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Salvador, v.5, n.1 p.193-219, jan/abr. 2020
Questões de gênero na aprendizagem ao longo da vida
Em seu Objetivo 5 – Paridade e igualdade de gênero, o RMG (2015b) apresenta progres-
sos no nível primário em 69% dos países, aumento na quantidade de matrículas de meninas em
comparação com os meninos
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, maior probabilidade das meninas nunca realizarem matrículas em
relação aos meninos (48% contra 37%), maior probabilidade das meninas matriculadas chegarem
às séries nais enquanto os meninos abandonam a escola (26% contra 20%), além de um dado
especíco sobre a África Subsaariana: “Na Guiné e no Níger, em 2010, mais de 70% das meninas
mais pobres nunca frequentaram a educação primária, contra menos de 20% dos meninos mais
ricos” (UNESCO, 2015b, p.7).
As noções de público e privado foram e são constantemente discutidas no feminismo pela
posição subalterna das mulheres no lar e na frequência dos homens aos lugares públicos, prin-
cipalmente no que diz respeito ao trabalho. O impedimento das mulheres circularem livremente
por locais públicos gerou insatisfações demonstradas pelas ondas feministas ao reclamarem seus
direitos políticos como cidadãs (CABALLERO, 2016). O recorte do RMG (2015b) à educação das
meninas da África Subsaariana e do Oriente Médio deve, no entanto, ser entendida por meio dos
interesses econômicos de agências multilaterais em países subdesenvolvidos. Poder-se-ia dizer,
ainda, que são interesses de caráter notadamente econômico, já que o PIB aparece como principal
marcador nessas políticas globais.
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Por isso Ball (2010, p. 39) arma que a performatividade é mais uxo do que estrutura: “o
uxo de demandas, expectativas e indicadores em constante mudança que nos fazem continuamente
responsáveis e constantemente registrados”, alterando a concepção foucaultiana de panopticismo de
certeza de vigilância para sua incerteza, o que provoca certa esquizofrenia coletiva de professores
que duvidam o tempo todo de suas competências, habilidades e até mesmo de sua formação, como
esperado pelo discurso da ALV.
A performatividade diz respeito ao “direito de aparecer, uma demanda corporal por um
conjunto de vidas mais visíveis” (BUTLER, 2018a, p.32), ou, em outra assertiva, “a performa-
tividade caracteriza primeiro, e acima de tudo, aquela característica dos enunciados linguísticos
15 “O número de países com menos de 90 meninas para cada 100 meninos matriculados na educação primária caiu de
33 para 16” (UNESCO, 2015b, p.7).
16 Com o avanço de governos ultraconservadores (ROLNIK, 2018), esse caráter economicista pode ser adotado ex-
plicitamente por um presidente da república quando os direitos de minorias sexuais são associados à ideia de “coita-
dismo” (GAÚCHAZH, 2019). Sintoma disto é a extinção da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Di-
versidade e Inclusão (SECADI), substituída pela Secretaria de Modalidades Especializadas em Educação (SEMESP)
pelo Decreto nº 9.465/2019, em uma estratégia deliberada para reorganizar gastos com políticas de inclusão.