O impacto da taxa de aprovação em disciplinas de física básica no percurso formativo de estudantes na graduação em física
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DOI: https://doi.org/10.29378/plurais.2447-9373.2021.v6.n1.12206
O IMPACTO DA TAXA DE APROVAÇÃO EM DISCIPLINAS
DE FÍSICA BÁSICA NO PERCURSO FORMATIVO DE
ESTUDANTES NA GRADUAÇÃO EM FÍSICA
Júlio Akashi Hernandes
1
Universidade Federal de Juiz de Fora
http://orcid.org/0000-0001-9263-6310
Paulo Henrique Dias Menezes
2
Universidade Federal de Juiz de Fora
http://orcid.org/0000-0002-3008-9830
Giovana Trevisan Nogueira
3
Universidade Federal de Juiz de Fora
http://orcid.org/0000-0001-5735-4131
RESUMO:
A cultura da reprovação é altamente alardeada nos cursos de graduação em física, seja pela suposta falta de
preparo e maturidade dos estudantes, ou pela suposta complexidade das disciplinas introdutórias de Física
e de Cálculo. O estudo apresentado neste artigo questiona esse pressuposto, a partir da análise da taxa de
aprovação de estudantes em disciplinas de física básica na relação com o percurso formativo nos cursos
de licenciatura e bacharelado em física. Trata-se de um estudo de caso realizado em uma universidade pú-
blica brasileira, conduzido na forma de uma pesquisa quantitativa, longitudinal, que analisou informações
sobre disciplinas de física básica ofertadas no período de 2000 a 2019. Os dados foram organizados e ana-
lisados a partir de três eixos principais: número de matrículas na disciplina; número de alunos aprovados;
e taxa de aprovação. Conclui-se que o desempenho dos estudantes nessas disciplinas não melhora com o
tempo de permanência no curso, corroborando com a baixa eciência dos cursos de graduação em física
para formar novos prossionais. Os resultados indicam ainda a necessidade de reexões mais amplas e
aprofundadas sobre a organização curricular e a forma de oferta das disciplinas de física básica, que com-
põem os currículos dos cursos de graduação em Física, no sentido de formar mais e melhor.
Palavras-chave: Graduação em física. Taxa de aprovação. Disciplinas de física geral.
ABSTRACT:
THE IMPACT OF THE APPROVAL RATE ON BASIC PHYSICS
DISCIPLINES ON THE FORMATIVE TRAJECTORY OF STUDENTS IN
THE PHYSICS GRADUATION
The culture of failure is highly trumpeted in undergraduate physics courses, either due to the supposed
lack of preparation and maturity of the students, or due to the supposed complexity of the introductory
Calculus and Physics disciplines. The study presented in this article questions this assumption, based on
the analysis of the approval rate of students in basic physics disciplines and its relation with the formative
1 Doutor em Ciências (UFJF). Docente do Programa de Mestrado Nacional Prossional em Ensino de Física
(UFJF). Departamento de Física. E-mail: jahernandes@gmail.com.
2 Doutor em Educação. Docente do Programa de Mestrado Nacional Prossional em Ensino de Física
(UFJF). E-mail: paulo.menezes@ufjf.edu.br.
3 Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Doutor em Ciências. Docente do Programa de Mestrado
Nacional Prossional em Ensino de Física (UFJF). E-mail: giovana@ice.ufjf.br.
Júlio Akashi Hernandes, Paulo Henrique Dias Menezes e Giovana Trevisan Nogueira
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trajectory in the bachelor and teaching degrees in physics. This is a case study carried out at a Brazilian
public university, conducted in the form of a quantitative longitudinal research which analyzed informa-
tion on basic physics subjects offered in the period from 2000 to 2019. The data were organized and
analyzed from three main axes: number of enrollments in the disciplines, number of approved students
and pass rate. We conclude that the performance of students in these disciplines does not improve with
the length of stay in the course, corroborating the low efciency of undergraduate courses in physics to
train new professionals. The results also indicate the need for broader and more in-depth reections on
the curricular organization and the way of offering the basic physics disciplines that make up the cur-
ricula of undergraduate courses in Physics, in order to train more and better.
Keywords: Graduation in physics. Approval rate. General physics disciplines.
RESUMEN:
EL IMPACTO DE LA TASA DE APROBACIÓN EN LAS DISCIPLINAS DE
FÍSICA BÁSICA EN EL CURSO FORMATIVO DE LOS ESTUDIANTES
EN LA GRADUACIÓN DE FÍSICA
La cultura del fracaso está muy difundida en los cursos de licenciatura en física, ya sea por la supuesta
falta de preparación y madurez de los estudiantes, o por la supuesta complejidad de las asignaturas intro-
ductorias a Física y Cálculo. El estudio presentado en este artículo cuestiona este supuesto, a partir del
análisis de la tasa de aprobación de los estudiantes de las disciplinas básicas de física en relación con la
trayectoria formativa en las carreras de grado y licenciatura en física. Se trata de un estudio de caso re-
alizado en una universidad pública brasileña, realizado en forma de una investigación cuantitativa, lon-
gitudinal, que analizó información sobre disciplinas de física básica ofrecidas en el período 2000-2019.
Los datos fueron organizados y analizados a partir de tres ejes principales: número de inscripciones en
la disciplina; número de estudiantes aprobados; y tasa de aprobación. Se concluye que el desempeño de
los estudiantes en estas disciplinas no mejora con el tiempo de permanencia en el curso, corroborando
la baja eciencia de los cursos de licenciatura en física para la formación de nuevos profesionales. Los
resultados también indican la necesidad de reexiones más amplias y profundas sobre la organización
curricular y la forma de ofrecer las disciplinas de física básica que integran los planes de estudio de los
cursos de grado en física, con el n de formar más y mejor.
Palabras clave: Graduado en física. Tasa de aprobación. Disciplinas de física general.
Introdução
Já faz tempo que a evasão nos cursos de graduação em física vem mobilizando discus-
sões e preocupando a comunidade cientíca e educacional brasileira. Em 2005, a necessidade
de aumentar o número de professores formados em física foi tema de debate no evento: “Ensi-
no de Física: Reexões”, realizado pela Sociedade Brasileira de Física (SBF). Naquela época,
Borges (2006) armava que não bastava aumentar o número de professores formados, mas que
era imprescindível melhorar a formação inicial em Física. Borges (2006) também argumentou
sobre a necessidade de articulação entre as pesquisas em educação e as pesquisas em ensino
desenvolvidas por físicos renomados – citando o exemplo de Carl Wieman, prêmio Nobel de
física em 2001 como forma de promover mudanças mais signicativas no modo de ensinar
física nos cursos de graduação. A ideia central de seu argumento era em favor da melhoria da
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qualidade do ensino nas disciplinas de física básica da graduação (bacharelados e licenciaturas)
para promover uma melhor formação inicial dos professores de física. Sobre essa necessidade,
a síntese do evento, referente à formação de professores, relata que:
Existe um grande décit de professores, em quantidade e qualidade, nos di-
ferentes níveis de ensino. A reforma universitária de 1968 priorizou a cons-
tituição de quadros de pesquisadores nas universidades públicas. De fato, o
mote da época era “precisamos formar uma geração de pesquisadores”. Esse
objetivo foi atingido e o mote agora precisa ser mudado para “precisamos for-
mar uma geração de docentes universitários que, além de bons pesquisadores
tenham também habilidade para as questões de ensino, sociais e nacionais”.
Esse deveria ser um caminho para resolver a questão de formação de profes-
sores da educação básica, qual seja, a de desenvolver uma sensibilidade da
questão junto ao quadro de atuais pesquisadores das universidades. A prática
e o rigor cientíco podem agora ser transferidos para a questão de ensino de
forma abrangente. (SBF, 2005, p.2-3).
No cenário dessas perspectivas, o Brasil vivenciou na primeira década deste século um
programa de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais Brasileiras (REUNI), sem
precedentes na história do país. Uma das metas globais do REUNI era atingir uma taxa de con-
clusão média de noventa por cento nos cursos de graduação presenciais. Além disso, o programa
previa ainda o aumento de vagas ofertadas nas universidades, principalmente no turno noturno.
Era de se esperar que tal iniciativa trouxesse um alento para as áreas de graduação
consideradas críticas, como a de formação de professores de física. Levantamentos realizados
naquela época (FERRAZ, 2008) indicavam um décit de 371 mil professores com licenciatu-
ra especíca em todo país. Desse total, 56 mil eram da área de ensino de física. Para atender
essa demanda, houve um aumento signicativo na oferta de cursos de licenciatura em física,
que passaram a ser ministrados também por Institutos Federais de Educação Tecnológica e na
modalidade de Educação à Distância (EaD), em todos os estados da federação, com o propósito
de suprir a demanda por professores com habilitação especíca nessa área. Porém, o alento não
veio da forma esperada.
Dados do Censo da Educação Superior (BRASIL, 2013) mostram que no período de 2001
a 2013 dos cerca de 101 mil alunos que ingressaram nos cursos de licenciatura em física apenas
23,4 mil concluíram a graduação. O que remete a uma taxa de conclusão média de pouco mais
de 20%. Esse resultado indica que ainda estamos muito longe de superar o décit mencionado,
e coloca em xeque nossa capacidade de formar novos professores de física. O número de vagas
aumentou de forma expressiva, mas o aproveitamento dos alunos nos cursos de licenciatura em
física continua muito ruim.
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Quais os motivos de uma taxa de conclusão média tão baixa? Vários estudos têm abordado
essa questão (BARROSO e FALCÃO, 2004; LIMA e ALVES, 2006; GOBARA e GARCIA, 2007;
ALMEIDA e SCHIMIGUEL, 2011; DE ATAÍDE; LIMA; DE OLIVEIRA ALVES, 2006; LIMA
JR.; OSTERMANN; REZENDE, 2012; OLIVEIRA e SILVA, 2020; LIMA JR, et al, 2020). A
maioria deles tem como foco a evasão e os motivos que levam os alunos ao abandono dos cursos.
Os resultados indicam que a evasão é maior no início do curso, normalmente decorrente do fracas-
so em disciplinas introdutórias de Física e de Cálculo (BARROSO e FALCÃO, 2004). Também
indicam problemas relacionados à austeridade da organização curricular (LIMA JR, et al., 2020);
e que, por motivos de reprovações, os estudantes que conseguem obter o diploma acabam perma-
necendo no curso por um tempo muito maior que o esperado (LIMA JR. e OSTERMANN, 2012).
A cultura da reprovação é altamente alardeada nos cursos de Ciências Exatas. Seja pela
suposta falta de preparo e maturidade dos alunos, ou pela suposta complexidade das disciplinas
introdutórias de Física e de Cálculo. Estudo realizado por Lima Jr. et al. (2020, p.15) indica que
a reprovação em massa no primeiro semestre desses cursos “é tão regular que já costuma ser
considerada ‘natural’, sem, contudo, deixar de apresentar efeitos desintegradores para os alunos”.
De acordo com os autores, os estudantes “apontam que a reprovação nas disciplinas de primeiro
semestre produz isolamento e constrangimento, prejudicando as experiências de integração social”
(LIMA JR, et al., 2020, p.16). Fato que contribui para o abandono precoce do curso.
O senso comum, que permeia o universo dos cursos de graduação em física, coaduna com
a ideia de que a reprovação, às vezes, é necessária para que o aluno atinja a maturidade impres-
cindível para dar continuidade ao curso. Porém, a hipótese que norteia o desenvolvimento deste
estudo é de que o desempenho dos alunos em disciplinas de física básica não melhora com o tempo
de permanência no curso. Para isso, desenvolvemos uma pesquisa quantitativa, longitudinal, com
o objetivo de analisar e traçar um panorama dos resultados obtidos por estudantes, em disciplinas
de física básica, nos cursos de bacharelado e licenciatura em física de uma universidade pública
federal, no período de 2000 a 2019.
Desenvolvimento
Com intuito de buscar possíveis respostas e tecer algumas reexões sobre o problema
recorrente do baixo aproveitamento dos estudantes na graduação em física, procuramos analisar,
de forma quantitativa, os resultados dos estudantes em disciplinas de física básica de um curso de
graduação em física (bacharelado e licenciatura). Estamos cientes de que a abordagem quantitativa
adotada neste estudo não é suciente para tratar a complexidade do tema investigado. Porém, os
dados e as análises realizadas ajudam a reetir sobre os motivos da baixa eciência dos cursos
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de graduação em física, e servem de alerta para a necessidade de uma reexão mais ampla a
respeito da formação de professores de física no Brasil.
A pesquisa foi desenvolvida em uma Instituição de Ensino Superior (IES), pública fe-
deral, de um município de porte médio da região sudeste do Brasil. O ensino de física nessa
instituição acompanha sua própria criação, em 1960. Inicialmente, a física era ministrada nos
cursos de Engenharia e mais tarde passou a integrar os cursos de Licenciatura em Física (1970)
e de Bacharelado em Física (1984), ambos com duração sugerida de oito períodos (4 anos). Mais
recentemente foram criados os cursos de Licenciatura em Física a Distância (2009) e a Licen-
ciatura em Física Noturna (2011), cujas análises comparativas não serão objetos deste trabalho.
A síntese de dados foi feita para as disciplinas de Física Geral I, II e III, Mecânica Clássica
I, Física Moderna, Mecânica Quântica II e Instrumentação para Ensino de Física II. A escolha
dessas disciplinas decorre do fato de as três primeiras serem disciplinas básicas comuns aos
cursos da área de ciências exatas e tecnológicas, incluindo as graduações em Física (licenciatura
e bacharelado). Mecânica Clássica I e Física Moderna são disciplinas exclusivas da licenciatura
e do bacharelado em Física, geralmente cursadas no e no período, respectivamente, com
ressalvas que serão feitas mais adiante. Mecânica Quântica é exclusiva do bacharelado em física
e Instrumentação para Ensino de Física II é exclusiva da licenciatura em física, ambas cursadas
mais no nal dos cursos.
Todas as disciplinas analisadas foram ministradas por docentes do Departamento de
Física (DF) da IES. As informações utilizadas foram coletadas no módulo de ensino do Sistema
Integrado de Gestão Acadêmica (SIGA) a partir dos registros dos planos departamentais do DF,
das notas dos estudantes e das turmas cadastradas no sistema. Tomado como principal fonte
de dados, o SIGA é um sistema relativamente novo na IES e, por isso, não possui informações
anteriores ao ano 2000.
Os dados coletados foram traduzidos em grácos que incluem a taxa de aprovação (TX)
dos estudantes e o número de matrículas (MAT) na disciplina. Em alguns casos também o
número de estudantes aprovados na disciplina (AP). O índice TX é calculado pela razão AP/
MAT em porcentagem.
Até 2008 o ingresso na graduação em física na IES era semestral. A partir de 2009, com
a implantação do REUNI, a entrada passou a ser anual, sendo no semestre para o Bacharelado
Interdisciplinar em Ciências Exatas (BI-CE) e no semestre para a Licenciatura Noturna em
Física. Esta somente a partir de 2011.
A partir de 2009, o ingresso na área de Ciências Exatas na IES passou a ocorrer apenas
por meio do BI-CE, que é designado como 1º ciclo de formação superior, e confere certicação
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(diploma de graduação) aos alunos em um tempo sugerido de seis períodos (três anos). Essa
nova estrutura curricular extinguiu as entradas tradicionais nos cursos de Matemática, Física,
Estatística, Ciência da Computação e Química, que passaram a ser designados como ciclo
de formação, e podem ser cursados, ocialmente, depois da conclusão do BI-CE. A disputa
pelas vagas no 2º ciclo é realizada por meio da análise do rendimento escolar do estudante a
partir do 3º período do BI-CE.
Por causa dessa dinâmica de vagas, tornou-se muito difícil distinguir, formalmente, entre
os ingressantes no BI-CE, os estudantes que pretendem cursar física. Essa distinção pode
ser feita, com alguma cautela, a partir da análise do percurso formativo indicado no histórico
escolar do estudante. Em função da diversidade de percursos formativos, também é difícil fazer
distinção entre os estudantes do bacharelado e da licenciatura em física. Tal distinção só se torna
denitiva na inscrição para a colação de grau, que é independente nos dois cursos.
A partir de 2013 houve uma mudança na distribuição de vagas do BI-CE. Das 55 vagas
destinadas ao curso de Física, 25 passaram a ser disponibilizadas, como vagas declaradas em
Física, para candidatos do Sistema Seletivo Unicado (SiSU) e do Programa de Ingresso Se-
letivo Misto (PISM) – processo seletivo próprio da IES. Com isso, estudantes ingressantes por
meio de um desses processos podem ser identicados como graduandos em Física desde o
início do curso. Porém, ainda assim, continua não sendo possível a distinção entre licenciandos
e bacharelandos antes da colação de grau.
Resultados e discussão
Nesta seção apresentamos a análise dos resultados dos estudantes nas disciplinas de Física
Geral I, II e II; Física Moderna; Mecânica Clássica I; Mecânica Quântica II e Instrumentação
para o Ensino de Física II. Os grácos apresentados incluem dados de todas as matrículas, em
todas as turmas, das disciplinas indicadas, incluindo os dois semestres letivos anuais.
Análise das disciplinas de Física Geral: Física I, Física II e Física III
Nas disciplinas de Física I, II e III têm sido adotados com frequência os livros-textos da
coleção do Sears e Zemansky, respectivamente os volumes 1, 2 e 3. Quanto à metodologia de
ensino, prevalecem as aulas tradicionais expositivas. Durante o período deste estudo, algumas
metodologias alternativas foram testadas. Por exemplo, em meados de 2001 foi aplicada a me-
todologia dos Tutoriais de Física (McDERMOTT e SHAFFER, 2002) em todas as turmas de
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Física I e, durante alguns anos, até meados 2006, foi aplicado o método Keller (1972) em todas as
turmas de Física I, II e III. Nos demais períodos vigorou, fundamentalmente, o ensino tradicional,
baseado em aulas expositivas. As ementas das disciplinas não sofreram mudanças signicativas
no período do estudo. O Gráco 1 mostra as taxas de aprovação anuais nessas disciplinas.
Gráco 1. Taxa de aprovação (TX) anual para as disciplinas Física I, II e III.
Fonte: Elaborado pelos Autores, 2021.
Nota-se uma signicativa variação nas taxas de aprovação (TX) ao longo do período
considerado. Física I tem TX de 41% ± 10% (com valores mínimo e máximo respectivamente
em 21% e 58%), Física II tem 52% ± 9% (mínimo de 38% e máximo de 69%), e Física III tem
46% ± 13% (mínimo de 24% e máximo de 77%). Observa-se que a aplicação de metodologias
alternativas (tutorias de física e método Keller) no período de 2001 a 2006 não surtiu efeito
nas taxas de aprovação. Nesse período, em 2004, ocorreu ainda uma mudança no critério de
aprovação, que alterou a nota mínima de 70 para 60. Mas isso também não trouxe modicações
signicativas nas taxas de aprovação.
Analisando o Gráco 1, pode-se observar que a baixa taxa de aprovação em Física I, não
implica em uma melhora signicativa no aproveitamento dos alunos em Física II. Isso também
vale para a disciplina de Física III em relação à Física II. Ou seja, as taxas de aprovação continuam
baixas, mesmo após os alunos terem sido aprovados em uma ou duas disciplinas de física básica.
Até 2008 a disciplina de Física I era recomendada no período de todos os cursos de
Ciências Exatas e Engenharias. Com a introdução do BI-CE, em 2009, ela passou a ser reco-
mendada no 2º período de todos os cursos. Até 2014, inclusive, Física I não tinha disciplinas de
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pré-requisitos. A partir de 2015 a disciplina Cálculo I foi incluída como pré-requisito de Física
I. A Física II tem a Física I como pré-requisito, e a Física III tem a Física II como pré-requisito.
A inclusão de Cálculo como pré-requisito para Física I a partir de 2015 surtiu um efeito
relativo no aumento da taxa de aprovação somente a partir de 2017. Entretanto, entendemos
que esse efeito é decorrente de uma redução expressiva no número de matrículas em Física I, a
partir de 2016 (Gráco 2), provavelmente em decorrência das reprovações em Cálculo. Ou seja,
nesse novo cenário a disciplina de Cálculo passou a servir de “ltro”, barrando uma quantidade
expressiva de estudantes que antes cursavam Física I. Mesmo assim, a taxa média de aprovação
se manteve em torno de 40%.
Gráco 2. Matrículas anuais em Física I, II e III.
Fonte: Elaborado pelos Autores, 2021.
O Gráco 2 mostra também um pico de matrículas em Física I em 2009. Isso se deve ao
efeito do REUNI na IES, que duplicou a oferta de vagas nessa disciplina. É importante notar,
na comparação dos Grácos 1 e 2, que o pico de matrículas em Física I implicou em taxas de
aprovação cada vez menores, até 2016. Isso também pode ser notado pelo fato de o aumento nas
matrículas em Física I não ter seguido na mesma proporção nas disciplinas de Física II e III. O
que nos faz retomar o argumento apresentado no início deste artigo de que o aumento de vagas
não implica diretamente em mais estudantes formados.
A partir de 2010 houve um crescimento signicativo no número de matrículas nas dis-
ciplinas de física geral, atingindo o pico em 2015. Desde então esse número vem caindo, mais
expressivamente a partir de 2018.
É importante salientar que em 2009 o número de vagas para ingressantes no BI-CE foi de
325. Esse número representa mais que o dobro do ano anterior, quando eram 165 vagas somados
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os cursos de Física, Química, Matemática, Estatística e Computação. A oferta de vagas aumen-
tou para 355 em 2010, e para 405 em 2011, com a inclusão dos cursos de Engenharias Elétrica
e Mecânica no BI-CE. A partir daí o número de vagas para ingressantes não se alterou mais.
O crescimento no número de vagas poderia até sugerir uma justicativa para as baixas
taxas de aprovação nas disciplinas de física geral, ocasionadas pelo ingresso de estudantes ainda
menos preparados para as áreas de ciências exatas, atraídos pela grande oferta de vagas e pela
baixa concorrência no processo seletivo para o BI-CE. Porém, retomando o Gráco 1, percebe-
-se que não houve alterações signicativas nessas taxas.
Ainda em relação às disciplinas de Física Geral, outro aspecto que merece atenção é a
relação quantidade de alunos/turma. O Gráco 3 mostra o número de turmas anuais das disci-
plinas Física I, II e III, no período do estudo.
Gráco 3. Número de turmas anuais abertas para as disciplinas de Física I, II e III.
Fonte: Elaborado pelos Autores, 2021.
O pico de turmas em 2009 demanda justicativa. Naquele ano ainda não estavam pron-
tas as salas de aula do projeto REUNI, previstas para 100 alunos. Com isso, as turmas do novo
bacharelado tiveram que ser lotadas nas antigas salas com capacidade para até 60 alunos. Com
isso, houve, de fato, o oferecimento do dobro de turmas (24) em relação aos anos anterior (12
em 2008) e posterior (11 em 2010). A partir de 2010 as salas com 100 vagas passaram a ser
utilizadas, o que implicou na redução do número de turmas. Entendemos que tal conguração
agrava ainda mais a situação das baixas taxas de aprovação, haja vista que intensica o pro-
blema da necessidade de atenção aos alunos que apresentam diculdades para acompanhar as
disciplinas de física geral.
Entre 2012 e 2015, o número de turmas anuais cou estável, em torno de 16 para Física
I, e 10 para Física II e III. Também é importante ressaltar que a partir de 2010 passou-se a ofertar
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uma turma especial de Física I, por semestre, com aulas não presenciais e até 200 vagas. Para
Física II foram ofertadas quatro turmas especiais, no período analisado, e para Física III foram
ofertadas sete turmas especiais. A oferta dessas turmas tinha por objetivo equacionar problemas
decorrentes do grande volume de retenção nessas disciplinas. Porém, esta ação também não
surtiu muito efeito e a procura por turmas especiais teve queda signicativa nos últimos anos
analisados. Em 2019 apenas uma turma especial de Física I foi oferecida. As turmas especiais
foram computadas nos dados do Gráco 3.
Os dados apresentados nos Grácos 1, 2 e 3 sugerem que o aumento quantitativo do -
mero de vagas nas disciplinas de física geral não foi acompanhado de uma melhoria qualitativa
na forma de oferta dessas disciplinas. Novos sujeitos passaram a ter acesso à graduação em ciên-
cias exatas agravando velhos problemas, como a reprovação em massa, referendada pela nítida
queda na taxa de aprovação entre 2009 e 2016. Isso signica que as melhorias em infraestrutura
(novas salas e laboratórios foram construídos), bem como a mudança curricular proporcionada
pelo REUNI com a implantação do BI-CE, não implicaram na necessária melhoria na qualidade
dos cursos e na forma de oferta das disciplinas, no sentido de atender a maior diversidade de
pers e percursos formativos dos novos estudantes que passaram a ter acesso às universidades.
Consideramos que a prevalência de uma baixa taxa de aprovação nas disciplinas de física
geral é reveladora de efeitos perversos que um aumento expressivo da quantidade de vagas, sem
a devida preocupação com os aspectos metodológicos e organizacionais, ocasiona. O que nos
faz reetir sobre as necessidades especícas da diversidade de estudantes que hoje ingressam
nos cursos superiores.
Um estudo realizado sobre condicionantes sociais da evasão e retenção em cursos de
graduação em Física à luz da sociologia de Bourdieu (LIMA JR.; OSTERMANN; REZENDE,
2012, p. 56) constatou que “a posição do estudante na estrutura das relações de classe, embora
seja fundamental para determinar o sucesso e a trajetória escolar em vários contextos do siste-
ma educacional, não está relacionada à evasão ou diplomação no caso dos cursos de Física.”
Isso signica que na graduação em Física parece prevalecer o mito de que aqueles que têm
“vocação” sobrevivem. Porém, o mesmo estudo indica que “alunos de classes mais abastadas
(tanto em matéria de recursos econômicos quanto em matéria de posse de títulos escolares) cam
retidos por menos tempo nos cursos de Física para obtenção do diploma”.
Os resultados apresentados até aqui nos fazem reetir ainda sobre o descompasso entre
a lógica que orienta as políticas públicas que tendem a simplicar a solução da carência de
prossionais com o aumento do número de vagas, e de programas de acesso ao ensino superior
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e a lógica interna que orienta a organização dos cursos de graduação – geralmente embasada em
preconcepções pautadas em um perl desejável e idealizado de estudante. No caso da graduação
em física, nos parece que esse descompasso, quase sempre, preconiza uma correlação direta entre
a falta de preparo dos estudantes oriundos da educação básica e as baixas taxas de aprovação nas
disciplinas de física geral. No entanto, essa lógica, que à primeira vista pode parecer óbvia, não
se sustenta. Conforme veremos nas seções seguintes, o acúmulo de reprovações e o alto índice de
abandono nas disciplinas de física geral não garante o sucesso daqueles que conseguem superar
as barreiras dessas disciplinas e dar continuidade ao curso.
Análise da disciplina Física Moderna
A disciplina Física Moderna ministrada no curso analisado é mais comumente denominada
de Estrutura da Matéria em outras instituições. Sua ementa abrange a fenomenologia básica que
levou ao surgimento da Mecânica Quântica e da Relatividade Especial. Essa disciplina é reco-
mendada no período dos cursos de Física (licenciatura e bacharelado). É uma das primeiras
disciplinas exclusivas para quem quer seguir na graduação em física, e consta dos currículos
de Física da instituição investigada somente a partir de 2003. Desde então tem sido ofertada
regularmente.
O Gráco 4 mostra o número de matrículas (MAT) e o número de aprovados (AP) anuais
em Física Moderna.
Gráco 4. Matriculados (MAT) e aprovados (AP) anuais em Física Moderna.
Fonte: Elaborado pelos Autores, 2021.
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O número de matriculados anual médio é de 21 ± 11, mínimo de 03 e máximo de 43
alunos. O número anual médio de aprovados é de 17 ± 8, mínimo de 03 e máximo de 31 alunos.
O que remete a uma taxa de aprovação média de 80%.
Nota-se que a partir de 2012 houve uma queda expressiva no número de estudantes matri-
culados em Física Moderna, abaixo das médias históricas, registradas até então. Esse fato reete
uma clara tendência de os estudantes de ciências exatas evitarem seguir na graduação em Física
dando preferência a outros cursos do BI-CE, principalmente os de Engenharia, o que referenda
outros estudos já realizados sobre a temática da evasão na graduação em física (FERNANDES,
et al., 2020). Consideramos que tal tendência seja resultado da combinação de diversos fatores,
entre os quais ressaltamos o baixo aproveitamento dos estudantes nas disciplinas de física geral,
a falta de identidade prossional provocada pela implantação do BI-CE, a partir de 2009, e a
baixa atratividade da carreira de físico (bacharel e educador), que no mercado de trabalho tem
poucas chances de exercer outra prossão que não seja o magistério.
Vale notar que a criação de vagas declaradas em Física, a partir de 2013, parece ter aju-
dado a minimizar a falta de identidade com o curso e ter contribuído para um ligeiro aumento
das matrículas em Física Moderna a partir de 2017.
Análise da disciplina Mecânica Clássica I
A disciplina Mecânica Clássica I é obrigatória para o bacharelado e a licenciatura em
Física. Apesar de ser recomendada no 4º período de ambos os cursos, ela é efetivamente cursada
pelos estudantes em momentos bastante distintos. Sua ementa trata do estudo do movimento em
diversas situações, incluindo sistemas de partículas, oscilações, rotações e forças centrais, utili-
zando-se de ferramentas matemáticas como cálculo avançado e equações diferenciais ordinárias.
No bacharelado em física, Mecânica Clássica I é pré-requisito somente para Mecânica
Clássica II (recomendada no período). para licenciatura, ela não é pré-requisito para nenhuma
outra disciplina, o que permite que seja cursada, mais efetivamente, no último ou no penúltimo
período do curso pela maioria dos estudantes. O Gráco 5 apresenta o número de matrículas e
número de aprovados anualmente nessa disciplina.
O impacto da taxa de aprovação em disciplinas de física básica no percurso formativo de estudantes na graduação em física
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Gráco 5. Matriculados (MAT) e aprovados (AP) anuais em Mecânica Clássica I.
Fonte: Elaborado pelos Autores, 2021.
Observa-se uma grande variação nos dados do período considerado. O número médio
de matrículas anuais foi de 34 ± 15, mínimo de 09 e máximo de 69. O número médio anual de
aprovados foi de 16 ± 12, mínimo de 07 e máximo de 45. Essa disciplina foi oferecida em quase
todos os semestres, com exceções de 2000.1 e 2002.1. Nela, a taxa de aprovação média, de 49%,
se aproxima novamente das apresentadas nas disciplinas de física geral. Por se tratar de uma
disciplina de aprofundamento dos conteúdos de Física I, e pelo fato de a maioria dos estudantes
cursá-la no nal da graduação, era de se esperar melhores resultados. Porém, a necessidade
de um tratamento matemático mais elaborado e da aplicação de conteúdos adquiridos em outras
disciplinas, revela a fragilidade formativa da fragmentada trajetória que os alunos da graduação
em física seguem.
Assim, como vem ocorrendo na disciplina de Física Moderna, observa-se que em Mecânica
Clássica I o número médio de matriculados diminuiu, expressivamente, a partir da implantação
do BI-CE, e está muito abaixo da média histórica. O que mais uma vez referenda o baixo inte-
resse dos estudantes de ciências exatas pela graduação em física.
Análise da disciplina Mecânica Quântica II
A disciplina Mecânica Quântica II é sugerida no período do bacharelado em física.
Por não ser pré-requisito de nenhuma outra disciplina, acaba sendo cursada, de fato, no último
período do curso. Sua ementa abrange o estudo de spins, teoria de perturbação, espalhamento e
distribuições de Fermi e Bose.
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O Gráco 6 apresenta o número de matriculados (MAT) e número de aprovados (AP)
anual em Mecânica Quântica II.
Gráco 6. Matriculados (MAT) e aprovados (AP) anuais em Mecânica Quântica II.
Fonte: Elaborado pelos Autores, 2021.
O número médio anual de alunos matriculados é de 7 ± 4, mínimo de 1 e máximo de 17,
e o número médio de aprovados é de 6 ± 4, com mínimo de 1 e máximo de 16, o que remete
a uma taxa média de aprovação de 86%. A razão de encontrarmos uma alta taxa de aprovação
nessa disciplina pode estar associada ao fato de ela ser cursada por estudantes do bacharelado,
em nal de graduação, que, pela falta de perspectiva de ingresso no mercado de trabalho,
demonstram certo interesse em ingressar no mestrado em física. Por isso, têm uma preocupação
maior com seu histórico escolar, pensando na seleção futura. Além disso, na fase do curso em
que a disciplina é ofertada, a maioria dos alunos já participou de algum programa de iniciação
cientíca e tem sua monograa de conclusão de curso bem encaminhada. Ou seja, aqui que
se revela, em tese, os poucos sobreviventes com potencial para seguir na carreira de físico.
Análise da disciplina Instrumentação para o Ensino de Física II
A disciplina de Instrumentação para o Ensino de Física II é recomendada no 8º período
do curso de licenciatura em física. Entretanto, pelo fato de não ter como pré-requisitos algumas
disciplinas de formação prossional especíca, tais como Mecânica Clássica I, Termodinâmica
ou Teoria Eletromagnética I, quase sempre acaba sendo antecipada pelos alunos da licenciatura.
O Gráco 7 (mostrado na página seguinte) apresenta o número de matriculados (MAT)
e o número de aprovados (AP) anual em Instrumentação para o Ensino de Física II.
O número médio de matrículas anuais em Instrumentação para o Ensino de Física II é
de 13 ± 9, mínimo de 1 e máximo de 35, e o número de aprovados anual médio é de 12 ± 8,
O impacto da taxa de aprovação em disciplinas de física básica no percurso formativo de estudantes na graduação em física
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mínimo de 1 e máximo de 27, o que remete uma taxa de aprovação média de 92%. Aqui também
consideramos razoável encontrarmos uma alta taxa de aprovação. Trata-se de uma disciplina
cursada por alunos que, geralmente, já são professores da rede pública ou particular e que já
realizaram o Estágio Supervisionado para a licenciatura ou estão cursando-o em paralelo com
essa disciplina. Por isso, essa disciplina pode ser considerada um indicador prévio da escolha do
aluno pela licenciatura em física e do interesse pela obtenção do diploma. O que poderá acarretar
melhores condições de trabalho e melhores salários, quando efetivados nas escolas onde lecionam.
Gráco 7. Matriculados (MAT) e aprovados (AP) anuais em Instrumentação para o Ensino de Física.
Fonte: Elaborado pelos Autores, 2021.
Temos aqui também um potencial indicador da carência de professores de física no mer-
cado de trabalho. Nota-se, que há uma relativa estabilidade em torno de 20 alunos matriculados,
em média, no período de 2002 até 2010. Entretanto, a partir de 2011 uma queda acentuada
e preocupante nesse número. Inversamente ao que ocorre em Mecânica Quântica II, a taxa de
matrículas nessa disciplina a partir de 2011 correspondem aos menores valores da série histórica.
Isso indica que o patamar estável em Física Moderna, entre 2008 e 2012, correspondeu a alunos
que acabaram por optar, predominantemente, pelo bacharelado e não pela licenciatura. O que
nos leva a acender mais um alerta: se o número de alunos que se interessam pela graduação em
física vem caindo drasticamente, entre aqueles que se interessam pela licenciatura em física
parece que essa queda pode ser ainda mais acentuada.
Colação de Grau em Física
Para nalizar este estudo incluímos os dados da Colação de Grau, quando é concedido
ao estudante o título de bacharel ou licenciado em física. Consideramos esse dado como um
parâmetro importante do retorno que a universidade dá à sociedade. A Gráco 8 mostra a quan-
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tidade anual de alunos que concluíram a graduação em física (licenciatura e bacharelado), desde
os primeiros licenciados em 1977, até 2017.
Gráco 8. Colações de Grau em Bacharelado e Licenciatura em Física desde 1977 até 2017.
Fonte: Elaborado pelos Autores, 2021.
O total de diplomados com a licenciatura em física na universidade estudada, entre 1977
e 2017, foi de 298. No bacharelado em física, no período de 1986 a 2015, foram diplomados 121
alunos. Com isso, o total de diplomados em física, entre 1977 e 2017, foi de 419. Desse total,
42 alunos obtiveram dupla graduação em licenciatura e bacharelado. No Gráco 9 destacamos
o intervalo compreendido entre 2000 e 2017.
Gráco 9. Colações de Grau em Bacharelado e Licenciatura em Física de 2000 até 2017.
Fonte: Elaborado pelos Autores, 2021.
O impacto da taxa de aprovação em disciplinas de física básica no percurso formativo de estudantes na graduação em física
Plurais Revista Multidisciplinar, v.6, n.2, p. 103-123, mai./ago. 2021 |
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Na análise desses grácos, nota-se um aumento signicativo no número de diplomados
em física em 2003, particularmente na licenciatura em física. Tal fato pode estar relacionado à
inuência da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (Lei nº 9.394, de 20 de dezembro
de 1996), que estipula em seu Artigo 62 que “A formação de docentes para atuar na educação
básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena...” (BRASIL,
1996, p. 20), o que demandou uma corrida de professores leigos pela habilitação especíca nos
anos posteriores. Entretanto, a partir de então, mesmo com a política de expansão universitária,
observa-se uma queda lenta e contínua no número de graduados em física.
Observa-se ainda que número de novos bacharéis em física sempre se manteve abaixo
de 10 por ano, e o de licenciados em física, que chegou a 30 em 2003, está se mantendo abai-
xo de 15 por ano desde 2009. Apesar de o número de estudantes cursando Física Moderna e
Mecânica Clássica I ter aumentado ligeiramente nos últimos dois anos do estudo, a tendência
indicada pelo número de matriculados em Instrumentação para o Ensino de Física II tende para
uma queda ainda maior e preocupante no número de licenciados em física. A tendência sinali-
zada no Gráco 9, a partir de 2015, é de menos de dez graduados em física por ano, incluindo
licenciatura e bacharelado, número esse muito próximo aos das décadas de 1980 e 1990. O que
reforça a premissa da nossa reexão de que o simples aumento do número de vagas não resolve
o problema da carência de professores de Física.
Considerações nais
Manifestaremos aqui algumas preocupações e considerações a partir do estudo realizado.
Inicialmente, entendemos que a leitura dos dados e as análises feitas devem ser relativizados
por se tratar de um estudo de caso uma IES especíca, situada em um dado contexto. Porém,
outros estudos (ALMEIDA; SCHIMIGUEL, 2011; ATAÍDE; LIMA; ALVES, 2006; GOBARA;
GARCIA, 2007; FERNANDES, et al, 2020) evidenciam que o que foi observado em relação
às baixas taxas de aprovação e o grande número de abandono de disciplinas de física básica
pode ser considerado bem próximo da realidade da maioria dos cursos de graduação em física
ministrados nas universidades públicas brasileiras.
O projeto REUNI, a partir do qual foi implementado o curso de Bacharelado Interdis-
ciplinar em Ciências Exatas (BI-CE) na instituição analisada, aumentou signicativamente o
número de vagas nos cursos superiores. Porém, para a graduação em física tal aumento não
signicou formar mais e nem melhor. À margem de todo investimento feito na contratação de
novos professores, na construção de novas salas de aula e novos laboratórios de pesquisa e de
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ensino, e em projetos de ensino, pesquisa e extensão, a graduação em física continua gotejando o
mesmo número de graduandos de décadas atrás. Além disso, o simples aumento das vagas trouxe
consequências outras que ainda não foram devidamente analisadas, dentre as quais destacamos:
a facilidade de ingresso versus a permanência no curso; o aumento do número de alunos por
turma versus a qualidade do ensino ministrado; e a falta de identidade prossional gerada pelos
cursos de bacharelados interdisciplinares.
Nesse sentido, gostaríamos de retomar o argumento do professor Borges (2006), apre-
sentado no início deste artigo, em favor de um ensino cientíco para melhorar a qualidade das
disciplinas de física básica ministradas na graduação em física. A tese central de seu argumento
está na possibilidade de articulação entre as pesquisas em educação e as pesquisas em ensino
desenvolvidas por físicos renomados. Para que essa articulação ocorra entendemos que o profes-
sor universitário precisa ser mais que um bom pesquisador. É necessário que ele se empenhe em
atividades de ensino, tanto quanto em suas atividades de pesquisa. Que, a exemplo dos físicos
citados por Borges, tenha interesse e disposição para transitar entre essas duas culturas. Que sejam
ousados na proposição de mudanças nos cursos de graduação em física, que até hoje se espelham
em matrizes curriculares com mais de meio século de existência. Que tenham coragem para rever
ementas e reestruturar percursos formativos, em torno daquilo que seja realmente signicativo,
para atender as necessidades dos novos estudantes que hoje adentram as universidades em maior
número e com trajetórias escolares muito mais diversas daquelas de há dez ou vinte anos atrás.
Para isso, é preciso priorizar percursos formativos menos acidentados, mas que possibili-
tem uma boa base em física. A qualidade que aqui defendemos não se consegue com o aumento
nas reprovações ou com a simples criação de disciplinas de nivelamento. Conforme mostrado
neste estudo, a sobrevivência nas disciplinas de física geral não é sinônima de melhor desem-
penho nas disciplinas especícas subsequentes da graduação em física.
Também nos preocupa o efeito danoso de estratégias que visam somente a otimização das
estruturas e o aumento do número de vagas nos cursos de graduação. O modelo de bacharelado
interdisciplinar adotado na instituição analisada, permitiu maior exibilização nos percursos
formativos a partir dos interesses estudantes, das oportunidades oferecidas durante o curso e do
relacionamento com professores de diversos departamentos. À primeira vista, isso parece ser
vantajoso quando comparado às estruturas curriculares engessadas que impedem ou desestimulam
as mudanças, prendendo os alunos em processos formativos com os quais não se identicam.
Porém, a atratividade gerada pelo BI-CE não se sustenta perante as diculdades enfrentadas pe-
los estudantes nas disciplinas do 1º ciclo. As baixas taxas de aprovação nas disciplinas de física
O impacto da taxa de aprovação em disciplinas de física básica no percurso formativo de estudantes na graduação em física
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geral contribuem para o elevado índice de evasão e colaboram para que a graduação em física
seja evitada. Além disso, a oferta de disciplinas com turmas de 100 alunos, sem uma metodolo-
gia adequada, acentua ainda mais as diculdades e as fragilidades formativas que os estudantes
universitários trazem da educação básica.
É preocupante perceber que mesmo depois de mais de uma década de grandes investi-
mentos, tendemos a continuar titulando o mesmo número reduzido de estudantes que conseguem
sobreviver ao tortuoso percurso formativo da graduação em física. O caso é ainda mais grave
quando se trata da licenciatura em física. Corroborando com os resultados deste estudo, dados
do Censo da Educação Superior de 2018 (INEP, 2018) indicam que apenas 43,3% dos profes-
sores que lecionam física no ensino médio possuem a licenciatura especíca, e que a taxa de
desistência dos estudantes que ingressam nas licenciaturas em física era 71,8%, em 2016. De
acordo com Tokarnia (2016), com base nesses números, seriam necessários cerca de 11 anos
para que todos os professores de física tivessem a formação adequada. Conforme procuramos
mostrar neste estudo, o problema central não está na falta de vagas, mas sim na baixa eciência
dos cursos existentes.
É claro que não podemos ser ingênuos de imputar a culpa dessa baixa eciência apenas
às questões metodológicas, curriculares e estruturais dos cursos. Sabemos que o desinteresse
pela física, e mais especicamente pela licenciatura em física, se deve também a outros fatores
externos, como os baixos salários praticados e as más condições de trabalho a que os professores
da Educação Básica são submetidos. Em números atuais, o retorno nanceiro de uma carreira
técnica, como as de engenharias, por exemplo, pode ser muito mais vantajoso, e com uma for-
mação menos onerosa, se comparada com a graduação em física.
Apesar disso, defendemos que é possível dar conta, minimamente, de uma formação
adequada e de qualidade àqueles poucos alunos que buscam a graduação em física. Entendemos
que a centralidade do problema não está em denir aquilo que deve ser ensinado como nos faz
crer as mudanças curriculares, geralmente apresentadas como propostas para o enfrentamento do
problema – e sim no como e para quem devem ser direcionadas as disciplinas de física básica.
Em primeiro lugar, consideramos que não dá para conceber que uma mesma disciplina
atenda às necessidades formativas de bacharéis e licenciados. Não se trata de ensinar mais ou
menos física para um ou para outro. Há de se entender que são percursos formativos diferentes
em suas nalidades e que o professor formador da graduação precisa ter clareza dessa diferença
ao ensinar. Em segundo lugar, as metodologias adotadas devem ser coerentes com o perl dos
alunos e das turmas para as quais se leciona um determinado conteúdo. Um método de ensino
aplicado a uma turma de 20 alunos não pode ser a mesmo para outra turma com 100 alunos.
Júlio Akashi Hernandes, Paulo Henrique Dias Menezes e Giovana Trevisan Nogueira
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Para isso, conforme indicado por Borges (2006), o físico pesquisador do ensino superior
– que também é professor – deve estar disposto a aprender novas metodologias de ensino, a en-
tender como se articulam os processos de ensino e de aprendizagem. Nesse sentido, consideramos
que o programa de Mestrado Nacional Prossional em Ensino de Física (MNPEF), instituído
em 2013 pela Sociedade Brasileira de Física (SBF), além da qualicação dos professores de
física da educação básica, vem cumprindo o importante papel de despertar o interesse dos físicos
pesquisadores pelos processos educacionais.
Em terceiro lugar, entendemos que é preciso haver uma maior integração entre conte-
údos teóricos, experimentais e procedimentais, e um uso mais efetivo dos recursos didáticos e
das novas tecnologias de ensino, com ênfase na aquisição de conceitos físicos estruturantes e
no desenvolvimento do pensamento cientíco. Isso pode ser dinamizado com a colaboração de
estudantes seniores de graduação e de pós-graduação em atividades de acolhimento aos calouros,
envolvendo não só as tradicionais monitorias, mas também um sistema de tutoria que possibilite
o gerenciamento de grupos de estudos e o acompanhamento dos discentes, criando vínculos em
torno de uma comunidade de ofício que ajude a fortalecer a identidade da graduação em física.
Por m, mas não menos importante, não podemos deixar de mencionar a recente regula-
mentação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que apresenta mudanças signicativas
na estrutura do Ensino Médio, que indicam uma necessária e completa reformulação na formação
dos professores que atuam nas diferentes áreas das Ciências da Natureza e suas Tecnologias.
Agradecimentos
Agradecemos ao funcionário técnico administrativo Carlos Adolpho Pereira Junior, pela
colaboração na coleta de informações no SIGA.
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Recebido: 20 de junho de 2021.
Publicado: 14 de julho de 2021.
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