AÇÕES E ESTRATÉGIAS NA PRODUÇÃO DE CONHECIMENTOS ESCOLARES E O DESENVOLVIMENTO DE HABILIDADES NA PERSPECTIVA DO XADREZ PEDAGÓGICO

 

Adriana Soely André de Souza Melo1*; Sérgio Luiz Malta de Azevedo2; Rogério de Melo Grillo3

 

1Doutora em Ecologia Humana e Gestão Socioambiental, PPGEcoH, UNEB, campus III.

2Doutor em Geografia, UFPE.

3Doutor em Educação física, UNICAMP.

*Autora para correspondência E-mail: soelyadriana@gmail.com

ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8733-9661

Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/8132194252672482

 

 

Resumo: O escopo desse estudo foi investigar como as ações e estratégias do professor propiciam a produção de conhecimentos escolares e o desenvolvimento de habilidades por meio do xadrez, em uma perspectiva do Xadrez Pedagógico. Para tanto, optou-se por uma abordagem qualitativa, na qual, as relações dialógicas entre professora e alunos foram pesquisadas no próprio lócus (projeto de xadrez extracurricular) dos sujeitos da pesquisa (alunos), isto é, na escola que estudam e que a presente professora-pesquisadora atua como docente. Observou-se e descreveu-se ações decorridas nas aulas analisadas em diário de campo, sendo que a preocupação com o processo foi maior do que com o produto. Note-se que, o propósito foi escrutinar como o problema se manifestou no decurso daos conhecimentos escolares, relacionando-as com a perspectiva teórico-prática do Xadrez Pedagógico.

 

Palavras-chave: Xadrez Pedagógico; Teoria Histórico-Cultural; Conhecimentos Escolares; Prática Pedagógica.

 

 

 

ACTIONS AND STRATEGIES IN THE PRODUCTION OF SCHOOL KNOWLEDGE AND THE DEVELOPMENT OF SKILLS FROM THE PERSPECTIVE OF PEDAGOGICAL CHESS

 

Abstract: The scope of this study was to investigate how the teacher's actions and strategies promote the production of school knowledge and the development of skills through chess, from a Pedagogical Chess perspective. To this end, a qualitative approach was chosen, in which the dialogical relationships between teacher and students were researched in the very locus (extracurricular chess project) of the research subjects (students), that is, in the school they study and that the This teacher-researcher works as a teacher. Actions that took place in the classes analyzed in a field diary were observed and described, and the concern with the process was greater than with the product. In which, the purpose was to scrutinize how the problem manifested itself in the development of chess activities, from a Pedagogical Chess perspective.

 

Key-words: Pedagogical Chess; Historical-Cultural Theory; School Knowledge; Pedagogical Practice.

 

 

 

ACCIONES Y ESTRATEGIAS EN LA PRODUCCIÓN DE CONOCIMIENTO ESCOLAR Y EL DESARROLLO DE HABILIDADES DESDE LA PERSPECTIVA DEL AJEDREZ PEDAGÓGICO

 

Resumen: El alcance de este estudio fue investigar cómo las acciones y estrategias del docente promueven la producción de conocimientos escolares y el desarrollo de habilidades a través del ajedrez, desde una perspectiva del Ajedrez Pedagógico. Para ello, se optó por un enfoque cualitativo, en el que las relaciones dialógicas entre profesor y alumnos fueron investigadas en el propio locus (proyecto extraescolar de ajedrez) de los sujetos de investigación (estudiantes), es decir, en la escuela que estudian y que este El docente-investigador trabaja como docente. Se observaron y describieron las acciones que tuvieron lugar en las clases analizadas en un diario de campo, y la preocupación por el proceso fue mayor que por el producto. Nótese que el propósito fue escudriñar cómo se manifestó el problema en el transcurso del conocimiento escolar, relacionándolo con la perspectiva teórico-práctica del Ajedrez Pedagógico.

 

Palabras clave: Ajedrez Pedagógico; Teoría Histórico-Cultural; Conocimiento Escolar; Práctica Pedagógica.

 

 

INTRODUÇÃO

 

O processo de tomar a própria sala de aula como ambiente de investigação, exigiu da professora-pesquisadora um distanciamento dos dados para que a análise fosse devidamente desenvolvida. Nesses moldes, o objetivo deste estudo foi analisar momentos, no que concerne à proposta de Xadrez Pedagógico, considerando o ambiente de jogo e o ambiente de aprendizagem. Assim, as situações envolvendo o xadrez foram analisadas e interpretadas, a saber, em três categorias: Situações de jogo com mediação da professora durante as partidas; Problematização da professora após as partidas com situações-problema escritas; estudo sobre os problemas produzidos pelos estudantes.

Posto isso, foram analisadas a exploração das potencialidades pedagógicas do jogo intermediadas pela professora-pesquisadora. Coadunado a isso, dilucidaremos uma possibilidade de um trabalho em sala de aula, envolvendo a argumentação, o trabalho em equipe, a comunicação oral (oralidade) mediante debates, resolução de problemas de jogo, jogo propriamente dito, que emergiram durante diferentes momentos com o xadrez. Defendemos que esse processo oportunizou substancialmente uma formação mais ampla dos alunos, priorizando não apenas as funções psíquicas e os conhecimentos de jogo, como também, o aspecto sociocultural, crítico e afetivo. Ademais, favoreceu situações de produção de conhecimentos escolares, como também, as diferentes possibilidades de se trabalhar com o xadrez no contexto da sala de aula.

 

 

METODOLOGIA

 

A presente pesquisa assumiu como base uma análise da própria prática pedagógica da professora-pesquisadora em aulas de xadrez escolar, na qual, o foco não é só nas ações pedagógicas do professor, ou nas produções dos alunos isoladamente, mas, especialmente, nas relações dialógicas e de mediação que decorrem no âmago da aula. Isto denota uma situação de diálogo permanente (interação sociocultural) entre professora-pesquisadora e seus alunos em um contexto sociocultural específico.

Como pontua Bogdan e Biklen (1994), analisar a própria prática exige objetividade, fidedignidade, reflexão profunda e leitura crítica no que compete à análise e à interpretação dos dados. A presente pesquisa foi desenvolvida em uma escola pública estadual do município de Juazeiro/BA, com uma turma de 20 alunos (sujeitos da pesquisa) do 6º ao 8º ano do Ensino Fundamental. Os sujeitos da pesquisa possuem idade entre 11 e 13 anos e estão devidamente matriculados no projeto de xadrez, como modalidade extracurricular.

Foram investigadas 16 aulas (encontros) com a temática xadrez de 60 minutos de duração, num período de um bimestre. Para a produção de dados, foram utilizadas ações com: intervenções pedagógicas diretas durante a atividade de jogo (variações de jogo, problematizações, criação de situações problemas orais); registro corporal de jogo (vídeo e fotografias); intervenção pedagógica após a atividade de jogo (resolução de situações problemas orais e escritos; debates); observação sistemática nos encontros e notas de campo.

 

RESULTADOS E DISCUSSÕES

 

O xadrez é um jogo de estratégia que permite diversificadas problematizações. No contexto escolar, uma prática orientada, com intencionalidade pedagógica, propicia a produção de diferentes situações-problema decorridas no jogo e/ou criadas (simuladas), com vistas a se problematizar inúmeros conhecimentos enxadrísticos e escolares (matemáticos, geométricos, históricos, geográfico, etc.).

 De acordo com Grillo e Grando (2021), há relação intrínseca entre os jogos de estratégia, neste caso o xadrez, e a resolução de problemas, visto que ambos abarcam uma série de procedimentos, os quais aproximam o jogo em questão dos conhecimentos escolares. Todavia, esse processo somente se consolidará se o professor for o organizador do ensino. Isso requer dele, no contexto do Xadrez Pedagógico, conhecimentos sobre as políticas educacionais, saberes epistemológicos, conhecimentos didáticos, tal qual entender quem são os seus estudantes e como aprendem.

 

[...] as ações planejadas e sistematizadas do professor podem corroborar com a construção de situações sociais de aprendizagem, conhecimentos e relações interpessoais no bojo da sala de aula. Por seu turno, fundamentam o agir, a consciência e a potencialização das relações entre as funções psíquicas superiores nos estudantes, como processos que se transformam simultânea e dialeticamente em correspondência à realidade sociocultural sobre a qual se intervém. A partir disso, tem-se a transformação do sujeito (estudante) em termos psíquicos, motores, socioculturais, afetivos, éticos (Grillo, Grando, 2021, p. 119).

 

Nesse viés, propugnamos que o xadrez é um jogo que, assumido na escola conforme a abordagem do Xadrez Pedagógico, torna-se uma área de conhecimento pertencente a um universo cultural. Quer dizer, “[...] sendo parte de uma expressão concreta da atividade transformadora dos homens historicamente” (Grillo, Grando, 2021, p. 120). Portanto, o xadrez é decorrência de produções culturais das pessoas, na sua relação com o próprio conhecimento cultural da humanidade.

Em vista disso, o Xadrez Pedagógico sob os ditames da THC de Vigotski e Elkonin, toma o processo de ensino e aprendizado como algo a ser construído, admitindo, a priori, o desenvolvimento atual dos estudantes (em um dado momento) e, a posteriori, o que deve ser desenvolvido (sentido prospectivo).

Nesse entendimento, Grillo e Grando (2021) e Grillo (2012), discorrem que o Xadrez Pedagógico é uma abordagem que visa um ensino, que oportunize a correlação entre o objeto de conhecimento e os conceitos cotidianos, que os estudantes já detêm. É imprescindível depreender os estudantes como sujeitos ativos e concretos, sendo, portanto, produtores de conhecimentos. Destarte, o ensino e a aprendizagem do xadrez, numa perspectiva da THC, devem suscitar situações sociais de aprendizado, que são fundamentais à tomada de consciência dos estudantes atinente ao objeto de conhecimento (o xadrez e os conhecimentos escolarizados) a ser apropriado. Sumariamente, o professor deve ser um organizador do ensino, tendo como projeto pedagógico, o próprio xadrez e o conhecimento que se pode desenvolver a partir dele.  

A professora-pesquisadora observou sistematicamente os estudantes, divididos em grupos de quatro membros, jogarem entre si por meio de mural magnético de xadrez. Logo após, a mesma registrou uma situação de jogo para servir de estudo para os grupos.

Tomando este cenário como base, analisou-se que os estudantes tinham certa dificuldade quando o tema era “final de jogo” em relação às partidas de xadrez. Destarte, pôde organizar um conjunto de situações-problema de xadrez, para os alunos resolverem em duplas, em que durante as resoluções, criava novos problemas de jogo, engendrando distintos diálogos.

Nestas aulas, os estudantes foram dispostos em grupos de três e quatro membros. No dia, tinham 21 discentes presentes. Com isso, tínhamos três grupos de quatro membros e três grupos de três membros.

Nesse sentido, usou-se três murais magnéticos, posto que tínhamos seis grupos jogando: A x B; C x D; E x F. A professora-pesquisadora, durante as partidas, fazia algumas mediações pontuais. Isto denota que ela assumiu uma postura de “problematizadora”, responsável por criar um ambiente de aprendizagem/jogo que promova desafios, questionamentos, contestações.

De acordo com Grando (2000) as intervenções pedagógicas são estratégias utilizadas pelo professor, no intuito de problematizar ou propor uma situação-problema””s no jogo, podendo ser verbais ou escritas. Portanto, a intervenção pedagógica se caracteriza pelos questionamentos e observações realizadas, com vistas a orientar a ação, isto é, visando provocar os estudantes para a realização das análises de suas jogadas (previsão de jogo, análise de possíveis jogadas a serem realizadas, constatação de “jogadas erradas” realizadas anteriormente etc.).

Em outras palavras, a mediação semiótica na esfera escolar precisa produzir efeitos diretamente na consciência, nas formas de pensamento criativo e nos sentimentos. Nesse ponto de vista, problematizar as atividades escolares é propiciar espaços de investigação e produção de conhecimentos. É promover uma formação, em que o estudante é ideado como “[...] sujeito ativo e criador, esteja onde estiver em sua vida cotidiana, [...] possa usar o conhecimento como parte e função de sua experiência pessoal e social; empregar racional e intencionalmente sua formação escolar como processo de crescimento e desenvolvimento humano; forjar na vida como criação um novo olhar sobre a vida e sobre si mesmo” (Nascimento, 2014, p. 81). O quadro 01 a seguir apresenta uma situação de intervenção pedagógica:

 

Quadro 01: Situação: Grupo A (pretas) x Grupo B (brancas)

 


 

 

Nota-se que o Grupo A estava quase promovendo um peão na coluna a (especificamente, casa a1). Contudo, era a vez do Grupo B, e este poderia vencer em razão de uma sequência de jogadas. Nesse viés, a professora-pesquisadora fez uma observação quanto à situação de jogo:  

 

Professora: as peças brancas podem ganhar a partida? (pergunta geral para os dois grupos) 

Grupo A: vamos promover o peão. Aí a gente vence! 

Professor: será? Olhem bem, acho que há umas jogadas para um grupo que leva a vitória.  

Grupo B: o rei preto não vai pra frente nem pra trás. Mas eles vão transformar o peão em rainha [promoção do peão]. Vamos perder! Como vamos ganhar?

Professor: Grupo A, olhem só. O Grupo B pode vencer?

Grupo A: não tem jeito.

- minutos depois.

Grupo A: tem jeito. Tomará que não vejam.

Professora: tudo pode começar com um xeque.

Grupo B: ahh. Então dá certo!

 

O grupo B mostrou grande dificuldade em constituir uma estratégia de jogo, não conseguindo identificar informações relevantes para esta construção. Outro fator é o dilema que eles têm que enfrentar: dar xeque ou tentar capturar o peão preto para que o Grupo B não conseguisse transformar o peão em rainha. Apesar disto, o grupo logo consegue consolidar uma estratégia. A seguir, a estratégia do Grupo B, que venceu a partida quadro 02. A explanação foi realizada via deslocamento de setas: 

 

Quadro 02: Estratégia vencedora Grupo B

 


 

Grupo B: as brancas avançam o peão dando xeque (g5). Depois o rei preto não pode voltar e tem que avançar (h5). A torre então vai e ataca (c7 para h7). Vai ali até a última casa e xeque-mate [conforme setas expostas no diagrama acima].

 

Vigotski (1995) infere que um ensino alicerçado na inserção de situações-problemas (estímulos-meio) no ambiente de aprendizado, oportuniza não só adquirir mais conhecimentos (internalizar), mas igualmente produzir conhecimentos a partir de outros, usando diferentes funções psíquicas, pois um dos escopos da atividade-guia como problema é que os estudantes possam sistematizar seus conhecimentos, valendo-se de suas habilidades e saberes, tendo como fim seu próprio desenvolvimento.

Depois desse momento, a professora-pesquisadora vai até os grupos E e F, e se depara com a seguinte conjuntura de jogo (Figura 01):

 

Uma imagem contendo edifício, verde, calçada, rua

Descrição gerada automaticamente
Figura 01: Situação de jogo

Fonte: Autores (2023).

 

 

As peças brancas (amarelas) estavam com o seu rei em xeque. Tínhamos duas situações aqui, tal qual decorria com os outros grupos. Primeira, a dificuldade dos grupos em finalizar a partida (xeque-mate). Segunda, os erros com o fundamento final de jogo. A situação acima é um bom exemplo. O grupo e (peças amarelas/brancas) tinha uma torre na casa e5 e a outra na g5. Era a vez deste grupo em questão e se os estudantes fizessem uma sequência de xeque, venceriam a partida. Contudo, fizeram o seguinte lance: peão da b3 para a b4. Um lance aleatório dado o contexto da partida. As peças pretas (grupo F) jogou torre da g6 para a g8, dando xeque no grupo E, conforme Figura 02. 

 

Professora: se voltarmos as jogadas, o grupo E pode ganhar? (pergunta geral para os dois grupos) 

Grupo E: não tem jeito, o rei preto tá escondido! 

Professor: acho que em duas jogadas acaba a partida.  

Grupo F: a melhor jogada era trocar as torres na coluna g. 

Professor: pronto. Acho que tem mais jogadas aí.

- segundos depois.

Grupo F: eles tiraram da g e colocaram na f. Não tinha outro jeito.

Grupo E: não tem jeito.

Neste instante, a professora chamou todos os grupos e fez o mesmo questionamento. Apenas o grupo C soube a resposta.

Professora: pronto. O grupo C fez certo. Começa com um xeque. Depois xeque-mate!

Neste instante a professora fez uma demonstração:

Professora: jogada 1 – torre amarela da casa e5 para a casa e1, xeque. O rei preto deve fugir. Vai da casa g1 para a casa h2, pronto. Depois torre amarela da casa f5 (o correto era g5, posto que a torre estava nesta casa antes de ir para a f5) para a casa h5. Que jogada é essa:

Grupos: xeque-mate!

Professora: pronto. Dois lances e xeque-mate

 


Figura 02: situação-problema

Fonte: Autores (2023).

 

Após algumas situações de jogo com cada grupo e ações de questionamento da professora-pesquisadora, ela entendeu que esta situação poderia ser aproveitada para a turma toda. A seguir, solicitou para os grupos estudarem essa posição no tabuleiro. Porém, ela demudou a situação, alterando as cores e posição das peças. Entrementes, percebe-se que se trata de uma situação de meio-jogo indo ao final do jogo. A ideia central dessa intervenção pedagógica foi criar uma conjuntura de situação-problema, visando à construção de uma estratégia vitoriosa, ou para as peças brancas, ou para as pretas.

A Figura 03 representa o grupo D estudando a situação-problema recriada pela professora-pesquisadora no tabuleiro:

 

Foto preta e branca de peça de xadrez

Descrição gerada automaticamente com confiança baixa
Figura 03: Recriação de situação-problema

Fonte: Autores (2023)

 

Em linhas gerais, a professora-pesquisadora concluiu que os estudantes estavam com certa dificuldade em momentos de final de partida (organização para o xeque-mate). Ela constatou que só jogar certo se torna um saber sobre um dado jogo, um conhecimento acerca de regras, espaço-tempo, material e objetivos por exemplo, então, trata-se de uma aprendizagem a respeito do “como fazer”. Todavia, o jogar bem já é o “poder fazer” e o “saber fazer” no jogo. Ou seja, o saber jogar (tomar consciência) é algo a ser internalizado, realizado e efetuado pelos estudantes, enquanto o poder fazer e saber jogar são formas deles agirem conscientemente no mundo.

Isto posto, depreendemos que um poder fazer é igualmente um poder construir, porquanto se trata do agir intencional, dirigido e particular de uma certa situação de jogo. De resto, reiteramos que o saber jogar é uma dimensão da linguagem humana, porque é uma maneira de representação do sujeito que imagina e cria. Jogar com consciência engloba o processo de criação de jogos, ou seja, nada mais é do que uma forma de dar significação e transformação cultural ao mundo vivido pelo estudante-jogador.

A criação de situações-problema é materializada, a partir do momento, nas aulas de xadrez, em que os estudantes em duplas vivenciam conjunturas de xeque-mate (final de jogo), visto que em aulas anteriores eles apresentaram certa dificuldade neste fundamento enxadrístico. Este momento proporcionou aos estudantes um processo de análise das possibilidades de jogadas, de lances justificados e da argumentação para validar as estratégias de jogo.

A professora-pesquisadora dava assistencia a cada dupla para problematizar as jogadas realizadas nos exercícios de final de jogo. Extraiu-se, desse momento, um problema de xeque-mate que foi difundido aos demais alunos, posteriormente, com a finalidade de promover um debate geral em sala de aula.

A Figura 04 trás a situação problema, registradas pelos estudantes seguido de debate.

 

Uma imagem contendo Esquemático

Descrição gerada automaticamente
Figura 04: Siituação Problema

Fonte: Autores (2023)

 

A professora foi responsável pela atividade-guia, quer dizer, seu papel é instruir, atrair e orientar o complexo e profícuo curso dialético do desenvolvimento psíquico e cultural dos estudantes, que vem fecundado por sua interação social (Prestes; Tunes; Nascimento, 2015).

Nessa concepção, defendemos que o modus operandi do jogo de xadrez é ser um ato com significação, que somente pode ser justificado pela necessidade do sujeito em agir no mundo pela resolução de problemas, pela sua capacidade de comunicação e interação, pela busca por uma expressividade, satisfação, prazer e alegria. À vista disso, depreendemos que o jogo de xadrez é atravessado por via da percepção de estruturas lógicas entre as regras, os jogadores, o material de jogo, o espaço-tempo e o próprio ato de jogar (ação) concatenado à tomada de decisões e as emoções/sentimentos intrincados. Destarte, o xadrez é sempre uma ação prospectiva (“um olhar para frente”, “um jogar diferente”, “uma vivência única”).

Por outro lado, quando o trabalho era em grupo, pôde-se constatar que os estudantes tinham a possibilidade de errar e corrigir o erro dentro do próprio grupo, testando as hipóteses inúmeras vezes. As simulações eram mentais com mediação do tabuleiro e das peças, visando à materialidade das ações mentais. Isto facilitava a análise de jogadas e suas exequibilidades no jogo, de forma concreta.

Em um trabalho na perspectiva do Xadrez Pedagógico segundo a THC, a socialização de problemas de jogo e a problematização, são partes integrantes e essenciais dessa proposta didática. Representa um processo de mediação semiótica, no cerne de um ambiente de jogo e de um ambiente de aprendizagem, em que as explicações, os diálogos, as interações e os questionamentos quanto às jogadas durante e após as partidas, fomentam a construção de conhecimentos de xadrez. Coexiste nesse movimento de mediação, a produção de estratégias e táticas pelos alunos, especialmente, face ao dinamismo do jogo de xadrez (situações dilemáticas e inesperadas, agir na urgência etc.). Isto posto, é necessário frisar que esse dinamismo é crivado de momentos de comunicação verbal ou não verbal entre os alunos no decorrer das circunstâncias de jogo, assim como, de diferentes maneiras de comunicação (semiótica), apropriação e recriação de conhecimentos e signos no jogo de xadrez (Grillo, Grando, 2021).

A formulação de problemas pelos estudantes representa uma produção de conhecimento e deve fazer parte de um processo de investigação em sala de aula. Por exemplo, um estudante, ao elaborar um problema, concomitantemente, está envolvido na resolução dele. Isto significa que ele precisa entender as nuances do problema para criá-lo. Em uma conjuntura de jogo, o estudante deve jogar para simular uma situação que, consequentemente, comporá o enunciado e a estrutura de seu desafio.

Assim, o grupo analisado foi o D. Os estudantes do grupo A criaram dois problemas em uma aula. A professora-pesquisadora tomou ambos e produziu dois diagramas (Figuras 05 a 08), visando socializá-los com o grupo D. Ela fez isso como os demais grupos. Tudo que era produzido se tornava diagrama de situação-problema a ser socializados com os outros grupos.  

 


Figura 05: Problema 1- Qual é a melhor jogada para as peças brancas? Por quê?

Fonte: Autores (2023).

 

Professora: qual é a resposta?

Grupo D: dama na casa e7, xeque. Rei preto tem que ir para a casa g8, é a única que ele pode ir. Dama na casa e8, capturando o cavalo. Xeque-mate!

Professora: mas se eu colocar a dama na f7?

Grupo D: A dama preta captura a dama branca na f7. Acaba o xeque. Rei não pode nem fugir para a g7, porque o bispo branco ataca toda a diagonal. Vejam aqui.

Professora: pronto. Muito bem. Se fosse a vez das peças pretas, qual seria o lance melhor e por quê?

- minutos depois...

Grupo D: dama preta na g2 ou h1. ‘Mate’ dos dois jeitos.

Professora: e seu colocar a dama preta na casa f2

Grupo D: ahhh, é ‘mate’ também.

Professora: pronto. Para as peças brancas o xeque-mate é em dois lances e não pode errar. Para as peças pretas há três maneiras. Muito bem!

 

 

Figura 06: Problema 2 - Qual é a melhor jogada para as peças pretas? Por quê?

Fonte: Autores (2023)

 

 

Professora: qual é a resposta?

Grupo D: bispo preto captura peão na f3. E se o bispo branco capturar o bispo preto, a dama preta captura de volta. Vantagem para as peças pretas.

Professora: tem outro lance?

- minutos depois...

Grupo D: pode ser com o cavalo na b3.

Professora: por quê?

Grupo D: ele fecha a proteção de uma torre na outra na coluna 3.

Professora: pronto. Dama preta captura torre branca ou se a torre voltar e atacar o cavalo preto na b3, peão preto captura torre branca de volta.

Professora: pronto. É um problema do tipo vantagem de material de jogo. Essa situação é meio-jogo indo para o final da partida. Mas se fosse a vez das peças brancas?

Grupo D: só a dama branca capturar o cavalo preto na casa c1. Não tem outro lance melhor.

Professora: e se eu capturar o cavalo preto na casa c1 com a torre branca?

Grupo D: mas aí a dama preta captura a torre branca na casa b5.

 

No âmbito do Xadrez Pedagógico, esse lócus de problematizações, de socializações de ideias e de exploração dos registros escritos proporcionado aos estudantes, correspondente aos problemas criados por eles próprios, possuíram um duplo aspecto. Por um viés, esse momento supracitado oportunizou aos estudantes a sistematização e o entendimento das situações de jogo/puzzles vivenciadas, bem como, pudemos apreender os anseios, comportamentos, significações e mentalidades dos discentes. Por outro ângulo, esse momento foi, para a professora-pesquisadora, um meio basilar de depreender e arrolar quais conhecimentos, erros, dúvidas e ações foram apropriadas pelos alunos no cerne das aulas de xadrez.

É por esta razão que defendemos que a criação de problemas é também um recurso de avaliação, pois  a professora-pesquisadora pôde investigar as formas de pensamento dos estudantes e assim, subsidiar à construção de novas estratégias didáticas. Por outro ponto de vista, os problemas construídos cumpriram uma funcionalidade de autoavaliação para os estudantes. Desse modo, assinalamos que a atitude de autoavaliação, fundamentalmente, tratou-se de uma retomada e de uma significação dos alunos em relação às vivências com o xadrez e problemas de jogo. Esse processo demonstrou, de maneira peculiar, um movimento de produção de conhecimentos e de valorização da autonomia dos alunos.

 

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

A proposta de Xadrez Pedagógico, subsidiada pela Teoria Histórico-Cultural, depreende que o jogo de xadrez não é educativo por si, somente, para que isso aconteça, faz-se necessário que se tenha uma “intencionalidade pedagógica”. Essa intencionalidade, por sua vez, sustenta-se na relação didática entre o professor e o xadrez, pelo fato de o professor ser o sujeito responsável por organizar a ação pedagógica com o jogo. Com isso, propugnamos a essencialidade em se trabalhar com o jogo de xadrez de maneira planejada e organizada didaticamente. 

Fica evidente, que o Xadrez Pedagógico não intenta buscar uma reprodução mecânica de jogadas e/ou um modo de treinar conceitos e habilidades enxadrísticas ou escolares. A ideia central é partilhar conhecimentos do jogo de xadrez, que foram aprendidos pelos estudantes, para diferentes e variáveis contextos, almejando: um ensino de xadrez para todos os estudantes; e uma vinculação entre ensino e aprendizagem, que favoreça a ampliação do repertório cultural, o enriquecimento da leitura de mundo, a formação ética, o desenvolvimento e a construção de experiências pelos estudantes.

Assim, a THC dá margem para a afirmação de que a abordagem do Xadrez Pedagógico é sustentada pela vinculação inseparável entre: o xadrez como uma produção histórico-cultural (dotado de saberes culturais específicos); a atitude lúdica dos estudantes, concebendo o jogar como um modo deles agirem no mundo e produzirem conhecimentos; e, de resto, o lúdico como um meio privilegiado de expressão e condição peremptória para que o xadrez se desenvolva (ambiente de jogo). Essa tripla ligação dá suporte ao xadrez escolar, para ser trabalhado de forma mais pedagógica, proficiente e aprofundada, em termos epistemológicos e didáticos.

A partir disso, defendemos que o professor precisa jogar com os alunos, mediar, explicar, problematizar, criar problemas de jogo dentro e/ou fora das aulas, e, enfim, necessita fornecer recursos didáticos de apoio, por exemplo, cadernos de xadrez, folhas avulsas com situações-problema, ou ainda, os jogos pré-enxadrísticos. De resto, nós, na qualidade de educadores, devemos entender que não somos os únicos detentores do saber e que os alunos produzem conhecimentos e têm sua singular leitura de mundo. Por isso, é precípuo ensinar e produzir conhecimentos junto aos alunos, percebendo que o processo de ensino e de aprendizagem é colaborativo e coletivo. 

Finalizo esta pesquisa defendendo que o ensino de Xadrez Escolar deve abarcar todos os estudantes, sem exceção.É fundamental ter uma intencionalidade pedagógica com o Xadrez Escolar, propendendo ao ensinar e ao explorar o xadrez de modo producente, garantindo condições de aprendizagem para todos os alunos, sem ressalvas. Por isso, indicamos o Xadrez Pedagógico sob os preceitos da THC de Vigotski. 

É essencial ensinar mais do que o próprio Xadrez na escola. Em termos mais específicos, trata-se de ampliar a leitura de mundo vivido pelos estudantes, intermediada pela prática com o jogo de xadrez e do aumento do repertório cultural dos discentes via apropriação de conhecimentos enxadrísticos.

 

 

Agradecimentos:

A todos que fizeram parte, direta ou indiretamente dessa jornada.

 

 

REFERÊNCIAS

 

Bogdan, R. C.; Biklen, S. K. Investigação Qualitativa em Educação: uma introdução à teoria e aos métodos. 4. ed. Porto, Portugal, Porto Editora, 1994.

 

Grillo, R. M.; Grando, R. C. “Ludopolítica: a ditadura da ludicização”. Brazilian  Journal of Policy and Development, v. 3, n. 3, p. 145-163, 8 nov. 2021b.

 

Grillo, R. M.; Grando, R. C. “Ludopolítica: práticas de ludicização”. In:  Sakamoto, C. K.; Malta Campos, M. C. (Orgs.). Brincar, cuidar e educar. São Paulo: Gênio Criador Editora, 2021c, v. 1, p. 32-49. 

 

Grillo, R. M.; Grando, R. C. O xadrez pedagógico e a Matemática no contexto  da sala de aula. São Paulo: Pimenta Cultural, 2021a. 

 

Prestes, Z. R.; Tunes, E.; Nascimento, R. Lev Semionovitch Vigotski: um estudo da vida e da obra do criador da psicologia histórico-cultural. In: LONGAREZI, A. M.; PUENTES, R. V. (Orgs.). Ensino Desenvolvimental: vida, pensamento e obra dos principais representantes russos. Uberlândia: EDUFU, 2013, v. 1, p. 47-65.

 

Vigotski, Lev Semionovich. História del desarrollo de las funciones psíquicas superiores. (Obras Escogidas, Tomo III). Madrid: Editora Visor, 1995.

 

Revista Ouricuri, Juazeiro, Bahia, v.14, n. Edição Especial - 02. 2024, p.03 - 18. Jul./dez., http://www.revistas.uneb.br/index.php/ouricuri | ISSN 2317-0131