CARTA ABERTA: A VOZ DAS MARISQUEIRAS
Marcleide Pinho Santos¹
¹Empreendedora, marisqueira e pescadora artesanal, é líder comunitária e orienta os membros de colônia de pesca e marisqueira de Madre de Deus, na Bahia. Petrobras, Rio de Janeiro, BR
*Autora correspondente: E-mail: marcleidesantos94@gmail.com
ORCID: https://orcid.org/0009-0001-4625-2727
Resumo: Este artigo “carta aberta”, traz reflexões profundas e precisas sobre o papel da mulher na proteção da Baía de Todos Os Santos, o segundo maior ecossistema de baía do Brasil, a partir da atividade milenar da mariscagem, apontando como a vulnerabilidade da mulher na sociedade impacta diretamente a preservação do ecossistema marinho, onde, a questão central conclama por resposta a uma simples pergunta: Se o futuro depende do que fazemos hoje, como vamos escolher agir?
Palavras-chave: Baía de Todos Os Santos; políticas públicas; mulheres; vulnerabilidade
CARTA ABIERTA: LA VOZ DE LAS MARISCADORAS
Resumen: Este artículo “carta abierta” aporta reflexiones profundas y precisas sobre el papel de la mujer en la protección de la Baía de Todos Os Santos, el segundo mayor ecosistema de baía de Brasil a partir de la milenaria actividad del marisqueo, y señala cómo la vulnerabilidad de la mujer en la sociedad repercute directamente en la preservación del ecosistema marino. La cuestión central clama por una contestación. ¿Si el futuro depende de lo que hagamos hoy, cómo elegiremos actuar?
Palabras clave: Baía de Todos Os Santos; politicas públicas; mujeres; vulnerabilidad
Senhoras e senhores,
Hoje, minhas palavras trazem a voz de mulheres que vivem nas margens, não apenas das águas, mas também da sociedade. Falo em nome das marisqueiras — mulheres que, dia após dia, curvam-se diante do mar, mas nunca se abaixam-se diante da vida. Embora eu não pratique mais essa atividade, ainda trago nas mãos e na alma a força de quem sentia a intensidade inclemente do sol na pele, suportava a umidade, a dor no corpo e carregou um cansaço incapaz de encontrar descanso.
Essas mulheres, que tanto oferecem ao mar e às suas famílias, têm histórias que o vento raramente leva com as marés. Elas são guardiãs da vida marinha, mas também guardam dores que muitos preferem ignorar. A cada dia, seus corpos se dobram, suas costas sofrem, seus olhos se desgastam. E, quando voltam para casa, encontram muitas vezes não somente repouso, como também a violência. Maridos que bebem, tornam-se agressivos, transformam o lar em um lugar de medo, onde o silêncio grita mais alto do que qualquer palavra. Essas mulheres são as marisqueiras — mães, esposas, filhas — que sustentam o mar e suas famílias com uma força silenciosa e indomável.
Mas será que essa realidade precisa continuar assim? Será que podemos seguir ignorando essas vozes que clamam por dignidade? A Amazônia Azul, que tanto encanta pelos seus recursos, não existirá em sua plenitude sem essas mulheres que a protegem. O mar é vasto e generoso, mas ele precisa ser cuidado. E quem cuida dele hoje? Quem limpa, quem preserva, quem garante que amanhã também tenha mariscos, também haja vida? Somos nós, as marisqueiras. Mulheres que não apenas tiram sustento das águas, mas devolvem ao mar, respeito, atenção e cuidado.
O produto interno bruto do mar pode aumentar, e o valor econômico pode ser exaltado, mas quem se lembrará das mãos que tornam isso possível? Quem considerará que, por trás de cada tonelada de riqueza retirada das águas, há vidas? Vidas que enfrentam sofrimento, resistem e lutam, muitas vezes em silêncio.
A saúde, a dignidade e a vida dessas mulheres merecem ser tratadas com a mesma seriedade atribuída ao futuro econômico do país. Afinal, construir um mundo mais justo e um planeta sustentável — como propõe o tema da presidência brasileira no G20 — começa pelo reconhecimento de que o social, o econômico e o ambiental são dimensões inseparáveis. Não é possível cuidar do mar sem cuidar de quem sobrevive dele. Não deveria haver possibilidade em discutir o tema da “sustentabilidade”, sem antes garantir a dignidade daqueles que vivem e trabalham nas águas.
E agora, diante de vocês, eu pergunto: Que futuro estamos construindo, se continuamos ignorando essas mulheres? O que significa desenvolvimento, se deixamos para trás aquelas que sempre estiveram à frente na proteção de nossos recursos naturais? Como podemos celebrar a economia do mar, se ela não inclui a vida, o suor e o sacrifício das marisqueiras?
Não é apenas o mar que nos sustenta, nós sustentamos o mar. E é por isso que hoje, mais do que nunca, precisamos repensar o caminho que estamos trilhando. O mar que tantas riquezas nos dá, também merece que cuidemos de quem o protege. Essas mulheres, as marisqueiras, precisam ser vistas, ouvidas, reconhecidas. Porque o mar, sem elas, será apenas água.
E eu deixo à vocês essa reflexão: Se o futuro depende do que fazemos hoje, como vamos escolher agir?
Que possamos, juntos, construir uma economia que seja verdadeiramente inclusiva, uma economia que honre o social, o econômico e o ambiental — onde o mar, as marisqueiras, e o futuro caminhem de mãos dadas.
Muito obrigada.
Revista Ouricuri, Juazeiro, Bahia, v.14, n. Edição Especial - 01. 2024, p.03 - 05. Jul./dez., http://www.revistas.uneb.br/index.php/ouricuri | ISSN 2317-0131