ANÁLISE DO PERFIL SOCIODEMOGRÁFICO E OBSTÉTRICO DE MÃES QUE TIVERAM ÓBITO FETAL EM UMA MATERNIDADE DE ALTO RISCO
Patrícia Regina de Lima Castro1; Thais Conceição da Silva Marques1; Ingrid Bonfim Silva2*; Luana Moura Campos3, Gilvânia Patrícia do Nascimento Paixão4.
¹Enfermeira Obstetra pelo IMIP/Hospital Dom Malan.
2Enfermeira Obstetra, Mestranda em Saúde Coletiva do Programa de Mestrado Profissional em Saúde Coletiva (MEPISCO) - (UNEB).
3 Doutora em Enfermagem/Professora da Faculdade Santa Casa.
4 Doutora em Enfermagem /Professora adjunta e Coordenadora do Programa de Pós-graduação em Ciências do Cuidar em Saúde (UNEB).
*Autor para correspondência E-mail: ingridbonfimsilva@hotmail.com
Recebido: 26.04. 2024 Aceito: 02.07. 2024
RESUMO: Objetivo: descrever o perfil sociodemográfico e obstétrico de mães que tiveram óbito fetal nos meses de setembro de 2022 a setembro de 2023, em uma maternidade de Alto Risco. Método: Trata-se de um estudo epidemiológico e retrospectivo com delineamento transversal, do tipo descritivo e com abordagem quantitativa, onde a amostragem deu-se por prontuários de mães que tiveram óbitos fetais. Sendo assim, abordagem do estudo foi por conveniência. Para a análise e processamento de dados, primeiramente foram tubulados no programa Microsoft Excel for Windows-2010 e depois utilizado o software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 20.0. A pesquisa foi submetida e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos. Foram analisados 66 prontuários. Resultados: Sobre as características obstétricas, 81,8 % já haviam experienciado outras gestações, onde dessas, 74,3 % já haviam vivenciado um parto e 33,3% passado por abortos. 6,1% não realizaram nenhuma consulta de pré-natal e 43,9% menos de 6 consultas; 42,4% se encontravam entre 37 a 41 semanas gestacionais no momento do óbito. Hipóxia fetal (22%) e síndromes hipertensivas na gestação ou anterior (19,6%) foram as principais causas dos óbitos analisados. Conclusão: Dessa forma, evidencia-se a necessidade de abordagens integradas e personalizadas na atenção à saúde materna, enfatizando a importância de estratégias preventivas e educativas que considerem a diversidade de fatores socioeconômicos, culturais e clínicos envolvidos no cenário dos óbitos fetais.
Palavras-chave: Óbito fetal; Gestação; Morte intrautero; Hipóxia fetal; Mortalidade fetal.
ANALYSIS OF THE SOCIODEMOGRAPHIC AND OBSTETRIC PROFILE OF MOTHERS WHO DIED OF FETAL DEATH IN A HIGH-RISK MATERNITY HOSPITAL
ABSTRACT: Objective: to describe the sociodemographic and obstetric profile of mothers who had a fetal death in the months of September 2022 to September 2023, in a High Risk maternity hospital. Method: This is an epidemiological and retrospective study with a cross-sectional design, descriptive and with a quantitative approach, where sampling was based on medical records of mothers who had fetal deaths. Therefore, the study approach was based on convenience. For data analysis and processing, data were first entered into the Microsoft Excel for Windows-2010 program and then the Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) software, version 20.0, was used. The research was submitted and approved by the Human Research Ethics Committee. 66 medical records were analyzed. Results: Regarding obstetric characteristics, 81.8% had already experienced other pregnancies, of which 74.3% had already experienced childbirth and 33.3% had miscarriages. 6.1% did not have any prenatal consultations and 43.9% had fewer than 6 consultations; 42.4% were between 37 and 41 gestational weeks at the time of death. Fetal hypoxia (22%) and hypertensive syndromes during or before pregnancy (19.6%) were the main causes of deaths analyzed. Conclusion: Thus, the need for integrated and personalized approaches to maternal health care is evident, emphasizing the importance of preventive and educational strategies that consider the diversity of socioeconomic, cultural and clinical factors involved in the scenario of fetal deaths.
Keywords: Fetal death; Gestation; Intrauterine death; Fetal hypoxia; Fetal mortality.
ANÁLISIS DEL PERFIL SOCIODEMOGRÁFICO Y OBSTÉTRICO DE MADRES FALLECIDAS POR MUERTE FETAL EN UNA MATERNIDAD DE ALTO RIESGO
RESUMEN: Objetivo: describir el perfil sociodemográfico y obstétrico de madres que tuvieron muerte fetal en los meses de septiembre de 2022 a septiembre de 2023, en una maternidad de Alto Riesgo. Método: Se trata de un estudio epidemiológico, retrospectivo, con diseño transversal, descriptivo y con enfoque cuantitativo, donde el muestreo se basó en historias clínicas de madres que tuvieron muerte fetal. Por tanto, el enfoque del estudio se basó en la conveniencia. Para el análisis y procesamiento de los datos, primero se ingresaron los datos en el programa Microsoft Excel para Windows-2010 y luego se utilizó el software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versión 20.0. La investigación fue presentada y aprobada por el Comité de Ética en Investigación en Humanos. Se analizaron 66 historias clínicas. Resultados: En cuanto a las características obstétricas, el 81,8% ya había experimentado otros embarazos, de los cuales el 74,3% ya había experimentado el parto y el 33,3% tuvo abortos espontáneos. el 6,1% no tuvo ninguna consulta prenatal y el 43,9% tuvo menos de 6 consultas; El 42,4% tenía entre 37 y 41 semanas de gestación al momento de la muerte. La hipoxia fetal (22%) y los síndromes hipertensivos durante o antes del embarazo (19,6%) fueron las principales causas de muerte analizadas. Conclusión: Así, se evidencia la necesidad de abordajes integrados y personalizados de la atención de la salud materna, destacando la importancia de estrategias preventivas y educativas que consideren la diversidad de factores socioeconómicos, culturales y clínicos involucrados en el escenario de muertes fetales.
Palabras clave: Muerte fetal; Gestación; Muerte intrauterina; Hipoxia fetal; Mortalidad fetal.
INTRODUÇÃO
Segundo o Ministério da Saúde (MS) o óbito fetal é definido como a morte de um produto da concepção, antes da expulsão ou da extração completa do corpo da mãe, com peso fetal maior que 500 gramas ou idade gestacional igual ou maior que 22 semanas. Em contrapartida, a Organização Mundial da Saúde (OMS), em concordância com a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde – 10ª Revisão (CID-10), caracteriza o óbito fetal independentemente da idade gestacional, visto que, após a separação, se o feto não apresentar qualquer sinal de vida, indica óbito (Brasil, 2010; WHO, 2016). O Brasil segue os preceitos do MS, e a Declaração de Óbito (DO) só é emitida quando a idade gestacional é igual ou superior a 20 semanas ou peso fetal igual ou maior que 500 gramas e\ou estatura igual ou superior a 25 centímetros (Brasil, 2011).
Nessa perspectiva, as causas de óbito fetal são divididas em três tipos: maternas, fetais ou placentárias, podem estar associados a infecções maternas e fetais na gestação; comorbidades prévias ou adquiridas durante o período gravídico; malformações fetais e placentárias, incluindo doenças do cordão umbilical; hereditariedade; e traumas maternos ou durante o nascimento. Além disso, também podem estar relacionados à falta de informações ou cuidados pré-natais e muitas vezes são por causas desconhecidas (Sun et al., 2019). As infecções neonatais, que estão relacionadas às infecções maternas, são consideradas uma das principais causas de morte fetal e neonatal (Prezotto et al., 2023).
A taxa de óbito perinatal tem sido proposta como o indicador mais adequado para avaliação da assistência durante as consultas de pré-natal e a utilização dos serviços de saúde. Falhas na prevenção, diagnóstico precoce, condução e tratamento de alterações na gestação, parto e puerpério são consideradas causas de óbitos fetais evitáveis que contribuem para um alerta na saúde pública (Serra et al., 2022).
Em relação especificamente ao óbito fetal, ainda são poucos os estudos comparados aos que tratam da mortalidade infantil como um todo. Embora a vigilância e a prevenção do óbito infantil e fetal sejam um dos eixos estratégicos da Política Nacional de Saúde Integral da Criança, os programas e políticas de saúde continuam prioritariamente voltados para a mortalidade infantil (Giraldi et al., 2019). É preciso dar visibilidade ao problema e identificar os determinantes do óbito para subsidiar medidas preventivas para uma resposta mais eficaz ao problema e obter um indicador de qualidade na assistência obstétrica ofertada a gestante (Silva et al., 2020).
Assim, o presente estudo tem por objetivo descrever o perfil sociodemográfico obstétrico de mães que tiveram óbito fetal nos meses de setembro de 2022 a setembro de 2023, em uma maternidade de Alto Risco do Vale do São Francisco.
METODOLOGIA
Trata-se de um estudo epidemiológico e retrospectivo com delineamento transversal, do tipo descritivo. Segundo Gil (2010), a pesquisa descritiva visa descrever as características de determinadas populações e/ou fenômenos. Uma de suas particularidades consiste em utilizar técnicas padronizadas de coleta de dados, tais como o questionário e a observação sistemática.
Dessa forma, a pesquisa foi realizada no Hospital Materno-infantil de nível terciário, que atende mulheres por demanda espontânea, bem como por meio da central de regulação de leitos, onde é referência para 53 municípios que compõem a rede pública de saúde do Vale do São Francisco, localizado no município de Petrolina, no sertão Pernambucano, Nordeste brasileiro.
A fonte de dados foi constituída por prontuários eletrônicos de gestantes com idade gestacional acima de 22 semanas ou com peso fetal acima de 500g, que deram entrada no Hospital em questão com diagnóstico de óbito fetal ou que evoluíram para este durante o período de internação. Ressalta-se que foi seguido o conceito de óbito fetal do Ministério da Saúde, previamente apresentado.
Assim, foram excluídos do estudo todos os prontuários de gestantes cujo a idade gestacional e o peso do fetal não estavam dentro dos parâmetros da definição de óbito fetal segundo o Ministério da Saúde, que tiveram morte fetal após o nascimento ou decorrido de alguma malformação; e os prontuários que possuíam informações incompletas.
A amostragem se deu por censo, por meio do número total de óbitos fetais que ocorreram durante o período de setembro de 2022 a setembro de 2023. Este dado foi obtido através do livro de registro das Declarações de Óbitos (DO) presente no Núcleo de Epidemiologia (NEPI) do Hospital, totalizando 161 prontuários, mas apenas 66 apresentaram os requisitos para serem incluídos nesta investigação.
A coleta de dados foi realizada no setor de Serviço de Prontuário do Paciente (SAME) com a via da DO presente no prontuário físico, assim como no sistema de prontuário eletrônico MV PEP (Programa específico utilizado no hospital onde foi realizado a pesquisa). Os dados foram coletados por meio de um formulário, que incluiu variáveis sociodemográficas e clínico obstétricas, como: idade materna, escolaridade, ocupação, cor, estado civil, idade gestacional, quantidade de filhos, tipo de parto, consultas de pré-natal, motivo do óbito.
Os dados foram processados e analisados através dos programas Microsoft Excel for Windows-2010 e StatisticalPackage for the Social Sciences (SPSS), versão 20.0. A pesquisa foi submetida e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos do Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira CEP-IMIP, com parecer nº 6.019.124 a dispensa do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
RESULTADOS E DISCUSSÕES
No período de setembro de 2022 a setembro de 2023, foram notificados 161 óbitos fetais de gestantes que deram entrada em uma maternidade de um munícipio do Pernambuco, dentre eles, apenas 66 prontuários se enquadraram nos critérios de inclusão e compuseram a amostra do presente estudo. De acordo com os dados maternos encontrados, verificou-se a predominância da faixa etária entre 25 a 35 anos 45,5%, com ensino médio 48,5%, pardas 62,12%, solteiras 50% e ocupação ‘do lar, 33,8% (tabela 1).
Tabela 1 – Características sociodemográficas das mães que tiveram óbito fetal.
Continua...
N | % | ||||
Faixa etária |
|
| |||
<15 anos | 0 | 0 | |||
15 e 25 anos | 22 | 33,3 | |||
25 e 35 anos | 30 | 45,5 | |||
35 ou mais | 14 | 21,2
| |||
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Escolaridade |
|
| |||
Sem escolaridade | 0 | 0 | |||
Fundamental | 18 | 27,3 | |||
Ensino Médio | 32 | 48,5 | |||
Ensino Superior | 6 | 9,1 | |||
Ignorado/ Em branco | 10 | 15,1 | |||
Raça |
|
| |||
Parda | 41 | 62,12 | |||
Branca | 15 | 22,73 | |||
Amarela | 0 | 0 | |||
Preta | 10 | 15,15 | |||
Indígena | 0 | 0 | |||
Estado civil |
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| |||
Casada | 13 | 16,7 | |||
Solteira | 33 | 50 | |||
União Estável | 20 | 33,3 | |||
Ocupação |
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| |||
Do lar | 25 | 37,8 | |||
Estudante | 2 | 3 | |||
Autônoma | 4 | 6 | |||
Agricultora | 12 | 18,2 | |||
Empregada doméstica | 4 | 6,1 | |||
Em branco | 5 | 7,6 | |||
Outros | 14 | 21,3 | |||
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Quanto às características obstétricas, observou-se que 81,8% já tiveram experiência de outras gestações, sendo que dessas, 74,3% já tinham vivenciado um parto e 33,3% passado por um ou mais abortos. 92,4 % das gestações atuais eram de fetos únicos. Com relação às consultas de pré-natal 6,1% não realizaram qualquer consulta, 43,9 % menos de 6 consultas, e apenas 50 % realizaram seis ou mais. 42,4 % se encontravam entre 37 a 41 semanas gestacionais no momento do diagnóstico do óbito. A tabela 2 sumariza os dados sobre o histórico clínico e obstétrico das mães que tiveram óbito fetal.
Tabela 2. Histórico clínico e obstétrico de mães que tiveram óbito fetal.
Características clínicas obstétricas | N | % | |
Gestação |
|
| |
1 gestação | 12 | 18,2 | |
2 gestação | 19 | 28,8 | |
3 gestação | 17 | 25,8 | |
4 a 5 gestação | 13 | 19,7 | |
Maior que 5 gestações | 5 | 7,5 | |
Paridade |
|
| |
Nenhum parto | 17 | 25,7 | |
1 parto | 27 | 40,9 | |
2 partos | 11 | 16,7 | |
3 a 5 partos | 11 | 16.7 | |
Mais que 5 partos | 0 | 0 | |
Aborto |
|
| |
Nenhum | 44 | 66,7 | |
Um | 13 | 19,7 | |
Dois | 4 | 6 | |
Três a cinco | 5 | 7,6 | |
Tipo de gravidez |
|
| |
Única | 61 | 92,4 | |
Dupla ou mais | 5 | 7,6 | |
Consultas de pré-natal |
|
| |
Nenhuma | 4 | 6,1 | |
1 – 6 consultas | 29 | 43,9 | |
6 ou mais | 33 | 50 | |
Idade Gestacional |
|
| |
22 a 27 semanas | 17 | 25,9 | |
28 a 31 semanas | 6 | 9,0 | |
32 a 36 semanas | 15 | 22,7 | |
37 a 41 semanas | 28 | 42,4 | |
Com relação as causas dos óbitos fetais preenchidas na Declaração de Óbito (DO), observou-se um total de 118 causas na amostra pesquisada, em virtude de ser possível descrever múltiplas causas do óbito na DO, sendo hipóxia fetal a causa mais prevalente, com 22 %, seguida de síndromes hipertensivas na gestação ou anterior a gestação, com 19,6 %. A tabela 3 apresenta as causas de óbito diagnosticadas na amostra em estudo.
Figura 1. Causas do óbito fetal, de acordo com a declaração de óbito
Através dos resultados, evidenciou-se que grande parte das mães que tiveram óbito fetal tinham entre 25 a 35 anos, estes dados estão em consonância com o estudo realizado por Serra et al. (2022), que em sua pesquisa 71,95% das mães que evoluíram com óbito fetais tinham entre 20 a 34 anos. Brito et al. (2019) ressalta que o maior número de nascimentos entre mulheres grávidas nesta faixa etária, bem como a preocupação das mulheres em não engravidar em idades de risco, especialmente após os 35 anos, podem ser possíveis explicações para esse achado.
Além disso, evidencias apontam que a idade materna pode ter influência sobre o momento da morte perinatal. Tesfay et al. (2023) observaram em seu estudo que teve como objetivo determinar a magnitude e os fatores de risco associados ao momento da morte perinatal na Etiópia, caracterizado como um dos países com maior número de notificações de natimortos em todo o mundo, que a idade materna média entre as mães cujo perinato morreu durante o período neonatal foi maior em comparação com as mulheres cujos perinatos morreram durante o período pré-parto.
Ademais, nossos resultados constataram que do total de mães que compuseram a amostra, 48,5% concluíram ou estavam cursando o ensino médio. Evidencias na literatura atual reforçam de forma significativa o impacto do nível de escolaridade nos resultados de óbitos fetais (Tesfay et al., 2022; Serra et al., 2022; Copaja-Corzo et al., 2023). Tesfay et al. (2022) evidenciaram em sua investigação sobre os potenciais fatores de risco relacionados ao óbito fetal na Etiópia, que a baixa escolaridade materna foi associada a maior chance de óbito fetal. Na mesma linha, estudo que buscou avaliar as taxas de mortalidade fetal em um hospital peruano entre 2001 e 2020, para investigar a associação de indicadores de desigualdade social com a mortalidade fetal, apontou que níveis mais elevados de escolaridade, como ensino técnico ou universitário foram associados a um menor risco de morte fetal (Copaja-Corzo et al., 2023).
Contrariando estudos que demonstram maior índice de mortalidade fetal entre mulheres com nenhuma ou baixa escolaridade, foi observado em outras pesquisas o elevado índice de óbito fetal entre gestantes com alto nível de escolaridade (8-11 anos) (Silva et al., 2020; Barros et al., 2019). Ao longo dos anos, o perfil educacional das gestantes que desenvolveram natimortos mudou, e além disso, quanto mais anos de estudo, maior a idade da mãe, aumentando a probabilidade de desenvolver uma gravidez de alto risco, portanto, essa pode ser uma possível relação atribuída ao aumento da mortalidade fetal em grupo de maiores anos de estudo (Barros et. al., 2019)
Além disso, observou-se que 62,12% das mães se autodeclararam pardas. Nesse mesmo sentido, Pacheco et al. (2018) observaram em seu estudo sobre as influências da raça/cor nos desfechos obstétricos e neonatais desfavoráveis, que as gestantes negras prevaleceram com significância estatística entre aquelas com baixa escolaridade, hipertensão prévia, e três ou mais filhos vivos. Ademais, os autores apontam que as gestantes negras não apresentaram maior risco nos desfechos desfavoráveis; que raça/cor não se comporta como um marcador genético ou biológico, mas como construto social, que pode influenciar as condições de saúde enquanto determinante social (Pacheco et al., 2018).
Destarte, 50% da amostra afirmaram ser mães solteiras. Investigações crescentes nos últimos anos têm evidenciado que a ausência de companheiro é um dos principais fatores associadas a maior chance de óbito perinatal e mortalidade infantil (Maia et al., 2020; Serra et al., 2022). Nesse sentido, Maia et al. (2020) em seu estudo que buscou identificar os fatores de risco da assistência à saúde, suas interações e diferenciais regionais na determinação da mortalidade infantil nas capitais brasileiras, observaram que ser filho de mulher solteira, separada ou viúva representou fator de risco importante para o óbito infantil nas capitais brasileiras e nas regiões Norte e Sudeste.
Com relação às características obstétricas, evidenciou-se que 81,8 % já tiveram experiência de outras gestações, onde 74,3 % destas já tinham vivenciado um parto e 33,3% já haviam passado por um ou mais abortos. Estudo semelhante desenvolvido em um hospital universitário terciário que buscou identificar os fatores de risco associados ao natimorto, observou que houve associação estatisticamente significativa entre natimorto intraparto e mulheres que já haviam tido gestações anteriores (p =0,03).
No mesmo sentido, Li et al. (2022) evidenciaram em suas investigações sobre fatores de risco associados a natimortos em 50 países de baixa e média renda, que dentre os principais fatores de risco que mostraram as associações mais fortes com natimortos estavam entre gestações com intervalo inferior a seis meses (p<0,001) e história anterior de natimorto (p<0,020), além de baixa escolaridade materna (p=0,045).
Além disso, 92,4 % das gestações atuais das mães analisadas eram de fetos únicos. Tal resultado difere dos achados de Hu et al. (2021), que em sua instigação sobre fatores de risco e incidência de natimortos no terceiro trimestre da gestação na China, observaram que houve maiores proporções de natimorto em mulheres com gravidez de gêmeos em comparação com mulheres com gravidez de feto único. É válido destacar que gestações com mais de um bebê são consideradas de alto risco. Nesse sentido, podemos refletir: o Brasil, por ser um país subdesenvolvido, teria falha na assistência prestada durante a gestação devido a prevalência de óbitos em gestações únicas?
Sobre o número de consultas de pré-natal, nossos resultados apontaram que 50% das gestantes realizaram menos de 6 ou nenhuma consulta. O total de consultas de pré-natal estabelecido pelo Ministério da Saúde deverá ser de, no mínimo, 6 consultas, com acompanhamento intercalado entre médico generalista e enfermeiro (Brasil, 2013). Pesquisas apontam que o número de consultas de pré-natal e o acompanhamento regular da gestante durante o período gravídico são primordiais para um bom desenvolvimento fetal e uma gestação segura, diminuindo as chances de complicação e óbitos fetais (Copaja-Corzo et al., 2023; Patel et al., 2023; Salerno et al., 2023).
Nessa perspectiva, estudo de Patel et al. (2023) que buscou identificar os fatores maternos associados ao natimorto, observou que houve associação estatística significativa entre consultas pré-natais (sem consulta) (p=0,019) com risco aumentado de natimorto, além de fatores como idade materna superior a 30 anos (p=0,012) e escolaridade materna (p=0,012), fatores também observados em nossa investigação.
Outrossim, evidenciou-se que 42,4% da amostra se encontravam entre 37 a 41 semanas gestacionais no momento do diagnóstico do óbito. Neste contexto, estudo de coorte prospectivo que identificou fatores de risco independentes que contribuem para o óbito fetal com 37 semanas de gestação ou mais tarde, evidenciou que o atraso no acesso aos serviços de pré-natal foi um dos principais fatores de risco para o óbito fetal, além de bebés pequenos para a idade gestacional; gravidez conseguida através de tratamentos de fertilidade; e presença de um natimorto anterior nas multíparas (Salerno et al., 2023).
Com relação às causas dos óbitos fetais analisados, das 118 causas evidenciadas na amostra pesquisada, em virtude da possibilidade de descrição de múltiplas causas de óbito na DO, constatou-se que hipóxia fetal foi a causa mais prevalente (22%). Esse resultado está de acordo com Silva et al. (2020), que seu estudo sobre o perfil sociodemográfico e obstétrico dos óbitos fetais de gestantes residentes em um município do Maranhão, entre 2014 e 2018, evidenciaram que a principal causa de óbito fetal foi a hipóxia intrauterina (33%); seguida de complicações da placenta, cordão umbilical e membranas (17%); e outras afecções originadas no período perinatal (12%).
Ademais, como segunda causa de óbito fetal mais prevalente na amostra analisada, evidenciou-se síndromes hipertensivas na gestação ou anterior a gestação (19,6%). A literatura tem apontado que inúmeros fatores de risco modificáveis relacionados ao estilo de vida das gestantes, que contribuem para o surgimento de doenças crônicas ou síndromes, anterior ou durante a gestação, podem influenciar em resultados negativos na gravidez (Lawn et al., 2016; AMANHI, 2018; Aftab et al., 2021; Maleki et al., 2021).
Nesse contexto, o Grupo de estudo de mortalidade da Alliance for Maternal and Newborn Health Improvement (AMANHI) (2018), em um estudo sobre a carga, o momento e as causas das mortes maternas, natimortos e mortes neonatais no sul da Ásia e na África Subsaariana, apontou que as doenças hipertensivas previas ou durante a gravidez, junto com hemorragia obstétrica, complicações não obstétricas, e infecções relacionadas com a gravidez foram responsáveis por mais de três quartos das mortes maternas e de natimortos na população estudada.
De maneira semelhante, Maleki et al. (2021) em seu estudo que teve como objetivo investigar a incidência e os fatores de risco associados ao natimorto em uma coorte histórica de 18.129 registros de nascimento, observaram que a hipertensão gestacional, o diabetes gestacional e hipotireoidismo materno foram apontados como fatores de risco importantes para o óbito fetal.
CONCLUSÃO
Diante da análise abrangente dos resultados obtidos neste estudo, torna-se evidente a complexidade e a inter-relação de diversos fatores que impactam diretamente nas trágicas ocorrências perinatais. A faixa etária materna aponta para a necessidade de uma atenção específica a esse grupo populacional. Não obstante, a experiência prévia de gestações e as características obstétricas, como a quantidade de consultas pré-natais e a idade gestacional no momento do óbito, indicam a necessidade de estratégias de saúde pública voltadas para o acompanhamento adequado e oportuno das gestantes.
Quanto às causas dos óbitos fetais, a hipóxia fetal e as síndromes hipertensivas destacam-se como fatores relevantes, apontando para a importância da prevenção e controle de condições médicas durante a gestação.
O estudo apresentou como limitação a definição da real causa dos óbitos obtidas nas DO, devido o preenchimento de múltiplas causas e o hospital não oferecer estudos histológicos da placenta e do cordão umbilical, o que determina na sua maioria como desfechos causas maternas associadas aos óbitos fetais. Apesar das limitações, o estudo trouxe resultados relevantes e que coincide com a literatura.
Para a redução da taxa média de mortes fetais intraútero é necessário informações sobre sua causa para combater o problema, e esse é o grande desafio, devido há falta de estimativa mundial e nacional sobre as causas, mesmo sabendo que as causas maternas e placentárias ocupam um papel de destaque.
Portanto, diante da complexidade dessas interações, evidencia-se a necessidade das abordagens integradas e personalizadas na atenção à saúde materna, enfatizando a importância de estratégias preventivas e educativas que considerem a diversidade de fatores socioeconômicos, culturais e clínicos envolvidos no cenário dos óbitos fetais.
REFERÊNCIAS
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Brasil. Ministério da Saúde. Gabinete do Ministério. Portaria nº 72, de 11 de janeiro de 2010. Brasília, 2010.
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Giraldi, L. M.; Corrêa, T. R. K.; Schuelter-Trevisol, F.; Gonçalvez, C. O. Óbito fetal: fatores obstétricos, placentários e necroscópicos fetais. J. Bras. Patol. Med. Lab, 55(1), 5-98, 2019. Doi: https://doi.org/10.5935/1676-2444.20190007
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Revista Ouricuri, Juazeiro, Bahia, v.14, n.2. 2024, p.03 - 17. Jul./dez., Publicação contínua http://www.revistas.uneb.br/index.php/ouricuri | ISSN 2317-0131