Brasil, um país de todos? As faces da hostilidade em narrativas de estudantes universitários refugiados
Plurais - Revista Multidisciplinar, Salvador, v. 8, n. 00, e023012, 2023. e-ISSN: 2177-5060
DOI: https://doi.org/10.29378/plurais.v8i00.18777 16
Outra coisa também que a gente também não acostumava é a questão de
racismo. É que lá, no meu país, a maioria são negros. Eu sofri no meu país
por causa do dinheiro. Tem pessoas que são mais ricas (...), pessoas que são
mais pobres, como tem aqui no Brasil. Mas, por causa da pele, nunca sofri no
meu país. Infelizmente tive alguns contatos, momentos ruins, a pessoa me
agrediu (...), a gente sofre, mas vi que aqui é comum, faz parte da cultura das
pessoas (Baely, 2021).
Uma outra coisa é o fato de você ser negro aqui. A gente sai de um lugar
onde todo mundo era da mesma cor: o presidente é negro, o ministro é negro,
a professora é negra, a médica que te atende é negra, todo mundo lá tem
quase a mesma cor que tu, um pouco mais clara talvez, mas, vocês são
negros, e sabem que todo mundo é igual. E você chega e a sua cor já se
destaca (...). A sua cor incomoda (...), entras numa loja e te olham mal, vai
num local onde você encontra mais pessoas brancas, e você se sente às vezes
mal, pela tua cor de pele. No início, eu não entendia. Agora, depois que entrei
no curso da área da saúde, começo a aprender muito sobre racismo. Acendeu
uma luz eu mim: “Meu Deus, eu passei por tantos atos racistas e eu não sabia
que era racismo”, porque eu não cresci com isso. Eu nunca fui vítima de
racismo até chegar aqui! E como eu ia saber que a moça estava sendo racista
comigo, porque ela me seguia na loja, me mostrando as coisas mais baratas,
“aqui estão as coisas mais baratas, aqui é para ti”. Ela foi racista comigo,
ela foi! Dá vontade de xingar a pessoa (Zuri, 2021, grifos nossos).
O racismo, como já abordado anteriormente, assume diferentes formas de manifestação,
de acordo com o histórico político e social. No Brasil, devido ao histórico de escravidão e
extermínio de negros e indígenas, para além da definição de estereótipos e preconceitos com a
cor da pele, a naturalização das diferenças raciais se encontra na estrutura das relações sociais
que determina a superioridade de sujeitos lidos como brancos em detrimento de sujeitos lidos
como negros. O racismo, tal como apresentado nos excertos supra, denotam sua expressão em
forma de aversão e ódio a pessoas com características físicas (cor da pele e tipo de cabelo). Isso
se manifesta por meio de discriminação racial direta, como o desprezo a certos sujeitos
determinados pela condição racial, e indireta, como um processo que pode ser marcado por uma
suposta neutralidade, que culmina em desvantagem para as pessoas racializadas.
Almeida indica (2018), ainda, que as manifestações de racismo podem chegar a
diferentes níveis de inferiorização, exclusão e negação da identidade do sujeito negro, até
atingir a violência física, indicando que, no círculo hegemônico da sociedade brasileira,
permanece o racismo estrutural sem precedentes. Nas narrativas acima, a discursivização do
corpo negro se constitui pela diferença em ser negro em seu país de origem, e aqui no Brasil.
Narrativas como a de Baely, que trazem a discriminação associada ao trabalho e/ou
emprego, carregam consigo não apenas o fato de o migrante pedir, mas “roubar” o emprego dos
brasileiros, como fica explícito nos seguintes excertos: