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DOI: https://doi.org/10.29378/plurais.2447-9373.2021.v6.n3.13317
Editorial
Há muitos anos trabalhando e reetindo sobre a potencialidade do uso das tecnologias na
educação, dizíamos que seria necessário, em algum momento, acontecer um tsunamipara que
os velhos hábitos e crenças das escolas e universidades fossem abalados, e novos paradigmas
educativos surgissem. Empenhávamos-nos em um trabalho militante como bem mencionavam
Jacquinot (2007) e Bévort e Belloni (2009) para contribuir na reexão sobre a importância
da educação para as mídias e sobre a importância da formação de prossionais da educação
em diálogo com essa área. Pois bem, a profecia se cumpriu, de maneira trágica, infelizmente.
O trabalho militante não foi suciente para que fossem organizados e integrados programas de
educação para as mídias, desde a educação infantil até a universidade, tampouco para o incentivo
de políticas públicas de fomento. A metáfora do tsunami” não era muito correta, mas, como um
evento cataclísmico, a pandemia nos obrigou, como professores, a recriarmos nossas práticas
pedagógicas, entre medos, ausências, lutas e lágrimas. Que ao menos isso nos inspire daqui em
diante.
Nesse sentido e em um primeiro exercício cabe retomarmos o que se tem produzido
nesse campo, destacando um dos nossos maiores educadores, Paulo Freire. A importância da
relação entre a comunicação e a educação tem sido debatida desde, no mínimo, os anos de 1960
por instituições como a União Europeia e a Organização das Nações Unidas pela Educação
UNESCO (BÉVORT; BELLONI, 2009). Foi também nessa época que a pedagogia freiriana
ganhou destaque por enfatizar a importância da indissociabilidade entre essas duas áreas. Dizia
o autor que: “somente na comunicação tem sentido a vida humana [...] que o pensar do educador
somente ganha autenticidade na autenticidade do pensar dos educandos, mediatizados, ambos,
pela realidade, portanto na intercomunicação” (FREIRE, 2013, p. 79).
Freire armou também, por diversas vezes, que uma das coisas mais terríveis para um
ser humano é não pertencer ao seu tempo, ser um exilado da temporalidade. O compromisso
com o tempo exige que, como educadores, estejamos disponíveis para encararmos novidades,
examiná-las e permitirmos que nos afetem. Freire incluiu a televisão e as mídias em suas reexões,
colocando a questão da comunicação e das exigências que a própria tecnologia nos apresenta
no sentido de, como educadores, darmos respostas variadas e adequadas a desaos inesperados.
Em 2011, vinte e quatro anos após sua morte, foi lançado o livro Educar com a mídia: novos
diálogos sobre educação – fruto de registros organizados por Sérgio Guimarães no diálogo
com Freire e alguns interlocutores. Nele acentuam-se as análises da educação para as mídias do
nosso patrono da educação com aquelas mídias mais tradicionais, e as expande para as “novas
mídias” ou já nem tão novas assim, aquelas outras que se organizam na relação com à internet.
Nesse período de distanciamento social, as tecnologias digitais cumpriram, em grande
parte, o papel de manter a comunicação social e a proximidade que nos foi retirada, permitindo
nossos deslocamentos em tempos e espaços sem o risco colocado pela pandemia. Na Educação
particularmente nas universidades foi um momento muito intenso para todos nós que já
trabalhávamos com a Educação a Distância. A necessidade de colocar as instituições inteiramente
em plataformas virtuais, para que o trabalho acadêmico não fosse suspenso, mobilizou as equipes
especializadas para além das atividades às quais elas estavam preparadas, tanto em diversidade
de demandas como em sua extensão.
Não obstante, em especial para os alunos de graduações presenciais uma vez que
os adeptos da modalidade a distância, majoritariamente possuíam artefatos tecnológicos,
Pró-reitorias de Assistência Estudantil mobilizaram-se em ações de Inclusão Digital, com o
objetivo de mitigar os impactos socioeconômicos decorrentes da pandemia na permanência
e no acompanhamento dos alunos. Outra estratégia emergencial de gestão no Ensino Remoto
Emergencial (ERE) se deu pela iniciativa de professores, que convocaram mutirões de doações
de computadores para que tais máquinas fossem destinadas aos estudantes em situação de
vulnerabilidade socioeconômica.
A tão ainda esperada chegada ao nal desse período terrível de pandemia coloca
algumas novas questões para a universidade, e talvez a principal dela tenha sido provocada
por Freire: a de serem instituições de seus tempos. Nesse cenário fazem-se pertinentes diversos
questionamentos: a experiência adquirida com o amplo uso de tecnologias nos processos
pedagógicos irá implicar em uma adesão mais signicativa à elas no futuro próximo? Quais
ganhos, de fato, traria uma educação híbrida, combinando a tradição do ensino presencial com
as inovações do virtual? Como nanciar, organizar e gerir programas integrados de formação
para as mídias que ecoem desde a mais tenra idade uma vez que nossas relações com as mídias
se iniciam desde a primeira infância – visando a desenvolver os conhecimentos, as técnicas e as
atitudes necessárias em uma sociedade altamente tecnologizada? Como superar um neotecnismo
digital que parece emergir, em prol de um ensino com, para e através das mídias, enfatizando,
além do uso instrumental, os usos críticos e criativos desses meios? Como respeitar os contextos
socioculturais não homogêneos no cenário das tecnologias digitais?
Vejamos algumas das características das tecnologias que indicam sua potencialidade para
a construção do conhecimento nos processos educacionais. Primeiramente, a convergência de
linguagens e mídias que ela propicia, no mundo das telas. Ao toque de um clique temos acesso a
textos, lmes, fotograas, apresentações power point, buscas, pesquisas. Todos como recursos que
permitem o acesso à informação, para além do que pode ser transmitido, de maneira tradicional,
pelo professor em sala de aula, em uma relação do ensino formal com o informal. A interatividade,
no sentido de comunicação homem-máquina, e a interação, entre sujeitos, são outras das marcas
das tecnologias digitais. Elas permitem a comunicação em várias vias, em diversos sentidos e,
no campo da Educação, bem como a construção de ambientes onde professores e alunos podem
interagir não somente entre si, mas também com os materiais propostos, em momentos síncronos
ou assíncronos, como foi experienciado durante o período pandêmico.
Todavia, não é importante que seja fomentado um neotecnicismo que alimentaria
identidades pedagógicas relacionadas a velha razão instrumental, que negligência e abandona os
vulneráveis. Não olhar para esses fenômenos, ou seja, não problematizá-los e mediá-los, signica
declinar ante a exclusão e as homogeneidades que precedem o contexto de uso parece majoritário
das TDIC no contexto pandêmico, em especial em universidades e escolas mercantilistas. Esse tipo
de promoção das relações com as tecnologias digitais contradiz valores educativos fundamentais
como inclusão e diferença, favorece uma história tecnológica fundamentalmente dos dominantes,
além disso, nos impede de enxergar o potencial tecnológico que vai além da mera funcionalidade e
utilidade. Um dos grandes desaos dessa, potencial, “virada tecnológica pós-pandemia, na linha
do que escreve Yuk Hui (2020), nos parece ser o de perceber a necessidade do desenvolvimento
e da manutenção da tecnodiversidade e/ou da conciliação entre a tecnologia, crítica e diferenças
na formação das nossas identidades pedagógicas docentes. Se, por um lado, supostamente as
novas gerações já estão profundamente imersas nesses novos modos de aprender, fora das salas
de aula, por outro, generalizar esse entendimento diante uma sociedade altamente desigual é
negligenciar vidas. Nem um a menos!
Os desaos que se impõem a partir de agora se referem ao desejo, à intenção e às
capacidades das Instituições de Ensino Superior de se adaptarem aos novos tempos. Isso signica
que, além das políticas públicas de fomento, dependentes das conjunturas governamentais, sem
as quais nada é possível, há necessidade de políticas institucionais de estímulo e apoio ao uso
de tecnologias nos processos de ensino e aprendizagem nas universidades. Se formos caminhar
para a Educação Híbrida, abordagem pedagógica que combina atividades presenciais e atividades
mediadas por tecnologias digitais, devemos ter claro que essas práticas são condicionadas por
estratégias institucionais, que envolvem a disponibilização de condições adequadas e sucientes
de infraestrutura, com equipamentos e redes ecientes, de maneira a garantir processos de
qualidade de construção de Ambientes Virtuais de Aprendizagem e o acesso dos alunos a eles.
A realização desse trabalho exige conhecimento e habilidade de equipes, bem como maior
tempo de preparação de aulas e cursos, o que implica na demanda de estratégias institucionais
de formação permanente de docentes e técnicos administrativos, bem como a discussão de como
integrar o trabalho virtual à carga horária dos professores, inicialmente designados e habituados
às atividades presenciais.
Se bem elaboradas e administradas, essas condições, juntamente com outros fatores
do contexto institucional, podem inuenciar percepções, culturas e o nível de maturidade da
prática da Educação Híbrida nas universidades. Nesse âmbito, e de caráter fundamental para
o sucesso das novas práticas, situa-se a necessidade de mudança de paradigma metodológico,
com o deslocamento do ensino transmissivo, centrado no professor, para o aluno como centro
do processo educativo, que a dinamicidade do uso de tecnologias propõe e demanda. Os alunos
terão a oportunidade de estudar os materiais em espaços que não são a sala de aula, e a sala de
aula passará a ser local de discussões, problematizações, apresentação de diculdades, trocas de
experiências e entendimentos múltiplos, tendo o professor e os alunos como sujeitos colaborativos
do conhecimento. Essa estratégia contribui para que o estudante construa e desenvolva autonomia
e em espaços não formais de ensino também consiga aprender, vindo, consequentemente, a fazer
análises críticas sempre que necessário. Isso não signica que existirá um desaparecimento das
instituições de ensino e do professor, signica apenas a continuidade da busca pela “maioridade”
dos sujeitos em um sentido losóco menos pretensioso, mais pragmático e mais cotidiano,
estando a “escola” e o professor como potencializadores desse processo.
A relação com a aprendizagem em uma sociedade altamente tecnologizada, portanto,
precisa ser descentralizada da sala de aula e do professor, por mais que a ideia não seja abrimos
mão desses. Isso contribuirá para uma outra compreensão, por parte dos alunos, das relações,
que são e podem ser estabelecidas com a internet e por meio da internet. Se novos modos
de aprender possíveis, viabilizados pelas tecnologias digitais, novos modos de ensinar o ne-
cessários. Eles devem, portanto, trazer a expansão da educação superior para além das salas de aula
presenciais, inclusive em futuros campos virtuais, como lugares democráticos, desterritorializados
e ricos, de encontro e de construção de conhecimento. Essa perspectiva se apresenta como um
enorme desao para a gestão universitária, que é o lugar a partir do qual devem ser produzidas
as condições para essa nova educação.
Este número da Revista Plurais vem para ajudar nessa discussão, no momento em que
o assunto é extremamente oportuno e urgente. Muitos pesquisadores estão voltados para essas
questões, apontando para o fato de que o caminho é, pelo menos em parte, sem volta. O tsunami
veio, e pouca coisa deve permanecer como estava. Cabe-nos, então, reconstruir, incorporando
aos processos educativos o que aprendemos nesses tempos difíceis.
Eliane Medeiros Borges
https://orcid.org/0000-0003-0703-3991
Doutora em Educação (UNICAMP)
Professora Titular da Faculdade de Educação (UFJF)
Coordenadora Adjunta da Universidade Aberta do Brasil (UAB)
Brasil. E-mail: mborges.eliane@gmail.com
Galdino Rodrigues de Sousa
https://orcid.org/0000-0002-1097-738X
Professor Titular da Faculdade de Educação (UFJF)
Brasil. E-mail: galdinorodrigues@yahoo.com.br
Referências
BÉVORT, Evelyne; BELLONI, Maria Luiza. Mídia-educação: conceitos, história e
perspectivas. Revista Educação e Sociedade, Campinas, v. 30, n. 109, p. 1081, 2009.
FREIRE, Paulo. Educar com a mídia. [recurso eletrônico]. 1 ed. São Paulo: Paz e Terra,
2021.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. [recurso eletrônico]. 1 ed. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 2013.
HUI, Yuk. Tecnodiversidade. São Paulo: Ubu, 2020.
JACQUINOT, G. De Grünwald à Paris: pour quoi l’éducation aux médias? In: UNESCO.
L’education aux médias: actes, synthèse et recommendations do Encontro Internacional de
Paris. Paris, 2007.