AVES MEDICINAIS COMO OPÇÃO TERAPÊUTICA NA REGIÃO SERRANA DE JAGUARARI, BAHIA, NORDESTE DO BRASIL
Alan Ferreira Bonfim 1*; Juracy Marques dos Santos2; Renato Almeida3
1Mestre em Ecologia Humana e Gestão Socioambiental, PPGEcoH, UNEB, campus III.
2Pesquisador Docente UNEB/PPGEcoH, campus III, Juazeiro-Ba.
3Pesquisador (Docente) UFRB - Programa de Pós Graduação em Políticas Públicas, campus CCAAB, Cruz das Almas-BA.
*Autor para Correspondência: E-mail - alanbonfimzoortecnista@gmail.com
ORCID: https://orcid.org/0009-0001-0398-694X
Resumo: A pesquisa em questão investiga o uso de aves em práticas medicinais por comunidades rurais na região serrana de Jaguarari-BA. O estudo documenta o conhecimento tradicional etnomedicinal sobre avifauna, buscando compreender como as aves são utilizadas para fins terapêuticos. A metodologia incluiu entrevistas com especialistas locais utilizando a técnica “bola de neve” para selecionar informantes que fazem uso de aves em tratamentos de saúde. Foram identificados 20 especialistas locais, que citaram sete etnoespécies de aves, empregadas para tratar diversas condições, como doenças respiratórias, depressão, e aAcidente vascular cerebral (AVC), por meio de defumadores e outros métodos de aplicação. As interações entre humanos e aves na região revelam não só o valor medicinal das espécies, mas também seu papel cultural e ecológico, reforçando a importância de preservá-las. Ao destacar o valor da zooterapia e a necessidade de conservação da biodiversidade, a pesquisa contribui ao fortalecimento da identidade cultural local e abre caminhos para a implementação de práticas etnoconservacionistas. A pesquisa sublinha ainda o potencial do Conhecimento Ecológico Tradicional (CET) como ferramenta para gestão ambiental e conservação da fauna, sugerindo que a integração desse saber em políticas públicas pode promover o desenvolvimento sustentável e a preservação da avifauna na região de Jaguarari, serras do sertão norte da Bahia.
Palavras-chave: Avifauna; Ecologia Humana; Etnoornitologia; Serras do Sertão.
MEDICINAL BIRDS AS A THERAPEUTIC OPTION IN THE MOUNTAIN REGION OF JAGUARARI, BAHIA, NORTHEAST BRAZIL
Key-words: Birdlife; Human Ecology; Ethnoornithology; Serras do Sertão.
AVES MEDICINALES COMO OPCIÓN TERAPÉUTICA EN LA REGIÓN DE MONTAÑA DE JAGUARARI, BAHÍA, NORESTE DE BRASIL
Resumen: La investigación en cuestión investiga el uso de aves en prácticas medicinales por parte de comunidades rurales de la región montañosa de Jaguarari-BA. El estudio documenta el conocimiento etnomedicinal tradicional sobre la avifauna, buscando comprender cómo se utilizan las aves con fines terapéuticos. La metodología incluyó entrevistas a expertos locales utilizando la técnica de “bola de nieve” para seleccionar informantes que utilizan aves en tratamientos de salud. Fueron identificados 20 expertos locales, quienes citaron siete etnoespecies de aves, utilizadas para tratar diversas afecciones, como enfermedades respiratorias, depresión y accidentes cerebrovasculares, utilizando ahumadores y otros métodos de aplicación. Las interacciones entre humanos y aves en la región revelan no sólo el valor medicinal de las especies, sino también su papel cultural y ecológico, reforzando la importancia de preservarlas. Al resaltar el valor de la zooterapia y la necesidad de conservar la biodiversidad, la investigación contribuye a fortalecer la identidad cultural local y abre caminos para la implementación de prácticas etnoconservacionistas. La investigación también destaca el potencial del Conocimiento Ecológico Tradicional (CET) como herramienta para la gestión ambiental y la conservación de la fauna, sugiriendo que la integración de este conocimiento en las políticas públicas puede promover el desarrollo sostenible y la preservación de la avifauna en la región de Jaguarari, Serras do Sertão norte de Bahía.
Palabras clave: Avifauna; Ecología Humana; Etnoornitología; Sierras del Sertão.
INTRODUÇÃO
A espécie humana sempre manteve interação direta com a natureza, orientada pela exploração de seus Bens Naturais, exercendo uma transformação significativa sobre a biodiversidade e os ecossistemas. Em consequência, grande parte das heranças biológicas do planeta encontra-se em risco de extinção (Torres et al., 2009).
Atualmente, o Brasil registra 1.971 espécies de aves, conforme o Comitê Brasileiro de Registros Ornitológicos (2021). Para a Caatinga do nordeste brasileiro, o Journal of Arid Environments (2021) publicou uma lista revisada com 442 espécies, das quais 13 são típicas deste bioma, incluindo duas endêmicas e quase ameaçadas a extinção, sendo a Anodorhynchus leari e Cyanopsitta spixii, e 11 quase endêmicas (Dantas, 2021).
Assim, compreender a relação entre seres humanos e avifauna, especialmente no sertão norte da Bahia, é fundamental para desenvolver ferramentas de gestão socioambiental, que possam ser aplicadas na conservação e preservação das áreas de serras atualmente impactadas por diversos empreendimentos.
O ser humano sempre recorreu à natureza em busca de recursos para sua sobrevivência, como alimentos, vestuário e medicamentos. Ao longo do tempo, desenvolveu um conhecimento profundo sobre as propriedades terapêuticas e medicinais de animais e plantas, utilizadas desde a antiguidade e ainda essenciais para a assistência à saúde humana (Alves; Rosa, 2007a).
Nesta circunstância, considerando o uso etnomedicinal desde tempos antigos, animais e suas substâncias têm sido utilizados na medicina popular por diversas culturas (Lev, 2006). O uso de animais e suas partes como recurso medicinal é denominado Zooterapia (Costa-Neto, 2000). Pesquisas sobre o emprego da fauna na medicina tradicional são essenciais para a construção cultural, registrando conhecimentos zooterápicos.
Assim, estudos históricos que investigam as relações entre a espécie humana e o meio ambiente contribuem para uma melhor compreensão da interdependência entre os organismos nos ecossistemas (Hoeffel et al., 2005). Então, inventariar os animais utilizados na medicina popular contribui significativamente para o conhecimento da diversidade faunística do país, sendo um fator crucial para a conservação das espécies. Muitas das espécies empregadas na medicina tradicional brasileira estão ameaçadas de extinção ou em perigo devido à sobreexploração (Alves; Rosa, 2007a; Ferreira et al., 2009).
Nesse sentido, considerar um nível aprofundado de conhecimento é crucial. De acordo com Drew (2005), o Conhecimento Ecológico Tradicional (CET) é definido cientificamente como a compreensão das interações entre as espécies e o ambiente, acumulada ao longo do tempo e transmitida para as gerações futuras. Logo, esses estudos e compreensões são fundamentais para a descrição e caracterização de práticas culturais, permitindo avanços no campo da Etnofarmacologia, além de fortalecer a identidade cultural de povos tradicionais (Alves; Rosa, 2005).
A propósito, a Etnociência, especialmente no campo da Etnozoologia, busca compreender as interações que diferentes povos mantêm com a fauna, cuja origem está relacionada com o surgimento da própria espécie humana (Alves; Souto, 2010). Dentro das diversas subáreas da Etnozoologia, destaca-se a Etnoornitologia, que se concentra na análise da interação entre seres humanos e avifauna local.
De acordo com Farias e Alves (2007), o objetivo da Etnoornitologia é compreender as relações cognitivas, afetivas, comportamentais e simbólicas entre a espécie humana e as aves. Essa abordagem busca integrar o conhecimento a partir da análise dessas relações em diferentes aspectos. Ademais, Marques (2002) também destaca que as conexões vínculos transversais são condicionadas por meio dos cruzamentos desses conhecimentos, possibilitando análises mais abrangentes no contexto sociocultural, ecológico, econômico, entre outros aspectos. Assim, o intercâmbio entre diferentes saberes e significados é fundamental para a compreensão do realidade local.
Pires e Craveiro (2011) reforçam essa ideia quando citam que: “Ecologia Humana produz o conhecimento necessário para compreender a relação do homem com o seu ambiente, para buscar entender o mistério do sujeito e de qual o seu lugar no espaço”. Nesse contexto, González Rey (2003) afirma que o sujeito é um momento de subjetivação moldado pelos espaços sociais em que atua, sendo influenciado e constituído por esses ambientes.
Suas ações estão entrelaçadas com os sistemas de relações desses espaços e são impactadas pelo contexto histórico-social, no qual o sujeito cria e atribui sentidos à sua própria subjetividade.
Logo, caracterizar tais experiências passadas através da cognição ambiental e das relações que atravessam o meio, torna possível a construção de alternativas que valorizam o meio ambiente integrado às necessidades humanas, em ambientes de altitudes elevadas. Ressalta-se que a área do estudo em questão de acordo Marques et al., (2021) localizada na Cordilheira do Espinhaço, que se estende de Minas Gerais à Bahia, sofre intensa destruição devido a desmatamentos, exploração hídrica, mineração e, mais recentemente, à instalação de complexos eólicos e solares.
Este estudo teve como objetivo documentar o conhecimento sobre a avifauna das comunidades rurais da região serrana de Jaguarari, BA, com foco nas aves que estão sob pressão antrópica e seu uso na medicina tradicional. Além disso, buscou-se investigar as percepções e práticas sociais relacionadas a essas aves. Como resultado, elaborou-se uma etnolista das espécies de aves, incluindo suas diversas formas de uso no contexto zooterápico. A pesquisa contribui para a compreensão da relação entre as comunidades locais e a avifauna, destacando a importância das aves no âmbito etnomedicinal e suas implicações para a conservação e manejo sustentável dos recursos naturais.
Propusemo-nos a investigar, à luz da Ecologia Humana, as populações serranas de Jaguarari através do olhar de especialistas locais, com destaque para suas relações cotidianas com a avifauna presente na região. Através do Conhecimento Etnoornitológico das comunidades de Catuni da Grota, Betes e Serra dos Morgados, busca-se compreender a interação entre sociedade e avifauna, registrando como as aves são sentidas, percebidas, caracterizadas e utilizadas, bem como sua importância no contexto sociocultural, ecológico e etnomedicinal. Esse recorte, fundamentado nos paradigmas da Ecologia Humana em ambientes serranos, contribuirá diretamente para o desenvolvimento de ações de conservação das espécies e do bioma, promovendo a valorização do conhecimento tradicional associado à medicina popular.
A pesquisa foi realizada em Jaguarari, na Serra da Jacobina, no semiárido da Bahia, onde a população estimada é de 32.703 habitantes e o IDH é de 0,659 (IBGE, 2022). O estudo focou em três comunidades rurais: Catuni da Grota, Serra dos Morgados e Cachoeira de Betes (Figura 01). De acordo com Siqueira Filho et al., (2021), a região destaca-se pela diversidade de ecossistemas e flora, abrangendo áreas de Caatinga, Cerrado, Campo Rupestre e Floresta Atlântica, com espécies como Embaúba (Cecropia pachystachya) e Gameleira (Ficus gomelleira).
A coleta de dados foi aprovada pelo Comitê de Ética (CEP/UNEB) – (CAAE: 58440922.0.0000.0057), por meio de entrevistas livres individuais e conversas informais (Mello, 1995; Chozotti, 2000; Huntington, 2000), realizadas com especialistas locais ou nativos, definidos como indivíduos que se autodeclararam e foram reconhecidos pela comunidade como possuidores de competência cultural (MARQUES, 1995). Utilizou-se a técnica de “bola de neve” para a seleção dos informantes a partir de indicações locais (Albuquerque E Lucena, 2004).
Foram considerados informantes aqueles especialistas que utilizam aves silvestres para fins como alimentação, medicina, práticas místico-religiosas e comércio. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), que descrevia os objetivos e a natureza da pesquisa.
Para avaliar a importância relativa das espécies locais, foi calculado o Valor de Uso (VU) conforme a proposta de Phillips et al. (1994), utilizando a seguinte equação: VU = ΣU/n, onde U representa o número de citações por espécie e n é o número de informantes.
A identificação das aves baseou-se em guias especializados, como o Guia de Aves de Sigrist (2015) e a Lista das Aves do Brasil do Comitê Brasileiro de Registros Ornitológicos (CBRO), 13ª edição (2021). Todas as entrevistas foram gravadas, transcritas e analisadas. Após a coleta de dados foi elaborada uma etnolista em planilha eletrônica, agrupando as aves citadas por espécies e categorias de uso para uma melhor compreensão dos dados.
Figura 1: Localização da Área de Estudo (Serras de Jaguarari, Bahia, nordeste do Brasil).
Fonte: Modificado IBGE, 2019. Por Gilmar Oliveira (2023).
A amostra foi composta por 20 especialistas locais de ambos os sexos, com idades variando entre 22 e 79 anos, residentes nas comunidades de Catuni da Grota, Serra dos Morgados e Betes. O nível de escolaridade dos entrevistados variou desde a alfabetização até o ensino superior, com uma pequena parcela de analfabetos na população amostrada. O tempo de residência dos especialistas na área de estudo variou de menos de 10 a mais de 80 anos. As ocupações incluíram agricultores, aposentados, pedreiros e estudantes. Todos os participantes são moradores rurais da região serrana do município.
O perfil socioeconômico dos entrevistados é comparável ao de outras comunidades rurais que utilizam zooterápicos (Alves; Rosa, 2007b; Silva et al., 2010). Isso sugere que o nível de escolaridade e a renda dessas populações podem estar associados ao uso de práticas de medicina tradicional para o tratamento de determinadas enfermidades. O mapeamento resultou na catalogação de 40 etnoespécies mencionadas por especialistas locais, permitindo a elaboração de uma etnolista com suas sinonímias e nomes científicos. Diversas formas de interação com a avifauna foram identificadas, com destaque para o uso etnomedicinal, com algumas espécies empregadas na medicina popular tradicional para a preparação de remédios (interação zooterápica). Além disso, as aves são consumidas como alimento, criadas como animais de estimação e comercializadas ilegalmente.
A partir desse contexto, registrou-se sete etnoespécies de aves utilizadas na medicina popular dos povos da região serrana de Jaguarari, BA. De modo geral são extraídos recursos zooterápicos para o tratamento de seis enfermidades diagnosticadas localmente, tais como: depressão, sinusite, asma e Acidente Vascular Cerebral - AVC (Quadro 1).
Os principais instrumentos citados para a captura e abate das aves são: arapuca (n=10), alçapão (n=9) e badogue (n=7). As técnicas de captura variam conforme a espécie, o habitat e o comportamento alimentar das aves, incluindo também o uso de espingarda e espera. Tais métodos foram registrados em localidades do Semiárido paraibano, no sertão nordestino (Alves et al., 2009).
Os recursos zooterápicos apresentaram Valor de Uso (VU) variando entre 0,08 e 0,03 (Tabela 2). As espécies com maiores VUs foram a Rolinha-caudo-de-feijão e Urubu-de-cabeça-preta (VU = 0,08), o Anum-preto e Anum-branco (VU = 0,05), cujos valores de uso estão associados a suas diversas utilidades (alimentação, criação e terapêutica), e não a uma especificidade medicinal.
Foram registradas três principais matérias-primas: ave inteira, penas, partes do ninho das aves e a gordura. A gordura é um dos produtos zooterápicos mais amplamente utilizados no Brasil para tratamento e cura de doenças (Costa-Neto; Alves, 2010). A importância da banha como produto zooterápico também foi registrada em Jaçanã, evidenciada pelo Valor de Uso (VU), tendo a gordura como principal recurso extraído e utilizado na preparação de medicamentos tradicionais (Lima; Severiano, 2020).
Na presente pesquisa foram indicadas algumas enfermidades que podem ser tratadas como zooterápico. As formas de uso são variadas, destacando-se as penas, utilizadas como defumador no tratamento de "doença do vento" (AVC), asma e sinusite. Além disso, o pó obtido da ave inteira é recomendado para ser consumido como café, sendo especialmente eficaz no tratamento da bronquite.
Ademais, esses resultados estão alinhados aos dados apresentados por Santos e Lima (2010, p.43), em um estudo sobre a medicina tradicional dos índios Pankararu, no estado de Pernambuco, Brasil, onde foram mencionadas nove espécies de aves típicas da Caatinga utilizadas localmente no tratamento de doenças. Entre elas, destaca-se o Urubu-de-cabeça-preta (Coragyps atratus), cujas penas e fígado são usados no tratamento de dor de dente e alcoolismo. Na região serrana de Jaguarari, também foi registrado o uso das penas como defumador no tratamento de asma e AVC.
Nesta assertiva, de acordo Marques (1995), existe uma concepção de universalidade zooterápica, onde toda cultura humana utiliza de conceitos desenvolvidos de medicina, utilizando animais como fonte de remédios. Essa prática tem sido perpetuada ao longo do tempo pela medicina popular, sendo mantida até os dias atuais por diversas culturas (Alves et al., 2008).
Quadro 1: Nome vernáculo, nome científico, partes utilizadas e indicações terapêuticas das etnoespécies utilizadas como recurso terapêutico em comunidades serranas de Jaguarari, Bahia, Brasil.
Etnoespécies | Nome científico | Partes Utilizadas | Indicações | Formas de uso |
Anum-preto | Crotophaga ani |
|
Depressão | -- |
Anum-branco | Guira guira | Penas | Sinusite Nervos | Defumador |
Cancão | Cyanocorax Cyanopogon | Ave inteira | Bronquite | Faz o pó e toma no café |
Rolinha-caldo-de-feijão | Columbina talpacoti | Ninho | AVC | Defumador |
Rolinha-fogo-pagou | Columbina squammata | Penas | Sinusite | Defumador |
Sabiá-laranjeira | Turdus rufiventris | Penas | Sinusite | Defumador |
Urubu-de-cabeça-preta | Coragypss atratus | Penas | AVC Asma | Defumador |
Fonte: Autor, 2023.
No entanto, a prática zooterápica levanta sérias preocupações quanto à conservação de espécies nativas, uma vez que os animais são frequentemente sacrificados para a obtenção da matéria-prima dos remédios tradicionais. Esse fator, juntamente com a degradação de habitats e a caça predatória, representa uma ameaça preocupante para a biodiversidade (Souto et al., 2011).
Sabemos, o uso de aves silvestres no semiárido brasileiro, embora seja uma prática ilegal, é bastante comum. Juntamente com outras pressões e ameaças, tem contribuído para o declínio da avifauna e para a acentuada redução da biodiversidade na Caatinga (Alves et al., 2010b; Leal et al., 2005).
Assim, Bonfim (2021) destaca que, a preservação das serras do sertão é crucial para a manutenção das aves, pois a região faz parte da Serra do Espinhaço e inclui rotas migratórias de diversas espécies. Netto e Marques (2020) ainda reforçam que as montanhas funcionam como "ilhas ecológicas" compostas por diversas espécies nativas, devido ao seu isolamento e verticalidade.
Conclui-se que os estudos etnozoológicos desempenham papel fundamental na criação de propostas etnoconservacionistas voltadas à preservação da avifauna local. Tais pesquisas evidenciam a necessidade urgente de estratégias de conservação para as espécies ameaçadas que são utilizadas na medicina tradicional (Alves, 2007).
Além disso, esses estudos permitem mapear a história cultural através da memória coletiva e aprofundar o entendimento da ecologia local, destacando o uso etnomedicinal das aves silvestres. Como ferramenta para o desenvolvimento sustentável, integrar o conhecimento tradicional no manejo e preservação das espécies pode promover o uso racional desses recursos naturais, oferecendo suporte a estratégias eficazes para a conservação e utilização terapêutica da biodiversidade.
Dada a escassez de informações sobre a Etnoornitologia é fundamental compreender, sob a perspectiva cultural, o estado da avifauna brasileira para tornar eficaz o processo de conservação das espécies, a preservação ambiental e o fortalecimento das comunidades tradicionais. No contexto da região serrana de Jaguarari, o conhecimento etnoornitológico revela diversas interações com a avifauna, com destaque para o uso medicinal das aves na medicina tradicional, além de outras formas de utilização, como a relação trófica, o uso mágico-religioso, o contato afetivo e a exploração econômica através do comércio ilegal.
Nesse sentido, o Conhecimento Ecológico Tradicional dos moradores de Jaguarari pode ser integrado a programas de gestão socioambiental e Educação Ambiental. Servindo desde já como propostas etnoconservacionistas para o desenvolvimento sustentável. Dessa maneira, é essencial compreender a cultura e a história local, utilizando as memórias e saberes tradicionais como base para a construção de uma Etnoornitologia embasada pela Ecologia Humana buscando a preservação da avifauna e o fortalecimento da identidade cultural local. Compartilhar essas narrativas sobre as aves pode destacar tanto as singularidades da região quanto os aspectos comuns que ligam as comunidades serranas ao seu ambiente natural.
Ao Programa de Pós-graduação stricto sensu de Ecologia Humana e Gestão Socioambiental da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), Campus III Juazeiro-BA. A Sociedade Brasileira de Ecologia Humana (SABEH). Ao Movimento Salve as Serras (SAS). E aos moradores que sobem e descem serras no sertão norte baiano.
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