Emprego e trabalho: um estudo com egressos de um colégio técnico na transição entre o curso de
educação prossional e tecnológica e o mundo do trabalho
Plurais Revista Multidisciplinar, v.6, n.3, p. 135-153, set./dez. 2021 | 135
DOI: https://doi.org/10.29378/plurais.2447-9373.2021.v6.n3.12861
EMPREGO E TRABALHO: um estudo com egressos de
um colégio técnico na transição entre o curso de educação
prossional e tecnológica e o mundo do trabalho
Cláudio Rodrigues do Nascimento 1
Colégio Técnico Industrial de Santa Maria
http://orcid.org/0000-0002-1167-5033
Liliana Soares Ferreira 2
Universidade Federal de Santa Maria
http://orcid.org/0000-0002-9717-1476
RESUMO:
Objetivou-se a análise do movimento e da inserção dos estudantes que realizaram os Cursos Técnicos
em Eletrotécnica, Eletromecânica, Mecânica e Segurança do Trabalho, na Modalidade Subsequente
(Turmas entre os períodos 2005-2012) em colégio técnico vinculado a uma universidade federal. Des-
creve-se a dinâmica e consequente transição ocorrida no espaço e tempo decorridos entre a Escola e a
Empresa. O recorte de tempo da pesquisa equivale ao período de governo dos presidentes Luís Inácio
Lula da Silva e Dilma Rousseff (2003-2014), que, no campo da política brasileira, apresentou indícios
de uma possível diferenciação ao projeto neoliberal, como projeto societário no âmbito do embate polí-
tico, social e ideológico. Partiu-se da proposição que a possibilidade da realização de um curso técnico
pode inuenciar decisivamente na conguração das fronteiras de convivência dos sujeitos, determinan-
do as suas reais condições de vida e enfrentamento do mundo do trabalho, emprego e empregabilidade.
Nessa perspectiva, a pesquisa teve como aporte teórico/metodológico a análise dialética, compreendida
como possibilidade crítica de análise dos fenômenos. Foram realizadas entrevistas semiestruturadas
com quarenta e quatro estudantes. A análise dos dados foi produzida em consonância com a dialética.
Como resultado, conrmou-se a proposição inicial, pois 86% (38) dos sujeitos entrevistados atualmente
trabalham na sua área de formação técnica; 82% (36) do coletivo evidenciou o aumento da renda após
a conclusão do Curso Técnico e o grau de satisfação com a área de formação técnica escolhida atingiu
um índice total de 98% (43); revelou ainda que 93%, isto é, 40 de 44 entrevistados conrmam a impor-
tância da Educação Prossional para o seu ingresso e permanência no mundo do trabalho. Destacam-se
as diferenças entre as classes sociais historicamente constituídas e contraditórias. Em decorrência,
a conituosa trajetória de pertença ao mundo do trabalho, reconhecendo-se, então, o movimento dos
trabalhadores, que se implica em um choque de realidade.
Palavras-chave: Trabalho. Educação Prossional e Tecnológica. Emprego.
EMPLOYMENT AND WORK: a study with graduates of a technical college
in the transition between the Professional and Technological Education
course and the world of work.
ABSTRACT:
Aimed to analyze the movement and insertion of students who took the Technical Courses in Electro-
technics, Electromechanics, Mechanics and Work Safety, in the Subsequent Mode (Classes between
the periods 2005-2012) in a technical college linked to a university, is systematized. federal. The dy-
1 Doutor em Educação (UFSM). Professor do Colégio Técnico Industrial (CTISM/UFSM). Brasil. E-mail:
crnmedser@gmail.com.
2 Doutora em Educação (UFSM). Professora do Programa de Pós-graduação em Educação e do Mestrado
em Educação Prossional da (UFSM). Brasil. E-mail: anaililferreira@yahoo.com.br.
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namics and consequent transition that took place in the space and time elapsed between the School and
the Company is described. The time frame of the research is equivalent to the period of government of
presidents Luís Inácio Lula da Silva and Dilma Rousseff (2003-2014), who, in the eld of Brazilian
politics, presented evidence of a possible differentiation to the neoliberal project, as a societal project in
the scope of the political, social and ideological clash. It started from the proposition that the possibility
of taking a technical course can decisively inuence the conguration of the boundaries of coexistence
of subjects, determining their real living conditions and facing the world of work, employment and
employability. From this perspective, the research had as its theoretical/methodological contribution the
dialectical analysis, understood as a critical possibility of analyzing the phenomena. Semi-structured
interviews were carried out with forty-four students. Data analysis was produced in line with the dialec-
tic. As a result, the initial proposition was conrmed, as 86% (38) of the interviewed subjects currently
work in their area of technical training; 82% (36) of the collective showed an increase in income after
completing the Technical Course and the degree of satisfaction with the chosen area of technical training
reached a total rate of 98% (43); It also revealed that 93%, that is, 40 out of 44 respondents conrm the
importance of Professional Education for their entry and permanence in the world of work. The differ-
ences between the historically constituted and contradictory social classes are highlighted, and the con-
icting trajectory of belonging to the world of work is followed, thus recognizing the labor movement
and workers, causing yet another reality shock.
Keywords: Work. Professional and Technological Education. Job.
EMPLEO Y TRABAJO: estudio con egresados de una escuela técnica en la
transición entre la carrera de Educación Profesional y Tecnológica y el mun-
do laboral.
RESUMEN:
El objetivo fue analizar el movimiento e inserción de estudiantes que cursaron los Cursos Técnicos
en Electrotécnica, Electromecánica, Mecánica y Seguridad en el Trabajo, en la Modalidad Posterior
(Clases entre los períodos 2005-2012) en un colegio técnico vinculado a una universidad federal. Se
describe la dinámica y consecuente transición que tuvo lugar en el espacio y tiempo transcurrido entre
la Escuela y la Compañía. El marco temporal de la investigación es equivalente al período de gobierno
de los presidentes Luís Inácio Lula da Silva y Dilma Rousseff (2003-2014), quienes, en el campo de
la política brasileña, presentaron evidencia de una posible diferenciación al proyecto neoliberal, como
un proyecto de sociedad en el ámbito del choque político, social e ideológico. Partió de la proposición
de que la posibilidad de realizar un curso técnico puede inuir de manera decisiva en la conguración
de los límites de convivencia de los sujetos, determinando sus condiciones reales de vida y de cara al
mundo del trabajo, el empleo y la empleabilidad. Desde esta perspectiva, la investigación tuvo como
aporte teórico / metodológico el análisis dialéctico, entendido como una posibilidad crítica de análisis
de los fenómenos. Se realizaron entrevistas semiestructuradas a cuarenta y cuatro estudiantes. El análisis
de datos se produjo en consonancia con la dialéctica. Como resultado, se conrmó la propuesta inicial,
ya que el 86% (38) de los sujetos entrevistados trabajan actualmente en su área de formación técnica;
El 82% (36) del colectivo mostró un incremento en los ingresos luego de completar el Curso Técnico
y el grado de satisfacción con el área de formación técnica elegida alcanzó una tasa total del 98% (43);
También reveló que el 93%, es decir, 40 de los 44 encuestados conrman la importancia de la Educaci-
ón Profesional para su ingreso y permanencia en el mundo laboral. Se resaltan las diferencias entre las
clases sociales históricamente constituidas y las contradictorias, y se sigue la trayectoria conictiva de
pertenencia al mundo del trabajo, reconociendo así al movimiento obrero y a los trabajadores, provo-
cando un nuevo choque de realidad.
Palabras clave: Trabajo. Educación Profesional y Tecnológica. Trabajo.
Emprego e trabalho: um estudo com egressos de um colégio técnico na transição entre o curso de
educação prossional e tecnológica e o mundo do trabalho
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Introdução
Nesse artigo é sistematizado estudo sobre os movimentos na inserção dos estudantes
que realizaram os Cursos Técnicos em Eletrotécnica, Eletromecânica, Mecânica e Segurança
do Trabalho, na Modalidade Subsequente (turmas entre os períodos 2005-2012), em um colégio
técnico vinculado uma universidade federal.
Procura-se estabelecer e entender, em um recorte contextualizado no período entre os
anos de 2005 e 2012, correspondente a um determinado momento na Educação Prossional,
representado por propostas e programas gestados durante o governo do ex-Presidente da Re-
pública, Luís Inácio Lula da Silva (Lula), 2003-2006, reeleito para o período 2007-2010, e da
Presidente Dilma Rousseff, 2011-2014. Nesse intervalo de tempo, os documentos e as orientações
da SETEC/MEC (Secretaria de Educação Tecnológica do Ministério da Educação) sugerem que
ocorreu uma mudança de rumos na Educação Prossional e Tecnológica no País.
Nesse contexto, objetivou-se observar a possibilidade real de trabalho e emprego dos
estudantes, sob a ótica dos resultados, considerando as mudanças vericadas no Ensino Técnico
Prossional, no contexto da educação brasileira, e as experiências registradas no Departamen-
to de Relações Empresariais e Comunitárias – DREC/CTISM, mediante as condições locais,
regionais e globais.
Assim, o presente artigo é fundamentado em obras de autores3 que abordam os movi-
mentos da Educação Prossional e Tecnológica (EPT), a partir de cursos técnicos subsequentes4,
analisando o trabalho na dimensão espaço e tempo imerso no mundo do trabalho, em meio à
complexidade das relações sociais, políticas, ideológicas, losócas e econômicas que se esta-
belecem nas fronteiras da convivência5 dos sujeitos no atual estágio da sociedade capitalista.
Parte-se do entendimento de que a EPT, como política educacional, tem por suposto a
relação indissociável entre educação e trabalho (FERREIRA, 2020). Busca-se aporte em Saviani
(2007), quando correlaciona educação e trabalho, como temas fundantes na dimensão humana.
3 Kuenzer (2007; 2016); Frigotto (1985; 2004); Ferreira (2020); entre outros.
4 A forma de oferta subsequente da Educação Prossional Técnica de Nível Médio é voltada para estu-
dantes que concluíram o ensino médio. Nela, os estudantes acessam à habilitação prossional, com um mínimo
de 800h, 1.000h ou 1.200h, dependendo do curso, além do estágio prossional, quando obrigatório (BRASIL, Lei
11.741/2008).
5 Fronteiras da convivência são aqui entendidas como crenças, valores, atitudes, formas socioculturais e
relações próprias dos e entre os grupos (e os sujeitos) com os quais se passa a coexistir e produzir a existência
social. Nesse espaço, extremamente denso, envolvente e nebuloso, interligam-se trabalho, educação, interesses
do Estado e dos sujeitos, inexões políticas, desassossegos sociais, imposições econômicas, posições losócas e
ideológicas, em uma extensa teia de pressupostos humanos que circundam histórica, cultural e socialmente essas
fronteiras (NASCIMENTO, 2018).
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Nesse sentido, o ato histórico de produção do ser humano, que interage, produz trabalho e, con-
sequentemente, sua historicidade. Coexiste um duplo sentido imbricado nessa relação histórica.
Discorre o autor que
[...] trabalho e educação são atividades especicamente humanas, isto é, ape-
nas o ser humano trabalha e educa. A essência do homem é um feito humano e
o que o homem é, é-o pelo trabalho, o mesmo trabalho que é um processo his-
tórico (se desenvolve se aprofunda e se complexica ao longo do tempo). O
homem não nasce homem, ele precisa aprender a produzir a sua própria exis-
tência e a produção do homem é, ao mesmo tempo, a formação do homem,
isto é, um processo educativo. Então a origem da educação coincide com a
origem do homem. Assim, no ponto de partida, a relação entre o trabalho e a
educação é uma relação de identidade. Os homens aprendiam a produzir a sua
existência no próprio ato de produzi-la; eles aprendiam a trabalhar trabalhan-
do e lidando com a natureza, relacionando-se uns com os outros, os homens
educavam-se e educavam as novas gerações. (SAVIANI, 2007, p.154).
O recorte de tempo deste artigo se refere ao período de governo dos presidentes Luís Iná-
cio Lula da Silva e Dilma Rousseff (2003-2014). Partiu-se do suposto que, no campo da política
brasileira, este período histórico apresentou indícios de uma possível diferenciação ao projeto
neoliberal, como projeto societário no âmbito do embate político, social e ideológico no Brasil.
Através da eleição presidencial, em outubro de 2002, foi destinado o poder ao partido
político que, até então, por sua construção e constituição histórica, compreendeu e levantou lutas
políticas e causas sociais consideradas de esquerda. O Partido dos Trabalhadores (PT), ao assumir
a Presidência da República, deveria se contrapor aos ditames do neoliberalismo, à cartilha da
acumulação do capital e imprimir ações políticas e sociais no seio da governança, que buscassem
e promovessem um equilíbrio social gradativo, uma maior distribuição de oportunidades e renda,
e adentrasse em uma etapa histórica propagada como “nunca antes vista na história desse país”.
Este estudo objetivou acompanhar a dinâmica e a transição dos estudantes, no espaço e
tempo decorridos entre a conclusão do período escolar e a sua inserção no mundo do trabalho
(as fronteiras de convivências). Partiu-se da proposição de que a possibilidade da realização de
um curso técnico pode inuenciar (decisivamente) na conguração das fronteiras de convivência
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dos sujeitos, determinando as suas condições de vida e o enfrentamento do mundo/mercado6 do
trabalho, o emprego e a empregabilidade7.
A pesquisa teve como aporte teórico e metodológico a análise dialética8, compreendida
como possibilidade crítica e análise dos fenômenos. Como procedimento, realizaram-se entre-
vistas semiestruturadas com quarenta e quatro estudantes, durante o ano de 2018. Para análise
e sistematização dos dados produzidos, foram aplicados princípios em consonância com a
compreensão dialética. Assim, se considerou passíveis de serem entrevistados (recorte) aqueles
sujeitos que, ao longo dos oito anos, entre 2005 e 2012, durante o período dos governos Lula e
Dilma, realizaram e concluíram cursos técnicos produzidos projetos pedagógicos, construídos
em sintonia com políticas públicas e propostas ociais determinadas pelo governo federal, dentro
das possibilidades de pessoal, infraestrutura física e condições especícas ofertadas pela Escola
Técnica.
A seguir, apresentam-se seções organizadas em torno da questão central da pesquisa: o
percurso dos estudantes da EPT na direção do emprego/trabalho.
Educação Prossional: “passe” para o “mercado de trabalho”?
A lógica do “mercado” e da necessidade empresarial de obter o máximo de lucrativida-
de, através (também) da extração do trabalho de um contingente de “mão de obra qualicada”,
expõe algumas incoerências e revela as reais intenções do capitalismo. Ocorrem interferências
de parâmetros sociais, políticos, losócos e econômicos, na educação e no trabalho, que per-
meiam e se entrelaçam nas fronteiras sociais do coletivo e de cada sujeito. A maioria delas,
6 Frigotto (2004, p. 182) expõe que o conceito de “mercado ou mercado de trabalho” é altamente banali-
zado pela ideologia do liberalismo econômico. É frequente ouvir ou ler na imprensa que o “mercado está nervoso,
tenso ou deprimido”. O mercado é personicado. Esconde-se que o mercado de trabalho resulta de relações so-
ciais, relações de força e de poder vinculados a interesses de grupos e frações das classes sociais. Por essa razão,
escolhe-se a expressão “mundo do trabalho”, por sua abrangência e superação desse sentido ideologizado de
“mercado de trabalho” (FERREIRA, 2020).
7 Conforme Moraes (1998, p. 171) “a empregabilidade é um conceito mais rico do que a simples busca
ou mesmo a certeza de emprego. Ela é o conjunto de competências que você comprovadamente possui ou pode
desenvolver dentro ou fora da empresa. É a condição de se sentir vivo, capaz, produtivo. Ela diz respeito a você
como indivíduo, e não mais a situação, boa ou ruim, da empresa ou do país. É o oposto do antigo sonho da relação
vitalícia com a empresa. Hoje a única relação vitalícia deve ser com o conteúdo do que você sabe e pode fazer. O
melhor que uma empresa pode propor é o seguinte: vamos fazer este trabalho juntos e que ele seja bom para os
dois enquanto dure; o rompimento pode se dar por motivos alheios à nossa vontade. [Empregabilidade] é como a
segurança agora se chama”.
8 “Refere-se à expressão análise dialética, revelando acreditar que engloba o método e o pensamento
dialético. Com tal opção pela análise dialética, intenciona-se entender os movimentos entre o geral e o particular,
entre causas e efeitos, destacando considerações e sistematizações relativas à problematização elaborada e, sobre
ela, apresentando alternativas e possibilidades” (FERREIRA, 2018, p. 593).
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concomitantemente e em sinergia, inuenciam nas decisões individuais, marcando e delimitando
diretamente as correlações entre escola e trabalho, produzindo distensões justamente em um
momento crucial na vida, que é o da transição dos sujeitos da escola para o mundo do trabalho.
Da utopia, nacionalismo ou ufanismo, à realidade vivenciada no Brasil, resguardada toda
a carga e herança secular perpetuadas pela burguesia e pelas elites dominantes, visualiza Sader
(2013) que, provavelmente, o Brasil não tenha mudado para melhor desde a redemocratização
do país. Conforme este autor, FHC9 deixou como herança
[...] a década que teve um m em 2002 [a qual] combinou várias formas de
retrocesso. Entre elas, a prioridade do ajuste scal, as correspondentes quebra
da economia e as cartas de intenção do FMI, que desembocaram na profunda
e prolongadas recessão que os governos Lula herdou. Na estrutura social, o
desemprego, a precarização das relações de trabalho, a exclusão social e o
aumento da desigualdade deram a tônica. Já a política foi reduzida a comple-
mento da ditadura da economia, assim como o Estado foi reduzido a Estado
mínimo, com a centralidade do mercado. No plano internacional, viu-se a su-
bordinação absoluta aos desígnios da política externa dos Estados Unidos.
Na cultura o Estado renunciou ao seu fomento e promoveu a mercantilização
(SADER, 2013).
Quanto ao período de governo seguinte, o Brasil é o único país que conseguiu diminuir
consideravelmente a desigualdade de renda, saindo de um Índice de Gini10 de 0,61, em 1990,
para 0,54, em 2009 – o menor índice de sua história. Nesse contexto, a Educação Prossional e
Tecnológica possibilitou mudanças, principalmente, a partir do segundo mandato do Presidente
Lula. As instituições estiveram propensas a políticas públicas delineadas pelo Ministério de
Educação, ora divulgadas pela Secretaria de Educação Superior (SESU), ora repassadas pela
Secretaria de Ensino Prossional e Tecnológico (SETEC/MEC).
9 Fernando Henrique Cardoso (FHC) foi Presidente do Brasil, em dois mandatos consecutivos, entre 1995
e 1999, e 1999 e 2003, Luiz Inácio Lula da Silva (Lula) foi também presidente eleito para dois mandatos consecu-
tivos, entre 2003 e 2007 e 2007 e 2011. Disponível em http://www.biblioteca.presidencia.gov.br/pagina-inicial-3,
acesso em 08 de mai. 2020.
10 “O Índice de Gini, criado pelo matemático italiano Conrado Gini, é um instrumento para medir o grau
de concentração de renda em determinado grupo. Ele aponta a diferença entre os rendimentos dos mais pobres e
dos mais ricos. Numericamente, varia de zero a um (alguns apresentam de zero a cem). O valor zero representa a
situação de igualdade, ou seja, todos têm a mesma renda. O valor um (ou cem) está no extremo oposto, isto é, uma
só pessoa detém toda a riqueza. Na prática, o Índice de Gini costuma comparar os 20% mais pobres com os 20%
mais ricos. No Relatório de Desenvolvimento Humano 2004, elaborado pelo Pnud, o Brasil aparece com Índice de
0,591, e de acordo com a Relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)
o Brasil mostrou sinais promissores de redução das desigualdades sociais, apontando um índice 0,56 em estudo a
partir do ano 2000”. Disponível em: http://desaos.ipea.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id
=2048:catid=28&Itemid=23 e http://www.brasil.gov.br/cidadania-e-justica/2015/05/relatorio-aponta-reducao-da-
-desigualdade-de-renda-no-brasil. Acesso em 05 mai 2020.
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Algumas inquietações e questionamentos impactam sobremaneira os sujeitos e es-
tudantes imersos nas fronteiras da convivência social e demográca no entorno das Escolas
Técnicas vinculadas às Universidades Federais. Mais do que isto, inuenciam e determinam
as suas condições de existência e produção social e histórica. Neri (2011) explicita que “[...] a
educação prossional pode ser o passaporte para o mercado de trabalho”. Cardoso, ao analisar
a transferência da escola para o trabalho, destaca a inércia da população brasileira, e considera,
sociologicamente, essa fase como
[...] crucial no curso de vida, é especialmente signicativo por denotar os me-
canismos que delimitam, simbólica e praticamente, os espaços sociais onde
se conguram e se negociam as aspirações, projetos, oportunidades de vida e,
sobretudo, as identidades sociais de indivíduos e famílias (CARDOSO, 2010,
p.269).
Eis que surge aqui um espaço envolvente, tenso e nebuloso, pois imbrica a educação e o
trabalho dos e para os sujeitos, interesses difusos do Estado, inexões e desassossegos político-
-sociais, restrições econômicas, posições losócas e ideológicas, em uma gama extensa de
suposições humanas individuais e coletivas que circundam historicamente as fronteiras da con-
vivência social. Essas possibilidades coexistem em um sistema capitalista que é mais neoliberal e
caracteriza-se pelo neodesenvolvimentismo, conspirando contra a classe trabalhadora, o precaria-
do11 e os expropriados; o sistema caminha nas leiras da burguesia, dos grandes conglomerados
econômicos e dos detentores do capital, resguardando os seus interesses e a sua hegemonia.
À Escola, imersa no contexto da Educação Prossional e Tecnológica, foi proposto
cooperar com uma formação técnica rápida, propiciando ao estudante agregar ao máximo as
possibilidades tecnológicas adotadas pelo mundo do trabalho. Desta forma, transformará o es-
tudante em um cidadão cumpridor de horários e metas, tecnicamente habilitado e competente,
executor de ordens e de prioridades. Ao incorporar técnicas de gestão, métodos de produção
(como o Toyota, Kanban, Just in time, por exemplo), de reengenharia e tecnologias de ponta, a
Escola estará somente executando a sua obrigação, proporcionando e garantindo ao futuro tra-
balhador, a capacidade de aceitar os programas para a execução de tarefas. Importa ao mercado
globalizado que o trabalhador pense o trabalho na dimensão da melhoria dos programas e dos
sistemas operacionais, que minimizem o tempo, garantam a qualidade dos produtos ou serviços,
e, portanto, agreguem maiores possibilidades de lucro a empresa.
11 A identicação, análise e classicação dessa “nova” categoria de trabalhadores assalariados, para alguns
chamada de “precariado”, passa por amplo debate no campo intelectual. O aprofundamento sobre esse tema pode
ser obtido em “A política do precariado: do populismo à hegemonia lulista”, de Ruy Braga (2012) e Trabalhadores
Precários: o exemplo emblemático de Portugal, de Alves e Fonseca (2012).
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Dentro desse contexto, Frigotto (1985) preocupa-se com a análise política da relação
existente entre trabalho e educação na sociedade capitalista brasileira e de “[...] como a escola
articula os interesses de classe dos trabalhadores. [...] É preciso pensar a unidade entre o ensino
e o trabalho produtivo, o trabalho como princípio educativo e a escola politécnica” (FRIGOTTO,
1985, p. 178). Do mesmo modo, torna-se importante dialogar com os argumentos de Boito Jr. e
Galvão (2012), quando debatem sobre as classes sociais no Brasil, visto que se entrelaçam nos
pressupostos da educação e trabalho e perpassam a indissociabilidade entre economia, sociedade
e política:
A ciência política contemporânea separa as instituições e o processo político
da sociedade e da economia. É a orientação teórica conhecida como institu-
cionalista... Na nossa perspectiva teórica, a política, a sociedade e a economia
estão indissoluvelmente ligadas. O que procuramos mostrar ... é que o proces-
so político é uma dimensão do conito distributivo que opõe classes e frações
de classes presentes na sociedade brasileira” (BOITO JÚNIOR; 2013, p. 580).
Justamente nas bordas ou fronteiras da convivência sociais (de interesse direto dos es-
tudantes, egressos e trabalhadores), a partir desta ou aquela posição política, econômica, social
e ideológica, é que se propicia e decorre toda a entropia social, determinante do modo de vida
dos sujeitos, de seus subconjuntos ou coletivos.
Análise dos dados: a leitura das relações trabalho/emprego com base no estudo
realizado
Pelos dados e informações históricas disponíveis no Departamento de Relações Empre-
sariais e Comunitárias da Escola Técnica (locus do estudo), a maioria dos sujeitos integrantes
da pesquisa necessita ingressar, o mais rápido possível, no mercado/mundo do trabalho, a m
de garantir a sua independência econômica e nanceira e/ou auxiliar na subsistência familiar,
agregando renda à família ou, ainda, possibilitando o início da sua existência como sujeito in-
dependente e provedor de seu destino.
O perl dos sujeitos participantes da pesquisa foi denido como jovens e adultos, entre
18 e 30 anos, de família economicamente considerada de renda baixa ou média baixa (classes
tipicadas economicamente como C, D ou E) e, aqui, cabe diferenciar as chamadas classes
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econômicas12 de classes sociais13. Neste sentido, o estudo proposto pela Comissão da Secretaria
de Assunto Estratégicos vinculada à Presidência da República (SAE/PR) do Brasil, realizado
no atual estágio das classes sociais do ponto de vista do interesse econômico, difere muito dos
conceitos assumidos na luta entre o capital e o trabalho, enquanto representadas historicamente
por classes sociais antagônicas que se confrontam nos desajustes e na entropia proporcionada
dinamicamente pelo capitalismo, através de suas várias facetas, nuances e metabolismos cama-
leônicos.
Propõe-se pensar a teorização como um processo de mera proposição sobre a práxis14,
sem condições de transformá-la. Uma teoria pode se enfraquecer com a acumulação de dados
empíricos ou com apenas a organização de dados. Assim, recorre-se à dialética, entendida como
uma visão teórica, dinâmica e investigativa sobre o fenômeno educacional. Importante desta-
car que uma teoria não é, nesse entendimento, uma “verdade” elaborada. Urge fecundar novas
e renovadas teorias “[...] de diferentes níveis de complexidade e extensão, e propondo novos
argumentos que enfocam, a partir de outra perspectiva, a realidade que se pretende explicar e,
eventualmente, transformar” (BORON, 2006, p. 37). É necessário, então, um “marxismo racional
e aberto” (BORON, 2006, p. 37).
Cabe alertar, entretanto, com este autor, que somente o marxismo não garante a superação
de perspectivas teóricas conservadoras nas ciências sociais (e nas ciências humanas também).
Porém, sem o marxismo também não seria possível (BORON, 2006, p. 37). No decorrer da
pesquisa, com uma opção teórica crítica, levou-se em consideração os argumentos de Triviños,
que enfatizou: “no enfoque marxista, diferentes tipos de teoria podem orientar atividade do
investigar […] todas elas, porém, serão baseadas na pesquisa social, no materialismo histórico”
(2008, p.74). Löwy explicita, do mesmo modo, que para a dialética “[...] não existe nada eterno,
nada xo, nada absoluto” (LÖWY, 1989, p.14), pois, ¨[...] a percepção da realidade social como
12 Segundo uma proposta de uma Comissão da Secretaria de Assunto Estratégicos vinculada à Presidência
da República (SAE/PR) do Brasil, foi assumido “[...] o desao de propor uma denição única capaz de mostrar
a evolução da classe média e os movimentos de ascensão e queda de renda da população brasileira ao longo do
tempo. Todos falam sobre expansão da classe média, classe C ou classe emergente, mas existem muitas maneiras
de se denir e medir a classe média, sendo que cada denição apresenta um recorte distinto” (OCDE, Banco Mun-
dial, Goldman Sachs, FGV, CNI, Critério Brasil, etc.). Disponível em http://www.sae.gov.br/vozesdaclassemedia/
wp-content/uploads/Perguntas-e-Respostas-sobre-a-Deni%C3%A7%C3%A3o-da-Classe-M%C3%A9dia.pdf.
Acesso em 17 abr. 2020.
13 [...] A história de toda a sociedade até nossos dias é a história da luta de classes. Homem livre e escravo,
patrício e plebeu, senhor e servo, mestre e ocial, em suma, opressores e oprimidos, sempre estiveram em cons-
tante oposição; empenhados numa luta sem trégua, ora velada, ora aberta, luta que a cada etapa conduziu a uma
transformação revolucionária de toda a sociedade ou ao aniquilamento das duas classes em confronto.” (Marx &
Engels, Manifesto do Partido Comunista, 2012, p.23-24).
14 Entende-se práxis como a interrelação entre teoria e prática, de modo humano, oriunda da relação entre
ser humano e natureza, sem indissociação, aliando o pensar e o fazer (VÁZQUEZ, 2011).
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um todo orgânico, estruturado, no qual não se pode entender um elemento, um aspecto, uma
dimensão, sem perder a sua relação com o conjunto” (LÖWY, 1989, p.16).
Destaca-se também que se parte do pressuposto que conhecimento é uma produção social,
realizada em ambientes de linguagem; nestes ambientes, os sujeitos produzem linguagem para
expressar saberes, os quais, através do diálogo, se estruturam, se transmutam por aproximações,
se distendem, se reagrupam, enm, são ressignicados, em meio à produção do conhecimento
(FERREIRA, 2017). Em especial, no campo da pesquisa em educação, a elaboração, a com-
preensão e a apreensão desse signicado, isolando-o, dependem, obviamente, de certo grau de
subjetividade, que faz o sujeito perceber esse e não aquele signicado. Todos esses aspectos
que caracterizam a produção do conhecimento e, nela, os processos de interpretação estão
pressupostos na realização de uma pesquisa (FERREIRA, 2017). Ao ler e reler os dados, vão se
revelando para os pesquisadores os sentidos relativos às categorias. Esses sentidos são entendidos
como resultantes da produção cognitiva e capazes de reetirem o estágio do conhecer em que
se encontram os sujeitos no contexto analisado (FERREIRA, 2017; 2020).
Portanto, a pesquisa fundamentou-se nas relações entre a Educação Prossional e Tec-
nológica, neste caso, a partir de cursos técnicos subsequentes noturnos, imbricando o mundo do
trabalho, e as fronteiras da convivência dos sujeitos, coadunando esses pontos à complexidade
das relações socioeconômicas, que se estabelecem na sociedade contemporânea, no tempo e
espaço de transferência da escola para o trabalho,
[...] momento crucial no curso de vida, que é especialmente signicativo por
denotar os mecanismos que delimitam, simbólica e praticamente, os espaços
sociais onde se conguram e se negociam as aspirações, projetos, oportuni-
dades de vida e, sobretudo, as identidades sociais de indivíduos e famílias
(CARDOSO, 2010, p. 269).
A análise das entrevistas, que foram cedidas por meio de um questionário, aconteceu a
partir de três etapas básicas no processo de investigação: 1º) pré-análise; 2º) (re)leitura sistemática
do material; e 3º) análise e interpretação dos trechos destacados nas entrevistas na segunda fase.
Do ponto de vista das características dos sujeitos que participaram da entrevista, pelas
respostas e discursos, uma acentuada necessidade e perspectivas quase imediatas de, ao nal
do curso realizado, adentrar no mundo do trabalho, inseridos na dinâmica de possibilidades
viabilizadas pelo Departamento de Relações Empresariais e Comunitárias da Escola Técnica
onde estudaram.
O grau de satisfação desses egressos pode ser considerado alto, comprovado pelo índice
de 86% (38) do total que, atualmente, trabalha na sua área de formação, sendo que 61% infor-
Emprego e trabalho: um estudo com egressos de um colégio técnico na transição entre o curso de
educação prossional e tecnológica e o mundo do trabalho
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mou que trabalha totalmente inserido na sua área de formação. Conrmou-se esta porcentagem
quando, em outra pergunta, indagou-se qual a relação entre o seu trabalho atual e à sua formação
técnica e 67% (29) responderam que estão trabalhando totalmente relacionados à área prossional
do curso técnico, enquanto 26% (11) responderam estar em um trabalho relativamente relacio-
nado à área do seu curso técnico. Este percentual totaliza 93% (40 sujeitos) e dimensiona que a
maioria dos egressos se encontra imerso no mundo do trabalho em uma atividade correlacionada
prossionalmente à sua área de formação técnica.
Considerando-se que 82% (36) dos sujeitos entrevistados evidenciaram o aumento da
renda após a conclusão do Curso Técnico; que 45% destacaram o ingresso em outro trabalho/
emprego, considerado melhor do que o anterior e que 10% permaneceram no mesmo trabalho/
emprego, mas com acréscimo de salário, se poderia partir da hipótese de que a maioria dos en-
trevistados estivesse satisfeita com o curso realizado e a formação técnica. 25% (11) informaram
estar muito satisfeitos, 68% (30) avaliaram como satisfatória a sua atividade prossional na
atualidade, totalizando 93% (41) dos sujeitos entrevistados; quando inquiridos sobre o grau de
satisfação com a área prossional em que realizaram o curso técnico, enquanto 37% (16) res-
ponderam estarem muito satisfeitos, outros 61% (27) informaram estar satisfeitos, perfazendo
um total de 98% (43) de egressos satisfeitos com a sua área de formação.
Quando questionados sobre a perspectiva de trabalhar logo na área técnica em que con-
cluíram o curso, observou-se também que, enquanto 48% (21) dos sujeitos optaram por alta,
32%(14) consideraram muito alta e imediata, e 16% (7) informaram ser média a sua necessidade
de obter trabalho o mais rápido possível (são índices que conrmaram a premência de jovens e
adultos dos cursos técnicos subsequentes noturnos em ingressarem cedo no mundo do trabalho).
Argumenta-se que, se 80% (35 sujeitos) dos entrevistados corroboraram a intenção de
trabalhar imediatamente, destaca-se o que Frigotto (2004, p.195) já havia anunciado que “a
escola para a classe trabalhadora sempre foi outra – uma escola para a disciplina do trabalho
precoce e precário”.
Destaca-se também que 57% (25 dos 44 sujeitos) dos participantes da pesquisa esclare-
ceram que já trabalhavam antes de começar a estudar, o que também revela a necessidade de os
estudantes buscarem desde cedo a sua subsistência. Alia-se a essa dimensão, o percentual de 88%
(37 sujeitos) que durante a realização do seu curso técnico, permaneceram no trabalho (emprego)
na mesma situação inicial (33%=14 sujeitos), outros que continuaram no mesmo trabalho, mas
permutaram para um cargo considerado melhor (10%=4 sujeitos) ou ainda conseguiram outro
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trabalho (emprego) admitido como melhor do que o anterior ao ingresso na formação técnica
(45%=19 sujeitos).
Este percentual é revelador, no sentido de que 37 dos 44 estudantes destacaram a pre-
mência de se manter trabalhando durante a realização do curso técnico subsequente noturno,
buscando condições melhores de sobrevivência dentro da lógica do mundo em que se vive.
nos primórdios do capitalismo, existia este problema de desigualdade (contraditório) entre os
lhos dos trabalhadores e operários e os lhos dos burgueses, tanto que Frigotto (2004) destaca
Desttut de Tracy (1917):
[...] Os homens de classe operária têm desde cedo necessidade do trabalho
de seus lhos. Essas crianças precisam adquirir desde cedo o conhecimento
e, sobretudo, o hábito e a tradição do trabalho penoso a que se destinam. Não
podem, portanto, perder tempo na escola. [...] Os lhos da classe erudita, ao
contrário, podem dedicar-se a estudar por muito tempo; têm muita coisa a
aprender para alcançar o que se espera deles no futuro. Necessitam de um
certo tipo de conhecimento que só pode aprender-se quando o espírito ama-
durece e atinge determinado grau de desenvolvimento. Esses são fatos que
não dependem de qualquer vontade humana; decorrem necessariamente da
própria natureza dos homens e da sociedade; ninguém está em condições de
poder mudá-los. Portanto, trata-se de dados invariáveis dos quais temos de
partir (DE TRACY, 1917 in FRIGOTTO, 2004, p.195-196).
Com quase duzentos anos de existência do modo de produção capitalista, as contra-
dições se intensicaram. Na virada deste século, com a dinâmica da sociedade imersa em um
capitalismo globalizado, existem paradoxos inimagináveis no atual estágio da vida humana; a
mundialização do mercado global é a forma que o capital encontrou de prosseguir seu ímpeto
voraz e cumulativo, centralizado e concentrador, eliminando os adversários menores e extraindo
os direitos da classe trabalhadora.
Quanto à descrição dos interlocutores, com base nas entrevistas, ainda, cabe o destaque
à ascensão, visto que se 88% permaneceu trabalhando durante o curso, 82% informaram ter
uma melhor renda após a conclusão de sua formação técnica e, mais ainda que, atualmente,
encontram-se ‘somente’ estudando (27%), ou trabalhando e estudando (46%).
A evidência principal a ser realçada na correlação educação e trabalho vai no sentido
de que 84% (37 dos 44 sujeitos) do total, informaram estar cursando ou ter concluído um curso
superior após o término do curso técnico. Destes, 39% realizam ou realizaram curso superior na
mesma área do curso técnico, 25% em área técnica correlata ou similar e outros 20% em outras
áreas ou setores de atividades.
Emprego e trabalho: um estudo com egressos de um colégio técnico na transição entre o curso de
educação prossional e tecnológica e o mundo do trabalho
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Se for considerado que, historicamente, a Educação Prossional foi destinada aos lhos
dos pobres, operários e trabalhadores, pode-se supor que este grupo de sujeitos oriundos dos
quatro cursos técnicos subsequentes noturnos, romperam uma barreira em direção à Educação
Superior após a conclusão dos cursos técnicos.
Isto ca manifesto nas respostas, pois a maioria apresentou, em suas escritas, palavras
que revelam a força e o grau de impregnação da ideologia neoliberal. Discorrem eles sobre
‘mercado de trabalho’, ‘emprego’, ‘oportunidades’, ‘formação’, ‘prossional’, asseverando a
imersão em um mundo marcado pela globalização e o constante bombardeio da grande mídia e
do aparato ideológico dos detentores do capital, no sentido de se banalizarem e se naturalizarem
as manifestações e a crença no atual estágio do capitalismo mundial.
Também se deve levar em conta que, para cada estudante que ingressou no curso, ao
longo deste período, em torno de seis outros sujeitos que se inscreveram na seleção pública,
caram à margem do acesso à educação prossional, pelo menos naquele momento. Como
demonstraram os números disponibilizados na Comissão Permanente de Seleção (COPES),
analisados durante o estudo, a média de estudantes que buscam vaga para acesso nestes quatro
cursos subsequentes noturnos, anualmente, no intervalo entre 2005-2012, foi de 7,7 inscritos
por vaga ofertada (7,7/1).
Há lacuna na construção e na produção do conhecimento desses sujeitos, por uma Educa-
ção Básica descontinuada e não emancipatória, contribuindo para que se formem “trabalhadores
multitarefa”:
[...] a formação de subjetividades exíveis, tanto do ponto de vista cogniti-
vo quanto ético, se dá predominantemente, pela mediação da educação ge-
ral, como se armou anteriormente; é por meio dela, disponibilizada de
forma diferenciada por origem de classe, que os que vivem do trabalho ad-
quirem conhecimentos genéricos que lhes permitirão exercer, e aceitar, múl-
tiplas tarefas no mercado exibilizado. Ser multitarefa, neste caso, implica
exercer trabalhos simplicados, repetitivos, fragmentados, para os quais seja
suciente um rápido treinamento, de natureza psicofísica, a partir de algum
domínio de educação geral, o que não implica necessariamente o acesso à
educação básica completa. Neste sentido, a educação geral, assegurada pelos
níveis que compõem a educação básica, tem como nalidade dar acesso aos
conhecimentos fundamentais e às competências cognitivas mais simples, que
permitam a integração à vida social e produtiva em uma organização social
com forte perl cientíco-tecnológico, um dos pilares a sustentar ao capitalis-
mo tardio, na perspectiva do disciplinamento do produtor/consumidor; e, por
isso, a burguesia não só a disponibiliza, mas a defende para os que vivem do
trabalho (KUENZER, 2007, p.1169).
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Salientam Kuenzer e Grabowski (2016, p. 27) que “[...] para os que exercerão atividades
complexas na ponta qualicada das cadeias produtivas, a educação básica é rito de passagem
para a educação cientíco-tecnológica e sócio-histórica de alto nível”. Entre aqueles que vencem
o obstáculo da qualidade e oferta da Educação Básica, e que conseguem transpor o exame
de seleção para ingresso em um curso técnico, ocorre a imersão naquilo que Kuenzer denomina
de inclusão excludente.
[...] a facilidade com que a pedagogia toyotista se apropria, sempre do ponto
de vista do capital, de concepções que têm sido elaboradas no âmbito da pe-
dagogia socialista, estabelecendo-se uma tal ambiguidade nos discursos e nas
práticas que tem levado muitos a imaginar que, a partir das novas demandas
do capital no regime de acumulação exível, as políticas e propostas peda-
gógicas de fato passaram a contemplar os interesses dos que vivem do traba-
lho, do ponto de vista da democratização. Assim é que clássicas categorias
da pedagogia só possíveis de objetivação plena em outro modo de produção
passaram a fazer parte do novo discurso pedagógico: formação do homem em
todas as suas dimensões de integralidade com vistas à politecnia, a superação
da fragmentação do trabalho em geral, e em decorrência, do trabalho pedagó-
gico, o resgate da cisão entre teoria e prática, a transdisciplinaridade, e assim
por diante (KUENZER, 2005, p. 78).
É pertinente relembrar que, durante o movimento ocorrido entre Escola – Trabalho, e em
toda a sua extensão, o que engloba o tempo e o espaço de realização do curso técnico, outro fator
intangível a evasão deagra a interrupção de trajetórias promissoras. Quer pela distância,
pela precariedade do transporte, quer pelas diculdades econômicas e outros diversos fatores
subjetivos não quanticáveis, tais como aqueles decorrentes das correlações familiares e imer-
sos nas fronteiras da convivência de cada sujeito, disparam uma desistência na continuidade do
estudo e, consequentemente, a perda da possibilidade de outras perspectivas se materializarem
no âmbito do mundo do trabalho. Até mesmo a oferta de um trabalho (emprego) de um valor
percentual considerado diferenciado pelo sujeito, dentro das suas condições de sobrevivência,
o levam a desistir do curso e interromper novas e outras possibilidades de futuro.
Assim, anualmente, cerca de cinquenta a sessenta sujeitos quebram o ciclo de vida e
das suas fronteiras de convivência e conseguem se ‘formar em um dos quatro Cursos Técnicos
Prossionais subsequentes noturnos do CTISM (em um universo de aproximadamente 230 ou-
tros sujeitos que buscaram o acesso, cando excluídos ainda no Exame de Seleção da Escola).
Então, nesse aspecto e dentro do recorte inicialmente estabelecido, é como se (só) ob-
servasse o lado reluzente da Educação Prossional e Tecnológica, em um caso particular – um
colégio vinculado a uma Universidade Federal, que, com toda uma infraestrutura e projetos
Emprego e trabalho: um estudo com egressos de um colégio técnico na transição entre o curso de
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pedagógicos articulados, disponibiliza historicamente uma educação de qualidade, quando se
consideram o universo e o contexto da Educação oferecida no âmbito de País.
Considerações Finais
Nesta pesquisa se objetivou compreender a dinâmica ocorrida entre um tempo imedia-
tamente anterior, o ingresso dos estudantes na Escola Técnica e a sua permanência no meio
acadêmico, somados ao movimento de ingresso no mundo do trabalho. Importou evidenciar
o que mudou em relação às perspectivas e possibilidades dos sujeitos ao realizarem um curso
técnico subsequente.
Na perspectiva da empresa, sob a eterna voracidade do capital em viabilizar e objetivar
o lucro, renova-se uma “safra” de jovens e adultos, disputando entre si, uma quantidade de opor-
tunidades pré-determinadas, consagrando aqueles que, seguindo a receita neoliberal, estiverem
em maiores condições de empregabilidade. Ou seja, estarão um “passo à frente” aqueles que
apresentarem um melhor currículo; apresentar maior pró-atividade na(s) entrevista(s); denotarem
condições de sair da zona de conforto e aceitarem as mudanças; conhecerem e se comunicarem
em mais de um idioma; persistirem para transpor os objetivos e as metas; cumprirem prazos;
denotarem ser conáveis e produtivos; dividirem as informações; comprovarem ter saúde pro-
ssional e afetiva.
Analisados os dados de pesquisa, entende-se ter conrmado a proposição inicial que jus-
ticou o estudo e a escolha dos sujeitos investigados, assim como foi corroborada a problemática
proposta. Isto porque 86% (38) dos sujeitos entrevistados trabalha, no momento, na sua área de
formação técnica; 82% (36) evidenciou o aumento da renda após a conclusão do Curso Técnico;
98% (43) demonstrou grau de satisfação com a área de formação técnica escolhida 93%, isto é,
40 de 44 entrevistados conrmaram a importância da Educação Prossional para seu posterior
ingresso e a sua permanência no mundo do trabalho.
Ao coletivo dos sujeitos que embarcam no mundo de trabalho, aos poucos revela-se o de-
bate antagônico entre os capitalistas, as empresas e indústrias, os impérios econômico-nanceiros
nacionais e/ou internacionais de um lado, e os trabalhadores, operários e expropriados do outro
lado. Evidenciam-se as diferenças entre as classes sociais e se apresenta a conituosa pertença
ao mundo do trabalho.
Assim, o sujeito passa a se reconstituir como pertencendo àquele tempo e espaço, que não
é o da Escola, ansiando por superação e reconstrução de existência. Surge um cenário propício
no horizonte das fronteiras da convivência desses sujeitos, sobrecarregado de inexões sociais,
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de interesses desencontrados e de intencionalidades opostas, expondo as possíveis respostas do
sistema educacional frente às necessidades, apresentadas pelo mundo de trabalho e, do Estado
que o legitima, colocando o grupo de estudantes de frente para a perversidade e dualidade da
lógica do capitalismo.
Urge o estabelecimento de correlações próximas entre governo, sociedade, sindicatos,
trabalhadores, professores e instituições escolares, com equipes interdisciplinares verdadeira-
mente constituídas e em condições de propor uma interconexão entre os elementos constitutivos
da relação educação-sociedade-trabalho. Desse modo, reescreve-se a história da formação social
dos sujeitos através de uma ponte de convergência com o mundo do trabalho. Com isso também,
objetiva-se concatenar formações inicial e continuada dentro de processos prossionais, que abar-
quem o trabalho como princípio educativo; reinventar a investigação prática, estabelecendo a sua
operacionalidade para a ação educativa; alicerçar a construção dos programas emancipatórios de
formação em todas as suas etapas evolutivas; convergir esforços na análise da realidade social,
política, econômica e do mundo do trabalho produzido nesta época e dentro das possibilidades
em que estão imersos os sujeitos e a sociedade.
Paralelamente, acredita-se que o Estado deve propor medidas que concatenem esforços
na direção e em uma trajetória que garanta, oportunizando aos sujeitos, condições apropriadas
de práxis reconstituidora de suas existências. Dentro da perspectiva de sociedade, deveria estar
intrínseca a correlação educação e trabalho, uma vez que, o ser humano somente pode se cons-
tituir, se reconhecer e se transformar, à medida em que se educa e trabalha.
Nas mediações associadas essas as atividades, imbricam-se importantes passagens da
construção da história da humanidade, garantindo que as fronteiras da convivência dos sujeitos
se ampliem em novas dimensões, tantas quantas maiores forem as suas possibilidades conjuntas
de educação e de trabalho. Esse processo na transição escola <=> trabalho é signicativo, na
construção da sociedade e nas fronteiras da convivência dos sujeitos, pois propicia um arcabouço
de alternativas diferenciadas às suas famílias, às classes sociais e suas frações de classes.
Isto posto, importante destacar que o estudo, ao examinar o movimento político, econômi-
co e social no País, entre 2005 e 2012, permite visualizar avanços nos governos Lula e Dilma. Tal
situação tem antecedentes: a superação de uma tendência estritamente privatista, que perpassou
todo o período da ditadura militar, com o tecnicismo peculiar do Sistema “S”15, adentrando nos
15 Termo que dene o conjunto de organizações das entidades corporativas voltadas para o treinamento pro-
ssional, assistência social, consultoria, pesquisa e assistência técnica, que além de terem seu nome iniciado com a
letra S, têm raízes comuns e características organizacionais similares. Fazem parte do sistema S: Serviço Nacional
de Aprendizagem Industrial (Senai); Serviço Social do Comércio (Sesc); Serviço Social da Indústria (Sesi); e o
Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) e Serviço Nacional de Aprendizagem do Comércio (Se-
Emprego e trabalho: um estudo com egressos de um colégio técnico na transição entre o curso de
educação prossional e tecnológica e o mundo do trabalho
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anos de 1990, no período neoliberal do Governo “FHC”, que submetia, sobremaneira, os pro-
cessos educativos da área técnica, diretamente aos interesses dos padrões de fábrica e sistemas
produtivos empresariais.
Praticamente, nesse período analisado, quer parecer que o Estado tendeu a ressurgir com
um foco e aporte de recursos “nunca antes na história deste País” nessa área de formação pro-
ssional técnica e tecnológica. Mesmo que se admita parcialmente esse contexto, não se deve
esquecer que retorna camuado e caracterizado sobre outra roupagem, dentro da mesma base
econômica estruturante da sociedade contemporânea, e que esta continua sendo mais capitalista
do que nunca. Portanto, aos pesquisadores, cabe um olhar crítico e distanciado, procurando es-
tabelecer todas as contradições quantas possíveis, pois, na beira do abismo sócio educacional,
encontra-se o sujeito político, losóco, econômico, social, e que, em última análise, é a base
histórica e fundante do ser humano.
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Recebido em: 23 de setembro de 2021.
Publicado em: 06 de dezembro de 2021.
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