EDUCAÇÃO INTEGRAL, GESTÃO E CIDADANIA NO CAMPO: UMA ABORDAGEM INTERDISCIPLINAR

Belarmina Rodrigues Sena Oliveira1*; Leonídia Cristina Fernandes Alves Macedo2; Iure Dourado Coelho3; Isaura Francisco de Oliveira4

1Universidade do Estado da Bahia - UNEB / Secretária na Secretaria Municipal de Educação de Bom Jesus da Lapa-BA.

2Universidade do Estado da Bahia - UNEB / Coordenadora Pedagógica na Secretaria Municipal de Educação de Bom Jesus da Lapa-BA.

3Graduando em Pedagogia pela Universidade do Estado da Bahia – UNEB.

4Doutoranda em Educação pelo PPGED - UESB; Professora no DCHT Campus XVII da UNEB

*Autor para correspondência E-mail: belariacho44@gmail.com

Recebido:07/10/2024   Aceito: 08/11/2024

RESUMO: Este artigo tem como objetivo investigar a inter-relação entre a educação integral, a gestão escolar e a cidadania no contexto da educação do campo, utilizando uma abordagem interdisciplinar. A pesquisa analisa o Referencial Curricular Municipal (RCM) e o Projeto Político Pedagógico (PPP) de uma escola rural para entender como esses documentos orientadores incorporam e promovem a educação integral, a gestão pedagógica e o desenvolvimento da cidadania entre os estudantes. Adotando o método de pesquisa documental, o estudo utiliza fontes primárias como o RCM e o PPP para examinar diretrizes pedagógicas e curriculares. A análise foi realizada com base em categorias como interdisciplinaridade, formação integral e participação social, com o objetivo de identificar princípios e práticas que favorecem a formação integral do sujeito e a construção de uma cidadania ativa. Os resultados preliminares indicam que, apesar das diretrizes claras para a educação integral, existem desafios na implementação dessas práticas, especialmente na articulação entre áreas de conhecimento, gestão escolar e a realidade sociocultural do campo. As conclusões ressaltam a necessidade de uma maior integração entre o currículo escolar e a vivência comunitária, além do fortalecimento de políticas públicas que assegurem a formação cidadã e a permanência dos estudantes na escola. Este estudo contribui para o debate sobre as especificidades da educação no campo, destacando a importância de uma gestão eficaz e práticas pedagógicas que promovam a inclusão e o desenvolvimento pleno dos sujeitos em seus contextos locais.

Palavras-chave: Interdisciplinaridade; formação integral; participação social.

INTEGRAL EDUCATION, MANAGEMENT AND CITIZENSHIP IN RURAL AREAS: AN INTERDISCIPLINARY APPROACH

SUMMARY: This article aims to investigate the interrelationship between integral education, school management and citizenship in the context of rural education, using an interdisciplinary approach. The research analyzes the Municipal Curriculum Reference (RCM) and the Pedagogical Political Project (PPP) of a rural school to understand how these guiding documents incorporate and promote integral education, pedagogical management and the development of citizenship among students. Adopting the method of documentary research, the study uses primary sources such as the RCM and the PPP to examine pedagogical and curricular guidelines. The analysis was carried out based on categories such as interdisciplinarity, integral education and social participation, with the objective of identifying principles and practices that favor the integral formation of the subject and the construction of an active citizenship. The preliminary results indicate that, despite the clear guidelines for integral education, there are challenges in the implementation of these practices, especially in the articulation between areas of knowledge, school management and the sociocultural reality of the rural areas. The conclusions highlight the need for greater integration between the school curriculum and community experience, in addition to the strengthening of public policies that ensure citizenship education and the permanence of students in school. This study contributes to the debate on the specificities of education in the rural areas, highlighting the importance of effective management and pedagogical practices that promote the inclusion and full development of subjects in their local contexts.

Keywords: Interdisciplinarity; integral formation; social participation.

EDUCACIÓN INTEGRAL, GESTIÓN Y CIUDADANÍA EN EL CAMPO: UN ENFOQUE INTERDISCIPLINARIO

RESUMEN: Este artículo tiene como objetivo investigar la interrelación entre la educación integral, la gestión escolar y la ciudadanía en el contexto de la educación rural, utilizando un enfoque interdisciplinario. La investigación analiza el Referente Curricular Municipal (RCM) y el Proyecto Político Pedagógico (PPP) de una escuela rural para comprender cómo estos documentos rectores incorporan y promueven la educación integral, la gestión pedagógica y el desarrollo de la ciudadanía entre los estudiantes. Adoptando el método de investigación documental, el estudio utiliza fuentes primarias como el RCM y el PPP para examinar las directrices pedagógicas y curriculares. El análisis se realizó a partir de categorías como interdisciplinariedad, educación integral y participación social, con el objetivo de identificar principios y prácticas que favorezcan la formación integral del sujeto y la construcción de una ciudadanía activa. Los resultados preliminares indican que, a pesar de los claros lineamientos para la educación integral, existen desafíos en la implementación de estas prácticas, especialmente en la articulación entre las áreas del conocimiento, la gestión escolar y la realidad sociocultural del campo. Las conclusiones resaltan la necesidad de una mayor integración entre el currículo escolar y la experiencia comunitaria, además del fortalecimiento de políticas públicas que garanticen la educación ciudadana y la permanencia de los estudiantes en la escuela. Este estudio contribuye al debate sobre las especificidades de la educación en el campo, destacando la importancia de una gestión eficaz y de prácticas pedagógicas que promuevan la inclusión y el desarrollo pleno de los sujetos en sus contextos locales.

Palabras clave: Interdisciplinariedad; formación integral; participación social.

INTRODUÇÃO

A educação no campo enfrenta desafios únicos que vão além das questões pedagógicas convencionais, refletindo a complexidade das realidades socioculturais e econômicas das comunidades campesinas. Neste contexto, a educação integral surge como uma possibilidade, visando não apenas o desenvolvimento acadêmico dos alunos, mas também sua formação como cidadãos ativos e responsáveis. Contudo, a implementação da educação integral em escolas do campo é frequentemente comprometida por questões de gestão e pela não adequação do currículo à realidade local.

Os problemas centrais abordados neste estudo envolvem a dificuldade de articulação entre as diretrizes curriculares, a gestão escolar e as necessidades específicas dos alunos no campo. Especificamente, investigamos como o Referencial Curricular Municipal (RCM) do Município de Bom Jesus da Lapa-BA e o Projeto Político Pedagógico (PPP) de uma escola do campo percebem a Educação. Busca-se ainda verificar se há indícios de uma educação integral e se essas ações buscam promover a cidadania e quais são os desafios enfrentados na efetivação dessas práticas. A hipótese central é que, embora existam diretrizes bem definidas para a educação integral, a gestão escolar enfrenta dificuldades significativas em sua aplicação devido à desconexão entre o currículo e a realidade sociocultural dos estudantes.

Portanto, este trabalho objetiva analisar como a gestão da educação integral é realizada em uma escola campesina, identificar os principais obstáculos encontrados e propor soluções para melhorar a integração entre o currículo escolar e a vivência comunitária. Além disso, buscamos destacar a importância de uma abordagem interdisciplinar que promova a inclusão e o desenvolvimento integral dos alunos, contribuindo para a construção de uma cidadania ativa e engajada. A relevância deste estudo reside na sua capacidade de propiciar uma discussão sobre práticas pedagógicas e de gestão que podem ser adaptadas e replicadas em contextos semelhantes, promovendo a melhoria da educação no campo e a formação plena dos sujeitos em suas comunidades

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

A Educação Integral, como proposta por Anísio Teixeira (1962), pauta-se na compreensão holística e plural dos estudantes e dos contextos nos quais eles estão inseridos. Conforme Colares, Cardozo e Arruda (2021), “[...] a educação integral pode ser considerada como aquela que considera o indivíduo como sujeito multidimensional, ultrapassando a aprendizagem focada   apenas   nos   aspectos   cognitivos   e   no   acúmulo   de   conhecimento”. Nessa proposta, a escola não seria um mero espaço de ensino/aprendizagem de conteúdo, mas um ambiente de formação acadêmica, social, cultural e humana, um cenário propício à educação libertadora ansiada por Paulo Freire (2014). A partir dessa concepção, as instituições de ensino poderiam se conectar de forma mais efetiva às realidades de seu público e, a partir de uma visão panorâmica sobre os estudantes, seus anseios e idiossincrasias, poderia conferir à educação um caráter efetivamente emancipatório e transformador.

Entretanto, como toda questão social, a ideia de Educação Integral também está sujeita às diferentes compreensões, motivações e objetivos dos diferentes grupos sociais. Nas últimas décadas, os investimentos na ampliação do tempo de permanência dos estudantes na escola têm posto a educação integral sob os holofotes da sociedade e do Poder Público. Contudo, como apontado por Oliveira, Fernandes e Dourado (2024), há certos distanciamentos entre a proposta de Anísio Teixeira e a forma como a Educação "em tempo integral", proposta pelo governo, tem sido materializada. A ênfase na permanência ampliada no ambiente escolar tende a desconsiderar o fator holístico da proposta de Teixeira. Ademais, em contextos marcados pela vulnerabilidade social, como grande parte das comunidades campesinas, as condições estruturais das instituições escolares - ou a falta delas - podem culminar em processos pouco exitosos de inclusão e de garantia do direito à educação e, por conseguinte, à cidadania.

No campo, a educação precisa refletir a realidade do seu público e se constituir em ferramenta de transformação social, de garantia de direitos e de promoção da cidadania (Arroyo, 2007; Caldart, 2010). O campo tem sido, historicamente, um espaço de luta do povo por políticas públicas de garantia do direito à educação (Cogo; Cardoso, 2023). É mister, nesse contexto, que a educação integral alcance, também, a integralidade dos sujeitos do campo. Nessa conjuntura, a Educação do Campo, enquanto direito e potencial forma de alcance da educação libertadora, precisa, dentre outras coisas, oportunizar aos sujeitos camponeses uma formação ampla, de qualidade e contextualizada com suas vivências e necessidades (Oliveira, Fernandes, Dourado, 2024).

Em contextos campesinos, a educação integral deve ser adaptada às realidades locais, integrando a educação formal com as práticas culturais e saberes tradicionais da comunidade. A proposta é que a escola não apenas transmita conhecimentos acadêmicos, mas também desenvolva habilidades e competências que preparem os alunos para a vida em sociedade, respeitando e valorizando sua cultura e modo de vida (Freire, 1996). A educação básica no campo é uma dimensão da política educacional brasileira com características e desafios específicos que a distinguem da educação urbana. Essa modalidade de ensino não se limita apenas ao ensino e à aprendizagem, mas também reflete as condições sociais, econômicas e culturais únicas das áreas campesinas, influenciando a gestão escolar, a prática pedagógica e a formação cidadã dos alunos.

Um importante elemento para o êxito da implementação da educação integral, especialmente em contextos campesino, é a gestão escolar, a qual, nesse contexto, precisa reconhecer as especificidades de seu corpo discente. Conforme Libâneo (2004), a gestão deve articular os diferentes aspectos da prática pedagógica e adaptar as diretrizes curriculares às necessidades específicas da comunidade. Nas áreas rurais, a gestão enfrenta desafios como a escassez de recursos materiais e humanos, a distância das áreas urbanas e a dificuldade em atrair e reter profissionais qualificados. Nessa conjuntura, para ser eficaz, a gestão precisa ser capaz de superar esses desafios, integrando práticas pedagógicas inovadoras e contextualizadas com a realidade local (Santos, 2007).

A educação do campo é caracterizada pela necessidade de adaptar o currículo às especificidades das comunidades campesinas. Para tanto, é preciso valorizar as práticas e saberes locais, promovendo uma educação que respeite e integre o modo de vida campesino. O currículo, por sua vez, precisa dar conta de uma proposta de uma educação contextualizada, que reconheça e valorize as realidades dos povos do campo. Nesse sentido, defende-se um currículo pautado nas especificidades locais que não apenas enriqueça o processo educativo, mas também fortaleça a identidade cultural e os saberes tradicionais. Essa abordagem contribui para a formação de cidadãos mais engajados e conscientes de seu contexto, promovendo uma educação verdadeiramente integral e respeitosa com o modo de vida campesino (Arroyo, 2007; Caldart, 2010). Conforme defendido por Arroyo (2007, p. 20) “pode se afirmar que é através do currículo que as coisas acontecem na escola. No currículo se sistematizam nossos esforços pedagógicos”. Tavano e Almeida (2018) acrescentam que esse documento precisa compreender as dimensões culturais e sociais das escolas e dos sujeitos que as frequentam.

Para tanto, é necessário que além de contextualizado, o processo de ensino/aprendizagem precisa, também, promover atividades interdisciplinares, as quais presumem o mesmo olhar holístico defendido pela ideia de Teixeira (1962) sobre a Educação Integral. Conforme Fazenda (1991, p.31), a interdisciplinaridade consiste em um processo de “[...] mudança de atitude perante o problema do conhecimento, da substituição de uma concepção fragmentária pela unitária do ser humano”. Nessa perspectiva, os processos educativos devem promover a compreensão dos estudantes como seres complexos, dotados de idiossincrasias e especificidades, condições determinantes para o êxito educacional.

Fazenda (1991) apresenta uma perspectiva enriquecedora sobre a interdisciplinaridade, destacando a importância de uma abordagem holística do conhecimento. Ao sugerir uma "mudança de atitude", Fazenda propõe que a interdisciplinaridade não é apenas uma metodologia, mas uma transformação na forma como percebemos e interagimos com o saber. A ideia de substituir uma visão fragmentária pela unitária sugere que o conhecimento não deve ser visto em compartimentos isolados, mas sim como um todo integrado que considera as interconexões entre diferentes áreas. Essa abordagem é crucial em um mundo complexo, onde os desafios enfrentados são multifacetados e exigem soluções que envolvem diversas disciplinas. Além disso, essa mudança de atitude pode ser vista como uma forma de valorização do ser humano e de suas múltiplas dimensões. Ao integrar diferentes saberes, promovemos uma compreensão mais rica e profunda da realidade, que pode levar a inovações e soluções mais eficazes para problemas contemporâneos. Desse modo, a interdisciplinaridade provoca uma reflexão sobre a necessidade de repensar as práticas educacionais e de pesquisa, incentivando a colaboração entre áreas do conhecimento e a construção de um saber mais abrangente e inclusivo.

No campo, a proximidade com a natureza e a possibilidade de integrar práticas locais ao currículo oferecem oportunidades para um aprendizado mais significativo e contextualizado. Os Projetos políticos pedagógicos que respeitam e valorizam os modos de vida dos camponeses precisam promover um ambiente de aprendizagem mais engajador, preparando os alunos para atuar de maneira autônoma e consciente no seu contexto local (Nogueira, 2003). Nesse sentido, compreender a relação campo-cidade e as possibilidades de superação dessa visão dicotômica sobre os territórios implica entender que as relações sociais que ocorrem entre os sujeitos e as instituições presentes nesses territórios são construções históricas que marcam a produção social do espaço e que em nossos dias transpassam os limites definidos geograficamente, muito em função das novas tecnologias e da circulação do capital que ocorrem de maneira sobreposta.

A formação cidadã é um dos objetivos centrais da educação integral. A educação para a cidadania envolve a preparação dos alunos para exercerem seus direitos e deveres de forma ativa e consciente, contribuindo para a construção de uma sociedade justa e democrática (Santos, 2006). Em contextos rurais, isso significa promover a participação comunitária e o engajamento social, além de desenvolver valores como a solidariedade e a responsabilidade social.

Conforme Dewey (1997), a educação para a cidadania precisa compreender a preparação dos alunos para atuar de maneira ética e responsável em suas comunidades. Rosa, Lima e Cavalcanti (2023) postulam que, atualmente, as ideias de Educação para a Cidadania refletem fatores que superam o compromisso social de promoção de processos educativos críticos, uma vez que, imperam ideais neoliberais fortemente ligados à lógica capitalista. No campo, esse processo envolve, também, a dimensão da identidade, que, de acordo com Arroyo (2007), abarca a íntima relação dos sujeitos camponeses com a “Terra”.

Nesse contexto, o elo entre educação integral, gestão escolar e cidadania reside na necessária reflexão sobre os processos educativos materializados nos ambientes escolares. A gestão escolar deve ser capaz de implementar práticas pedagógicas que promovam a educação integral e o desenvolvimento da cidadania, considerando as especificidades do contexto rural. Isso requer uma abordagem interdisciplinar e uma articulação constante entre as diretrizes curriculares e as realidades locais.

A interdisciplinaridade, como proposta pedagógica, surge como uma abordagem fundamental para a construção de uma educação mais integrada e significativa (Souza et. al., 2022). Fazenda (1991) destaca a necessidade de um pensamento complexo que rompesse as barreiras entre as disciplinas, permitindo uma compreensão mais holística do conhecimento. Na contemporaneidade, essa perspectiva deve abarcar, também, a educação como um ato de liberdade e conscientização, como propunha Paulo Freire (1996; 2014).

No âmbito da educação integral, a interdisciplinaridade se revela uma ferramenta poderosa para conectar saberes e práticas educativas (Gonçalves; Sônego, 2023). Em contextos campesinos, essa abordagem não apenas promove a valorização do conhecimento tradicional e das práticas comunitárias, mas também fomenta a cidadania ao estimular a participação ativa dos alunos em suas realidades sociais. Por meio de projetos interdisciplinares que abordem temas como sustentabilidade, agricultura familiar e direitos humanos, é possível criar um ambiente educacional que empodere os estudantes, desenvolvendo neles uma consciência crítica e a capacidade de transformar sua realidade. Assim, a interdisciplinaridade não é apenas uma estratégia didática, mas um caminho para a construção de uma educação libertadora, que prepara os indivíduos para serem cidadãos ativos e engajados em suas comunidades (Gadotti, 2000).

METODOLOGIA

Para este estudo, optou-se pela pesquisa qualitativa (Brasileiro, 2012), que é particularmente eficaz para explorar fenômenos complexos e contextuais, como a gestão da educação integral em uma escola campesina. A abordagem qualitativa permitiu uma análise detalhada das práticas e diretrizes descritas nos documentos. Para tanto, foi realizada uma pesquisa documental, com dados primários, conforme o entendimento de Gil (2002). O método escolhido para esta análise foi a Análise de Conteúdo, conforme proposta por Bardin (2015), que possibilitou a análise crítica sobre a implementação e a gestão da educação integral em uma escola do campo, com foco no Referencial Curricular Municipal (RCM) e o Projeto Político Pedagógico (PPP) de uma escola pública municipal, situada no município de Bom Jesus da Lapa BA. Desse modo, a pesquisa teve como objetivo principal entender como o RCM e o PPP abordam a educação integral e a cidadania e identificar os desafios enfrentados na implementação dessas diretrizes.

O primeiro passo foi estabelecer o problema e os objetivos da pesquisa. A questão central é a dificuldade na integração entre a educação integral, a gestão escolar e a realidade sociocultural dos alunos em contextos rurais. Para este estudo, os documentos analisados foram: Referencial Curricular Municipal (RCM) - Documento que estabelece as diretrizes curriculares para a educação no município, fornecendo uma base para a prática pedagógica; e o Projeto Político Pedagógico (PPP) da escola pesquisada. A obtenção desses documentos foi feita diretamente com a escola e/ou com órgãos municipais de educação, garantindo a autenticidade e a relevância dos dados analisados.

De posse dos documentos, foi realizada uma leitura preliminar para familiarização com seu conteúdo e identificação das seções relevantes. Esta etapa foi importante, pois possibilitou a definição do escopo do estudo de modo a orientar as demais etapas da pesquisa. A codificação inicial envolveu a identificação de categorias e temas principais relacionados à educação integral, gestão escolar e cidadania. Após esse momento, foram realizadas a pré-análise, exploração do material (RCM e PPP), o tratamento dos dados, a interpretação e a validação dos resultados.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

A análise dos resultados obtidos a partir do Referencial Curricular de Bom Jesus da Lapa (RCBJL) revela um avanço significativo na organização do trabalho educativo, mas também expõe limitações importantes, especialmente no que se refere à proposta de educação integral. A participação ativa de professores, pais e estudantes nos Grupos de Estudo e Aprendizagem (GEAs) é um aspecto positivo que evidencia uma construção coletiva que reflete as necessidades e aspirações da comunidade escolar. No entanto, a ausência de um enfoque explícito sobre a educação integral constitui uma crítica central, já que o currículo deveria integrar não apenas conteúdos acadêmicos, mas também dimensões sociais e culturais (Tavano; Almeida, 2018). O que se observa nos documentos analisados é uma compreensão de “integralidade” muito ligada ao tempo de permanência na escola.

O Currículo Municipal de Bom Jesus da Lapa é um guia que orienta as escolas municipais da cidade. O documento é baseado na Pedagogia Histórico-Crítica que, conforme Saviani (2011), busca formar cidadãos conscientes e atuantes, promovendo uma educação humanizada. O RCM abrange diversas áreas do conhecimento, como Língua Portuguesa, Matemática, Ciências, História, Geografia, Artes, Educação Física e Ensino Religioso. Os objetivos de aprendizagem, habilidades a serem desenvolvidas e práticas pedagógicas recomendadas, em tese, defendem práticas contextualizadas e interdisciplinares. Além disso, trata de temas transversais relevantes, como direitos humanos, relações étnico-raciais, diversidade, sustentabilidade e inclusão, propondo uma transformação social e a preparação dos alunos para a vida em sociedade.

 O Referencial Curricular analisado destaca a importância da interdisciplinaridade como meio de proporcionar uma compreensão mais completa do mundo. Diversas estratégias são empregadas para integrar diferentes áreas do conhecimento, destacando-se:

1. Ênfase na Prática Social: O currículo conecta conteúdos escolares com a realidade social dos alunos, usando a prática social como ponto de partida e chegada do processo de aprendizagem.
2. Abordagem Transversal de Temas: Propostas de Temas Integradores, como Direitos Humanos e Educação Ambiental, são sugeridas para serem abordadas de forma transversal em todas as disciplinas.
3. Trabalho com Projetos Interdisciplinares: Incentivo à realização de projetos que integrem diferentes componentes curriculares, promovendo a aplicação prática dos conhecimentos.
4. Diálogo entre as Disciplinas: Sugestões para que professores articulem os conteúdos de suas disciplinas com outras áreas, promovendo conexões e aprofundamento nos temas estudados.
5. Formação Continuada de Professores: A formação continuada é destacada como essencial para que os professores se apropriem da proposta pedagógica interdisciplinar.

A autonomia das escolas para adaptar as diretrizes gerais à realidade local é um ponto positivo, permitindo que cada instituição explore maneiras significativas de integrar os conhecimentos.

A análise do Projeto Político Pedagógico (PPP) da escola municipal escolhida para o estudo fornece um panorama detalhado da instituição, abordando seu histórico e objetivos para 2019-2021. É importante destacar que o PPP atualmente está em processo de reconstrução, por essa razão, este estudo se centra na versão mais recente, que compreende o período supracitado. Inaugurada em 28 de abril de 2017, a escola atende a alunos da Educação Infantil e do Ensino Fundamental. O PPP detalha a estrutura física da escola e os recursos disponíveis, ressaltando pontos fortes como a equipe docente qualificada e a boa reputação na comunidade, enquanto aponta desafios como a falta de espaço físico adequado e a baixa participação dos pais.

 Uma análise comparativa entre o RCM e o PPP revela que ambos apontam a interdisciplinaridade como elemento essencial para uma educação completa e contextualizada. Ambos enfatizam a conexão entre o conteúdo escolar e a realidade social dos alunos. O RCM propõe uma abordagem mais ampla, enquanto o PPP detalha a implementação da interdisciplinaridade em um contexto específico. O Quadro 1 apresenta uma síntese dos principais resultados referentes ao tema, encontrados nos dois documentos analisados.

Quadro 1 - Análise Comparativa do Referencial Curricular Municipal (2020) e Projeto Político Pedagógico 2019/2021.

Fonte: Elaborado pelos autores a partir da pesquisa.

 O quadro acima evidencia que os dois documentos compartilham a visão da interdisciplinaridade como uma atitude essencial para conectar o conhecimento à realidade dos alunos, as diferenças se concentram no nível de detalhamento e implementação. Enquanto o RCM estabelece diretrizes gerais, o PPP aprofunda-se em questões locais, como a falta de acompanhamento dos pais e dificuldades de aprendizagem. De todo modo, os documentos apresentam importantes contribuições para a concretização de uma educação interdisciplinar no contexto do campo, a partir sobretudo da conexão dos processos educativos com a realidade da comunidade escolar. A consideração dos aspectos sociais e culturais dos estudantes é fator essencial para a promoção da interdisciplinaridade no ambiente educacional (Fazenda, 1991).

 Quanto à Educação Integral, o PPP analisado faz apenas três menções à temática. A primeira citação consiste em um dos itens apresentados como funções do profissional Coordenador Pedagógico da instituição. O referido item aponta que cabe ao coordenador “Propor e incentivar a realização de palestras, encontros e similares com grupos de alunos e professores sobre temas relevantes para a formação integral e o desenvolvimento da cidadania”. A segunda menção é apenas um destaque do disposto na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) sobre a importância de, na Educação Infantil, as atividades educacionais contemplarem os aspectos físicos, cognitivos, psicológicos, intelectuais e sociais das crianças (Brasil, 1996). Essas duas partes do documento demonstram que a ideia de Educação Integral ainda está envolta em certas imprecisões.

A terceira menção é a mais completa das três. Trata-se de mais uma referência às disposições da LDBEN sobre a Educação Infantil. O trecho menciona a importância do desenvolvimento de atividades lúdicas e prazerosas, que se conectem “às mais variadas experiências e no prazer de descobrir a vida, colocando as crianças em contato com uma variedade de estímulos e experiências que propiciem a elas o seu desenvolvimento integral” (Brasil, 1996). Ademais, o PPP menciona que essas ações devem ser desenvolvidas e fundamentadas em uma perspectiva “interdisciplinar e totalizadora”, que oportunize uma educação ativa e conectada com os interesses, as necessidades e as potencialidades dos estudantes. Essa parte do documento representa um avanço significativo em relação ao compromisso da escola para com a formação de seus estudantes. Todavia, o documento não menciona a formação nem tampouco a Educação Integral no Ensino Fundamental.

Nos trechos mencionados acima, a formação integral aparece como uma dimensão da educação cidadã. Esse fato é algo positivo, considerando a necessária inter-relação entre a educação e o exercício da cidadania. Se efetivada em uma perspectiva emancipatória, a prática educacional pode culminar na formação plena dos estudantes. Freire (1996; 2014) aponta que a libertação das classes oprimidas, como os povos do campo, perpassa justamente pelo poder transformador da educação, algo que requer um compromisso de toda a sociedade.

O Referencial Curricular faz 38 menções à integralidade da educação, distribuídas entre os termos “desenvolvimento integral”, "formação integral” e “Educação Integral”. Quanto aos dois primeiros termos, as ideias apresentadas são semelhantes às apresentadas no PPP da escola do campo selecionada. Quanto à Educação Integral, o documento aponta que essa concepção deve abarcar a pluralidade cultural dos estudantes, principalmente nas ações relacionadas ao componente “Ensino Religioso”.

Os documentos analisados apresentam a ideia de formação integral diretamente atrelada à formação humana e cidadã, embora, quase sempre, a atrelem ao aumento do tempo de permanência nas escolas. Essa proposta pode ser compreendida como um avanço significativo no que tange ao processo educativo. Dewey (1997), Rosa, Lima e Cavalcanti (2023) e Teixeira (1962), ao discutirem questões educacionais, apresentam a formação cidadã como uma importante dimensão da formação escolar. A escola não deve se ater exclusivamente às atividades de ensino de conteúdos, mas fomentar, também, a construção da valorização da participação social, do engajamento e do exercício ativo da cidadania - preceitos também basilares da Pedagogia Freireana.

Nesse contexto, a gestão escolar desempenha um importante papel de intermediação entre o proposto pelo RCM e o disposto no PPP da escola. Esse último, construído com a participação direta da comunidade e embasado no documento municipal, apresenta os objetivos educacionais construídos a partir da realidade na qual a escola está inserida. Desse modo, cabe à equipe gestora, buscar formas de materializar as ideias apresentadas nos documentos supracitados - uma difícil tarefa, frente à complexidade do cenário posto.

A escola do campo selecionada apresenta uma proposta pedagógica ampla que, em tese, corrobora a promoção de uma formação integral, contextualizada e significativa. Entretanto, tanto no PPP quanto RCM é possível notar imprecisões quanto à definição das estratégias de materialização da educação integral, atrelando, muitas vezes, a efetivação desse processo ao mero aumento do tempo de permanência nas escolas. Todavia, persistem ideias promissoras, porém com pouco detalhamento quanto à sua concretização.

O Referencial Curricular Municipal de Bom Jesus da Lapa e o Projeto Político Pedagógico da escola do campo selecionada demonstram um compromisso compartilhado com a interdisciplinaridade como proposta de ensino, ainda que haja lacunas, imprecisões e pouco detalhamento das iniciativas. Nesse sentido, o estudo aponta que, embora haja nos documentos analisados ideias e propostas de interdisciplinaridade e de promoção de uma educação integral e cidadã, faltam estratégias mais claras e objetivas de efetivação do que é defendido no texto analisado. Essa análise ressalta a importância de uma educação que não apenas conecte disciplinas, mas que também seja relevante e significativa para a vida dos alunos, contribuindo para a promoção da cidadania e da formação integral e para o desenvolvimento de habilidades essenciais para o século XXI - conjuntura que demanda um grande esforço da comunidade escolar, especialmente da equipe gestora.

CONCLUSÃO

O estudo buscou analisar como a educação integral, a gestão escolar e a cidadania são promovidas em uma escola campesina, com base na análise do Referencial Curricular Municipal (RCM) e do Projeto Político Pedagógico (PPP). Os resultados mostram que, apesar das diretrizes claras, a implementação de uma educação integral que atenda às necessidades do contexto rural ainda enfrenta desafios significativos. A imprecisão quanto às formas de materialização da formação integral dificultam o processo de promoção de uma educação para a cidadania e para a emancipação social proposta por Freire (1996 e 2014). Essa situação também obsta a concretização da Educação Integral pretendida por Teixeira (1962). Todavia, é importante reconhecer os avanços, como as menções à formação cidadã e ao desenvolvimento integral dos estudantes e as propostas - ainda que imprecisas - de contextualização do processo formativo.

Adicionalmente, tanto o Currículo Municipal quanto o PPP consideram a interdisciplinaridade crucial para uma educação completa que prepare os alunos para os desafios do século XXI. O Currículo Municipal oferece uma estrutura teórica robusta, enquanto o PPP ilustra como esses princípios podem ser traduzidos em ações práticas dentro de um contexto escolar específico. Todavia, a análise evidenciou uma certa fragilidade nas propostas contidas nos documentos. Embora sejam interessantes e potencialmente frutíferas, as ideias esbarram em suas próprias imprecisões e no pouco detalhamento do que realmente é esperado por meio dos processos educativos efetivados na escola pesquisada.

Portanto, a análise documental não só evidencia os avanços na elaboração do RCM, mas também destaca os desafios a serem superados. A formação cidadã, premissa fundamental da educação integral, depende da capacidade do currículo em se adaptar e integrar os saberes locais, promovendo um aprendizado que respeite e valorize a cultura da comunidade. Sem essa integração, o potencial transformador da educação em Bom Jesus da Lapa permanece limitado, ressaltando a urgência de um compromisso coletivo em prol de uma educação mais inclusiva e integral.

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