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Salvador, v.5, n.2 p.235-258, mai/ago. 2020
Marcel Muniz Vilaça, Larisse Vieira de Melo e André Pereira da Costa
A ORGANIZAÇÃO MATEMÁTICA
DOS ITENS DE UM QUESTIONÁRIO
QUE ABORDA CARACTERÍSTICAS
DOS QUADRILÁTEROS
MARCEL MUNIZ VILAÇA
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Doutorando e Mestre em Educação Matemática
e Tecnológica (UFPE). Licenciatura Plena em Matemática (UPE - Campus Garanhuns).
Professor de Matemática na rede pública e na rede privada. ORCID: 0000-0002-3914-1586.
E-mail: marcel.vilaca@gmail.com
LARISSE VIEIRA DE MELO
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Mestra em Educação Matemática e
Tecnológica (UFPE). Possui graduação em Licenciatura em Matemática (2014) pela
Universidade de Pernambuco (UPE), Campus Garanhuns-PE. ORCID: 0000-0002-7162-8538.
E-mail: larissevieira@outlook.com
ANDRÉ PEREIRA DA COSTA
Universidade Federal do Oeste da Bahia (UFOB). Doutorado em Educação Matemática e
Tecnológica (UFPE). Professor da área de Educação Matemática na Universidade Federal
do Oeste da Bahia - UFOB, onde atua como docente permanente no Mestrado Prossional
em Matemática (PROFMAT) e nos cursos de Licenciatura e Bacharelado em Matemática.
Integra o corpo docente do Programa de Pós-Graduação em Ensino (PPGE/UFOB).
ORCID: 0000-0003-0303-8656. E-mail: andre.costa@ufob.edu.br
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A organização matemática dos itens de um questionário que aborda características dos quadriláteros
A ORGANIZAÇÃO MATEMÁTICA DOS ITENS DE UM QUESTIONÁRIO QUE ABORDA
CARACTERÍSTICAS DOS QUADRILÁTEROS
O presente trabalho teve como objetivo analisar a organizão matemática dos itens de um questionário que
aborda características dos quadriláteros. Para isso, utilizou-se como aporte teórico a Teoria Antropológica
do Didático – TAD, proposta por Yves Chevallard, para a realização de uma análise praxeológica das
questões propostas no instrumento supracitado. A TAD tem como foco de estudo o ser humano perante o
saber matemático e, especicamente, diante dos cenários matemáticos, considerando que toda atividade
matemática surge como resposta a um tipo de tarefa. Desse modo, a teoria leva em consideração que toda
atividade matemática pode ser descrita por uma praxeologia ou organização praxeológica. Adotando um
caráter descritivo em que são apresentadas as características e a forma como as questões estão estruturadas,
juntamente com as variáveis de respostas, essa pesquisa pode ser classicada como qualitativa. Nessa
direção, optou-se por realizar uma análise documental do questionário. Os resultados obtidos por meio
da alise à luz da TAD foram comparados com uma análise prévia, que teve como foco esse mesmo
instrumento de coleta de dados. Tal comparação permitiu evidenciar pontos de apoio oferecidos pela
Teoria Antropológica do Didático que contribuíram para uma análise mais detalhada sobre os tipos de
tarefa em questão. Os resultados apontaram que a utilização dos dois tipos de análises foi positiva, pois o
estudo sob a ótica da TAD ampliou o repertório para análise dos itens apresentados, enquanto que a outra
análise focou mais nos tipos de respostas possivelmente apresentados por estudantes de licenciatura em
Matemática. Além disso, por meio do estudo da praxeologia matemática, foi possível evidenciar que as
três questões que compõem o questionário apresentam relações entre si, pois, em geral, ambas envolvem
a ideia de constrão de guras geométricas no geoplano.
Palavras-chave: Quadriláteros; Teoria Antropológica do Didático; Análise prévia.
THE MATHEMATICAL ORGANIZATION OF ITEMS IN A QUESTIONNAIRE THAT
ADDRESSES CHARACTERISTICS OF QUADRILATERALS
The present work aimed to analyze the mathematical organization of the items in a questionnaire that
addresses characteristics of the quadrilaterals. For this, the Anthropological Theory of Didactics - TAD,
proposed by Yves Chevallard, was used as a theoretical contribution to carry out a praxeological analysis
of the questions proposed in the aforementioned instrument. The TAD focuses on the study of the human
being in the face of mathematical knowledge and, specically, in the face of mathematical scenarios,
considering that all mathematical activity arises as a response to a type of task. Thus, the theory takes into
account that all mathematical activity can be described by a praxeology or praxeological organization.
Adopting a descriptive character in which the characteristics and the way the questions are structured
are presented, together with the response variables, this research can be classied as qualitative. In this
sense, it was decided to conduct a documentary analysis of the questionnaire. The results obtained through
the analysis in the light of TAD were compared with a previous analysis, which focused on the same
data collection instrument. This comparison made it possible to highlight support points offered by the
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Marcel Muniz Vilaça, Larisse Vieira de Melo e André Pereira da Costa
Anthropological Theory of Didactics that contributed to a more detailed analysis of the types of task in
question. The results showed that the use of both types of analysis was positive, as the study from the
perspective of TAD expanded the repertoire for analyzing the items presented, while the other analysis
focused more on the types of answers possibly presented by undergraduate students in Mathematics.In
addition, through the study of mathematical praxeology, it was possible to show that the three questions
that make up the questionnaire are related to each other, since, in general, both involve the idea of building
geometric gures in the geoplane.
Keywords: Quadrilaterals; Anthropological Theory of Didactics; Prior analysis.
LA ORGANIZACIÓN MATEMÁTICA DE LOS ELEMENTOS EN UN CUESTIONARIO QUE
ABORDA LAS CARACTERÍSTICAS DE LOS CUADRILÁTEROS
El presente trabajo tuvo como objetivo analizar la organización matemática de los ítems en un cuestionario
que aborda las características de los cuadriláteros. Para ello, se utilizó la Teoría Antropológica de la
Didáctica - TAD, propuesta por Yves Chevallard, como contribución teórica para realizar un alisis
praxeológico de las preguntas propuestas en el mencionado instrumento. La TAD se centra en el estudio
del ser humano frente al conocimiento matemático y, especamente, frente a los escenarios matemáticos,
considerando que toda actividad matemática surge como respuesta a un tipo de tarea. Por lo tanto, la teoría
tiene en cuenta que toda actividad matemática puede ser descrita por una organización praxeológica u
praxeológica. Adoptando un cacter descriptivo en el que se presentan las características y la forma
en que se estructuran las preguntas, junto con las variables de respuesta, esta investigación se puede
clasicar como cualitativa. En este sentido, se decidió realizar un análisis documental del cuestionario.
Los resultados obtenidos a través del análisis a la luz de TAD se compararon con un alisis previo,
que se centró en el mismo instrumento de recolección de datos. Esta comparación permitió resaltar los
puntos de apoyo ofrecidos por la Teoría Antropológica de la Didáctica que contribuyeron a un alisis
más detallado de los tipos de tareas en cuestión. Los resultados mostraron que el uso de ambos tipos de
análisis fue positivo, ya que el estudio desde la perspectiva de TAD amplió el repertorio para analizar
los ítems presentados, mientras que el otro análisis se centró más en los tipos de respuestas posiblemente
presentadas por estudiantes de pregrado en Matemáticas. Además, a través del estudio de la praxeología
matemática, fue posible mostrar que las tres preguntas que componen el cuestionario están relacionadas
entre sí, ya que, en general, ambas implican la idea de construir guras geométricas en el geoplano.
Palabras clave: Cuadriláteros; Teoría antropológica de ladidáctica; Análisis prévio.
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A organização matemática dos itens de um questionário que aborda características dos quadriláteros
A ORGANIZAÇÃO MATEMÁTICA DOS ITENS DE UM
QUESTIONÁRIO QUE ABORDA CARACTERÍSTICAS DOS
QUADRILÁTEROS
Introdução
Nos últimos anos, podemos perceber um aumento no quantitativo de produções cientícas
que buscam compreender aspectos relacionados aos processos de ensino e de aprendizagem du-
rante as aulas de Matemática. Com essas investigações, é possível compreender, por meio deseus
resultados, fatores que até então poderiam passar despercebidos, e, que não seriam utilizados como
suporte para auxiliar o professor em sua prática docente.
Partilhando dessa demanda do cenário educacional e motivados por meio de discussões vi-
venciadas na disciplina de Tópicos em Educação Matemática, do Programa de Pós-Graduação em
Educação Matemática e Tecnológica da Universidade Federal de Pernambuco, a presente pesquisa
apresenta uma análise de um instrumento de coleta de dados que foi utilizado na dissertação de
um dos autores (VILAÇA, 2018) deste trabalho.
Tendo por base a Teoria Antropológica do Didático – TAD, será analisado os itens (questões)
que compõem um questionário, acerca das características dos quadriláteros. É importante destacar
que esse instrumento foi elaborado sem a utilização da TAD como suporte, visto que ela não foi
considerada na dissertação em questão. Contudo, ao estudar esse quadro teórico em uma disciplina
do mestrado, surgiu o interesse em fazer tal análise.
Com isso, pretendemos vericar como a utilização dos pressupostos preconizados na TAD
podem auxiliar na compreensão de situações que abordam esse tipo especíco de polígono. Nessa
direção, surge o seguinte problema de pesquisa: Como o conceito de quadriláteros é abordado nos
itens que compõem um questionário a ser aplicado com estudantes de licenciatura em Matemática?
Neste estudo, buscamos respostas para tal questão, ou seja, temos por objetivo analisar a
organização matemática do conceito de quadriláteros explorada em um questionário a ser aplicado
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Marcel Muniz Vilaça, Larisse Vieira de Melo e André Pereira da Costa
com alunos de licenciatura em Matemática. Desse modo, optamos por utilizar a Teoria Antropo-
lógica do Didático (TAD), desenvolvida por Chevallard (1999).
Assim, acreditamos que, ao realizar uma nova análise sobre as questões envolvendo os
quadriláteros, desta vez sob a ótica da Teoria Antropológica do Didático, será possível identicar
elementos que não haviam sido contemplados em uma análise anterior e, dessa maneira, compre-
ender fatores que embora presentes no questionário, não foram evidenciados.
Então, para alcançarmos os objetivos elencados nesta pesquisa e possibilitar ao leitor com-
preender o que está sendo discutido, foi adotado um percurso metodológico que apresente o ins-
trumento de coleta de dados sobre os quadriláteros e sua análise prévia. Em seguida, uma análise
posterior desse questionário, agora sob a perspectiva da Teoria Antropológica do Didático, para
que seja possível investigar a situação sob uma nova ótica.
Por m, após as diferentes análises, buscaremos estabelecer conexões e divergências para
elucidar como a utilização da TAD contribuiu para a compreensão dos elementos envolvidos no
instrumento de coleta de dados.
Entretanto, antes da apresentação do questionário, objeto de análise desta pesquisa, faremos
uma breve apresentação da pesquisa de mestrado que culminou em sua realização, para que seja
possível melhor compreender os diversos fatores envolvidos em sua realização.
Instrumento de coleta de dados e a pesquisa ao qual está relacionado
Como apontado na seção anterior do trabalho, esta pesquisa busca investigar um instrumento
de coleta de dados de uma pesquisa de mestrado da área de Educação Matemática. Então, alguns
questionamentos emergem: Que pesquisa é essa? Qual o seu foco? Quais foram os aspectos consi-
derados para a sua elaboração? Qual a estrutura desse questionário? Quais os aspectos considerados
ao realizar a análise prévia dos itens?
Na referente pesquisa, Vilaça (2018) buscou investigar como estudantes de licenciatura em
Matemática utilizavam o geoplano em situações envolvendo as características dos quadriláteros.
A proposta consistiu em analisar como o recurso didático em questão poderia auxiliar ou não os
licenciandos, ao resolverem situações em que era necessário mobilizar conhecimentos acerca da
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A organização matemática dos itens de um questionário que aborda características dos quadriláteros
denição dos quadriláteros, dos seus critérios de classicação e de situações acerca da convexidade
dessa família de guras.
A ideia em se trabalhar com estudantes de licenciatura originou a partir do resultado encon-
trado em algumas pesquisas ao apresentar que tanto estudantes da educação básica (PEREIRA
DA COSTA, 2016), como professores de matemática (CRESCENTI, 2008; LORENZATO, 2012;
LEIVAS, 2020) apresentavam diculdades e lacunas conceituais no que diz respeito à compreensão
de alguns conteúdos geométricos.
Desse modo, a partir de diculdades apresentadas nessas pesquisas, surgiu a ideia em in-
vestigar como estava sendo realizado o trabalho com os quadriláteros com os futuros professores
de Matemática.
Mas de onde surgiu a ideia em se trabalhar com o geoplano? Pesquisas como Vieira (2010)
e Ferreira (2013) apresentaram em seus resultados que a utilização do geoplano contribuiu para
auxiliar os processos de ensino e de aprendizagem ao se trabalhar, entre outros conteúdos, os qua-
driláteros. Mas essas pesquisas não apresentavam quais os fatores (proporcionados pela utilização
do geoplano) contribuíram para essa melhoria.
Por esse motivo, em sua pesquisa, Vilaça (2018) buscou investigar o modo que os licencian-
dos utilizavam o geoplano para resolver situações em que era necessário mobilizar conhecimento
referente aos quadriláteros. Para isso, o referido autor buscou elaborar um instrumento de coleta
de dados para vivenciar com uma turma de estudantes de licenciatura em Matemática.
Após ter elaborado um questionário para ser vivenciado em dois momentos distintos, o
autor supracitado conseguiu aplicar o instrumento de coleta de dados e ter o material necessário
para realizar a sua investigação. O questionário foi respondido por um grupo de estudantes de
licenciatura de uma universidade do nordeste brasileiro.
No âmbito deste artigo, por questões de delimitação, será abordada e discutida apenas a
análise referente ao questionário vivenciado em apenas um encontro. O foco das questões aqui
analisadas foi a denição dos quadriláteros e os critérios de classicação que podem ser adotados
para esse tipo especíco de polígonos.
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Marcel Muniz Vilaça, Larisse Vieira de Melo e André Pereira da Costa
Instrumento de coleta de dados e análise prévia
Nesta seção serão apresentadas as questões utilizadas no instrumento de coleta de dados,
seguidos de sua análise a prévia, sem a utilização da Teoria Antropológica do Didático como em-
basamento. Por questões de nomenclatura e para auxiliar na identicação das questões utilizaremos
a letra “Q” para designar a questão, acompanhada do número 1, 2 ou 3 que a identicará como
sendo primeiro, segundo ou terceiro item do questionário.
Assim, o primeiro item teve como objetivo identicar o que os licenciandos pensam sobre
quadriláteros, ou seja, como esse tipo de polígono pode ser denido: Q1 O que é um quadrilá-
tero? Como podemos deni-lo? Utilize o geoplano para construir guras que auxiliem a ilustrar
a sua denição”.
Acerca da pergunta “o que é um quadrilátero?”, pensamos que a principal resposta a ser
mencionada pelos licenciandos seria que quadrilátero é um polígono de quatro lados, corroborando
com a ideia apresentada por Carvalho e Lima (2012). Embora os quadriláteros tenham suas proprie-
dades e características especícas para serem exploradas, tal compreensãoé correta e amplamente
utilizada em materiais didáticos.
Uma variação da resposta acima, mas desta vez não se enquadrando como correta é armar
que o quadrilátero “é uma gura de quatro lados”. Ao não vincular a palavra polígono nessa deni-
ção, não delimita a necessidade de ser uma gura fechada e, desse modo, a resposta é considerada
equivocada, conforme destaca Pereira da Costa (2019).
Outra possibilidade é abordar que é uma gura fechada com quatro lados, o que não indicaria
a necessidade de ser apenas segmentos de retas, uma vez que estavam sendo trabalhados os con-
ceitos de geometria plana, ao propor essas denições. Por esse modo, esta resposta é considerada
inadequada para a situação em questão.
Variações para esses três tipos de respostas podem ocorrer, mas as principais variáveis
esperadas são as denições por meio de polígonos de quatro lados, gura com quatro lados ou
gura fechada com quatro lados.
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A organização matemática dos itens de um questionário que aborda características dos quadriláteros
Um caso especíco de uma variação para as três situações apresentadas no parágrafo ante-
rior, que é considerada correta, mas devido ao seu maior rigor matemático, seja pouco provável
de ocorrer, é apresentar que “dados quatro pontos distintos, dos quais pelos menos três sejam não
colineares, ao ligar esses pontos por segmentos de reta, de modo que o ponto de partida seja também
o ponto de chegada, e que os únicos pontos em comum entre os segmentos sejam apenas as suas
extremidades (formando assim os vértices da gura), tem-se um quadrilátero.”
No que diz respeito à segunda parte da Q1, que pergunta “Como podemos classicá-lo?
Utilize o geoplano para construir guras que auxiliem a ilustrar a sua denição”, notamos que
há um comando um pouco vago, mas proposital. A ideia é fazer com que os licenciandos reitam
sobre como classicar os quadriláteros, sobre o que pode ser utilizado como critério de exclusão
ou inclusão para categorizar esses polígonos e, nesse sentido, identicar se uma mesma gura pode
pertencer a duas categorias, por exemplo. Outra possibilidade nessa questão é de fazer com que os
estudantes criem suas próprias categorias de análise, levando-os a reetir sobre as características
dos quadriláteros, para que seja possível classicá-los.
A resposta mais esperada para essa questão é que os alunos utilizem como critério
de categorização a divisão entre quadriláteros convexos e quadriláteros não convexos e
que, ao utilizar o geoplano, sejam construídos exemplos que reforcem essa classicação.
Outra possibilidade é desconsiderar a divisão entre quadriláteros convexos e qua-
driláteros não convexos e considerar apenas os quadriláteros notáveis. Desse modo, a
classicação seria formada por cinco grupos: trapézio, paralelogramo, retângulo, losango
e quadrado.
Esse tipo de resposta apresenta uma visão limitada dos quadriláteros e, embora, esses
polígonos possam ser classicados com base nessas características, tal compreensão se
mostra incompleta e inadequada por não considerar todos os quadriláteros, mas apenas
uma parte especíca deles. Contudo, esse tipo de resposta pode ser o mais apresentado
pelos estudantes de licenciatura, em decorrência da ênfase que os quadriláteros notáveis
recebem na educação básica.
Outras possibilidades de respostas para essas classicações levam em consideração
os ângulos internos, os comprimentos dos segmentos de reta que formam os lados (qua-
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Marcel Muniz Vilaça, Larisse Vieira de Melo e André Pereira da Costa
driláteros regulares e irregulares) e a posição dos lados (concorrentes e paralelos). Para
não se alongar muito e sintetizar essas possibilidades de respostas, não iremos detalhar os
critérios utilizados acima para a classicação, pois acreditamos que apenas a apresentação
de suas características seja suciente para compreender quais os aspectos considerados
por um licenciando que as utilizarem.
Na Q2, era proposta a seguinte situação: Você construiu um paralelogramo em
seu geoplano e seu colega construiu, no mesmo geoplano, um quadrilátero que não é
um paralelogramo. Represente essa situação em seu geoplano e justique porque o seu
quadrilátero é um paralelogramo e o do seu colega não é.” Assim, esse item teve como
objetivo identicar se os licenciandos compreendem as características que fazem com que
um quadrilátero possa ser classicado como paralelogramo e, juntamente com a Q3, ob-
servar se uma coerência nos critérios elencados para a classicação de paralelogramos.
Nessa questão,por meio de um desenho, o estudante pode representar um paralelo-
gramo como sendo um quadrilátero que possui lados opostos paralelos (se considerar o
critério da inclusão de classes
1
) ou como sendo um quadrilátero que possui lados opostos
paralelos e congruentes dois a dois, cujos ângulos internos não são retos (critério sem
inclusão de classes
2
).
Ao considerar o paralelogramo pelo critério da inclusão de classes, o licenciando
corre o risco de desenhar outra gura como também sendo um paralelogramo, mas que,
para esse estudante congure-se como sendo uma gura distinta (paralelogramo, junta-
mente com um retângulo, losango ou quadrado). Esse tipo de resposta apresentará uma
incoerência que levará ao erro, pois ambas as guras serão paralelogramos.
Já ao considerar o critério em que as classes não são incluídas, o estudante pode
desenhar um paralelogramo, juntamente com um retângulo, quadrado ou losango que não
estará errado, pois foi coerente de acordo com a sua denição. O que possibilitará a coe-
1 O critério de inclusão é considerado quando se classica o paralelogramo como sendo uma gura de lados opostos
paralelos. Desse modo, os retângulos, losangos, quadrados e retângulos são incluídos como paralelogramos, por apre-
sentarem essa característica.
2 O critério sem inclusão é considerado ao especicar a característica de um paralelogramo não apenas pelos seus lados
opostos paralelos, mas por especicar que são congruentes dois a dois e os ângulos internos não são retos. Dessa forma,
o quadrado não é paralelogramo por possuir ângulos retos e quatro lados congruentes; o retângulo não é porque possui
ângulos internos retos; e o losango também não é paralelogramo por apresentar os quatro lados congruentes.
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A organização matemática dos itens de um questionário que aborda características dos quadriláteros
rência será a resposta para a Q3, na qual será possível identicar se os estudantes adotam
ou não os critérios de inclusão de classe.
Nas situações que não dependem da inclusão de classe, o estudante desenha um
paralelogramo junto de um trapézio, ou junto de qualquer outro quadrilátero não-notável.
Com isso, esse discente estará apresentando uma resposta considerada adequada para o
momento.
A Q3 tem como objetivo servir de suporte para identicar e analisar como os estu-
dantes classicam os quadriláteros e as guras que não são quadriláteros e, se nos critérios
de classicação, é possível observar uma coerência com as respostas apresentadas nas
questões anteriores da primeira ocina: “Em uma malha quadriculada foram desenhadas
algumas guras. Observe as guras, crie alguns critérios para classicá-las e, para cada
classicação, construa no geoplano dois exemplos de guras semelhantes que pertençam
a essa mesma classicação”. A
Figura 01 ilustra essa situação mencionada no enunciado do
item, conforme a seguir:
Figura 01 – Figuras desenhadas na malha quadriculada
Fonte: Vilaça (2018)
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Nessa questão, o licenciando pode considerar como critério a divisão entre convexo e não
convexo, classicando as guras 1, 2, 3, 6, 7, 8, 9, 11 e 12 como sendo convexas e as demais como
não convexas. Essa resposta é considerada adequada, pois segundo o critério escolhido, foram
selecionadas as guras que correspondem a categoria. Contudo, se ao invés de considerar guras
convexas, forem classicados quadriláteros convexos, o estudante deverá excluir a gura 2 dos
quadriláteros convexos e a gura 5 dos quadriláteros não convexos. Caso contrário, a resposta
será inadequada por considerar guras que não são quadriláteros em uma classicação sobre os
quadriláteros.
Uma variação da resposta apresentada no parágrafo anterior seria o estudante utilizar como
critério de classicação o tipo de gura, por exemplo, quadriláteros e não quadriláteros. Nesse
critério, por se apegar somente ao aspecto visual, o estudante poderia cometer o equívoco de não
reconhecer as guras 4 e 10 como sendo quadriláteros. Além disso, em decorrência de serem
quadriláteros não notáveis, os estudantes podem se confundir e considerar que os quadriláteros
são apenas os notáveis.
Outra variação dessa resposta seria considerar a gura 5 como sendo um quadrilátero, por
considerar que ela pode ser construída a partir de quatro pontos, embora seus pontos em comum não
sejam apenas os vértices. Por esse motivo, considerar a gura 5 como quadrilátero é um equívoco.
Na classicação das guras, o estudante também pode considerar os quadriláteros notáveis
e não notáveis e as guras que não pertencem a essas categorias. Nesse aspecto, ele optaria pelas
guras 1, 3, 6, 7, 8, 9, 11, 12 como sendo quadriláteros notáveis; as guras 4 e 10 como sendo
quadriláteros não notáveis e as guras 2 e 5 como não pertencentes a essas categorias.
Uma variação da resposta para essa questão é a possibilidade de listagem dos tipos de guras
em: paralelogramos, quadrados, retângulos, losangos, trapézios e triângulos.Esse tipo de resposta
evidenciará o tipo de classicação adotado por cada estudante e vericar se eles utilizam ou não os
critérios de inclusão de classes. Esse tipo de resposta possibilitará identicar se há uma coerência
interna no tipo de classicação adotada ou se o licenciando comete equívocos ao trabalhar com a
classicação dos quadriláteros.
Pensando justamente no tipo de classicação, por meio da listagem da quantidade de quadra-
dos e losangos, por exemplo, temos a gura 8. Nela é apresentado um quadrado em uma posição
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A organização matemática dos itens de um questionário que aborda características dos quadriláteros
não prototípica. O modo como o quadrado é representado na imagem-suporte da questão, oferece
indícios para que, se for considerado apenas o aspecto visual, a gura seja nomeada como sendo
apenas um losango. A escolha por essa classicação oferecerá indícios para supor que o estudante
não compreende as características que fazem com que um quadrilátero seja considerado losango,
ao considerar apenas o caráter visual para identicar essas guras.
De modo semelhante, o critério em apresentar a gura em uma posição diferente da conven-
cional, em uma posição não prototípica, também foi utilizado com o trapézio presente na Figura 11.
Outro fator que merece destaque nessa questão são as guras 4 e 10 (quadriláteros não no-
táveis). Pode ocorrer que os licenciandos não identiquem essas guras como sendo pertencentes
ao grupo dos quadriláteros, devido ao fato de não serem guras usualmente trabalhadas em sala de
aula. De forma equivocada, o discente pode considerar que a ideia de quadrilátero está relacionada
apenas com os quadriláteros notáveis, as guras mais trabalhadas em sala de aula na escola básica.
Desse modo, após apresentar as três questões utilizadas no instrumento de coleta de dados,
e suas respectivas análises, que servem para justicar e embasar suas escolhas, na próxima seção,
é realizada uma breve abordagem da Teoria Antropológica do Didático e, em seguida, uma nova
análise do questionário, dessa vez sob a ótica da TAD.
A Teoria Antropológica do Didático
Para a análise sobre a abordagem do conceito de quadriláteros nos itens que compõem um
questionário, em especial, a organização matemática relacionada a esse objeto em Geometria, foi
fundamental considerarmos a Teoria Antropológica do Didático (TAD). Esse quadro teórico foi
proposto e desenvolvido pelo pesquisador francês Yves Chevallard na década de 90.
Além disso, essa teoria pode ser vista como uma extensão da Teoria da Transposição Didá-
tica
3
, visto que ela se preocupa em investigar como se organiza o saber matemático nas diferentes
instituições. Segundo Câmara dos Santos e Menezes (2015), a TAD permite, de um modo particular,
analisar situações que ocorrem durante os processosde ensino e de aprendizagem da Matemática.
3 É importante mencionar que otermo transposição didáticafoi introduzido em 1975 pelo sociólogo Michel Verret e
retomado por Yves Chevallard em 1985.
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Nessa direção, como sinalizado por Chevallard (1999), a TAD tem como foco de estudo o
ser humano perante o saber matemático e, especicamente, diante os cenários matemáticos, con-
siderando que toda atividade matemática surge como resposta a um tipo de tarefa. Desse modo, a
teoria leva em consideração o sistema didático composto por estudante, professor e saber, e ainda,
considera esses atores da sala de aula como sujeitos da instituição analisada.
Assim, toda atividade matemática pode ser descrita por uma praxeologia ou organização
praxeológica. Para tanto, construir quadriláteros em malha quadriculada, escrever um texto, or-
ganizar o quarto ou planejar uma reunião são exemplos de atividades realizadas pelo ser humano,
isto é, tipos de tarefas que qualquer pessoa pode desenvolver em sua prática cotidiana.
Para Barros e Bellemain (2018), a TAD propõe um recorte sobre o didático, sendo que este
elemento sempre existirá em uma situação onde alguém quer que o outro aprenda, seja dentro do
ambiente escolar ou não. Assim, o didático vai ocorrer sempre que um indivíduo tenta modicar,
voluntariamente, o saber do outro. Nessa direção, a Teoria Antropológica do Didático irá investigar,
de modo sistemático, as relações existentes nessa interação.
Na modelização de sua teoria, Chevallard (1999) considera três termos primitivos: os objetos
do saber (O), as pessoas (X) e as instituições (I). Para o autor, dependendo da perspectiva em que
se analise a situação, tudo é objeto, até mesmo as instituições e os indivíduos. Desse modo, um
objeto surge a partir do momento em que uma pessoa ou instituição reconhece a sua existência.
Um ponto interessante ao ser abordado ao discutir a Teoria Antropológica do Didático é a
relação entre os termos indivíduo, sujeito e pessoa. Inicialmente, em uma análise ingênua, tais ter-
mos parecem sinônimos, contudo, quando se observa sob a ótica da TAD, percebemos que não são.
O indivíduo é imutável, não se modica independentemente de suas relações. O sujeito
muda de acordo com a instituição, da qual sofre relações. a pessoa se modica a partir das
relações institucionais sofridas pelo sujeito. Nesse sentido, Araújo (2009, p. 34) apresenta que o
conceito de pessoa é “denido
como o par formado por um indivíduo X e pelo sistema de suas
relações pessoais com os objetos O, designadas por R(X, O), em determinados momentos da
história de X”.
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A organização matemática dos itens de um questionário que aborda características dos quadriláteros
Neste trabalho, contudo, embora cientes da importância dos elementos primitivos da
TAD e as relações entre si, não iremos nos deter em detalhar essas relações. O foco está re-
lacionado com as questões sobre os quadriláteros, em identicar elementos importantes em
sua construção. Logo, essa análise será realizada por meio de uma organização praxeológica.
Chevallard (1999) ventila que uma organização praxeológica é a descrição de qualquer
atividade humana. Além disso, toda praxeologia é constituída por quatro elementos centrais:
tipo de tarefa (T), técnica (t), tecnologia (θ) e teoria (Θ). Conforme indicado pelo autor, o tipo de
tarefa e a técnica estão relacionados ao bloco prático-técnico (saber fazer), enquanto que a tecno-
logia e a teoriaformam o bloco tecnológico-teórico (saber)
.
Rosa dos Santos (2015, p.42) reete que “a noção de praxeológica se forma em torno de
tipos de tarefas (T) a serem cumpridas por meio de pelo menos uma técnica (τ), que, por sua vez,
é explicada e validada por elementos tecnológicos (θ) que são justicados e esclarecidos por uma
teoria (ϴ)”. Então, uma análise praxeológica permite identicar quais os tipos de tarefas estão
sendo abordados, o que eles têm em comum e em quais aspectos se diferenciam.
Chevallard (1999) pontua que a noção de tipos de tarefa está intimamente relacionada ao
campo antropológico da TAD, visto que engloba apenas as atividades de ordem humana. Regu-
larmente, essa noção está articulada com um objetivo claro e correto, que por sua vez, émarcado
inicialmente por um verbo de ação mais a oração complementar, tal como, classicar quadrilátero
construído em malha quadriculada.
Segundo o autor, mesmo existindo fortes relações, os conceitos de tipos de tarefas e de
tarefas apresentam divergências. O tipo de tarefa é caracterizado por um conjunto de tarefas que
coligam diversas tarefas, mas com os mesmos atributos. Como exemplo disso, consideremos o
tipo de tarefa construir quadriláteros (T
C
). Então, construir quadrilátero a partir das medidas dos
comprimentos das diagonais (T
C1
) e construir quadrilátero, dadas às medidas dos comprimentos
de seus lados (T
C2
), são tarefas que pertencem ao mesmo tipo de tarefa (T
C
).
Como assinalado por Chevallard (1999), todo tipo de tarefa pode ser resolvido por várias
maneiras. Além de que, para justicar uma técnica se faz necessário a produção de diferentes
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Marcel Muniz Vilaça, Larisse Vieira de Melo e André Pereira da Costa
explicações. Porém, na TAD, o aspecto central de interesse é a identicação das tarefas, atrelada
a analise da tecnologia e da teoria, que são especícos nas instituições.
Pereira da Costa e Rosa dos Santos (2019, p.234) destacam que:
[...] para que uma técnica exista é necessária uma justicativa, que tem por
nalidade apreciar e explicar essa técnica em relação à sua prática e sua
validação. Do mesmo modo, a tecnologia tem por objetivo justicar a técnica,
favorecendo ao entendimento do tipo de tarefa.
Ainda, por meio da técnica é possível evidenciar os métodos utilizados para a resolução de
determinado tipo de tarefa. a tecnologia possibilita encontrar argumentos que justiquem as
técnicas utilizadas, enquanto a teoria permite justicar as tecnologias adotadas em cada técnica.
Nesta pesquisa, utilizaremos o conceito de organização praxeológica preconizado pela
Teoria Antropológica do Didático para realizar uma análise prévia dos itens de um questionário
envolvendo características dos quadriláteros.
Percurso Metodológico
Ao realizar uma nova análise sobre um questionário já utilizado em uma dissertação de
mestrado, a presente pesquisa busca, entre outros fatores, identicar possíveis contribuições que
a Teoria Antropológica do Didático oferece ao analisar como as questões foram estruturadas.
Acerca da utilização de questionários em pesquisas, Pereira et. al. (2018) armam que essa
opção como instrumento de coleta de dados é amplamente utilizada no âmbito acadêmicoque pos-
sibilita o anonimato dos sujeitos envolvidos na pesquisa, além de possibilitar a não interferência
por parte do pesquisador.
Ainda sobre o uso de questionário, Gerhardt et. al. (2009) apresentam que, por meio desse
instrumento de registro de dados, as perguntas são respondidas pelo informante, sem a interferência
do pesquisador. Assim, é preciso considerar diversos fatores desde a formulação das questões, como
também a percepção e os estereótipos dos sujeitos envolvidos na pesquisa para que seja possível
garantir a ecácia do questionário.
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A organização matemática dos itens de um questionário que aborda características dos quadriláteros
A construção de um questionário não ocorre de forma aleatória. Vários fatores devem ser
considerados para que seja possível alcançar os objetivos propostos. Essa estruturação, por sua
vez, acarreta em vários dados que devem ser analisados seguindo a coerência teórica adotada na
pesquisa (ANA; LEMOS, 2018).
Adotando um caráter descritivo em que são apresentadas as características e a forma como
as questões estão estruturadas, juntamente com as variáveis de respostas, essa pesquisa pode ser
classicada como qualitativa. Sobre essa abordagem, Praça (2015, p. 81) explicita que “os métodos
qualitativos descreve uma relação entre o objeto e os resultados que não podem ser interpretadas
através de números, nomeando-se como uma pesquisa descritiva”.
Além disso, a partir da análise documental do questionário, Sampieri, Collado e Baptista
(2006) sinalizam que esse tipo de abordagem contribui para se obter uma maior riqueza nos resul-
tados obtidos por meio da possibilidade de interpretação das respostas ao trabalhar um fenômeno
dentro de um contexto social estabelecido.
Diante disto, com base nas justicativas apresentadas, considera-se pertinente a ampliação
da análise do questionário objeto de investigação desta pesquisa com a nalidade de elucidar
situações relacionadas às atividades envolvendo os quadriláteros.
Organização praxeológica dos itens sobre os quadriláteros
Seguindo a mesma organização do tópico da análise prévia anterior, neste tópico, aborda-
remos as questões referentes ao instrumento de coleta de dados utilizados na primeira ocina da
pesquisa de mestrado de Vilaça (2018). Assim, utilizando a praxeologia matemática conforme a
Teoria Antropológica do Didático, buscamos realizar a identicação dos tipos de tarefas utilizados,
quais as possíveis técnicas associadas a essas tarefas, bem como esses elementos se relacionam
com o bloco tecnológico-teórico.
Desse modo, a primeira questão analisada foi Q1: “O que é um quadrilátero? Como podemos
deni-lo? Utilize o geoplano para construir guras que auxiliem a ilustrar a sua denição”. Ini-
cialmente, a utilização da TAD oferece um aspecto não contemplado na análise anterior: a junção
da análise matemática (aspectos ligados ao conceito de quadrilátero e suas características) com os
aspectos do geoplano (técnicas de utilização desse recurso didático).
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Marcel Muniz Vilaça, Larisse Vieira de Melo e André Pereira da Costa
Analisando esse primeiro item, vericamos que o tipo de tarefa em questão é denir qua-
driláteros, mas que ao analisar as tarefas envolvidas nessa questão, podemos evidenciar duas
delas, formando dois subtipos de tarefa. Um primeiro subtipo de tarefa estaria relacionada com a
elaboração da denição do conceito de quadriláteros, podendo esse processo ocorrer sem o auxílio
do geoplano: elaborar denição de quadriláteros sem o uso do geoplano.
A técnica relacionada a essa tarefa consiste em utilizar conhecimentos geométricos (po-
lígono, aresta, vértice, lado e segmento de reta) para construir a denição. A relação com o bloco
tecnológico-teórico seria de que quadrilátero é um polígono de quatro lados e os seus conceitos
são estudados no campo da Geometria. Vale salientar que o bloco tecnológico-teórico de todas as
três questões do instrumento de coleta de dados é o mesmo, pois embora a técnica utilizada para
cada tipo de tarefa possa variar, a justicativa para ela não se modica.
Já o segundo subtipo de tarefa presente nessa questão envolve a construção de quadriláteros
no geoplano: elaborar denição de quadriláteros utilizando o geoplano. Diferentemente da técnica
utilizada no subtipo de tarefa anterior, nesta é imprescindível a utilização do geoplano, pois é a
partir dele que serão construídos os quadriláteros. Por isso, a técnica utilizada nesse item é o ma-
nuseio do geoplano para que, com o auxílio dos elásticos, empregados para produzir quadriláteros
ao interligar os pregos do recurso didático em tela.
A segunda questão analisada (Q2) apresenta a seguinte situação: “Você construiu um pa-
ralelogramo em seu geoplano e seu colega construiu, no mesmo geoplano, um quadrilátero que
não é um paralelogramo. Represente essa situação em seu geoplano e justique porque o seu
quadrilátero é um paralelogramo e o do seu colega não é”.
Como apresentado na outra análise, essa questão tem como objetivo vericar se os estudantes
compreendem as características que denem o quadrilátero como sendo um paralelogramo, mas
não se limita somente a isso. Um fato despercebido na análise anterior a esta é que esse tipo de
tarefa exige, também, que o licenciando compare diferentes guras.
Logo, não é preciso que o estudante de licenciatura mobilize apenas conhecimentos geo-
métricos que o possibilitem reconhecer e construir um paralelogramo, mas que também permitam
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A organização matemática dos itens de um questionário que aborda características dos quadriláteros
que, com base nesses conhecimentos, seja possível construir um quadrilátero que não seja um
paralelogramo.
Em Q2, foram evidenciados dois tipos de tarefa. O primeiro relacionado à construção de
quadriláteros (construir quadriláteros), envolvendo o mesmo bloco prático-técnico e tecnológico-
-teórico do tipo de tarefa de construção apresentado na primeira questão. Contudo, o item apresenta
outro tipo de tarefa diferente dos abordados até então, que consistem REM realizar comparação
entre quadriláteros (comparar quadriláteros), especicamente entre um paralelogramo e um não
paralelogramo. A técnica exigida para essa questão é saber diferenciar os quadriláteros por meio
de suas características especícas.
A terceira questão (Q3) apresentou o seguinte enunciado: “Em uma malha quadriculada
foram desenhadas algumas guras. Observe as guras (Figura 02), crie alguns critérios para
classicá-las e, para cada classicação, construa no geoplano dois exemplos de guras seme-
lhantes que pertençam a essa mesma classicação.”
Figura 02 – Figuras desenhadas na malha quadriculada
Fonte: Vilaça (2018)
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Marcel Muniz Vilaça, Larisse Vieira de Melo e André Pereira da Costa
Na análise prévia anterior, essa questão tinha como objetivo identicar e analisar como os
estudantes classicam as guras que não são quadriláteros. Porém, nesta análise sob a ótica da
TAD, foi possível compreender que o item estava relacionado com outras ações a serem feitas,
para que o licenciando pudesse chegar a uma resolução.
Ao todo, foram identicados quatro tipos de tarefas em Q3, sendo elas: criar critérios para
classicação de guras geométricas,classicar guras geométricas, construir guras geométricase
comparar guras geométricas.
O tipo de tarefa criar critérios para classicação de guras geométricas exige que seja
mobilizada a técnica de identicar as características de guras geométricas (lados, arestas, vértices,
convexo, não-convexo, ângulo) e utilizá-las para criar critérios de classicação.
O tipo de tarefa classicar guras geométricas mobiliza a mesma técnica da tarefa anterior.
Pois, para que seja possível classicar uma gura como sendo pertencente a umacategoria ou de
outra, faz-se necessário o reconhecimento das características da gura geométrica e a mobilização
desse conhecimento para que ela seja classicada como pertencente a uma categoria que contemple
seus atributos.
Semelhantemente as questões Q1 e Q2, no item Q3, também tem-se um tipo de tarefa liga-
do a construção de guras (construir guras geométricas). Todavia, diferentemente das questões
anteriores, em Q3 a construção não é especíca para quadriláteros, podendo ser produzidas guras
pertencentes a outra família de polígonos.
O outro tipo de tarefa evidenciado em Q3 foi comparar guras geométricas, semelhante ao
tipo de tarefa apresentado na Q2, mas que não se restringindo apenas aos quadriláteros. A seguir,
será apresentado um quadro síntese da organização praxeológica evidenciada na análise dos itens
do questionário sobre as características dos quadriláteros.
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A organização matemática dos itens de um questionário que aborda características dos quadriláteros
Quadro 1: Organização praxeológica dos itens do questionário sobre as características dos quadriláteros
Primeiro item – Q1
Tipo de Tarefa Técnica Tecnologia Teoria
T1: Denir qua-
driláteros.
τ1: Utilizar o conhecimento de
conceitos geométricos (polígo-
no, aresta, vértice, lado, segmen-
to de reta, curva) para elaborar
uma denição do conceito de
quadriláteros.
Quadrilátero é
um polígono
de quatro la-
dos.
Considerando, arbitrariamente,
quatro pontos em um plano,
A, B, C, D, com a condição
de que três quaisquer sejam
não colineares, denomina-se
quadrilátero ABCD ao con-
junto dos pontos que estão nos
segmentos de reta AB, BC, CD
e DA, com a condição de que,
se dois segmentos possuem um
ponto em comum. Esse ponto
é uma das extremidades desses
segmentos.
T2: Construir
quadriláteros no
geoplano com o
auxílio de elás-
ticos.
τ2: Utilizar elásticos para cons-
truir quadriláteros no geoplano
utilizando os pregos para xar os
elásticos e construir.
Segundo item – Q2
Tipo de Tarefa Técnica Tecnologia Teoria
T1: Construir
quadriláteros no
geoplano com o
auxílio de elás-
ticos
τ1: Utilizar elásticos para cons-
truir quadriláteros no geoplano
utilizando os pregos para xar os
elásticos e construir.
Quadrilátero é
um polígono
de quatro la-
dos.
Considerando, arbitrariamente,
quatro pontos em um plano,
A, B, C, D, com a condição
de que três quaisquer sejam
não colineares, denomina-se
quadrilátero ABCD ao con-
junto dos pontos que estão nos
segmentos de reta AB, BC, CD
e DA, com a condição de que,
se dois segmentos possuem um
ponto em comum. Esse ponto
é uma das extremidades desses
segmentos.
T2: Comparar
quadriláteros
construídos no
geoplano.
τ2: Diferenciar os quadriláteros
por meios de suas características
(ângulos, diagonal, retas concor-
rentes e perpendiculares).
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Marcel Muniz Vilaça, Larisse Vieira de Melo e André Pereira da Costa
Segundo item – Q3
Tipo de Tarefa Técnica Tecnologia Teoria
T1: criar critérios
de classicação
de guras geomé-
tricas.
τ1: Utilizar o conhecimento de
conceitos geométricos (polígo-
no, aresta, vértice, lado, segmen-
to de reta, curva, ângulo, restas
perpendiculares e concorrentes,
convexidade e não-convexidade)
para criar critério de classica-
ção de guras geométricas.
Quadrilátero é
um polígono
de quatro la-
dos.
Considerando, arbitrariamente,
quatro pontos em um plano,
A, B, C, D, com a condição
de que três quaisquer sejam
não colineares, denomina-se
quadrilátero ABCD ao con-
junto dos pontos que estão nos
segmentos de reta AB, BC, CD
e DA, com a condição de que,
se dois segmentos possuem um
ponto em comum. Esse ponto
é uma das extremidades desses
segmentos.
T2: Classicar
guras geomé-
tricas
τ2: Utilizar o conhecimento de
conceitos geométricos (polígo-
no, aresta, vértice, lado, segmen-
to de reta, curva, ângulo, restas
perpendiculares e concorrentes,
convexidade e não-convexidade)
para classicar guras geomé-
tricas.
T3: Construir -
guras no geopla-
no com o auxílio
de elásticos
τ3: Utilizar elásticos para cons-
truir quadriláteros no geoplano
utilizando os pregos para xar os
elásticos e construir.
T4: Comparar
guras geométri-
cas construídas
no geoplano.
τ4: Diferenciar as guras geo-
métricas por meios de suas ca-
racterísticas (ângulos, diagonal,
retas concorrentes, perpendicula-
res, número de lados).
Fonte: Elaborado pelos autores
Observando a síntese das informações que estão presentes no quadro é possível evidenciar
que as três questões apresentam relações entre si, pois, em geral, ambas envolvem a ideia de cons-
trução de guras geométricas no geoplano.
Sob a ótica da Teoria Antropológica do Didático foi possível observar, de modo mais deta-
lhado, a organização matemática referente aos quadriláteros apresentada nos itens do questionário.
Utilizar a praxeologia matemática para analisar tais questões proporcionou colocar em evidência
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A organização matemática dos itens de um questionário que aborda características dos quadriláteros
quais as ações que devem ser realizadas para que o estudante de licenciatura possa apresentar uma
resposta para cada questão.
Pegando, por exemplo, a terceira questão, é possível identicar que ela não exige apenas que
o licenciando elabore critérios para classicar as guras existentes, mas que, diante desses critérios,
saiba classicar, construir guras que apresentem as mesmas características e saiba comparar essas
construções com as demais guras do item.
Considerações Finais
Neste trabalho, realizamos a análise da organização matemática dos itens que compõem
um questionário que abordou características dos quadriláteros. Desse modo, utilizamos a Teoria
Antropológica do Didático, proposta por Chevallard (1999). Assim, foi possível vericar quais
aspectos são privilegiados (ou não) do conceito geométrico analisado.
Para a elaboração do instrumento de coleta de dados, houve uma preocupação prévia em
pensar e discutir sobre o objetivo de cada questão, quais as possibilidades de respostas que os
alunos poderiam apresentar para cada item proposto. Mas essa preocupação, sem a utilização dos
princípios da TAD, delimitou o seu foco mais nas possíveis respostas apresentadas por seus estu-
dantes, do que na própria estrutura das questões.
A utilização da Teoria Antropológica do Didático proporcionou evidências para melhor ana-
lisar e detalhar o que se espera que os licenciandos em Matemática mobilizem em cada questão.
Proporcionou uma análise mais especíca do que é solicitado na questão e quais os procedimentos
devem ser realizados, para que seja possível apresentar uma solução para os itens em tela.
Nesse sentido, acreditamos que a utilização da TAD proporciona elementos relevantes para
serem considerados ao realizar uma análise de questões, não somente sobre quadriláteros, mas
também de outros conceitos dentro do campo da Matemática, em especial, da Geometria.
Seja em uma análise prévia de um questionário de alguma pesquisa ou em uma investiga-
ção, para compreender melhor sobre como são apresentadas as questões em livros didáticos, a
Teoria Antropológica do Didático oferece elementos importantes que podem enriquecer a visão
do pesquisador que analisa os dados e dos professores que podem se beneciar com a leitura do
material produzido.
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Marcel Muniz Vilaça, Larisse Vieira de Melo e André Pereira da Costa
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Recebido em: 20 de junho de 2020.
Inserido em: 10 de agosto de 2020.
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