Kátia Aparecida da Silva Nunes Mirandas e Clóris Violeta Alves Lopes  
DOI: https://doi.org/10.29378/plurais.2447-9373.2021.v6.n1.10606  
DIÁLOGOS SOBRE A SOCIOEDUCAÇÃO EM  
TEMPOS DE PANDEMIA  
1
Kátia Aparecida da Silva Nunes Miranda  
Universidade Federal de Mato Grosso  
https://orcid.org/0000-0002-2103-4889  
2
Clóris Violeta Alves Lopes  
Universidade Federal do Delta do Parnaíba  
https://orcid.org/0000-0002-2372-1033  
RESUMO:  
Nosso objetivo com este texto é convidar a uma reflexão crítica que visa auxiliar no processo de com-  
preensão quanto às práticas socioeducativas, em especial, no atual contexto decorrente da pandemia  
causada pelo coronavírus (covid-19), momento em que os jovens em regime de privação de liberdade  
se viram desprovidos de qualquer forma de acesso à educação. Para tanto, os estudos foram realizados  
sob a ótica dos diálogos estabelecidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), do Sistema  
Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE) e da discussão sobre as possibilidades metodoló-  
gicas de manutenção do processo educativo para esses jovens. Com o intuito de garantir sua sustenta-  
ção, buscou-se aporte teórico em estudiosos como Antônio Costa, para debater sobre as concepções de  
socioeducação, Paulo Freire e seus ensinamentos sobre dialogicidade, educação cidadã, libertadora e/  
ou emancipatória e Elenice Onofre, dentro do viés da educação como inclusão social, utilizando ferra-  
mentas da pesquisa bibliográfica, em que se procurou correlacionar as teorias defendidas pelos respec-  
tivos autores e as práticas vivenciadas, tomando por base o Centro de Atendimento Socioeducativo de  
Cuiabá–MT (CASE/MT). Apartir das análises reflexivas, os resultados apontam a necessidade premente  
de aprimorar o entrelaçamento entre as concepções teóricas apresentadas, as normatizações vigentes e as  
práticas sociopedagógicas, pois só assim será possível garantir um efetivo processo para a reinserção do  
jovem na sociedade, balizada numa prática que busca evitar reincidências, uma vez que as ferramentas  
socioeducativas ainda se mostram como o melhor instrumento para auxiliar na emancipação dos jovens  
em privação de liberdade e, por conseguinte, atuar na transformação social.  
Palavras-chave: Jovens em restrição e privação de liberdade. Socioeducação. Diálogos.  
ABSTRACT:  
DIALOGUES ABOUT SOCIO-EDUCATION IN PANDEMIC TIMES  
Ourobjectivewiththistextistoinviteacriticalreflectionthataimstoassistintheprocessofunderstanding  
socio-educational practices, especially in the current context resulting from the pandemic caused by the  
coronavirus (COVID-19), at which time young people in deprivation of liberty regime were devoid of  
any form of access to education. For this purpose, the studies were conducted from the perspective of the  
dialogues established by the Statute of the Child and Adolescent — ECA, the National System of Socio-  
educational Care — SINASE, and the discussion about the methodological possibilities of maintaining  
the educational process for these young people. In order to guarantee its support, we sought theoretical  
1
Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Doutorado em Educação (UFSCar). Núcleo de Es-  
tudos e Pesquisa Emancipatória em Linguagem (Nepel/UFMT) e integrante do Núcleo de Investigação  
e Práticas em educação nos espaços de restrição e privação de liberdade (EduCárceres/UFSCar).  
E-mail: katia-nmiranda@hotmail.com  
2
Universidade Federal do Delta do Parnaíba (UFDPar). Doutorado em Educação (UFSCar); Núcleo de  
Investigação e Práticas em educação nos espaços de restrição e privação de liberdade (EduCárceres/UFSCar).  
E-mail: cloris-carlos@uol.com.br  
2
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Diálogos sobre a socioeducação em tempos de pandemia  
contribution to scholars such as Antônio Costa, to discuss the conceptions of socio-education, Paulo  
Freire and his teachings on dialogicity, citizen education, liberating and/or emancipatory and Elenice  
Onofre, within the bias of education as social inclusion, using tools of bibliographic research, in which we  
sought to correlate the theories defended by the respective authors and the practices experienced, based  
on the Socio-educational Care Center of Cuiabá–MT (CASE/MT). Based on reflective analyzes, the  
results point to the urgent need to improve the intertwining between the theoretical concepts presented,  
the current norms and socio-educational practices, because only then will it be possible to guarantee an  
effective process for the reintegration of young people into society, based on a practice which seeks to  
avoid recidivism, since socio-educational tools are still the best instrument to assist in the emancipation  
of young people in deprivation of liberty and, therefore, to act in social transformation.  
Keywords: Young people in restriction and deprivation of liberty. Socio-education. Dialogues.  
RESUMEN:  
DIÁLOGOS SOBRE SOCIO EDUCACIÓN EN TIEMPOS DE PANDEMIA  
Nuestro objetivo con este texto es invitar a una reflexión crítica que tiene como objetivo ayudar en el  
proceso de comprensión de las prácticas socioeducativas, especialmente en el contexto actual derivado  
de la pandemia provocada por el coronavirus (covid-19), época en la que los jóvenes en situación de  
privación de libertad se encontraron sin ninguna forma de acceso a la educación. Para ello, los estudios  
se realizaron desde la perspectiva de los diálogos establecidos por el Estatuto de la Niñez y la Adoles-  
cencia (ECA), el Sistema Nacional de Asistencia Social y Educativa (SINASE) y la discusión sobre  
las posibilidades metodológicas de mantener el proceso educativo de estos jóvenes. Para garantizar su  
apoyo, se buscó un aporte teórico de académicos como Antonio Costa, para debatir los conceptos de  
socio educación, Paulo Freire y sus enseñanzas sobre dialogicidad, educación ciudadana, liberadora  
y/o emancipadora y Elenice Onofre, dentro del sesgo de la educación como inclusión social, utilizando  
herramientas de investigación bibliográfica, en las que se intentó correlacionar las teorías defendidas  
por los respectivos autores y las prácticas vividas, con base en el Centro de Servicio Socioeducativo  
Cuiabá - MT (CASE / MT). A partir de análisis reflexivos, los resultados apuntan a la urgente necesidad  
de mejorar el entrelazamiento entre los conceptos teóricos presentados, la normativa vigente y las prác-  
ticas socio pedagógicas, pues solo así será posible garantizar un proceso efectivo de reinserción de los  
jóvenes en la sociedad, a partir de una práctica. que busca evitar la reincidencia, ya que las herramientas  
socio educativas siguen siendo el mejor instrumento para ayudar en la emancipación de los jóvenes en  
privación de libertad y, por tanto, actuar en la transformación social.  
Palabras clave: Juventud en restricción y privación de libertad. Socio educación. Diálogos  
Introduzindo o assunto  
Para compreender as questões que envolvem a socioeducação, vale destacar que, qual-  
quer que seja o tipo de educação, ela é, por natureza, proeminentemente social (COSTA, 2004).  
Portanto, o conceito de socioeducação privilegia o aprendizado para o convívio social e  
para o exercício da cidadania. Assim, empreendem-se ações para a materialidade de propostas  
que implicam uma nova forma de o indivíduo relacionar-se consigo e com o mundo.  
Com a Lei n.° 8.069/1990 (Estatuto da Criança e doAdolescente — ECA) e a ratificação  
do Brasil como signatário da Convenção sobre os Direitos da Criança no mesmo ano, emergem  
dispositivos legais que garantem ao público infanto-juvenil, enquanto sujeitos de direito, a pro-  
teção integral, de forma que os seus interesses passam a ter prevalência sobre qualquer outro.  
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Kátia Aparecida da Silva Nunes Mirandas e Clóris Violeta Alves Lopes  
Destaca-se a sua premissa em promover mudanças conceituais e trazer inovações para  
a construção de políticas públicas e sociais voltadas para a criança e o jovem, com reflexos,  
inclusive, para a questão infracional, responsabilizando o jovem que cometeu algum tipo de  
infração, o qual passará a responder sob a forma de medidas socioeducativas.  
Tal prática ganhou reforço com a Lei n° 12.594/2012 (Sistema Nacional deAtendimento  
Socioeducativo — SINASE), que dispôs sobre a advertência, obrigação de reparar danos, pres-  
tação de serviços, liberdade assistida, inserção em regime de semiliberdade ou a internação em  
estabelecimento educacional a serem aplicadas ao jovem infrator.  
No entanto, tais medidas, para além da sanção, devem contar com práticas de natureza  
sociopedagógica (social, pedagógica, educativa) que possibilitem ao jovem a oportunidade de  
construir novos valores e perspectivas de vida.  
Com o ECA, além de ser apresentada uma nova concepção da infância e da adolescência,  
resgatando-se direitos e garantias constitucionais, estabelecem-se medidas socioeducativas a se-  
rem aplicadas, o que permite uma reorientação na atenção aos jovens. Assim, quando um jovem  
passa a ser atendido, ao mesmo tempo em que se aplica algum tipo de sanção, ofertase, mediante  
a socioeducação, a garantia de suas necessidades e direitos.  
Portanto, abordar acerca das fragilidades enfrentadas nas políticas públicas destinadas  
à socioeducação, questionar a eficácia de seu cumprimento, problematizar a obrigação de es-  
tarem orientadas pelos princípios educacionais, pedagógicos, sociais e humanos são meios de  
não naturalizar a cultura de encarceramento juvenil que pode estar se tornando uma auspiciosa  
máquina para o aprofundamento das violências na vida dos jovens.  
No entanto, no contexto atual, com a pandemia causada pelo coronavírus (covid-19) que  
afeta o mundo todo, as instituições e a sociedade, de modo geral, têm se confrontado com uma  
nova conjuntura, merecendo um destaque especial o campo socioeducativo.  
Verifica-se, pois, uma grande dificuldade em trabalhar pedagogicamente com os jovens  
inseridos nesse meio, fazendo-se necessário remodelar urgentemente a forma de convivência  
social e institucional para que ocorra uma adequação das práticas a serem desenvolvidas nos  
espaços de socioeducação, pautadas no repensar e ressignificar o direito à vida aos casos con-  
cretos que o plano fático nos traz.  
Nesse contexto, propomos refletir criticamente, com este artigo, acerca do ECAe SINASE,  
a partir das políticas públicas destinadas à socioeducação nesse período pandêmico, mostrando,  
ainda, quais são as medidas que estão sendo tomadas pelos governos federal e estadual para  
mitigar o problema no sistema socioeducativo.  
2
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Diálogos sobre a socioeducação em tempos de pandemia  
Para tanto, utilizamos o aporte teórico de Costa (2001, 2004), Freire (2005, 2007) e  
Onofre (2013, 2015), por meio da ferramenta metodológica da pesquisa bibliográfica, e procura-  
mos correlacionar teoria e prática tomando por base o Centro de Atendimento Socioeducativo  
de Cuiabá–MT, visando aprofundar a investigação sobre o tema, que possibilita a estruturação  
do embasamento teórico utilizado.  
O trabalho está dividido em três partes. Na primeira, discutimos sobre a socioeducação,  
diálogos e educação nos espaços de privação de liberdade, privilegiando as concepções de  
Antônio Costa, Paulo Freire e Elenice Onofre; na sequência, apresenta-se uma reflexão sobre a  
socioeducação existente no Brasil e em Mato Grosso; em seguida, discorremos sobre a opção  
metodológica, amparados na pesquisa bibliográfica, e arrematamos com os possíveis caminhos  
em tempos de pandemia, a fim de delinearmos uma reflexão crítica em relação às políticas pú-  
blicas inerentes à socioeducação.  
Diálogos e socioeducação: pressupostos teóricos  
Os pressupostos teóricos que sustentaram este estudo estão ancorados na concepção da  
educação que pretende ser formadora de um sujeito autônomo. Nessa perspectiva, as contribuições  
dos autores como Costa (2001, 2004), Freire (2005, 2007) e Onofre (2013, 2015) possibilitam  
análises que se entrelaçam na inter-relação dialética entre mundo, ser humano, educação cidadã  
e socioeducação.  
De acordo com Costa (2004), qualquer que seja o tipo de educação, ela é, por natureza,  
proeminentemente social. O conceito de socioeducação privilegia, por assim dizer, o aprendizado  
para o convívio social e exercício da cidadania, fazendo-se necessário, pois, que as políticas  
públicas sociais estejam constantemente voltadas para a prática e desenvolvimento de ações que  
visem materializar propostas que impliquem em uma nova forma de o indivíduo relacionar-se  
consigo e com o mundo.  
Concebe-se a socioeducação como o educar para o coletivo, no coletivo e com o coletivo  
(COSTA, 2004), o que reforça a natureza sociopedagógica existente nos preceitos do ECA, quando  
da adoção de um projeto social compartilhado, voltado ao desenvolvimento e fortalecimento da  
identidade pessoal, cultural e social do jovem.  
Para Costa (2004), a socioeducação divide-se em duas grandes modalidades:  
uma, de caráter protetivo, voltada para as crianças, jovens e adultos em cir-  
cunstâncias especialmente difíceis, em razão da ameaça ou violação de seus  
direitos, por ação ou omissão da família, da sociedade, do Estado ou, até mes-  
mo, da sua própria conduta, que os leva a se envolverem em situações que  
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Kátia Aparecida da Silva Nunes Mirandas e Clóris Violeta Alves Lopes  
implicam em risco pessoal e social; e outra, especificamente voltada para o  
trabalho social e educativo, destinada aos jovens em cumprimento de medida  
socioeducativa.  
A socioeducação está alicerçada no pressuposto da formação integral do ser humano,  
contemplando todas as dimensões do ser. Essa educação, para além da formação escolar e  
profissional, está profundamente ligada a uma nova forma de pensar e dialogar com o jovem.  
Trata-se de um movimento emancipador do sujeito que, para Costa (2004), está articulado  
com um projeto de socioeducação que deve ser aliado à educação geral e profissional. No entanto,  
para que isso ocorra, as ações educativas devem exercer uma influência edificante sobre a vida  
do jovem, criando condições para que ele cumpra tarefas bem peculiares dessa fase da vida.  
A partir de Freire (2007), entende-se a socioeducação pelo diálogo estabelecido entre  
educador e educando, fundamental para a problematização das situações reais vividas pelo jovem,  
que o leva a perceber o problema originário e a buscar por mudanças. Para tanto, essa relação  
dialógica deve oportunizar a educação como prática de humanização, independentemente do  
espaço no qual o jovem se encontre.  
Freire (2005) refere-se à importância da dialogicidade, posto que, de acordo com o autor,  
o diálogo entre educador e educando deve ser considerado como elemento fundamental para a  
problematização de situações reais vividas pelo aluno.  
No entendimento de Freire (2005), problematizar consiste em abordar questões que  
emergem de situações que fazem parte da vivência dos educandos; é desencadear uma análise  
crítica sobre a ‘realidade problema’ para que o educando perceba a questão e reconheça a ne-  
cessidade de mudanças.  
Conforme Freire (2005), o diálogo é a forma mais segura para a educação e libertação  
de todos os homens e mulheres — opressores e oprimidos —, apontando que, a partir da arte do  
diálogo e da contraposição de opiniões, é possível alcançar novas ideias. Em sua teoria, fica claro  
que o diálogo consiste em uma relação horizontal entre as pessoas envolvidas em uma relação.  
Assim, com o propósito de vencer a situação de desumanização dos indivíduos, torna-se  
fundamental o processo de educação de tal maneira que possam tomar consciência de sua con-  
dição de seres desumanizados e buscar alcançar sua humanização. Sob esse viés, apresenta-se  
o processo de conscientização e diálogo por meio do qual os seres humanos poderão tornar-se  
sujeitos no processo educativo, tal como na construção de sua humanidade.  
Onofre (2015) também aponta para a necessidade de encontrar meios que auxiliem a  
desenvolver atividades para os jovens em restrição e privação de liberdade, observando que, en-  
quanto se trabalha o princípio fundamental da educação por essência transformadora e libertadora,  
estabelece-se a cultura de privação de liberdade, levando à adaptação e à privação de liberdade.  
2
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Diálogos sobre a socioeducação em tempos de pandemia  
Para Onofre (2013), as políticas de inclusão em espaços de privação de liberdade pro-  
vocam algumas inquietações. Uma delas é a de promover a problematização das questões dos  
invisíveis no paradigma da segurança, característico desse espaço.  
Nesse sentido, o que se propõe é ver a educação no espaço de privação de liberdade  
pela perspectiva dos direitos humanos, porque ela constitui um valor em si mesma, sendo um  
conjunto de ferramentas e de capacidades que ampliam as possibilidades de implementação de  
projetos que contribuam para a inclusão social, cultural e econômica das pessoas aprisionadas  
(ONOFRE, 2013, p. 52)  
Segundo Onofre (2013), o Estado tem a competência e responsabilidade de promover  
práticas de fortalecimento e controle de políticas públicas no sentido de que os direitos humanos  
básicos sejam garantidos, com igualdade para todos os indivíduos, incluindo-se aqueles que se  
encontram em privação de liberdade (ONOFRE, 2013, p. 52).  
Nesse sentido, Onofre (2015) aponta que tais políticas devem estar evidenciadas no  
cotidiano dos espaços de privação de liberdade, fazendo dessas instituições espaços educativos  
e tendo a educação como alicerce desse processo. Para tanto, pensar o universo da educação  
significa ir além da educação escolar, somando-se a ela as experiências educativas que ocorrem  
no cotidiano das pessoas, por meio do relacionamento com outros indivíduos e com o seu am-  
biente (ONOFRE, 2013).  
Nessa perspectiva, alinhando-se com a concepção de Costa, Freire e Onofre, os autores  
sugerem o engajamento em ações práticas para que, de fato, haja transformação social, indi-  
cando possibilidades de aplicação dessa mudança na socioeducação, edificadas com base no  
desvelamento dos problemas sociais e originadas das práticas sociais com o objetivo de buscar  
solução e superação.  
Reflexões acerca da socieducação em tempos de pandemia: con-  
texto brasileiro e mato-grossense  
Com a pandemia mundial causada pelo coronavírus (covid-19), as instituições e a so-  
ciedade, de modo geral, têm se deparado com um novo cenário educacional. Na socioeducação,  
verifica-se uma grande dificuldade em trabalhar pedagogicamente com os jovens inseridos  
nesse meio, buscando novas abordagens para a convivência social e institucional, adequando  
as metodologias e práticas a serem adotadas nos locais que contam com jovens em situação de  
privação de liberdade. Tais premissas devem buscar sustentação no ato de repensar os direitos  
inerentes aos jovens em face da atual situação pandêmica.  
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Kátia Aparecida da Silva Nunes Mirandas e Clóris Violeta Alves Lopes  
Conforme levantamento do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), em 2019,  
o Brasil contava com 18.086 jovens em situação de privação de liberdade, distribuídos em 330  
unidades de socioeducação.  
Referido estudo destacou que essas unidades totalizavam 16.161 vagas, mostrando a  
distorção entre o número de jovens e de vagas, que evidencia o principal impacto da pandemia  
no sistema socioeducativo — a superlotação.  
Consequentemente, essa distorção dificulta o atendimento às recomendações da Orga-  
nização Mundial da Saúde (OMS) e do Ministério da Saúde (MS) para prevenção da covid-19,  
que compreende, basicamente, o distanciamento físico, a não aglomeração de pessoas e rotinas  
constantes de higienização. Registra-se, ainda, que o não cumprimento de tais medidas pode  
levar mais pessoas a óbito em decorrência da doença.  
A Constituição Federal de 1988, no seu artigo 227, garante ao jovem a proteção integral,  
que deve ocorrer com a adoção de providências no âmbito dos três poderes (Executivo, Legisla-  
tivo e Judiciário) e com prioridade absoluta, com vistas à importância do pleno desenvolvimento  
dos indivíduos, motivo pelo qual os ditames constitucionais servem de amparo e dão especial  
relevância à temática, complementada pelo ECA e SINASE.  
A hipótese fática atual deve servir como fundamento para fortalecer a proteção ao  
jovem em situação e privação de liberdade, e não como reforço para o caráter punitivo e  
segregação do jovem. A privação de liberdade com a aplicação de medida não pode se traduzir  
em mero punitivismo estatal e deve sempre visar à reinserção social.  
O Conselho Nacional de Justiça, diante disso, editou a Recomendação n.º 62/2020, cuja  
normativa tenta dar um novo prisma de aplicação, com um (re)pensar crítico que se afasta do  
mero punitivismo e privação de liberdade em sede infracional.  
Destarte, a Resolução n.º 75/2020, da Secretaria da Justiça, Família e Trabalho, que dis-  
ciplina as disposições do Decreto Estadual n.º 4.230/2020, com a finalidade de instituir e adotar  
medidas e providências como Plano de Contingência de Prevenção ao contágio pelo vírus da  
covid-19, em seu artigo 17, inciso VI, determina que os adolescentes que se encontram em  
cumprimento de medida socioeducativa de semiliberdade podem, durante o período de  
contingenciamento, permanecer em suas casas diante da grave situação que se alastra pelo  
país com a disseminação do vírus, como medida de prevenção e segurança.  
Já o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA), em  
consonância com a Resolução n.º 313 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), de 19 de março  
de 2020, que estabeleceu critérios para uniformizar o funcionamento dos serviços judiciários,  
com o objetivo de prevenir o contágio pela covid–19 e garantir o acesso à justiça durante o perí-  
2
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Diálogos sobre a socioeducação em tempos de pandemia  
odo emergencial, recomendou a observação da resolução em comento, destacando em seu item  
1
3 a possibilidade de revisão das medidas socioeducativas imputadas e sua progressão para o  
meio aberto, a suspensão das medidas junto aos grupos de riscos, dentre outros aspectos, como  
garantir a comunicabilidade dos adolescentes com suas famílias por meio remoto; a prática de  
medidas socioeducativas por meios digitais; a higienização do ambiente, bem como o controle e  
informação ao Estado sobre o cumprimento das medidas apontadas pela Resolução n.° 62/2020  
do CNJ (BRASIL, 2020b).  
Asseveramos que a posição do CNJ e do CONANDA é efetivamente uma predileção  
por medidas restritivas (meio aberto) ou por cumprimento de medida domiciliar, isso porque é  
reconhecido que o sistema socioeducativo no Brasil sofre com superlotação e estruturas precárias.  
Mesmo que em alguns estados brasileiros não haja superlotação, é importante destacar  
que o sistema socioeducativo não tem condições de evitar a propagação do coronavírus, dada a  
arquitetura das unidades socioeducativas que conta com alojamentos próximos uns dos outros,  
quase sempre sem ventilação e iluminação.  
Nessa mesma direção, em âmbito estadual, no que tange ao sistema educacional de  
Mato Grosso, medidas sobre reorganização dos calendários escolares e realização de atividades  
pedagógicas não presenciais durante o período de pandemia da covid-19 foram tomadas, afe-  
tando todas as modalidades, desde as de ensino: ensino médio, Educação de Jovens e Adultos  
(EJA), educação especial, educação do campo, quilombola e indígena, de povos tradicionais,  
até as especializadas, como o sistema socioeducativo, sistema penitenciário, classes e ambientes  
hospitalares, educação integral e atendimento aos imigrantes.  
Por meio da proposta no Parecer n.° 5/2020-CNE/CP, de 28 de abril de 2020, pelo Conse-  
lho Nacional de Educação, tanto o Conselho Estadual de Educação de Mato Grosso (CEE-MT)  
quanto a Secretaria de Estado de Educação do estado (SEDUC/MT), resguardadas as especifici-  
dades locais, tomaram medidas no sentido de mitigar localmente a proposta de parecer emitida  
pelo Conselho Nacional de Educação.  
Assim, o sistema socioeducativo permanece sem aulas on-line e com material impresso,  
semanalmente, para todos os jovens. Essa medida tem o objetivo de regulamentar normas a se-  
rem adotadas pelas instituições pertencentes ao Sistema Estadual de Ensino, enquanto perdurar  
a situação de pandemia pelo novo coronavírus (covid-19).  
Nesse sentido, a Secretaria de Estado de Segurança Pública (SESP–MT), instituição  
responsável pela execução da medida socioeducativa em meio fechado no estado de Mato Gros-  
so, mantém restringido o acesso de pessoas com sintomas de gripe e daquelas consideradas do  
grupo de risco.  
Plurais Revista Multidisciplinar, v.6, n.1, p. 208-219, jan./abr. 2021 | 215  
Kátia Aparecida da Silva Nunes Mirandas e Clóris Violeta Alves Lopes  
Também estão mantidas as suspensões de: transferências de jovens entre Centros de  
Atendimento Socioeducativo e interestaduais, salvo casos excepcionais, devidamente autorizados  
pelo superintendente deAdministração Socioeducativa; atividades religiosas, assim como aquelas  
que necessitam do acesso de pessoas externas para a promoção de projetos sociais; assistência  
cultural, realização de cursos e outras atividades coletivas que possam provocar a aglomeração  
de pessoas, resguardando, assim, tanto os adolescentes quanto os servidores.  
Está proibido o recebimento de jovens oriundos de outros estados e países, assim como  
não é possível, no momento, o recebimento de alimentos e posterior entrega aos jovens. Outra  
limitação imposta refere-se à deliberação de que as unidades devem seguir a determinação de  
suspender as atividades presenciais escolares.  
Além disso, foi mantido o atendimento psicossocial individualizado aos adolescentes  
privados de liberdade apenas em casos emergenciais ou urgentes, respeitando as recomenda-  
ções do Ministério da Saúde quanto à prevenção do contágio pelo coronavírus, especialmente,  
a distância mínima e o ambiente ventilado.  
Retomando as normativas do CNJ, verifica-se que elas recomendam aos CASEs que man-  
tenham as atividades educacionais, físicas, lúdicas, de lazer, recreativas, bem como incentivem  
a leitura, os trabalhos manuais, os filmes, os jogos, entre outros, em menor número de adoles-  
centes, obedecendo às recomendações do Ministério da Saúde quanto ao combate da covid-19.  
Assim, necessário se faz encontrar soluções que garantam a continuidade e inclusão de  
novas práticas para atender ao processo socioeducacional desses jovens em situação de privação  
de liberdade.  
Opções metodológicas  
Optou-se pela abordagem qualitativa, por meio de uma pesquisa bibliográfica, que tem  
o documento como objeto de investigação. Assim, a pesquisa foi desenvolvida com base em  
material já elaborado, constituído principalmente de livros, artigos científicos, normativas, de-  
cretos e recomendações (GIL, 2008).  
Nesse sentido, a pesquisa bibliográfica é realizada buscando efetuar o levantamento de  
um saber disponível sobre teorias e concepções, com o intuito de analisar, produzir ou explicar  
um objeto que está sendo investigado. Assim sendo, esse estudo, por meio da pesquisa biblio-  
gráfica, analisou as principais teorias e autores da temática abordada com diferentes finalidades  
(CHIARA et al., 2008), entre elas, ações sociopedagógicas e o compromisso ético-político com  
a sociedade em prol da construção de outro mundo possível.  
2
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Diálogos sobre a socioeducação em tempos de pandemia  
Possíveis caminhos  
Seguindo as diretrizes instituídas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), levando em  
consideração as recomendações expedidas pelos órgãos públicos e pela Organização Mundial  
da Saúde (OMS), de caráter preventivo, assegurando a saúde dos jovens e de seus familiares,  
preconizadas no artigo 227 da Constituição Federal de 1988 (CF/88), em observância à proteção  
integral do jovem, seja por questão humanitária ou em decorrência do princípio da homogenei-  
dade, tem-se um novo olhar sob a aplicação e execução das medidas socioeducativas em tempos  
de pandemia.  
Segundo a Recomendação n.º 62/2020 do CNJ, as instituições devem elaborar planos de  
contingência explicitando as rotinas e os protocolos que devem ser adotados. Tal plano limita-se  
basicamente a descrever os aspectos da pandemia, as características da covid-19 e elencar quais  
equipamentos de proteção devem ser utilizados.  
Logo, visualiza-se um novo aspecto na aplicabilidade da medida socioedu-  
cativa de privação de liberdade, uma vez que a situação trazida pelo cená-  
rio atual pandêmico conduz a uma nova percepção das instituições e de suas  
ações sociais, bem como obriga os profissionais envolvidos com a educação a  
achar mecanismos que possam ser adequados à nova realidade vivenciada, por  
meio da introdução de disposições normativas que possibilitem e ampliem os  
recursos metodológicos utilizados para lidar com as adversidades e superar os  
tensionamentos decorrentes da situação atual.  
Para tanto, é preciso ofertar atividades culturais e educacionais aos jovens em situação  
de privação de liberdade, por meio de recursos, ainda que on-line, garantindo a continuidade  
das ações socioeducativas a esses jovens, despertando neles a reflexão de quais são os papéis  
disponíveis a eles neste conturbado período, quais papéis estão efetivamente experimentando  
e o que querem assumir como compromisso para suas vidas no futuro, com a finalidade de que  
façam escolhas de forma consciente e atuante, sem se sentirem excluídos mesmo em tempos  
tão difíceis.  
O direito à educação, saúde e convivência familiar no sistema socioeducativo durante a  
pandemia deve ser respeitado e garantido, para além dos principais desafios já enfrentados em  
relação à articulação em rede para o fortalecimento das medidas em meio aberto e quanto ao  
uso de equipamentos de proteção individual pelos funcionários e jovens.  
A partir dessa compreensão, verifica-se que é papel do Estado atuar para o resgate da  
cidadania do jovem em situação de privação de liberdade.  
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Kátia Aparecida da Silva Nunes Mirandas e Clóris Violeta Alves Lopes  
Considerações  
Vivemos um momento em que se faz imprescindível a desconstrução das experiências  
danosas, reinventando-as. Repensar o sistema socioeducativo é preciso e necessário, entretanto,  
isso não significa a sua extinção ou agravamento.  
Não se pode pensar em uma sanção severa, por meio da privação de liberdade, para  
resolver o problema da criminalidade e violência em nosso país. A proposta não é incentivar a  
defesa do endurecimento do ECA, por exemplo, mas, sim, manter viva uma reflexão constante  
acerca da capacidade sociopedagógica que possui esse sistema.  
Esse dever de desconstrução da punição e não aceitação é um ato de resistência e luta  
pela garantia dos direitos desses jovens. É crucial, porém, para a construção de políticas públicas  
sólidas e eficazes ao atendimento socioeducativo, que se efetivem ações conjuntas envolvendo  
diversos atores como: Poder Executivo (federal, estadual e municipal), Poder Judiciário, Mi-  
nistério Público e a sociedade civil, dando abertura ao princípio da incompletude institucional.  
Dessa forma, em tempos de pandemia, tão importante quanto a responsabilização do  
jovem transgressor, é assegurar-lhe os direitos e garantias fundamentais, desde a fase de investi-  
gação/apuração dos fatos, com o devido respeito ao processo legal e condições especiais da área  
infanto-juvenil, até o final da execução da medida. Para tanto, é essencial garantir a eficácia dos  
direitos do jovem que permaneceu em privação de liberdade durante todo o período da pandemia.  
A socioeducação decorre da perspectiva de que o desenvolvimento humano deve se dar  
de forma integral, contemplando todas as dimensões do ser. É a opção por uma educação que vai  
além do processo escolar e profissional, trata-se de uma educação humanizadora, libertadora e  
emancipadora, que valoriza os sujeitos como construtores de seus conhecimentos, prevalecendo  
entre os pares uma relação dialógica. Essa ideia está intimamente associada a uma nova forma  
de pensar e abordar o trabalho com os jovens.  
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Recebido em: 16 de janeiro de 2021.  
Publicado em: 20 de abril de 2021.  
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