nal do século XX, a LOGSE mate-
rializa uma conjuntura de racionalidade educacional alinhada aos marcos regulatórios e programas
implementados por vários países da União Europeia, fortalecendo um modelo de gestão denominado
Nova Gestão Pública (NGP).
De acordo com os dados do Ministério da Educação a Espanha tem hoje no regime geral de
ensino (educação básica) um total de 8.217.651 alunos matriculados. Deste total, 67% fazem parte
da rede pública de ensino e 33% estão matriculados em instituições privadas (ESPANHA, 2020).
O Auadro 1 mostra como estão organizados os níveis da Educação Básica no sistema educacional
espanhol.
Figura 1: Níveis da Educação Básica na Espanha
Fonte: Elaborado pelo Autor.
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Conforme mostrado no Quadro 1, a educação básica na Espanha é composta por quatro
níveis: educação infantil, educação primária, educação secundária (ESO) e bachillerato. A educação
infantil, equivalente a do Brasil, abrange um período de seis anos, compreende as idades de 0 a 6
anos. A educação primária, dos seis aos doze anos e a educação secundária dos 13 aos 16 anos. A
educação primária e secundária equivalem ao Ensino Fundamental brasileiro, sendo que na Espanha
o aluno leva dez anos para concluir e no Brasil nove anos. O bachillerato tem uma duração de dois
anos e equivale ao Ensino Médio no Brasil que tem uma duração de três anos. De acordo com a
legislação espanhola (ESPANHA, 1990), a educação infantil e o bachillerato não são obrigatórios,
cando a obrigatoriedade para educação primária e secundária.
O sistema educacional espanhol, assim como vários países da Europa, vem desenvolvendo
políticas públicas que fortalecem o discurso da melhoria da qualidade da educação, desencadeando
processos educacionais no contexto da consolidação da NGP. Na Espanha, a NGP «tem estimu-
lado o maior alcance político da avaliação educativa e a maior presença de planos estratégicos e
indicadores de desempenho» (VERGER; NORMAN, 2015, p. 603, tradução nossa).
Esse panorama vem se propagando em vários países da Europa alinhado com a tendência
de construção de um modelo padrão de educação que se materializa por meio de uma «agenda
global estruturada para a educação» (DALE, 2004). Este posicionamento do bloco europeu forta-
lece a argumentação da construção de sistemas educacionais padronizados, utilizando largamente
o monitoramento do rendimento dos alunos, enfatizando o ranqueamento educacional medido
através de avaliações em larga escala padronizadas (Pisa)
1
.
Neste sentido, a Espanha intensica um processo de avaliação das escolas e dos alunos,
elaborando índices estatísticos que se propõem a medir a qualidade da educação oferecida no país.
Tianna-Ferrer (2018) analisando o sistema educacional espanhol nos últimos trinta anos destaca
que a partir da década de 1980, o país começa a avaliar os centros educacionais com ênfase no
currículo e no desempenho dos alunos. Segundo o autor, as políticas de avaliação educacional
desenvolvidas nas últimas décadas na Espanha tem se mostrado incoerente entre as intenções
apresentadas e as ações práticas efetivamente implementadas.
1 Programme for International Student Assessment.
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A nova gestão pública na educação: uma análise das escolas “concertadas” na Espanha
Puelles (2016) acrescenta que houve uma excessiva proliferação de leis educacionais que
trouxeram uma instabilidade legislativa, comprometendo o fortalecimento do sistema educacional
espanhol. Corroborando com as diretrizes da NGP, destacamos a Ley Orgánica Reguladora del
Derecho a la Educación (ESPANHA, 1985) que regulariza os centros “concertados”, repassando
recursos para instituições privadas na oferta da educação, a Ley Orgánica de la Participación, la
Evaluación y el Gobierno de los Centros Docentes (ESPANHA, 1995) com foco no rendimento
escolar e qualidade da educação e a Ley Orgánica de la Mejora de la Calidad Educativa (ESPA-
NHA, 2013) centrada na padronização dos processos formativos com vistas a atingir os níveis
educacionais estabelecidos pelos organismos internacionais.
Diante das reexões apresentadas, podemos inferir que a forte interferência da NGP vem
direcionando as políticas públicas educacionais na Espanha para a padronização dos sistemas em
contextos diferenciados. Não há dúvida que estes aspectos impactam na autonomia das escolas e
de toda a equipe escolar. Na Espanha, a autonomia é caracterizada pelo excesso de normativismo,
no âmbito da tradição gerencialista, “incrustada na cultura organizativa da administração” num
contexto em que “a autonomia escolar se coloca em segundo plano” (BOLÍVAR, 2009, p. 52).
De acordo com o autor, a autonomia na gestão da educação tem sido utilizada como um
“regime de regulação pós-burocrática” muito frequente nos países da Europa, em condições de
“quase mercado”, que podem comprometer a dinâmica de funcionamento e a identidade institu-
cional das escolas.
Modelos de gestão da educação baseados na descentralização
As Reformas na administração pública implementadas no nal do século XX impactaram
na gestão educacional em diversos países da Europa. Inuenciadas pela corrente gerencialista
iniciada nos Estados Unidos e na Grã Bretanha, que depois se espalhou para diversas partes do
mundo (PARENTE, 2018), as Reformas consolidaram a Nova Gestão Pública (NGP) num cenário
de reformulação dos sistemas educacionais.
Para Van Gestel e Teelken (2004, p. 437) a NGP se apresenta como um novo paradigma
da administração pública que “mantém as ideias da administração central que consideram como
aspectos chave a direção, a administração e o controle” (tradução nossa).
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Culebro Moreno (2014) destaca que a NGP é um fenômeno multidimensional que in-
corporou na administração pública uma grande variedade de princípios e ferramentas de gestão.
Parcerisa (2016, p. 362) arma que a NGP começou a impactar na educação espanhola por meio
de ações governamentais realizadas nas escolas da Catalunha e na Andalucía. “No âmbito educa-
tivo, a NGP é traduzida na incorporação de sistemas de avaliação padronizados, na publicação de
resultados estatísticos que fomentam a competição entre as escolas e na autonomía institucional
das unidades escolares” (tradução nossa).
Um dos pilares centrais da NGP foi a criação de mecanismos de descentralização da edu-
cação, atribuindo aos governos locais a responsabilidade da oferta da educação pública. Ainda que
a descentralização seja vista como uma conquista de governos democráticos, paradoxalmente ela
é utilizada como uma ferramenta estratégica gerencial no fortalecimento da NGP: descentraliza-se
a execução enquanto a gestão continua centralizada.
Viñao (2000, p. 2), ao analisar o impacto das Reformas no sistema educacional da Espanha
esclarece que ao desconsiderar o processo histórico de construção das práticas relacionadas ao
processo de aprendizagem a Reforma não atingiu seu objetivo, pois ignorou “a existência e o peso
do conjunto de tradições e regularidades institucionais sedimentadas ao longo do tempo” (tradução
nossa).
Puelles (1993) faz uma profunda reexão acerca do tema, classicando os modelos de
gestão educacional por meio do nível de descentralização utilizado por cada país. O autor nos
esclarece que é um tema muito complexo e não se pode analisar de forma supercial, levando
em conta somente suas “vantagens e inconvenientes”, mas sim considerar que “se trata de uma
opção pela qual pesam fatores históricos e fatores políticos que condicionam fortemente a opção
escolhida” (PUELLES, 1993, p. 15, tradução nossa).
Portanto para nossa análise, seguindo o referencial do autor, podemos considerar que os
critérios que inuenciam a adoção de modelos de gestão educacional são: a organização política
territorial (sistema político), os fatos históricos e o contexto de desenvolvimento atual. O Quadro
2 mostra a relação entre os modelos de gestão educacional dos países e seus respectivos sistemas
políticos.
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A nova gestão pública na educação: uma análise das escolas “concertadas” na Espanha
Quadro 2: Modelos de gestão educacional dos países
Modelo de Gestão Países Sistema Político
Centralizado França, Irlanda, Grécia, Bolívia, Equa-
dor, Paraguai, Portugal, Costa Rica,
Panamá e Peru.
Unitário
Descentralização intermediária Itália e Espanha Unitário
Descentralização federal Austrália, Alemanha, Argentina, Brasil,
México, Venezuela.
Federalismo
Descentralização federal e muni-
cipal
Suíça, Estados Unidos Federalismo
Descentralização municipal e aca-
dêmica
Reino Unido Unitário
Fonte: Elaborado pelo autor de acordo com Puelles (1993).
Como podemos vericar, a tendência é que os países que têm um sistema político unitário
sejam mais centralizados. Segundo Puelles (1993), a gestão educacional centralizada predomina
em quase todos os países do mundo na atualidade, sendo subdivididas em dois grupos: centralizado
absoluto (países da África e Ásia), e os países com tendências de centralização (Portugal, França
e Costa Rica).
O segundo critério refere-se aos fatos históricos e seus reexos nas políticas educacionais.
“As considerações históricas explicam porque a maioria dos países, na atualidade, vive em regimes
de centralização” (PUELLES, 1993, p. 15, tradução nossa). De acordo com o autor, as experiências
vividas e como foi sendo estruturado o sistema educacional, pautam políticas públicas vinculadas
a essas concepções.
Finalmente o terceiro critério destaca o contexto atual, baseado na participação da socie-
dade, nas lutas dos movimentos sociais e no envolvimento das famílias no processo de formação
de seus lhos. Destaca-se aqui também o nível de engajamento da comunidade local na gestão da
escola em ações relacionadas à Associação de Pais e Mestres, eleição de diretores, etc.
Entretanto que se destacar o caráter dinâmico da administração pública, no que se refere
à dimensão territorial. Neste sentido, a descentralização poderá ser maior ou menor de acordo tam-
bém com o contexto político e econômico do país. “A distribuição territorial do poder não é uma
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coisa xa, algo que os países decidem de uma vez por todas em sua ata de nascimento político; não
é algo estático e sim algo fundamentalmente dinâmico” (PUELLES, 1993, p. 16, tradução nossa).
Conforme destacado pelo Quadro 2, a Espanha possui um nível de descentralização in-
termediária, pois transfere às Comunidades Autônomas a atribuição de organização e oferta da
educação em cada região. De acordo com Blanch (2011), a descentralização do sistema educacio-
nal espanhol se inicia em 1978 com a promulgação da Constituição que estabelece as primeiras
diretrizes de transferência do governo central para as Comunidades Autônomas. O processo de
inicia efetivamente em 1981 com os Estatutos de Autonomia, que amparados pela Carta Magna,
delimitam atribuições e competências.
El Estado se reserva las normas básicas sobre la ordenación general del sistema
educativo, la regulación de las condiciones para la obtención de los títulos
académicos y la jación de los aspectos básicos del currículo; en cambio,
las comunidades autónomas tienen competencia plena sobre los centros
docentes, profesores y alumnos; expiden los títulos académicos, supervisan o
inspeccionan el sistema educativo y gozan de autonomía nanciera (BLANCH,
2011, p. 12).
O formato de descentralização espanhol se assemelha muito com o utilizado por outros
países: o governo central ca responsável pelas políticas gerais e as Comunidades Autônomas
organizam as questões acadêmicas (currículo, professores, gestão da escola). Possivelmente o
aspecto divergente é a autonomia nanceira.
Puelles (1993) apresenta as principais características de um modelo de descentralização
intermediária, que de acordo com o seu estudo foi atribuído à Espanha.
Quadro 3: Principais características dos modelos de descentralização intermediária
Modelo Característica País
Modelo de descentralização
intermediária
- Intermediário entre o centralizado e o federal;
- Longa tradição de centralidade porém começam a
atribuir competências aos territórios, províncias, dis-
tritos ou municípios;
- A Constituição autoriza a criação de uma instituição
territorial intermediária entre o poder central e as co-
munidades locais.
Espanha
Fonte: Elaborado pelo autor de acordo com Puelles (1993).
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A nova gestão pública na educação: uma análise das escolas “concertadas” na Espanha
O Quadro 3 destaca três aspectos da descentralização intermediária: é um modelo que se
localiza entre o centralizado e o federal, característico de países com longa tradição centralizadora
que se abrem politicamente e a legislação cria uma instituição intermediária entre o governo central
e a comunidade local.
Puelles destaca ainda que o ponto central na descentralização da educação na Espanha é
que ela foi total na dimensão administrativa e quase total na dimensão política. Segundo o autor,
a descentralização política é muito signicativa porque as Comunidades Autônomas “tem amplo
poder legislativo, o que somados a autonomia nanceira, permite as comunidades a adoção de
políticas educativas diferentes, distintas inclusive das do governo central” (PUELLES, 1993, p.
27, tradução nossa).
Neste sentido, cabe ainda destacar que a efetividade de um processo de gestão não depende
somente do caráter legal, mas, sobretudo, das condições que são estabelecidas para que ela ocorra.
“A simples delegação da gestão, se as decisões continuam sendo tomadas pela Administração cen-
tral, não é descentralização; a esse outro processo se chama desconcentração” (GARCIA, 2015,
p. 204, tradução nossa).
Diante de tantas variáveis é possível armar que o processo de descentralização educa-
cional de um país é uma tarefa muito complexa. No caso especíco da Espanha, objeto de estudo
deste artigo, percebe-se traços históricos muito marcantes, diante de um país que viveu a ditadura
franquista ao longo de quase 40 anos e que sentiu a necessidade de fortalecimento dos governos
locais e da participação da sociedade em geral.
As escolas “concertadas” na Espanha como estratégia de parcerias público-
privadas
A estrutura organizacional do sistema educacional espanhol compreende dois tipos de es-
colas, de acordo com a titularidade jurídica: centros escolares públicos e centros escolares privados.
Os centros escolares públicos são escolas mantidas e reguladas pelo Estado. Os centros escolares
privados se subdividem em escolas privadas, cuja titularidade seja uma pessoa física ou jurídica
de caráter privado e os centros “concertados”, que são juridicamente instituições privadas, mas
que recebem recursos públicos para a manutenção de suas atividades.
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Tanto as escolas públicas como as privadas fazem parte do sistema educacional na Es-
panha, tendo que respeitar a legislação especíca que regulamenta o seu funcionamento. O que
diferencia os centros escolares privados dos “concertados” é basicamente a transferência de recursos
nanceiros para as escolas concertadas, que não ocorre no caso das escolas privadas. Entretanto,
ambas (privada e “concertada”) tem autonomia na gestão escolar, desde que cumpram os requisitos
estabelecidos por lei.
As denominadas escolas “concertadas”, que já existiam na Espanha muito tempo, pas-
saram a receber essa denominação no contexto das reformas educacionais na década de 1980, por
meio da Ley Orgánica 8, de 3 de julho de 1985, que regula o direito à Educação. De acordo com
o preâmbulo da referida lei, em consonância com a Ley 14/1970 que determina a obrigatoriedade
e gratuidade do ensino básico, a opção por agregar as escolas “concertadas” ao sistema educacio-
nal de forma mais efetiva ocorre em função do aumento da demanda de escolarização básica na
Espanha a partir da década de 1980 e a falta de recursos por parte da administração pública para
ampliar a oferta de vagas.
De acordo com a Ley 8/1985, se enquadram no regime de centros privados “concertados”
as instituições que “en orden a la prestación del servicio público de la educación en los términos
previstos en esta Ley, impartan la educación básica y reúnan los requisitos previstos en este Título”
(ESPANHA, 1985). A lei cria um “novo modelo” de escola, situado entre o público e o privado,
que atendendo a uma necessidade emergencial, se incorpora ao sistema educacional espanhol com
autonomia de gestão, porém agora regulada pelo Estado.
Analisando as escolas “concertados” sob a ótica da Nova Gestão Pública, vericamos
a utilização de uma das estratégias mais recorrentes das políticas neoliberais do nal do século
XX: as parcerias público-privadas. Para Verger, Curran e Parcerisa (2015, p. 680) “esta alianza
público-privada que rige el sistema educativo español desde mediados de los ochenta permitió, en
sus comienzos, lograr una rápida expansión educativa a bajo coste”.
O que deveria ser uma medida emergencial que objetivava minimizar os efeitos de uma
crise econômica que agravou a situação educacional na Espanha na década de 1980, acabou se
tornando uma regra incorporada ao sistema educacional. Atualmente, se considerarmos a quanti-
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A nova gestão pública na educação: uma análise das escolas “concertadas” na Espanha
dade de alunos da educação básica na Espanha, 33% estão matriculados em instituições privadas,
sendo que 78% deste percentual são de instituições concertadas.
O surgimento das escolas “concertadas” ocorre num momento histórico de consolidação do
processo democrático na Espanha, impulsionado pela necessidade de criar estratégias que possibi-
litassem o desenvolvimento social e educacional em consonância com o crescimento econômico,
de forma a garantir a universalidade da educação, principal desao da área educacional no nal
do século XX.
Entretanto, alguns autores questionam esta nova conguração do sistema educacional
espanhol. Agudo e Lacruz (2012, p. 88) entendem que as subvenções destinadas às escolas “con-
certadas” são uma forma “de privatización explícita y visible, donde el dinero público sirve para
nanciar un centro totalmente privado, que dispone de unas reglas de juego similares en teoría [...]
pero en la práctica son totalmente diferentes”.
Os autores se referem à autonomia na gestão escolar, tendo em vista que as escolas “con-
certadas” não dependem de autorização direta do Poder Público no que se refere ao planejamento
e execução de suas atividades (currículo, contratação de professores, atividades extra-escolares,
etc.). Na prática, a única medida que vincula as concertadas ao sistema público é a obrigatoriedade
de informar a quantidade de vagas disponíveis para que a administração local (Direcciones Pro-
vinciales das Comunidades Autônomas) faça a distribuição dos alunos de acordo com a demanda
e os critérios estabelecidos em lei.
Para LLera e Perez (2012, p. 98), as escolas “concertadas” na Espanha são uma “mistura
jurídica” entre sua titularidade privada e subvenção pública que se justicou na década de 1980
em função do crescimento demográco e da ampliação da escolarização obrigatória, mas que hoje
é questionada. De acordo com os autores, “el crecimiento del número de unidades escolares en
centros concertados ya no se justican por la insuciencia de los centros públicos para atender la
demanda, sino por otro tipo de razones».
Além da peculiaridade que permeia o enquadramento das escolas “concertadas” na Espa-
nha, outras questões vêm sendo apontadas no sentido de questionar a necessidade de incorporar
os centros escolares “concertados” ao sistema educacional espanhol. Em seu artigo intitulado «
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Juliano Mota Parente
Colegios concertados y selección de escuela en España: un círculo vicioso”, Llera e Pérez (2012)
discutem os motivos que levam as famílias a preferir matricular seus lhos em escolas concertadas.
De acordo com os autores, a crescente presença da iniciativa privada no sistema educaci-
onal espanhol tem estimulado a competitividade entre escolas, que são disputadas pelas famílias
num «mercado educacional» que se baseia na eciência e na qualidade dos serviços, característica
marcante da NGP.
Diante desse panorama, os autores constataram que a presença das escolas “concertadas”
no sistema educacional espanhol vem gerando uma segregação econômica visível na sociedade
atual. «Las plazas en los colegios privados serán copadas por alumnado de extracción socioeconó-
mica media-alta y la red pública se verá compuesta mayoritariamente por estudiantes de colectivos
desfavorecidos o inmigrantes» (LLERA e PÉREZ, 2012, p. 107).
A Tabela 1 apresenta os dados referentes a quantidade de escolas nos últimos dez
anos na Espanha.
Tabela 1: Evolução da quantidade de escolas na Espanha por titularidade.
Número de escolas 2007-2008 % 2017-2018 %
Públicas
18.050 71 19.061 67
Concertadas
4.095 16 5.285 19
Privadas
3.297 13 4.034 14
Total 25.442 100 28.380 100
Fonte: Ministério da Educação da Espanha (2020).
De acordo com os dados apresentados na Tabela 1, no ano letivo de 2007-2008,
a quantidade de escolas públicas na Espanha representava um percentual de 71%, das
escolas “concertadas” 16% e das escolas privadas 13%. Do total de escolas privadas neste
ano letivo, 4.095 eram “concertadas”, ou seja, das 7.392 escolas privadas que faziam
parte do sistema educacional espanhol 55,4% era “concertadas”, o que representava 16%
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A nova gestão pública na educação: uma análise das escolas “concertadas” na Espanha
do total de escolas.
Dez anos depois (2017-2018) o percentual de escolas públicas na Espanha caiu
4%, de 71% para 67%, enquanto as escolas “concertadas” cresceram 3%. Mesmo com
o aumento de escolas públicas (1.011 escolas), o aumento na quantidade de escolas
privadas (1.927) foi muito mais signicativo (quase o dobro). Com relação às escolas
“concertadas”, podemos observar também um aumento na mesma proporção. Nos últimos
dez anos houve um aumento na ordem de 77% na quantidade de escolas “concertadas” na
Espanha, o que quer dizer que em dez anos 1.190 escolas foram incorporadas no sistema
educacional espanhol com a titularidade “concertada”, perfazendo um total de 19% das
instituições na Espanha na atualidade.
O mesmo fenômeno pode ser observado quando analisamos os dados referentes a
quantidade de matrículas, conforme destaca a Tabela 2.
Tabela 2: Evolução da quantidade de matrículas de escolas na Espanha por titularidade.
Quantidade de matrículas 2007-2008 % 2017-2018 %
Públicas
5.514.018 69 5.499.031 67
Concertadas
1.893.049 24 2.090.770 26
Privadas
534.148 7 592.595 7
Total 7.941.215 100 8.182.396 100
Fonte: Ministério da Educação da Espanha (2020).
Conforme os dados apresentados na Tabela 2, a quantidade de matrículas no ano letivo
de 2007-2008 em escolas públicas representavam 69% dos alunos, ao passo que 31% estavam
matriculados em escolas privadas. De acordo com os dados, 24% dos alunos estavam matriculados
em escolas “concertadas”.
Dez anos depois a quantidade de alunos matriculados em escolas públicas baixou para
67%, e, aumentou para 33%, o percentual dos alunos que estudavam em escolas privadas. Com
relação aos alunos matriculados em escolas “concertadas”, no ano letivo de 2017-2018 houve
um aumento de 197.721 alunos, se compararmos ao ano letivo de 2007-2008, representando um
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percentual de 26% do total de alunos matriculados nas escolas espanholas, ou seja, 1/4 dos alunos
na atualidade estudam em escolas “concertadas” na Espanha.
Os resultados obtidos nesse estudo, permitem raticar a condição de observância do sistema
educacional público espanhol com as características da NGP, tendo em vista que a descentralização,
materializada por meio da legislação, fomentou a regulação do governo central e a padronização
dos sistemas educacionais e a criação das escolas “concertadas” consolidou uma política de relações
público-privadas, por meio de repasse de recursos públicos para instituições privadas. Conforme
já foi destacado anteriormente, as duas ações estão alinhadas ao modelo da NGP.
Considerações nais
O presente trabalho objetivou analisar a Nova Gestão Pública (NGP), aqui caracterizada
pela adoção de práticas de descentralização e parcerias público-privada, no contexto das políticas
educacionais, e sua inuência na gestão do sistema educacional da Espanha.
Diante do cenário de adoção de práticas de descentralização, vericadas por meio da
organização política e administrativa do governo espanhol, bem como da inserção de arranjos
de parcerias público-privadas na perspectiva da inclusão das escolas “concertadas” no âmbito do
sistema educacional, podemos concluir que a Espanha aderiu ao modelo de gestão da NGP em
escala internacional, considerando sua efetivação em diferentes países da comunidade européia.
Da mesma forma, nossas categorias de análise mostraram uma aproximação das diretrizes
da NGP, reproduzindo uma tendência global de estabelecer estratégias comuns para padronizar a
educação através dos sistemas educacionais. A descentralização fortalecendo as instâncias locais,
reverberando políticas de avaliação em larga escala que subsidiam rankings educacionais e as par-
cerias público-privadas, como por exemplo, a regulamentação de escolas concertadas para reduzir
custos e aumentar a prestação de contas.
Os resultados obtidos no estudo permitem inferir que a concepção dos sistemas públicos
educacionais, sob o signo da NGP, têm privilegiado as acepções de racionalidade econômico-
-administrativa em detrimento dos aspectos culturais e pedagógicos que deveriam demarcar o
processo de ensino-aprendizagem. Nesse sentido, recomendamos futuras pesquisas que possam
explorar demais características da NGP em diferentes contextos regionais da educação que as
delimitações desse estudo não pretendiam explorar ou permitiriam generalizar.
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A nova gestão pública na educação: uma análise das escolas “concertadas” na Espanha
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Recebido em: 09 de maio de 2020.
Avaliado em: 29 de maio de 2020.
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