O SERTÃO NAS TELAS DO NORDESTE: AVALIAÇÃO DO CONTEÚDO CONTEXTUALIZADO COM O SEMIÁRIDO EXIBIDO PELA TVE DA BAHIA E TV PE
Fabíola Moura Reis Santos1*, Ernani Machado de Freitas Lins Neto1, Iluska Maria da Silva Coutinho2
1Universidade do Estado da Bahia- UNEB/ Universidade Federal do Vale do São Francisco-UNIVASF
2Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF e do PPGCOM-UFJF.
*Autor para correspondência E-mail: fabiolamsantos@hotmail.com
Recebido: 13.02. 2024 Aceito: 22.04. 2024
RESUMO: De maneira geral, o desconhecimento sobre especificidades geográficas, climáticas, históricas, culturais e econômicas tem predominado na narrativa jornalística sobre o Semiárido, o que contribuiu para consolidar na mídia, em particular na televisão brasileira, uma imagem distorcida e estereotipada da região. Na contramão desta prática, desde 2012 a TV Caatinga, TV via web da Universidade Federal do Vale do São Francisco, produz programas e reportagens sobre esses territórios baseados no Jornalismo Contextualizado com o Semiárido brasileiro (JCSAB), uma proposta educativa na área de Comunicação que pauta o SAB sem o reducionismo do determinismo climático que usa a seca para justificar todas as mazelas e injustiças sociais nesses territórios. A proposição investe nas variadas possibilidades de representações que se aproximem da realidade, sem omissões e/ou distorções, com uma diversidade de produção de sentidos, temáticas e abordagens, onde o enfoque jornalístico é também educativo. Mas de que forma o jornalismo das emissoras de televisão educativa do Nordeste exibe conteúdos contextualizados com estes territórios? Este estudo investigou como matérias e programas produzidos pela TV Caatinga, da Univasf, foram veiculados em duas emissoras estaduais, uma vez que se acredita que a exibição continuada de conteúdos contextualizados com o Semiárido colabora para que os próprios nordestinos tenham acesso a uma representação desses territórios e de seu povo de forma mais próxima da realidade. O conteúdo foi comparado com a versão original a partir da análise da materialidade audiovisual e da etnopesquisa contrastiva. Os principais resultados mostraram que 90,91% das matérias veiculadas preservaram a abordagem contextualizada do Semiárido, contribuindo para a produção de conhecimento e uma abordagem desses territórios e de seu povo de forma mais ampliada e próxima da realidade. Entretanto ainda é preciso amplificar essa representação e dar visibilidade à diversidade temática de territórios como o Semiárido, prejudicados pela retração que distorce e não informa.
Palavras-chave: telejornalismo; televisão; educação; Semiárido brasileiro.
THE SERTÃO ON NORTHEASTERN SCREENS: EVALUATION OF THE CONTENT CONTEXTUALIZED WITH THE SEMI-ARID SHOWN BY TVE DA BAHIA AND TV PE
ABSTRACT: In general, ignorance about geographical, climatic, historical, cultural and economic specificities has predominated in the journalistic narrative about the Semiarid, which has contributed to consolidate in the media, particularly on Brazilian television, a distorted and stereotyped image of the region. Contrary to this practice, since 2012 TV Caatinga, the web TV of the Federal University of the São Francisco Valley, has been producing programs and reports on these territories based on Contextualized Journalism with the Brazilian Semi-Arid (CJBSA), an educational proposal in the area of Communication that focuses on the SAB without the reductionism of climatic determinism that uses drought to justify all the ills and social injustices in these territories. The proposal invests in the varied possibilities of representations that come close to reality, without omissions and/or distortions, with a diversity of production of meanings, themes and approaches, where the journalistic approach is also educational. But how does the journalism of educational television stations in the Northeast show content contextualized with these territories? This study investigated how materials and programs produced by Univasf's TV Caatinga were broadcast on two state broadcasters, since it is believed that the continued exhibition of content contextualized with the Semiarid contributes to the Northeasterners themselves having access to a representation of these territories and their people in a way that is closer to reality. The content was compared with the original version based on the analysis of audiovisual materiality and contrastive ethno-research. The main results showed that 90.91% of the broadcast articles preserved the contextualized approach of the Semiarid, contributing to the production of knowledge and an approach to these territories and their people that is broader and closer to reality. However, there is still a need to amplify this representation and give visibility to the thematic diversity of territories such as the Semi-Arid, which have been damaged by the retraction that distorts and fails to inform.
Keywords: telejournalism; television; education; brazilian semiarid.
EL SERTÃO EN LAS PANTALLAS DEL NORDESTE: EVALUACIÓN DE CONTENIDOS CONTEXTUALIZADOS CON EL SEMIÁRIDO MOSTRADOS POR TVE BAHIA Y TV PE
RESUMEN: En general, el desconocimiento de las especificidades geográficas, climáticas, históricas, culturales y económicas ha predominado en la narrativa periodística sobre la región del Semiárido, lo que ha contribuido a consolidar en los medios de comunicación, especialmente en la televisión brasileña, una imagen distorsionada y estereotipada de la región. Al contrario de esta práctica, desde 2012 TV Caatinga, la TV web de la Universidad Federal del Valle de São Francisco, produce programas y reportajes sobre estos territorios a partir del Periodismo Contextualizado con el Semiárido Brasileño (PCSB), una propuesta educativa en el área de Comunicación que se centra en el SAB sin el reduccionismo del determinismo climático que utiliza la sequía para justificar todos los males e injusticias sociales en estos territorios. La propuesta invierte en las variadas posibilidades de representaciones cercanas a la realidad, sin omisiones y/o distorsiones, con diversidad de producción de sentidos, temas y abordajes, donde el abordaje periodístico es también educativo. Pero, ¿cómo muestra el periodismo de las televisiones educativas del Nordeste contenidos contextualizados con esos territorios? En este estudio se investigó cómo se emitían los artículos y programas producidos por TV Caatinga, de Univasf, en dos emisoras estatales, ya que se cree que la exhibición continuada de contenidos contextualizados con el Semiárido contribuye a que los propios nordestinos tengan acceso a una representación de estos territorios y de sus gentes más cercana a la realidad. El contenido se comparó con la versión original a partir del análisis de la materialidad audiovisual y la etnoinvestigación contrastiva. Los principales resultados mostraron que el 90,91% de los artículos emitidos conservaron el enfoque contextualizado de la región semiárida, contribuyendo a la producción de conocimiento y a una aproximación a estos territorios y a sus gentes más amplia y cercana a la realidad. Sin embargo, sigue siendo necesario ampliar esta representación y dar visibilidad a la diversidad temática de territorios como el Semiárido, que se han visto perjudicados por la retracción que distorsiona y no informa.
Palabras-clave: teleperiodismo; televisión; educación; región semiárida brasileña.
INTRODUÇÃO
O discurso da inviabilidade autoriza a atitude de descaso, abandono e falta de investimentos no Semiárido brasileiro (SAB), também chamado de sertão. Para quê escolas, Universidades, saneamento ambiental, saúde, água tratada, emprego e inovação em um lugar fadado ao fracasso?
Ao definir o Nordeste segundo o clima e a ocupação do solo por meio da economia, Manuel Correia de Andrade o subdivide geograficamente em três grandes regiões: Zona da Mata, Agreste e Sertão.
No Nordeste, o elemento que marca mais sensivelmente a paisagem e mais preocupa ao homem, é o clima, através do regime pluvial, e exteriorizado pela vegetação natural. Daí distinguir-se desde o tempo colonial a ‘zona da Mata’ com o seu clima quente e úmido e duas estações bem definidas – uma chuvosa e outra seca – do Sertão, também quente, porém, seco e não só seco como sujeito, desde a época colonial, a secas periódicas que matam a vegetação, destroçam os animais e forçam os homens à migração (Andrade,1963, p.6-7).
A geografia regional, característica do autor, pontua uma diversidade climática de onde surgiram “dois sistemas de exploração agrária diversos, que se complementam economicamente, mas que, política e socialmente se contrapõem: o Nordeste da cana-de-açúcar e o Nordeste do gado” (Andrade,1963, p.6-7), este último localizado no sertão.
Essa dualidade expressa no período colonial, contribuiu para a narrativa da vitimização, que possibilita e fomenta o comportamento acomodado e assistencialista. A retratação baseada na falta de conhecimento sobre especificidades geográficas, climáticas, históricas, culturais e econômicas sobre o Semiárido é tão prejudicial quanto a ausência de ação política em todas as esferas.
O comunicador não pode se isentar da sua responsabilidade, muito menos se acomodar com uma retratação estática já consolidada sobre esses territórios. Porém, o comportamento usual é exatamente o de reproduzir, sem questionamentos ou reflexão, a mesma receita de pauta sobre o Semiárido.
Essa narrativa distorcida e estereotipada vem se perpetuando desde a virada do século XIX para o século XX, como constatou Ribeiro (1999) em artigos publicados com relatos sobre a seca em jornais do Centro-Sul, além do jornal O Povo, de Fortaleza - CE, entre 1992 e 1994. Ele observou nos textos recorrentes abordagens sobre pobreza e fome, miséria, êxodo rural e clientelismo político: “a seca, bem como a escassez de água no sertão, são apontadas, na maioria dos discursos, como as grandes responsáveis pela miséria que atinge a região” (Ribeiro, 1999, p.60).
A fórmula simples de dramatizar, adjetivar e esvaziar o conteúdo de fatos e informações por muito tempo foi utilizada como certeza de audiência. Uma prática que se distancia do papel do Jornalismo, construído a partir da ética e da apuração ampliada e precisa.
Marques (2012, p.27) já questionava: “como pensar a influência das mídias, dos fluxos comunicacionais entre humanos, coletividades homogeneizadoras, sobre os comportamentos?”, ao se referir sobre o apagamento das especificidades e individualidades, algo tão presente na narrativa sobre os territórios semiáridos.
Territórios aqui compreendidos além da delimitação oficial, determinada pelos critérios precipitação pluviométrica, índice de aridez e déficit hídrico do SAB. Entende-se territórios em uma dimensão mais ampla, não restrita à limitação geográfica, e que transita pelo funcional, imaterial, simbólico e material (Haesbaert e Araújo, 2007). Em um Semiárido composto por 1.477 municípios dos estados do Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia e Minas Gerais, não cabem narrativas homogêneas, que desconsideram sentidos e especificidades.
Para Marques (2012), as “individualidades visíveis” se disfarçam de coletividades em seus discursos e retroalimentam “a produção e reprodução de padrões culturais de comportamento”. A cobertura jornalística sobre o Semiárido sempre seguiu um padrão de dramaticidade e o estigma da inviabilidade, independente do veículo ou emissora. Como afirma Albuquerque Júnior (1999), esse é o reflexo dos vários sentidos em que foram lidos e vistos o Brasil e o Nordeste, “eles têm um repertório limitado, no entanto, pelas regras de significação existentes em cada momento, pelos limites do dizer e do ver, pelas dizibilidade e visibilidade” (Albuquerque Júnior, 1999, p.307).
Steinberger é enfática: “quem fala pela boca do cidadão é a mídia” (2005, p.237). De acordo com a autora, o gênero discursivo midiático jornalístico é o que tem maior poder e capacidade de influenciar na formação da opinião pública, abarcando uma diversificada da audiência, sedimentando cada vez mais o que é consumido.
No entanto, Lima (1984, p.25) nos lembra que “a sociedade se modifica, ou se mantém através de um processo de participação onde as decisões definem os rumos do econômico e do social”. E o comunicador tem uma escolha a fazer no que Lima chamou de “ciclo de influências”: distorcer pela cobertura baseada na adjetivação e imprecisão, ou educar a partir da informação ampla e completa.
Ao optar por utilizar o potencial comunicativo para educar, a TV Caatinga[1], plataforma digital da Universidade Federal do Vale do São Francisco - Univasf, produz conteúdo sobre o SAB em consonância com a proposta do Jornalismo Contextualizado com o Semiárido Brasileiro (JCSAB), “uma proposição que investe nas variadas possibilidades de representações sobre esses territórios que se aproximem da realidade, sem omissões e/ou distorções” (Santos, 2018, p.25). Um conceito que se constrói a partir de uma prática jornalística educativa mais próxima da diversidade desses territórios. A adesão da TV da Univasf à orientação do JCSAB está explicitada em seu site[2]:
Enquanto uma plataforma digital educativa, a TV Caatinga visa desconstruir os estereótipos atribuídos ao nordeste e principalmente aos territórios semiáridos, através de programas e reportagens, prestando serviços nas áreas de comunicação, radiodifusão, educação e cultura. (...) A WebTV Caatinga é uma difusora de conteúdos que contribuem para a autonomia e emancipação das pessoas, em especial do povo do Semiárido. Um espaço onde o sertanejo se aproxima de sua verdadeira realidade.
A TV universitária via web tem em sua programação, programas e produções telejornalísticas “com uma diversidade de produção de sentidos, temáticas e abordagens, onde o enfoque jornalístico caminha de forma equilibrada com a proposta educativa” (Santos, 2018, p.25).
Essa programação não se limita ao site da TV Caatinga, mas também ganha visibilidade através de parcerias de exibição com emissoras educativas e/ou públicas de televisão com projeção nacional ou estadual. A colaboração não só contribui para que um público maior tenha acesso aos conteúdos, como também auxilia no fortalecimento da TV universitária e da TV pública. Como enfatizaram Bucci, Chiaretto e Fiorini, “a emissora pública é necessária no espaço público das sociedades democráticas porque contribuem para ampliar as perspectivas e os enfoques com que o fluxo das ideias, das informações e da expressão cultural se estabelece” (2012, p.19).
Além disso, a TV Caatinga utiliza o ciberespaço para potencializar a circulação e consumo de seu conteúdo. Isso só é possível graças ao que Lemos classificou como as três leis que norteiam esse processo cultural da cibercultura: “a liberação do pólo da emissão, o princípio da conexão em rede e a consequente reconfiguração sociocultural a partir de novas práticas produtivas e recombinatórias” (Lemos, 2009, p.3).
Nas parceiras firmadas pela TV Caatinga, formalizadas ou não por termos de cooperação técnica, as emissoras “disponibilizam” espaço em sua programação para veicular o material da TV universitária selecionado e aprovado por sua equipe, que também decide de que forma o conteúdo será exibido. Mas quando se trata da representação do Semiárido em emissoras nordestinas, como esse conteúdo é utilizado pelos Jornalismo, considerando que dos onze estados em que o SAB se localiza, nove são do Nordeste?
Pressupõe-se que a exibição de forma continuada de conteúdos contextualizados com o Semiárido em emissoras educativas de televisão nordestinas com alcance estadual, colabora para que os próprios nordestinos tenham acesso a uma representação desses territórios e de seu povo de forma mais ampliada e próxima da realidade, diferente da retratação consolidada na mídia a que se acostumaram. Conteúdos que também contribuem para a produção de conhecimento a partir da verificação do fato em todas as suas dimensões.
Para averiguar tal hipótese, investigou-se como os conteúdos contextualizados com o SAB da TV Caatinga foram veiculados pelo Jornalismo em duas emissoras estaduais: a TV Pernambuco (TV PE) e a TV Educativa da Bahia (TVE BA), desde o dia do início da parceira em cada veículo, até dezembro de 2020. O conteúdo foi avaliado a partir da análise da materialidade audiovisual (Coutinho, 2016) e da etnopesquisa contrastiva (Macedo, 2018).
Do total de reportagens exibidas pela TVE BA e analisadas nesse estudo, 90,91% (30) preservaram a abordagem contextualizada com o Semiárido. Especificamente nos programas veiculados nas programações da TV PE e TVE BA, a abordagem contextualizada com o SAB foi mantida em 100% dos casos, embora haja uma limitação de diversidade temática do material veiculado. Em geral, esses resultados revelam uma consonância de forma majoritária com o conteúdo produzido pela TV Caatinga, que é pensado no contexto de quem fala: o povo do Semiárido. Uma prática que provoca uma reflexão sobre a representação mais educativa e próxima da realidade de territórios como o Semiárido e outras regiões do país e do mundo, prejudicados pela retração que distorce e não informa.
METODOLOGIA
Esta pesquisa foi realizada a partir da análise documental dos arquivos de exibição de conteúdos da TV Caatinga veiculados em rede estadual em duas emissoras de televisão parceiras da TV universitária, sediadas na Bahia e em Pernambuco: a TV Pernambuco e a TV Educativa da Bahia.
O conteúdo foi verificado a partir da análise da materialidade audiovisual, um método quali-quantitativo que considera os elementos paratextuais (o material que acompanha o texto, como a cabeça[3] e sonoras, no caso aqui avaliado) como fundamentais na interpretação do texto. O método também permite que o pesquisador inclua itens de avaliação e categorias relacionadas à temática previamente identificados, além da “caracterização das fontes de informação (governo, oposição, iniciativa privada, especialista, cidadão); presença ou não de pontos de vista conflituais, de inserção de arte, entre outros” (Coutinho, 2016, p.11). Marcadores que podem ser tanto quantificados, como avaliados qualitativamente, de acordo com os objetivos da pesquisa.
Por se tratar de uma pesquisa multicasos/mutiexperenciais, a etnopesquisa contrastiva também perpassou todas as etapas, uma vez que nesse tipo de trabalho “o contraste aparece como um dispositivo significativo, na medida em que se deseja heuristicamente aproximar casos através da criação de um determinado constructo de pesquisa” (Macedo, 2018, p.87).
Dessa forma, as duas metodologias se complementam para comparar contrastivamente os conteúdos originais com os exibidos, assim como com o mesmo material veiculado em mais de um programa da TV parceira. A seguir detalham-se os procedimentos metodológicos.
Primeira etapa: Análise da Materialidade Audiovisual na TV Pernambuco
Na primeira etapa foi verificado o relatório de exibição com os conteúdos da TV PE de maio de 2019 (início da parceria de exibição) a dezembro de 2020.
Todo o material publicado pela emissora foi registrado individualmente numa ficha de análise desenvolvida para esse estudo com 10 itens: 1. Retranca/título; 2. Emissora; 3. Data; 4. Programa; 5. Disponível na internet ou arquivo do centro de documentação (parceira); 6. Cabeça e/ou descrição no site; 7. Formato do conteúdo (programa, matéria, stand-up, entrevista, giro, apenas imagens/sonoras); 8. Duração do conteúdo; 9. Alterações do conteúdo e 10. Editoria.
As informações registradas na ficha referentes ao conteúdo exibido foram comparadas de forma contrastiva com o material original produzido pela TV universitária da Univasf. A ficha de análise também incluiu se cada produção sofreu algum tipo de distorção e/ou alteração no conteúdo em si, que comprometesse a proposta da abordagem contextualizada com o Semiárido (Santos, 2018).
No caso da TV Pernambuco, apenas programas da TV Caatinga foram exibidos na programação da emissora, porém foram classificados da mesma maneira em cada ficha.
Segunda etapa: Análise da Materialidade Audiovisual na TV Educativa da Bahia
No segundo momento, verificou-se o conteúdo veiculado nos programas jornalísticos da TVE BA, de agosto de 2018 a dezembro de 2020.
Foi realizado o mesmo procedimento utilizado para a TV PE, com o registro em fichas individuais de cada matéria exibida para a verificação à luz da materialidade audiovisual e da etnografia contrastiva.
Na TV Educativa da Bahia observou-se que, em alguns casos, a mesma matéria da TV Caatinga foi exibida em telejornais diferentes da emissora, por isso também foi realizado o registro e avaliação de cada conteúdo contrastivamente entre si e com a reportagem original.
Foi necessário ainda considerar que, como as reportagens da TV Caatinga tem uma duração e aprofundamento maiores que os tempos praticados nos telejornais, esperava-se que o conteúdo original sofresse redução para se adequar ao tempo do programa. Por isso foi preciso avaliar o que foi alterado pela redução de tempo do que foi distorcido da proposta original.
Dessa forma, quando a redução da matéria ultrapassou 1 minuto de duração, pontuou-se que elementos e informações (sonoras[4], off[5], sobe som[6]) foram retirados. Se o trecho excluído não comprometeu o sentido original contextualizado com o Semiárido da reportagem, considerou-se que a redução representou apenas uma alteração necessária para adequação ao tempo do programa da emissora parceira.
Mas se a redução do tempo deturpou a representação contextualizada com o SAB do conteúdo original, a transmissão da informação foi considerada distorcida. Quando houve mudança no sentido contextualizado com o Semiárido brasileiro de até 50% do texto da cabeça e/ou do conteúdo exibido, a distorção do produto foi considerada parcial. Se as mudanças de sentido na cabeça e/ou conteúdo ultrapassaram a marca de 50%, o produto foi classificado como totalmente distorcido.
Os dados levantados sob as perspectivas da pluralização e da triangulação, confrontando sentidos e significados, conforme orienta Macedo (2018), contribuíram para as reflexões desta etnopesquisa contrastiva “na medida em que produzem, intercriticamente, o significativo esquema de múltiplas vozes” (Macedo, 2018, p.89). Os resultados, veremos na sequência, a partir de uma descrição densa, necessária para comparar e avaliar contrastivamente o conteúdo original com o exibido.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
O Jornalismo Contextualizado com o SAB na programação e telejornais da TVE Bahia.
A TV Educativa ou TVE Bahia é uma televisão pública sediada em Salvador, gerida pelo Instituto de Radiodifusão Educativa do Estado da Bahia - Irdeb, do Governo do Estado. A emissora foi fundada em 1985 e se descreve como “a maior rede de TV digital aberta da Bahia”[7], como um alcance de “11 milhões de pessoas”, além das parcerias com emissoras do Brasil e exterior.
Desde agosto de 2018 a TVE exibe conteúdos da TV Caatinga em sua programação. Além de reportagens veiculadas no TVE Notícias, TVE Revista e TVE Esporte, programas da TV Caatinga foram exibidos na programação da emissora, como a animação “É assim que eu falo”, no ar desde em 1 de outubro de 2018. Das 21 edições da animação, a TVE escolheu 10 para exibir, intituladas pela emissora como: brincadeiras; caprinos; colheita; favela; ovelhas; recanto São Francisco; “ribuliço”; samba de véio; seca e tapiar. De acordo com dados repassados pela Diretora de programação e conteúdos da TVE Bahia, a média de exibições/ano do programa foi, em 2018, de 230 veiculações; 2019, de 500 e 2020, de 750 veiculações.
O programa Viva Caatinga! é exibido na faixa de interprogramas[8] TVE Ecologia, com uma vinheta própria, marcando essa perspectiva editorial. Três episódios do programa da TV Caatinga foram selecionados e são veiculados desde 29 de novembro de 2018: piaba; gameleira e jericó. Porém, o Viva Caatinga! tem 267 edições no total (consulta realizada no canal do Youtube[9] RTV Caatinga em 7 de maio de 2021). Embora o programa da TV universitária aborde também o homem e a mulher do Semiárido, a emissora baiana destacou apenas 1 versão de uma espécie da fauna e 2 da flora desses territórios, limitando o acesso à diversidade informativa sobre o SAB.
Como é a emissora parceira que seleciona o que será exibido, a oferta ao público é uma decisão unilateral e baseada nos critérios de cada veículo de comunicação. Vejamos o exemplo de exibição do Viva Caatinga!. Das mais de 200 edições do interprograma, apenas três vem sendo veiculadas. Apesar da seleção de um número reduzido de edições relacionadas ao bioma, o interprograma da TV Caatinga tem ainda episódios sobre o povo do Semiárido, porém estes não entraram na escolha da TVE BA, restringindo a variedade de conteúdo educativo e informativo que chega à audiência. É o que Marques (2012) chama de processos de homogeneização e invisibilização. Como alerta Gattari (2011), as práticas homogeneizadoras devem ser substituídas por processos de heterogênese para que se desenvolvam as culturas particulares e a singularidade, e a exceção e a raridade "funcionem junto com uma ordem estatal o menos pesada possível".
Conteúdos jornalísticos
Em 2018, duas matérias foram realizadas em coprodução com a TVE, a pedido da emissora estadual, para a cobertura da 11ª Festa do Licuri, realizada naquele ano em Capim Grosso, no Semiárido baiano. A emissora solicitou a produção e se encarregou do transporte, alimentação e hospedagem da equipe. Por ser uma produção de interesse da então gestão da emissora, que investiu financeiramente no material, os conteúdos foram exibidos nos telejornais TVE Revista e TVE Notícias, o que demonstra que em emissoras estatais também há matérias “encomendadas” por gestores que ocupam cargos de confiança políticos.
Em 2019, uma das matérias da TV da Univasf também foi publicada durante a transmissão ao vivo do carnaval pela TVE, nesse caso e nos descritos a seguir, respeitando os critérios de noticiabilidade jornalísticos. No total, foram exibidas 35 matérias da TV Caatinga pelo setor de Jornalismo da TVE no período de 2018 a 2020, sendo 16 em 2018, 16 em 2009 e apenas 3 em 2020, ano do início da pandemia da covid-19, quando a TV universitária passou a trabalhar de forma remota a partir de março.
Apenas 2 matérias (5,71%) registradas no relatório da TV da Univasf não foram localizadas. Uma delas pela identificação da exibição de forma incorreta no relatório. O segundo caso foi a reexibição de uma matéria sobre vagas de estacionamento para idosos e pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida. A reportagem foi veiculada no TVE Revista e no TVE Notícias do dia 21.09.2018, mas só o link do primeiro programa foi registrado. Segundo o coordenador de Jornalismo da emissora, o TVE Notícias não era publicado na internet nessa época, por isso não há link disponível.
Entre as reportagens verificadas, classificou-se 10 na editoria de Educação, 8 na de Cultura e 7 na de Meio Ambiente, distribuídas de forma equilibrada. As editorias de Esporte, Convivência com o Semiárido e Pesquisa tiveram dois conteúdos cada e Agricultura Familiar e Agricultura, 1 registro de veiculação em cada editoria.
Ao analisar os conteúdos, observa-se que algumas produções foram exibidas na íntegra, tanto na matéria quanto na cabeça. Um exemplo de publicação da cabeça na íntegra foi na reportagem sobre o armazém Central da Caatinga, em Juazeiro, exibida no TVE Notícias. Com exceção da palavra “colaborativa”, sempre usada para identificar o conteúdo proveniente das TVs parceiras, todo o restante foi igual.
Agricultores do Semiárido brasileiro e de outras regiões do país fabricam uma diversidade de produtos extraídos da natureza de modo sustentável. Em Juazeiro é possível encontrar parte desses itens num só lugar, no Armazém da Central da Caatinga. Nessa reportagem colaborativa você vai conhecer esse espaço e saber mais sobre o trabalho desenvolvido pela agricultura familiar (TVE Notícias, 2018, grifo nosso).
Agricultores do Semiárido brasileiro e de outras regiões do país fabricam uma diversidade de produtos extraídos da natureza de modo sustentável. Em Juazeiro é possível encontrar parte desses itens num só lugar, no Armazém da Central da Caatinga. Nessa reportagem você vai conhecer esse espaço e saber mais sobre o trabalho desenvolvido pela agricultura familiar (TV Caatinga, 2018).
Houve casos em que a mesma reportagem foi exibida em dois telejornais diferentes, como a matéria sobre o risco de desparecimento de abelhas, publicada no dia 17.09.2018 pelo TVE Notícias e em 18.09.2018 pelo TVE Revista. Em ambas as exibições, a mesma cabeça utilizada nos dois telejornais da TVE foi retirada de um trecho do texto de apresentação do programa Meu Ambiente, da TV Caatinga.
O desaparecimento das abelhas já é uma realidade em países da Europa e, se não houver prevenção e conscientização, esse problema pode acontecer no Brasil e no Semiárido brasileiro. Nessa reportagem colaborativa produzida pela TV Caatinga da Univasf, Universidade Federal do Vale do São Francisco, vamos saber qual a situação desses insetos no Sertão do Araripe e no Vale do São Francisco (TVE Notícias e TVE Revista, 2018, grifo nosso).
Um animal pequeno que exerce funções importantes na natureza. Sem as abelhas, cerca de 70% dos alimentos que consumimos não são produzidos e, consequentemente, não chegam às nossas mesas. O desaparecimento das abelhas já é uma realidade em países da Europa e, se não existir prevenção e conscientização, esse problema pode acontecer no Brasil e no Semiárido. Nessa edição do Meu Ambiente você vai saber qual a situação desses insetos no Sertão do Araripe e no Vale do São Francisco (TV Caatinga, 2018, grifo nosso).
Se um trecho da cabeça original foi utilizado, o conteúdo em si sofreu um corte na duração de mais da metade do total. A versão do programa de educação ambiental da TV Caatinga tem 6’57” (seis minutos e cinquenta e sete segundos), com vinheta e abertura da apresentadora. No TVE Notícias, o conteúdo reduzido ficou com 3’05”, um corte de 55,64% do material completo. No TVE Revista, o corte foi de 56,12% do conteúdo total. Na reedição dos telejornais, foram retiradas e reduzidas algumas sonoras, trechos do texto da repórter foram excluídos e, claro, a apresentação do programa. Porém, muito embora o corte tenha sido grande, a mensagem principal dos fatores que ameaçam as abelhas foi mantida, sem distorção da abordagem contextualizada com o SAB. O que saiu foi o detalhamento e aprofundamento do tema, uma característica dos conteúdos da TV Caatinga, como no programa Meio Ambiente, que é formado por uma reportagem especial sobre problemas ambientais e suas possíveis soluções.
A reportagem sobre o acervo de Dom José Rodrigues também saiu em dois programas, mas desta vez, com cabeças e durações diferentes. No TVE Notícias a matéria encerrou o jornal do dia 29.05.2019 com uma cabeça similar à original.
Agora a gente fala de memória. Em Juazeiro, no norte do estado, o Acervo Dom José Rodrigues guarda a história da Bahia, da cidade e do Vale do São Francisco. O espaço de conhecimento atrai pesquisadores e é aberto também a comunidade. Veja na reportagem colaborativa da TV Caatinga (TVE Notícias, 2019, grifo nosso).
As religiões do Brasil, a origem de Juazeiro, da Bahia e do Vale do São Francisco e tantos outros temas podem ser encontrados no Acervo Dom José Rodrigues. O espaço atrai pesquisadores e é aberto também para que a comunidade possa conhecer mais sobre a história local e de outros lugares (TV Caatinga, 2019, grifo nosso).
O TVE Revista publicou o conteúdo no dia 30.05.2019, com uma rápida e reduzida chamada.
Em Juazeiro, no norte do estado, o Acervo Dom José Rodrigues guarda a história da região o Vale do São Francisco (TVE Revista, 2019).
Com relação à duração, a versão original de 3’05” ficou com 2’02” no TVE Notícias, uma redução de 34,05% do total. No TVE Revista, a matéria ficou com 1’23”, um corte de 55,14%. Em ambas as reedições, foram retirados trechos do texto da repórter, além do corte e/ou redução de sonoras de um usuário e do coordenador do acervo, considerando que o corte em maior escala foi no TVE Revista. A passagem[10] foi preservada nas duas versões. Neste caso a informação principal também não foi comprometida nem distorcida.
Mas nem sempre a redução brusca do tempo preservou a proposta da contextualização em sua totalidade. Na reportagem do programa Meu Ambiente sobre a reintrodução da ararinha azul, o corte foi de 82,25% do conteúdo original. Já a partir da cabeça da versão exibida pelo TVE Notícias, observa-se uma apresentação simplificada, resumida a praticamente uma frase (a exemplo de uma manchete), sem contar com o trecho de identificação da emissora parceira:
O processo de reintrodução da ararinha azul está a todo vapor no Semiárido baiano. Veja numa reportagem colaborativa da TV Caatinga (TVE Notícias, 2019, grifo nosso).
Extinta na natureza desde meados de 2000, a Ararinha Azul vai voltar a ocupar o céu do Semiárido, seu lugar de origem. Um projeto desenvolvido em Juazeiro e Curaçá prepara a região para a chegada da espécie que só existe em cativeiro. Nossa equipe acompanhou parte desse trabalho que você confere agora nesta edição do Meu Ambiente (TV Caatinga, 2019).
A versão de 6’57” da reportagem especial do programa da TV Caatinga foi reduzida para 1’14”, excluindo todo o detalhamento do trabalho dos pesquisadores no processo de reintrodução da ave, extinta na natureza há 20 anos em seu habitat natural. A fase de teste com a espécie maracanã e os desafios ambientais da vegetação modificada pela criação de caprinos e ovinos maior do que a capacidade de suporte do ambiente, assim como o envolvimento da comunidade na devolução da ararinha azul à natureza, também foram retirados da versão reeditada. Esse corte de mais de 80% da reportagem especial, assim como a rápida apresentação do conteúdo, comprometeram a informação, deixando a matéria superficial. O corte excessivo também atingiu a abordagem contextualizada com o SAB, uma vez que as mudanças no conjunto cabeça + matéria ultrapassaram 50%, o que representa uma distorção total da proposta original.
Em outros dois casos, o corte considerável do conteúdo original comprometeu parcialmente proposta contextualizada com o Semiárido. Na cobertura sobre o dia nacional em defesa do Velho Chico (2019), a matéria foi reduzida de 2’06” para 49” (quarenta e nove segundos) para a exibição no TVE Notícias. Na exclusão 61,11% do conteúdo, a principal informação que contextualizava o fato aos territórios semiáridos e relacionava todas as ações ambientais à campanha anual “Eu viro Carranca para defender o Velho Chico”, foi retirada.
Na reportagem especial do programa Meu Ambiente sobre o risco de transmissão de doenças pelas moscas (2019), a redução foi ainda maior, de 73,21%. Na versão reduzida de 6’58” para 1’52”, foram retirados trechos do texto da repórter e sonoras de pesquisadores do Núcleo de estudo em zoonoses da Univasf que detalhavam informações sobre as espécies transmissoras de doenças, assim como os problemas de saúde pública e ambiental relacionados ao inseto no Semiárido, descontextualizando o conteúdo. Como antecipado, nos dois exemplos acima as alterações no conjunto cabeça + matéria não ultrapassaram 50%, o que representa uma distorção parcial da proposta original contextualizada com o SAB.
Em 2020, com a pandemia do novo coronavírus, a equipe da TV Caatinga deixou de ir a campo e passou a produzir de forma remota, a partir do envio de vídeos pelas próprias fontes. Isso significou uma queda de produção, com a limitação de cerca de 1 conteúdo por dia (de segunda a sexta), com um formato audiovisual diferente da reportagem, em sua maioria. A TV da Univasf passou a produzir vídeos com temáticas relacionadas à covid-19 e suas repercussões nas regiões onde a Universidade Federal do Vale do São Francisco está inserida, além de dar visibilidade às ações desenvolvidas pela instituição no combate à doença e de pautar temáticas gerais. Grande parte desse conteúdo foi elaborado apenas com o depoimento da fonte selecionada, “a partir do recorte contextualizado com os vários Semiáridos que se apresentam na área de atuação da Universidade” (Santos e Lins Neto, p.5, 2020).
Ainda assim, duas matérias da TV Caatinga foram exibidas três vezes pela TVE no referido ano, todas relacionadas à pandemia. A primeira, que tratou sobre a formatura antecipada dos estudantes de Medicina para reforçar o atendimento dos infectados, foi publicada pelo TVE Notícias em 4.05.2020, com chamada na escalada[11]. Esta matéria, que excepcionalmente foi realizada de forma presencial, foi reduzida de 3’55” para 1’38”. Um corte de 58,30% com a retirada e redução de sonoras e trechos do texto do repórter. Na escalada, a apresentadora narrou o nome da Universidade de forma incompleta e a reedição tirou o detalhamento da cobertura, mas não distorceu o conteúdo de forma a comprometer a abordagem contextualizada com o SAB.
A outra produção exibida nos dois telejornais da TVE em 2020 foi a matéria sobre o ventilador mecânico desenvolvido pela Univasf. No dia 29.05, uma sexta-feira, a reportagem foi veiculada no TVE Notícias. Na terça-feira da semana seguinte, dia 02.06, o conteúdo foi publicado no TVE Revista. Apesar da redução do conteúdo (47,44%) e do resumo da cabeça, a reedição não comprometeu a informação nem a abordagem contextualizada com o SAB.
Dos conteúdos analisados da TV Caatinga exibidos pela TVE, 30 preservaram a proposta contextualizada com o Semiárido, 2 distorceram parcialmente e 1 totalmente. Modificações que predominaram na redução do tempo das matérias, comprometendo em certos casos a transmissão da informação completa e/ou a abordagem do Jornalismo Contextualizado com o Semiárido brasileiro. Mas em sua maioria, a proposta de representação desses territórios sem distorções prevaleceu nos telejornais da TV Educativa da Bahia.
Conteúdos Educativos e Contextualizados com o Semiárido na programação da TV PE
A TV Pernambuco é uma emissora pública do Governo do Estado, gerida pela Empresa Pernambuco de Comunicação S.A. – EPC, que funciona desde 1984. Sua geradora localiza-se em Caruaru com retransmissoras em Pernambuco, inclusive em Recife e região metropolitana, e Petrolina, todas já disponíveis em sinal digital. São 23 cidades e 3.200.000 telespectadores[12]. A TV PE integrou até 20 de agosto de 2021 a Rede Nacional de Comunicação Pública, que é liderada pela Empresa Brasil de Comunicação – EBC/TV Brasil, parceira da TV Caatinga desde 2014. Atualmente retransmite a programação da TV Cultura.
Em 6 de maio de 2019, a TV PE começou a exibir os programas da TV Caatinga em sua programação. Os conteúdos selecionados pela emissora no próprio site da TV da Univasf foram edições dos programas Viva Caatinga!; #Leia+; É assim que eu falo e Entre um Café, uma Prosa. No período analisado nessa pesquisa, de 2019 a 2020, a TV Pernambuco não possuía programa jornalístico próprio, por essa razão, não havia espaço na programação para a exibição de matérias da TV Caatinga.
Em junho de 2020, durante a pandemia do novo coronavírus, A TV PE exibiu os quatro episódios de um programa especial da TV Caatinga, o Sou São João (2019), uma vez que todas as festas juninas públicas foram canceladas e não houve cobertura e transmissão ao vivo dos festejos naquele ano. Devido às readequações na programação causadas pelo problema de saúde pública, a TV Pernambuco parou de exibir os conteúdos da TV Caatinga em julho de 2020 para transmitir aulas ao vivo da rede estadual de ensino. Os conteúdos só voltaram a ser exibidos na segunda quinzena de janeiro de 2021.
No total, foram exibidas 50 edições de programas da TV Caatinga pela TV PE no período de 2019 a 2020, sendo 27 em 2019 e 23 em 2020, até o dia 26 de junho. Os dados foram repassados para a TV da Univasf via email pelo gerente de programação da TV PE e registrados no relatório de exibição da webtv universitária. Cada edição veiculada é reprisada várias vezes ao longo dos meses (algumas até 20 vezes), aumentando esse número. Porém, nesse estudo estamos considerando a exibição por episódio ao ano, sem as reprises, que variaram por programa.
Como os conteúdos veiculados são programas completos e prontos para publicação (com vinheta, conteúdo e assinatura), são exibidos na íntegra pela emissora parceira, não havendo, portanto, quaisquer distorções no produto original. No entanto, cabe ressaltar que quem define que programa e que edições dos mesmos serão exibidas é a TV PE, de acordo com seus critérios de escolha. Dos 18 programas disponíveis no site, foram selecionados cinco, considerando a série especial sobre São João (exibição única), os quais se descreve a seguir para posterior análise:
Viva Caatinga!: interprograma que apresenta a fauna e flora da caatinga, além do homem e da mulher que vivem e atuam profissionalmente no Semiárido. A TV PE exibiu apenas a versão do homem/mulher do Semiárido.
Entre um Café, uma Prosa: programa de entrevistas com temática variada.
Leia+: interprograma com indicação de livros, onde é o próprio autor que apresenta a obra.
É assim que eu falo: animação com os verbetes falados no Semiárido, a partir do levantamento realizado pela pesquisa “Lexicografia do Semiárido”, da Universidade do Estado da Bahia.
Sou São João: programa musical com quatro episódios sobre a origem, atualidade, costumes e tradições dos festejos juninos.
Em 2019, 15 edições do Viva Caatinga! homem e mulher do Semiárido foram exibidas. Ao classificar as edições por editorias, enumerou-se 8 programas na editoria de Cultura, 3 em Agricultura e Pecuária e 1 cada em Educação, Saúde, Moda e Gastronomia. Ainda sobre a editoria Cultura, o conteúdo com 5 edições é de pessoas que atuam em profissões mais contemporâneas, como quadrinista e pirografista. Em outras 3 edições escolhidas para a exibição, o programa mostra profissões da cultura popular normalmente associadas ao Nordeste, como repentista e cordelista.
Ao longo do ano, foram 3 edições do programa Entre um Café, uma Prosa, 2 da editora de Cultura e 1 de Educação. Do programa Leia+ foram 3 edições, 2 da editoria de Educação e 1 de Saúde. Já no Assim que eu falo, foram 6 edições da editoria de Cultura.
Em 2020, a TV Pernambuco exibiu apenas três programas da TV Caatinga, mais a série especial Sou São João. Foram 10 edições do Entre o Café, uma Prosa, sendo 6 da editoria de Cultura, 1 de Pesquisa, 1 de Saúde, 1 de Agricultura e 1 de Educação; 6 edições do Viva Caatinga!, todos da editoria de Cultura, com 3 profissionais da contemporaneidade e 3 de atividades mais tradicionalmente associadas ao Nordeste; além de 3 edições do Leia+, 2 da editoria de Educação e 1 de Saúde, e 4 edições do Sou São João, todas da editoria de Cultura, totalizando 23 edições exibidas. Cabe anotar que as edições selecionadas do Leia+ foram as mesmas exibidas em 2019. Sendo assim, 100% das 50 edições exibidas em dois anos pela TV Pernambuco foram verificadas e publicadas na íntegra, o que significa que a abordagem contextualizada com o Semiárido foi preservada em sua totalidade na emissora pernambucana.
Com relação às editorias selecionadas para exibição, a de Cultura predominou na programação, com 32 conteúdos em programas diferentes. Em 2019, das 15 edições publicadas do Viva Caatinga!, 8 foram de Cultura e em 2020, 6 das 10 entrevistas exibidas no Entre um Café, uma Prosa, abordaram a mesma temática. Muito embora outros conteúdos pautando temáticas diferentes estivessem disponíveis para exibição, a TV PE demonstrou uma preferência por programas que abordassem a cultura sob diferentes aspectos, como no cinema, dança e artes plásticas. Na editoria de Educação, foram apenas 7 publicações. Também houve registro de exibição nas editorias de Saúde, Agricultura e Pecuária, Pesquisa, Moda e Culinária, com uma veiculação cada. Essa preferência pela editoria de Cultura evidenciada na programação da TV PE interfere de forma direta na forma como o público vai ser informado sobre o Semiárido, tornando o acesso ao conhecimento sobre esses territórios limitado e restrito ao imaginário cultural.
Apesar dos conteúdos selecionados para exibição não terem sofrido distorção da abordagem contextualizada com o Semiárido, a ausência da diversidade temática pode contribuir para a falta de informação e para o reforço de estereótipos consolidados sobre esses territórios. Considerando que “uma emissora pública existe para garantir um direito que tem a sociedade à informação, à cultura, à expressão de suas diferenças, à tematização de suas carências e potencialidades e à livre comunicação das ideias” (Bucci et al., 2012, p. 13), sugere-se uma maior atenção dos responsáveis pela programação da emissora na seleção de conteúdos que abordem o Semiárido de uma forma mais ampla, diversa e contemporânea.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Através de uma parceria de exibição, a TV Caatinga conseguiu inserir conteúdo tanto na programação quanto no Jornalismo da TV Educativa da Bahia, possibilitando que pessoas em todo o Estado tivessem acesso a uma produção contextualizada com o Semiárido. Por outro lado, como é a emissora parceira que seleciona o que será exibido, a oferta ao público é uma decisão unilateral e baseada nos critérios de cada veículo de comunicação. Uma demonstração de que a qualidade e a quantidade de conteúdo que o público vai receber depende da decisão da própria emissora, de um setor ou até mesmo de uma única pessoa responsável. A oferta existe e está disponível, mas a definição do que o público vai ter acesso está nas mãos do intermediário.
No Jornalismo da TVE BA, a seleção das matérias foi equilibrada no que se refere as editorias que predominaram. A quantidade de reportagens de educação, cultura e meio ambiente foi muito próxima. Algumas produções foram exibidas na íntegra, tanto na matéria quanto na cabeça. Também se observou que a mesma reportagem foi exibida em dois telejornais diferentes, seja na íntegra ou com cabeças e durações diferentes. Em alguns casos, a redução do tempo manteve a mensagem principal, porém excluiu o detalhamento do conteúdo. O corte excessivo também atingiu a abordagem contextualizada com o Semiárido, o que representou uma distorção parcial ou total da proposta original.
Na TV Pernambuco, em cerca de dois anos de exibição de programas da TV Caatinga, predominou a preferência por conteúdos da editoria de Cultura. Além disso, apesar da oferta de 18 programas no site da TV Caatinga, houve uma limitação na escolha de algumas poucas edições de apenas cinco programas. Do Leia+, por exemplo, foram escolhidas só três edições em 2019, as mesmas reexibidas em 2020. O referido programa tem 28 edições, com temáticas e áreas variadas (consulta realizada em 30.06.2021) que poderiam ter sido melhor aproveitadas pela emissora do Estado de Pernambuco.
Ao priorizar um tipo de editoria na programação, a TV PE limita o acesso da audiência a apenas uma temática. Nos conteúdos da TV Caatinga selecionados, 64% são da editoria de Cultura, enquanto o segundo lugar, os programas da editoria de Educação, ocuparam 14% das escolhas. Essa discrepância também ficou evidente na quantidade reduzida de episódios aprovados e exibidos, apesar da oferta variada em número e temáticas. Isso ocasiona diretamente numa programação pouco diversa e marcada por muitas reprises, o que indiretamente pode causar um desinteresse no público e uma baixa audiência, enfraquecendo a TV pública.
Com escolhas pouco variadas, as programações da TV PE e da TVE da Bahia contribuem para homogeneizar o olhar para o Semiárido, com uma representação limitada a poucos aspectos e características. Sabe-se que elaborar uma programação educativa, com informação de qualidade e diversidade temática não é uma tarefa fácil para as emissoras de televisão públicas. Realizar parceiras de exibição é uma saída para dispor de mais conteúdos. No entanto, nas emissoras dos Estados da Bahia e de Pernambuco, o espaço para a diversidade temática de conteúdos contextualizados com o Semiárido ainda é reduzido na faixa de programação.
Ao restringir a exibição e realizar muitas reprises, a emissora tira do público a oportunidade de ter acesso a conteúdos sobre o SAB e aprender sobre a realidade desses territórios sem distorções ou falta de informação. Além disso, uma programação sem edições inéditas, pouco diversificada, inclusive em temáticas, reforça a ideia de que a TV pública é enfadonha, o que afasta a audiência. Porém, apesar na limitação em quantidade e diversidade temática, no que foi selecionado para veiculação nas programações da TVPE e TVE BA, a abordagem contextualizada com o SAB foi mantida em 100% dos casos, uma vez que as emissoras exibem os programas da TV Caatinga na íntegra.
Nos conteúdos jornalísticos, presentes apenas na TVE BA, as matérias da TV Caatinga foram melhor aproveitadas pelos telejornais da emissora. Do total de 33 reportagens localizadas, exibidas pela TVE BA e analisadas nesse estudo, 90,91% (30) preservaram a abordagem contextualizada com o Semiárido. Em apenas duas reportagens, a TVE Bahia distorceu parcialmente esta proposta e em uma ocasião, o conteúdo original foi totalmente distorcido.
Com esses resultados conclui-se que, nos programas e matérias jornalísticas selecionados para a exibição, houve uma adesão de forma majoritária em ambas as emissoras, à proposta original de representação educativa, informativa e contextualizada do Semiárido. Conteúdos que contribuem para a produção de conhecimento e colaboram para que os próprios nordestinos tenham acesso a uma abordagem desses territórios e de seu povo de forma mais próxima da realidade. Entretanto ainda é preciso ampliar essa representação e dar visibilidade à diversidade temática de territórios como o Semiárido, prejudicados pela retração que distorce e não informa.
A etapa final deste estudo ouviu os jornalistas responsáveis pela seleção dos conteúdos para aprofundar os achados explicitados no material exibido.
REFERÊNCIAS
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Revista Ouricuri, Juazeiro, Bahia, v.14, n.1. 2024, p.03 - 25. jan./jul., Publicação contínua http://www.revistas.uneb.br/index.php/ouricuri | ISSN 2317-0131
[3] Texto narrado pelo apresentador do telejornal ou programa televisivo para anunciar o conteúdo que será exibido a seguir.
[4] Depoimentos inseridos dentro da matéria.
[5] Texto narrado pelo(a) repórter.
[6] Termo técnico utilizado na televisão e no rádio para indicar que o volume de uma determinada trilha sonora ou som ambiente deve ser aumentado no momento sugerido da produção.
[8] Programa de curta duração exibido nos intervalos comerciais da programação.
[10] Momento em que o repórter aparece durante a matéria dando alguma informação, olhando diretamente para a câmera.
[11] Destaques da edição na abertura do telejornal.