Texto

Descrição gerada automaticamente

 

INTERA-AÇÕES PARA/NO RESPEITO ÀS DIFERENÇAS: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA E SUAS APROXIMAÇÕES COM CUIDADORES DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA

 

Joyce Santana Araújo Silva¹*; Thaís Meireles de Oliveira1; Marcia Torres Neri Soares2

 

¹ Mestranda em Intervenção Educativa e Social pelo (PPGIES/UNEB) Campus XI

² Doutora em Educação (UFRN). Docente do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Intervenção Educativa e Social (PPGIES/UNEB).

*Autor para correspondência E-mail: joylibras@gmail.com

 

Recebido:30/09/2024   Aceito: 22/11/2024

 

RESUMO: Este texto objetiva apresentar um relato de experiência advindo da atividade interventiva “Espaço de laço: ‘inter-ações’ no compasso do forró” realizada no Componente Curricular Processos Grupais do Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Intervenção Educativa e Social (PPGIES) da Universidade do Estado da Bahia (Uneb), Campus XI, Serrinha-BA. A atividade realizada requereu a elaboração de um projeto inspirado na metodologia de pesquisa interventiva para aplicação de uma dinâmica grupal e foi desenvolvida no Centro de Atendimento Pedagógico a Pessoas com Necessidades Educacionais Especiais (Capene) na cidade de Serrinha-BA. Seu tema tem assento no Programa Multidisciplinar de Extensão Inter-Agir, também da Uneb. Participaram da ação responsáveis de pessoas com deficiência, vinculadas ao Capene. Como resultados foi possível identificar a importância de ações em salas de espera para interação e acolhimento de acompanhantes em um espaço relacionado às necessidades específicas de pessoas em situação de vulnerabilidade, bem como a aderência da literatura sobre processos grupais ao desenvolvimento metodológico de ações interventivas. Estratégias de intervenção possibilitam maior aproximação e aprofundamento teórico em pesquisas e/ou experiências realizadas e oportunizam ampliar o olhar metodológico em diferentes espaços sociais. Outrossim, conferir rigor ao relato de experiência possibilita uma perspectiva interdisciplinar de ações amplamente desenvolvidas no PPGIES. O cotidiano de cuidadores é marcado por características, dentre as quais a espera durante as atividades desenvolvidas por seus filhos e/ou dependentes. O texto permite ponderar sobre os principais resultados da experiência relatada e ampliá-los à luz da subjetividade de diferentes leitores no campo socioeducacional. 

 

Palavras-chave:      Interação social; Cuidadores; Pessoas com deficiência.

 

 

 

 

 

INTER-ACTIONS FOR/IN RESPECT TO DIFFERENCES: A REPORT OF EXPERIENCE AND ITS APPROACHES WITH CAREGIVERS OF PEOPLE WITH DISABILITIES

 

ABSTRACT:  This text aims to present an experience report from the interventional activity “Espaço de laço: ‘inter-ações’ no compasso do forró” (Tie space: " inter-actions " in the forró compass) held in the Curricular Component Processos Grupais of the Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Intervenção Educativa e Social (PPGIES) of the Universidade do Estado da Bahia (Uneb), Campus XI, Serrinha-BA. The activity required the elaboration of a project inspired by the interventional research methodology to apply a group dynamic and was developed at the Centro de Atendimento Pedagógico a Pessoas com Necessidades Educacionais Especiais (Capene) in the city of Serrinha-BA. Its theme is part of the Inter-Agir Multidisciplinary Extension Program, also from Uneb. Caregivers of people with disabilities linked to CAPENE participated in the action. As a result, it was possible to identify the importance of actions in waiting rooms for interaction and reception of companions in a space related to the specific needs of people in vulnerable situations, as well as the adherence of the literature on group processes to the methodological development of interventional actions. Intervention strategies enable better approximation and theoretical deepening in research and/or experiences carried out and provide opportunities to broaden the methodological look in different social spaces. In addition, giving rigor to the experience report enables an interdisciplinary perspective of actions widely developed in PPGIES. The caregivers' daily life is marked by characteristics, including waiting during the activities developed by their children and/or dependents. The text allows us to consider the main results of the reported experience and expand them by considering the subjectivity of different readers in the socio-educational field.

 

Keywords: Social interaction; Caregivers; People with disabilities.

 

 

INTERACCIONES PARA/EN EL RESPETO A LAS DIFERENCIAS: UN RELATO DE EXPERIENCIA Y SUS APROXIMACIONES A LOS CUIDADORES DE PERSONAS CON DISCAPACIDAD

 

RESUMEN: Este texto tiene como objetivo presentar un relato de experiencia derivado de la actividad de intervención “Espacio de lazo: “inter-acciones” al compás del forró” realizada en el Componente Curricular Procesos Grupales del Programa de Posgrado Stricto Sensu en Intervención Educativa y Social (PPGIES) de la Universidad del Estado de Bahía (Uneb), Campus XI, Serrinha-BA. La actividad realizada requirió la elaboración de un proyecto inspirado en la metodología de investigación-intervención para la aplicación de una dinámica grupal y se desarrolló en el Centro de Atención Pedagógica a Personas con Necesidades Educativas Especiales (Capene) en la ciudad de Serrinha-BA. El tema se basa en el Programa Multidisciplinar de Extensão Inter-Agir, también de la Uneb. Participaron en la acción responsables de personas con discapacidad, vinculadas al Capene. Como resultado, fue posible identificar la importancia de acciones en salas de espera para la interacción y acogida de acompañantes en un espacio relacionado con las necesidades específicas de personas en situación de vulnerabilidad, así como la adherencia de la literatura sobre procesos grupales al desarrollo metodológico de acciones de intervención. Las estrategias de intervención permiten una mayor aproximación y profundización teórica en investigaciones y/o experiencias realizadas y brindan la oportunidad de ampliar la mirada metodológica en diferentes espacios sociales. Asimismo, conferir rigor al relato de experiencia posibilita una perspectiva interdisciplinaria de acciones ampliamente desarrolladas en el PPGIES. El día a día de los cuidadores está marcado por características, entre las cuales se encuentra la espera durante las actividades desarrolladas por sus hijos y/o dependientes. El texto permite reflexionar sobre los principales resultados de la experiencia relatada y ampliarlos a la luz de la subjetividad de diferentes lectores en el campo socioeducativo.

 

Palabras clave: Interacción social; Cuidadores; Personas con discapacidad.

 

 

INTRODUÇÃO

 

O ato de auxiliar/cuidar de pessoas com deficiência pode acarretar um acúmulo de obrigações e um desgaste nas relações sociais, de ordem emocional e física. Por seu turno, este acúmulo gera um “esquecimento do eu” e das condições mínimas para manutenção de seu próprio bem estar. Ao reconhecer a importância de realçar discussões e iniciativas acerca da valorização e percepção das necessidades de cuidadores de pessoas com deficiência, este artigo versa sobre a relevância da disposição de tempo para atividades de entretenimento e lazer a fim de se perceberem como protagonistas importantes, passíveis de auxílio e cuidados no desenvolvimento de atividades cotidianas.

O texto objetiva, desse modo, apresentar um Relato de Experiência (RE) advindo da ação denominada: “Espaço de laço: ‘inter-ações’ no compasso do forró” realizada no Componente Curricular Processos Grupais do Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Intervenção Educativa e Social (PPGIES) da Universidade do Estado da Bahia (Uneb), Campus XI, Serrinha-BA.

A atividade realizada requereu a elaboração de um projeto inspirado na metodologia de pesquisa interventiva Pereira (2019) para aplicação de uma dinâmica grupal e foi desenvolvida no Centro de Apoio Pedagógico às Pessoas com Necessidades Educacionais Especiais (Capene) na cidade de Serrinha-BA. Seu tema tem assento no Programa Multidisciplinar de Extensão da Uneb, INTER-AGIR[1] e, nesse particular, contribuiu para uma interação grupal com a participação de alguns cuidadores em uma sala de espera.

O Capene foi criado em 2016 sob a Lei nº1.131, composto por uma equipe multidisciplinar realiza atendimentos semanais com o público de várias idades e, conforme Art 1º, está vinculado à educação básica e “responsável pelo atendimento educacional especializado às pessoas com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação e demais necessidades educacionais especiais”. Também, segundo a Lei, conta com o suporte das secretarias de administração, infraestrutura, saúde, desenvolvimento social, cultura, esporte e Lazer (Serrinha, 2016).

Na operacionalização da atividade participaram cuidadores de estudantes com deficiência e/ou com necessidades especiais, haja vista ser este o público contemplado pelo Capene, em espera na instituição na tarde da quarta-feira do dia dez de julho de 2024. A atividade, previamente planejada e com a devida anuência da instituição, procurou proporcionar um ambiente de acolhimento, além de contribuir para a interação entre pessoas, as quais compartilham da condição de espera em diferentes espaços.

Numa primeira dimensão, ao relatarmos a condução da atividade, enfatizamos a importância da modalidade RE por descrever, de forma crítica-reflexiva, experiências vivenciadas pela/na promoção de conhecimentos resultantes das interações entre os membros de determinados grupos sociais.

Segundo Mussi; Flores e Almeida (2021, p. 63) o conhecimento interliga-se ao saber escolarizado e também às aprendizagens provenientes de experiências socioculturais “[...] O seu registro por meio da escrita é uma relevante possibilidade para que a sociedade acesse e compreenda questões acerca de vários assuntos, sobretudo pelo meio virtual, uma vez que o contexto contemporâneo informatizado possibilita isso.” Nesse sentido, reconhecemos a intersecção entre o conhecimento e as experiências cotidianamente construídas no âmago da sociedade, como a relatada neste texto.

Para efeito de organização, além desta introdução, o presente texto apresenta a seção teórica intitulada “Fios da experiência compartilhada: contribuições teóricas”. Na oportunidade, evidenciamos as concepções sobre deficiência e necessidades especiais, conforme público definido pela instituição, além de enfatizarmos a relevância de dinâmicas de grupo. Em seguida, detalhamos o RE em sua vertente metodológica, resultados e conclusões. Esperamos oportunizar uma producente leitura, afinal estratégias de intervenção possibilitam maior aproximação e aprofundamento teórico em pesquisas e experiências realizadas e oportunizam ampliar o olhar metodológico em diferentes espaços sociais.

 

 

FIOS DA EXPERIÊNCIA COMPARTILHADA: CONTRIBUIÇÕES TEÓRICAS

 

Pessoas com deficiência e/ou com necessidades especiais muitas vezes necessitam de acompanhamento regular com profissionais da saúde e/ou educação e, nesses casos, a família auxilia com o deslocamento para realização desses atendimentos e outras atividades necessárias ao desenvolvimento da autonomia e bem-estar de seus filhos e/ou tutelados.

Consideramos relevante entender o público das pessoas com deficiência como pessoas com “[...] impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas (Brasil, 2015, p. 21).

Na acepção defendida neste artigo, é preciso se pensar nas pessoas com deficiência para além da visão patológica. Diniz (2007) a apresenta como uma questão de inferências políticas e não somente por aspectos biomédicos, pois é necessário assegurar a construção de uma sociedade inclusiva.

Segundo a autora, é preciso libertar essas pessoas das barreiras sociais da desigualdade e segregação, afinal existe uma “[...] versão lógica de causalidade entre o modelo médico e o social: para o primeiro, a deficiência era resultado da lesão, ao passo que para o segundo, decorria dos arranjos sociais opressivos às pessoas com lesão.” (Diniz, 2007, p. 23). Assim, a deficiência não se constitui unicamente pela condição de ter um corpo com lesão, mas pelas condições socialmente impostas.

Quanto ao público de pessoas com necessidades especiais, Braccialli et al (2012) ampliam sua definição para além das pessoas com deficiência, pois estas “[...] designam necessidades específicas de grupos populacionais também específicos, como por exemplo, o grupo de pessoas idosas, o de pessoas com afecções crônicas, o de pessoas em situação de vulnerabilidade social.” (Braccialli et al, 2012, p. 114). Tratando-se, mais especificamente de Necessidades Educacionais Especiais (NEE), as compreendemos como condições de forte influência na aprendizagem de uma pessoa, podendo estar relacionada ou não à deficiência.

As pessoas com NEE geralmente demandam auxílio para realizar suas atividades do cotidiano. Essa responsabilidade é comumente dada às mães, pais, parentes ou outros responsáveis. Em pesquisa sobre avaliação da qualidade de vida dos cuidadores realizada por Pimenta, Rodrigues e Greguol (2010) é notável a presença da sobrecarga inerente a quem auxilia as pessoas com deficiência ou necessidades especiais. Diante dos resultados, os autores percebem a importância de “avaliar” como está a qualidade e a “sobrecarga” de cuidadores de pessoas com deficiência. Segundo o estudo retromencionado, cerca de 80% dos cuidadores eram do sexo feminino.

Durante a aplicação da ação no Capene, observamos a presença de acompanhantes do sexo masculino, correspondendo a 32% dos cuidadores presentes de um universo de 23 participantes. Embora ainda de modo tímido, esse aspecto nos faz pensar no início de um novo olhar/pensamento dos homens na contribuição da divisão da responsabilidade de compartilhar os cuidados com as mulheres, na maioria das vezes mães e/ou avós, ao assistirem e participarem da vida dos filhos/netos, em especial da pessoa com deficiência. Não podemos afirmar sobre uma nova realidade na distribuição de tarefas familiares, mas esse pode ser um ponto a ser investigado, em outros estudos, acerca da superação da ideia sobre a responsabilidade materna oriunda do patriarcado.

A função de cuidar de uma pessoa com NEE ou com deficiência é comumente exercida por um membro da família, tornando-se o cuidador principal responsável por dedicar maior parte do tempo às suas especificidades (Braccialli, 2012). Assim, o cuidador principal, por dispor de um tempo elevado atendendo às necessidades do dependente, pode ser afetado por estresse social e ter como consequência o afastamento, muitas vezes da sua própria família, dos amigos e uma limitação no seu convívio social (Gonçalves, 2002).

A tarefa de cuidar do outro requer uma dedicação de tempo, responsabilidades variadas em relação ao ser cuidado, e entre outras coisas, um preparo emocional para o desenvolvimento da autonomia e bem-estar das pessoas envolvidas no processo. Tais responsabilidades podem acarretar vários problemas, inclusive, diversas doenças físicas e/ou emocionais.

Segundo Chiang et al (2020), as pressões sofridas por cuidadores acarretam impactos no estilo de vida, atividades sociais, financeiras e emocionais. Por reconhecer estes impactos, julgamos ser importante o delineamento de estratégias de intervenção com cuidadores de pessoas com deficiência.

Com efeito, é de grande relevância pensar projetos e ações para oferecer estímulos para/na conscientização desses cuidadores com momentos de entretenimento apenas para cuidar de si. Tais ações envolvem, além de um despertar para o cuidado pessoal, a posterior tomada de decisões para trabalhar aspectos inerentes ao bem-estar físico, emocional e, não menos importante, as relações sociais de afetividade e lazer.

Muito tempo dos cuidadores é usado nas salas de espera entre um consultório e outro, entre uma atividade pedagógica e outra. Esse tempo pode ser preenchido com ações voltadas para esses responsáveis, por vezes acometidos pelo cansaço, físico e/ou mental sem conseguir perceber outras atividades para preenchimento do tempo com prazer por meio de descontração.

Realizar atividades grupais envolvendo pessoas/cuidadores, os quais passam por situações similares, pode influenciar positivamente atitudes para condução da melhoria da qualidade de vida do cuidador e consequentemente da pessoa cuidada. Para Alberti et.al (2014), as dinâmicas de grupo dão condições para o desenvolvimento de formas de agir e/ou atividades ligadas à interação social e afetiva dos envolvidos.

As dinâmicas de grupos são atividades fortalecedoras do diálogo, empatia, desenvolvimento da criatividade e motivação, pois estimulam aos participantes a buscarem soluções para determinadas situações vivenciadas em seu cotidiano e ampliadas à luz do compartilhamento coletivo com outros membros do grupo. Nessa perspectiva, relacionamos sua importância com a valorização e fortalecimento da identidade grupal, requerendo uma atenção especial para sua aplicabilidade em diversos contextos.

Alberti et.al (2014, p. 358) enfatizam a possibilidade de desenvolvimento “psíquico-intelectual” por meio das dinâmicas de grupo, pois através dessas atividades pode-se contemplar atitudes envolvendo valores em “[...] que dinâmicas de grupos tornam-se atividades de estudo desenvolvimentais.”

Com efeito, as dinâmicas de grupo podem colaborar para diminuir as tensões e promover um espaço de interação e empatia, além de descontração e consequentemente troca de conhecimentos e experiências, pois oferece aos colaboradores um momento de motivação, construção/exposição de ideias expressas por meio de relatos de experiências de vida pessoal ou não.

De acordo com Silva (2008, p. 87), a dinâmica de grupo é “[...] uma atividade de cunho vivencial em que os membros do grupo experienciam variadas aproximações da realidade” é, de fato, uma forma de convivência e relação social. Do ponto de vista da interação social, possibilita reconhecer a condição humana de crescer em contato com o outro e, das relações subjacentes, abstrair condições de melhoramento e enfrentamento às situações sociais adversas.

Assim, entendemos as dinâmicas de grupo como instrumentos enriquecedores, pois além de estimularem de forma desafiadora os participantes, auxiliam nas relações com o outro e consigo mesmo. Nesse sentido, é de grande importância o desenvolvimento de atividades/ações para descontração, prazer aos cuidadores de pessoas com deficiência e/ou necessidades educacionais especiais, afinal contribuem para uma melhor qualidade de vida.

 

 

ASPECTOS METODOLÓGICOS: O RELATO DE EXPERIÊNCIA ADVINDO DA PROPOSTA DE INTERVENÇÃO

 

A ação aqui compartilhada teve como foco proporcionar, aos cuidadores dos estudantes do Capene, um espaço mais agradável e de interação enquanto aguardavam o atendimento dos estudantes na recepção da instituição. Sua abordagem é de caráter interventivo com aspectos de natureza aplicada. Segundo Pereira (2019, p. 29), “a pesquisa aplicada [...], busca resolver problemas práticos pela própria ação intencional que possibilite a mudança [...]”.  Está relacionada a uma abordagem qualitativa, pois consideramos aspectos do contexto no qual os participantes estão inseridos:

 

[...] a pesquisa qualitativa trabalha com o universo dos significados, dos motivos, das aspirações, das crenças, dos valores e das atitudes. Esse conjunto de fenômenos humanos é entendido aqui como parte da realidade social, pois o ser humano se distingue não só por agir, mas por pensar sobre o que faz e por interpretar suas ações dentro e a partir da realidade vivida e partilhada com seus semelhantes. (Deslandes; Gomes; Minayo, 2007, p. 21).

 

Buscando atingir os objetivos da ação interventiva, o presente RE apresenta caráter descritivo. Para tanto nos inspiramos em Gil (2002, p. 42), pois “as pesquisas descritivas têm como objetivo primordial a descrição das características de determinada população ou fenômeno ou, então, o estabelecimento de relações entre variáveis”. Assim, realizamos um levantamento em relação ao local da aplicação, bem como o dia, horário e o número de possíveis participantes, para posteriormente planejarmos as ações desenvolvidas.

A atividade foi planejada e realizada nas ações desenvolvidas no Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Intervenção Educativa e Social (PPGIES), Campus XI, Serrinha-BA. Faz parte de uma das atividades do Programa de Extensão Multidisciplinar Inter– Agir, como citado na introdução deste texto.

Com aderência e forte vinculação com a proposta do Inter-Agir, traçamos o objetivo da ação interventiva, a saber: proporcionar aos pais, mães e/ou responsáveis pelos estudantes do Capene, neste texto denominados de cuidadores, por meio de atividades dinâmicas, um espaço mais agradável e de interação enquanto aguardavam o atendimento dos estudantes no espaço de recepção da instituição, promovendo assim, uma interação entre a universidade e os demais espaços sociais.

Escolhemos desenvolver a ação no Capene por se tratar de um espaço diretamente vinculado ao campo de nossas pesquisas e discussões, a educação especial na perspectiva inclusiva, e de relevantes contribuições e destaque na região sisaleira[2].

Em sua rotina, a instituição realiza o Atendimento Educacional Especializado (AEE) a pessoas com necessidades educacionais especiais e/ ou deficiência, as quais precisam de acompanhantes como pais, mães, parentes próximos, e/ou em alguns casos responsáveis sem vínculo familiar. Essas pessoas aguardam os atendimentos dos estudantes em uma sala de espera, um espaço amplo e arejado, com algumas cadeiras. Nesse mesmo espaço ficam os funcionários da recepção, os quais organizam os agendamentos, entradas e saídas dos estudantes em relação aos atendimentos.

Para realização da atividade, foi apresentado ofício encaminhado pela coordenação do PPGIES e, com anuência da instituição, a ação foi desenvolvida no espaço aludido. Com base no conhecimento das necessidades concretas do grupo, em especial a importância de uma atividade para preenchimento do tempo ocioso de espera e a oferta de momentos de descontração não só naquele espaço, mas quiçá em sua rotina diária, pudemos articular o desenvolvimento da ação proposta.

Fizemos um lanche para oferecer aos participantes e, como ainda estávamos motivadas pelo espírito junino, as comidas foram típicas da época: bolo, pipocas, paçocas, amendoins, entre outras, as quais contribuíram para tornar o momento mais agradável e acolhedor. Utilizamos o forró como ritmo de descontração e motivação para participação das pessoas presentes, seguido de atividades dinâmicas doravante descritas.

Após organização prévia do espaço para receber os participantes, fizemos a distribuição de doces/paçocas com frases de boas-vindas, sendo um momento de grande importância para nossa aproximação. Em seguida, realizamos a dinâmica: “Qual é a música?”. Com os participantes em círculo e em pé, passamos uma caixa com trechos de músicas juninas. Ao receber a caixa, cada participante deveria retirar um trecho e cantar a música correspondente. Nesse momento foram entregues brindes aos ganhadores. É válido ressaltar, a grande participação e descontração neste momento, pois os participantes cantaram juntos. Isso trouxe diversão, afinal todos riam com cada tom de voz e lembranças evocadas pelas melodias.

Em seguida, realizamos o momento das Adivinhas juninas”. Na oportunidade lançamos perguntas configuradas em forma de adivinhações/charadas. O participante a acertar maior número de respostas ganhou um brinde. Com boa aceitabilidade e interação social entre os presentes, finalizamos a ação com agradecimentos, comida e forró.

A avaliação da atividade nos trouxe contentamento, pois os cuidadores validaram sua importância e externaram o desejo de participarem em outras oportunidades. O planejamento e a realização da RE oportunizaram reafirmar a relevância do programa de extensão, bem como as possibilidades de ampliação da atividade, desse modo são oportunas as considerações acerca dos resultados e discussões como fazemos a seguir.

 

 

RESULTADOS E DISCUSSÕES

 

Por meio da realização da ação interventiva “Espaço de laço: "inter-ações" no compasso do forró” proporcionamos aos cuidadores de estudantes do Capene, Serrinha-BA, um momento de mais acolhimento e entrosamento entre eles ao participarem de atividades dinâmicas durante o processo de garantia do acompanhamento pedagógico desses estudantes.

Acreditamos na eficácia da ação de troca dinamizada, pois contribuiu para o entretenimento e interação social do grupo no espaço de recepção enquanto os estudantes recebiam o AEE. Dessa forma, ao passo de cuidarem de seus filhos, tiveram um momento de descontração e lazer, tendo em vista terem sido envolvidos em uma ação de fortalecimento da autonomia e cuidado para com cuidadores.

Em seus estudos, Góes (2000) discorre sobre a relevância da interação social na constituição humana, discussão a ratificar iniciativas como a apresentada no presente RE. Outrossim, pelos seus contributos acerca da linguagem e interação social, sua investigação assinala a comunicação estabelecida entre indivíduos de um mesmo grupo, seja por meio de troca de ideias, conhecimentos, experiências de vida e/ou informações, como responsável por possíveis mudanças de comportamento. Para a autora: 

 

[...] a personalidade se faz pela sociedade, ou na vida social, em um processo que implica também o trabalho interno do ser humano para se unificar aos outros e deles se distinguir assumindo papéis mais ou menos diversos daqueles desempenhados pelos demais membros do grupo.” (Góes, 2000, p.118).

 

     Embora este RE não tenha se comprometido em acompanhar os resultados da intervenção, do ponto de vista das proporções e rebatimentos na personalidade e/ou mudança de comportamento dos participantes da atividade, sua aceitabilidade e contentamento sugerem a solidificação de interações entre pessoas, haja vista compartilharem do mesmo universo como responsáveis pelas vidas de seus filhos e/ou tutelados.

Para Tavares, Pinheiro e José (2018, p. 1882) “Sendo a pessoa o centro da atenção dos cuidados, afirma-se que a humanização é um aspecto central em cidadania. Implica ouvir, respeitar e preservar a dignidade das pessoas [...]”. Conferir afeto e cuidado nas ações desenvolvidas pela/na experiência relatada, assim como resgatar a dignidade das pessoas colaboradoras da intervenção, correspondeu a uma prática de humanização e incontestes são suas implicações para/na vida dos cuidadores.

Assim, alguns aspectos são passíveis de elucidação e destaque na ampliação e realização de outras propostas como a aqui relatada, a saber: I. a realização de projetos extensionistas facultam a organização de experiências e de sua aderência ao campo de propostas de intervenção; II. a organização teórica e metodológica favorece o desenvolvimento da atividade, bem como a elucidação de pontos importantes no momento de sua socialização na forma de texto; III. a experiência desenvolvida pode oportunizar a realização de pesquisas comprometidas com a temática, bem como avaliação pelas instituições e colaboradores envolvidos. Ao reconhecermos a relevância da atividade desenvolvida, procedemos as conclusões do texto como fazemos no seguimento.

 

CONCLUSÕES

 

Ao desenvolvemos uma ação interventiva com os cuidadores de estudantes com deficiência e/ou necessidades educacionais especiais, alargamos a compreensão da importância da oferta de momentos de lazer e descontração para essas pessoas, tendo em vista o quanto pode ser emblemático esse processo de auxiliar os estudantes em suas tarefas cotidianas.

Esse cuidado, na maioria dos casos, traz uma dedicação exclusiva indo além do tempo, pois muitos abrem mão de suas vidas sociais para dedicarem-se aos seus filhos, podendo acarretar problemas graves, tanto físicos como de cunho emocional (Batista, et al, 2023).

Em relação a promoção de momentos de descontração em ambientes de recepção e espera por parte dos cuidadores, ressaltamos a potência do uso das dinâmicas de grupo nesse espaço, por terem dado condição de convivência, troca de experiência, socialização e motivação na realização de atividades, assim como por auxiliarem no desenvolvimento da autonomia e na descontração dos participantes.

Com efeito, a metodologia de inspiração em pesquisa interventiva (Pereira, 2019) permitiu elucidar um campo vasto de investigação e iniciativas, a exemplo da apresentada: “Espaço de laço: ‘inter-ações’ no compasso do forró”. Também foi possível ratificar a interlocução entre a educação superior e outros espaços socioeducacionais, como exemplifica a articulação realizada no Componente Curricular Processos Grupais, entre o PPGIES/Uneb e o Capene, transversalizada ainda pelos objetivos do Programa Multidisciplinar de Extensão da Uneb, o INTER-AGIR.

Conhecer, embora brevemente, a instituição onde foi desenvolvida a atividade, permitiu viabilizar um planejamento condizente com as necessidades e/ou aspirações/expectativas do público aludido: cuidadores de estudantes acompanhados pelo Capene. Sobre este aspecto, ponderamos sobre a eficácia da institucionalização da atividade por meio do ofício apresentado, bem como os acordos subsequentes para sua efetivação.

O RE endossou sua concretização pela via crítica e reflexiva e oportunizou adentrar nas interações entre os colaboradores expressas por meio de suas participações e avaliações acerca da atividade realizada. O exercício da escrita deste RE também possibilitou conferir valor à modalidade, por anunciar a importância da sistematização e registro de atividades para posterior publicação e compartilhamento no meio acadêmico.

Outrossim, foi possível identificar o rigor metodológico na descrição de atividades com inspiração em pesquisas interventivas, além de indicar sua aderência em diferentes campos de estudo, como o da inclusão de pessoas com deficiência. São contundentes as possibilidades de ampliação de pesquisas, como as voltadas para interações grupais envolvendo colaboradores vinculados com o cotidiano de pessoas em situação de vulnerabilidade social, a exemplo de cuidadores de pessoas com deficiência.

Assim, tendo em vista o RE compartilhado, reafirmamos a fulcralidade da criação de ações/atividades com cuidadores de pessoas com deficiência e/ou necessidades educacionais especiais, objetivando proporcionar momentos prazerosos e de entretenimento para intensificação de estratégias de acolhimento e, quiçá, realização de pesquisas e aprofundamentos sobre essa importante temática.

 

 

REFERÊNCIAS

 

Alberti, T. F. et al. Dinâmicas de grupo orientadas pelas atividades de estudo: desenvolvimento de habilidades e competências na educação profissional. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. (online), Brasília, v. 95, n. 240, p. 346-362, maio/ago. 2014. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbeped/a/hPc6CRnw4C4TMp6jF5P4ZWQ/?format=pdf&lang=pt. Acesso em 12 jan. 2024.

 

BracciallI, L. M. P.; Bagagi; P. dos S.; Sankako, A. N.; Araújo, R. de C. T. Qualidade de vida de cuidadores de pessoas com necessidades educacionais especiais, Revista Brasileira de Educação Especial, Marília, v.18, n.1, p. 113-126, Jan-Mar., 2012.  Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbee/a/sbXx55vwGZNmHxVvZfHk9Ls/?format=pdf&lang=pt. Acesso em 04 nov. 2024.

 

Batista, I. B.; Marinho, J. S.; Brito, T. R.; Guimarães, M. S.; Silva Neto, L. S.; Pagotto, V; Nunes, D. P. Qualidade de vida de cuidadores familiares de pessoas idosas acamadas. Acta Paulista de Enfermagem. 2023; 36:eAPE00361. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ape/a/TxyHvLDdYJnvgMzFhgXZjNQ/ Acesso em 25 nov. 2024.

 

Brasil. Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Disponível em: http://planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13146.htm Acesso em 20 jun. de 2024.

 

Chiang, F. M.; Hsieh, J. G.; Fan, S. Y.; Wang, Y. W; Wang, S. C. Does the Experience of Caring for a Severely Disabled Relative Impact Advance Care Planning? A Qualitative Study of Caregivers of Disabled Patients. International Journal of Environmental Research and Public Health. 2020; 17(5):1594. https://doi.org/10.3390/ijerph17051594 Disponível em: https://www.mdpi.com/1660-4601/17/5/1594 Acesso em 10 nov. 2024.

 

Deslandes, S. F.; Gomes, R; Minayo, M. C. de S. Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 26. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007.

 

Diniz, D. O que é deficiência. São Paulo: Brasiliense, 2007.

 

Gil, A. C. Métodos e técnicas de pesquisa social. 5.ed. São Paulo: Atlas, 2002.

 

Goés, M. C. R. de. A formação do indivíduo nas relações sociais: Contribuições teóricas de Levi Vigotskyi e Pierre Janet. Educação & Sociedade, ano XXI. nº 71, Jul. 2000. Disponível em: https://www.scielo.br/j/es/a/QG7YrQc3fwpy9KcChT37rSd/. Acesso em 04 nov. 2024.

 

Gonçalves, L. O. Cuidadores primários familiares dos idosos atendidos na Clínica Escola de Fisioterapia da Universidade do Vale do Itajaí. 2002. 91f. Dissertação (Mestrado em Engenharia de produção) - Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis. 2002.

 

Mussi, R. F. de F.; flores, F. F.; almeida, C. B. de. Pressupostos para a elaboração de Relato de Experiência como Conhecimento Científico. Revista Práxis Educacional. v. 17, n. 48, p. 60-77, OUT./DEZ. | 2021 https://doi.org/10.22481/praxisedu.v17i48.9010 Disponível em: https://periodicos2.uesb.br/index.php/praxis/article/view/9010 Acesso em 06 nov. 2024.

 

Pimenta, R. A.; rodrigues, L. A.; greguol, M. Avaliação da Qualidade de Vida e Sobrecarga de Cuidadores de Pessoas com Deficiência Intelectual. Revista Brasileira de Ciências da Saúde; 14(3): 69-76, 2010. Disponível em: https://periodicos.ufpb.br/index.php/rbcs/article/view/9687/5406 Acesso em 10 nov. 2024. 

 

Pereira, A. Pesquisa de intervenção em educação. Salvador: Eduneb, 2019.

 

Serrinha. Lei 1.131, de 23 de dezembro de 2016 dispõe sobre a criação do CAPENE- Centro de Atendimento Pedagógico a Pessoas com Necessidades Educacionais Especiais. Diário oficial. Ano 6. Edição 1520.

 

Silva, J. A. P. da. O uso de dinâmicas de grupo em sala de aula: um instrumento de aprendizagem experiencial esquecido ou ainda incompreendido? Revista Saber Científico, Porto Velho, v. 1, n. 2, p. 82-89, jul./dez., 2008. Disponível em:  https://periodicos.saolucas.edu.br/index.php/resc/article/view/1099/965. Acesso em 04 nov. 2024.

 

Tavares, E A de O; Pinheiro, M T de S F; josé, H M G. Intervenção comunitária na educação em enfermagem: relato de experiência. Rev Bras Enferm. 2018;71(suppl 4):1878-83. Disponível em: https://www.scielo.br/j/reben/a/xVYncTW37n8GQDD9d4xzYzy/?format=pdf&lang=pt Acesso em 13 de mar. 2024.

 

1

Revista Ouricuri, Juazeiro, Bahia, v.14, n.2. 2024, p.03 -17. Jul./dez., Dossiê http://www.revistas.uneb.br/index.php/ouricuri | ISSN 2317-0131


[1] Projeto vinculado ao Programa de Pós-graduação em Intervenção Educativa e Social (PPGIES) DEDC Campus XI Serrinha, ao DCHT Campus XVII Bom Jesus da Lapa e o Campus XII-Guanambi. Coordenado pela professora dra. Sandra Célia Coelho Gomes da Silva, evidencia a intervenção social e educativa nos diversos espaços da comunidade.

[2] Localizada no semiárido da Bahia, abrange vinte municípios: Araci, Barrocas, Biritinga, Candeal, Cansanção, Conceição do Coité, Ichu, Itiúba, Lamarão, Monte Santo, Queimadas, Retirolândia, São Domingos, Quijingue,  Nordestina, Santaluz, Serrinha, Teofilândia, Tucano e Valente. Na Bahia, a produção de sisal concentra-se nesta região. A maior parte da fibra de sisal é destinada para o mercado externo, seja na forma de fibra bruta, seja na forma manufaturada. Disponível em: https://www.embrapa.br/agencia-de-informacao-tecnologica/territorios/territorio-sisal/atividades- economicas/cultivos/sisal Acesso em 10 nov. 2024.