ETNOMEDICINA DE UMA COMUNIDADE ALAGOANA: REMÉDIOS CASEIROS COMO ALTERNATIVA DE CURA

 

Leomar da Silva de Lima¹*, Elaine de Lima de Jesus², Izabella Martins da Costa Rodrigues³

 

¹Licenciado em Ciências Biológicas (UFAL); Mestre em Botânica Aplicada (UNIMONTES); Doutorando em Botânica (UEFS).

²Técnica em agroindústria (CETEP); Farmacêutica (UEFS); Mestranda em Botânica (UEFS).

³Doutora em Biologia Vegetal (UFMG); Mestre em Fitotecnia (UFV); Professora da Rede Estadual de Educação - ES.

*Autor para correspondência E-mail: leomscbot@gmail.com

 

Recebido: 02.01. 2024      Aceito: 16.06. 2024

 

 

RESUMO: A utilização de plantas medicinais como prática terapêutica tradicional, no qual o conhecimento popular se destaca na confecção e uso de preparações a partir de insumos caseiros, vêm aumentando no Brasil, onde esse conhecimento se transmite oralmente entre as gerações passadas e futuras. O objetivo deste trabalho é registrar o conhecimento acerca dos preparos caseiros de plantas medicinais utilizados na comunidade Lages, município de Porto de Pedras (09º 09’ 30” S e 35º 17’ 42” O), estado de Alagoas, nordeste do Brasil. A pesquisa ocorreu entre setembro e dezembro de 2016 após o parecer positivo do Comitê de Ética e Pesquisa e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido pelos participantes. Entrevistas semiestruturadas com a população e com especialistas locais apontam o chá, lambedor, emplastro e banho como os principais preparos caseiros. Todas as partes do corpo vegetal são utilizadas, sendo a folha a mais relevante para os preparos. As espécies vegetais: Mentha sp. (hortelã da folha miúda); Lippia alba (Mill.) N. E. Br. (cidreira); Cymbopogon citratus (DC.) Stapf. (capim santo); Alpinia zerumbet (Pers.) B.L Burtt. & R.M.Sm. (colônia); Plectranthus amboinicus (Lour.) Spreng. (hortelã da folha grossa); Schinus terebinthifolia Raddi (aroeira) e Cnidoscolus urens (L.) Arthur (cansanção branca) foram as mais mencionadas. Os resultados mostraram que há uma grande abrangência a respeito do emprego de preparações caseiras no local estudado, onde a utilização dessas fontes terapêuticas encontra-se difundida e consolidada entre os moradores.

 

Palavras-chave: Etnobotânica; Medicina Popular; Conhecimento Local; Saúde Coletiva.

 

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ETHNOMEDICINE OF AN ALAGOANA COMMUNITY: HOME REMEDIES AS A HEALING ALTERNATIVE

 

ABSTRACT: The use of medicinal plants as a traditional therapeutic practice, where popular knowledge stands out in the making and use of preparations from homemade inputs, has been increasing in Brazil, where this knowledge is transmitted orally between past and future generations. The objective of this work is to record knowledge about homemade preparations of medicinal plants used in the Lages community, municipality of Porto de Pedras (09º 09’ 30” S and 35º 17’ 42” W), state of Alagoas, northeast of Brazil. The research took place between September and December 2016 with the positive opinion of the Ethics and Research Committee and the signing of the Free and Informed Consent Form by the participants. Semi-structured interviews with the population and local experts point to tea, licking, poultices and baths as the main homemade preparations. All parts of the plant body are used, with the leaf being the most relevant for preparations. Plant species: Mentha sp.; Lippia alba (Mill.) N. E. Br.; Cymbopogon citratus (DC.) Stapf.; Alpinia zerumbet (Pers.) B.L Burtt. & R.M.Sm.; Plectranthus amboinicus (Lour.) Spreng.; Schinus terebinthifolia Raddi and Cnidoscolus urens (L.) Arthur were the most mentioned. The results show that there is a wide scope regarding the use of homemade preparations in the studied location, where the use of these therapeutic sources is widespread and consolidated among residents.

 

Keywords: Ethnobotany; Folk Medicine; Local Knowledge; Public Health.

 

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ETNOMEDICINA DE UNA COMUNIDAD ALAGOANA: LOS REMEDIOS CASEROS COMO ALTERNATIVA CURATIVA

 

RESUMEN: El uso de plantas medicinales como práctica terapéutica tradicional, donde se destaca el conocimiento popular en la elaboración y uso de preparados a partir de insumos caseros, viene aumentando en Brasil, donde ese conocimiento se transmite de forma oral entre generaciones pasadas y futuras. El objetivo de este trabajo es registrar conocimientos sobre preparaciones caseras de plantas medicinales utilizadas en la comunidad de Lages, municipio de Porto de Pedras (09º 09’ 30” S y 35º 17’ 42” W), estado de Alagoas, noreste de Brasil. La investigación se desarrolló entre septiembre y diciembre de 2016 con la opinión positiva del Comité de Ética e Investigación y la firma del Formulario de Consentimiento Libre e Informado por parte de los participantes. Entrevistas semiestructuradas con la población y expertos locales señalan al té, lamidos, cataplasmas y baños como las principales preparaciones caseras. Se utilizan todas las partes del cuerpo de la planta, siendo la hoja la más relevante para las preparaciones. Especies de plantas: Mentha sp.; Lippia alba (Mill.) N. E. Br.; Cymbopogon citratus (DC.) Stapf.; Alpinia zerumbet (Pers.) B.L Burtt. & R.M.Sm.; Plectranthus amboinicus (Lour.) Spreng.; Schinus terebinthifolia Raddi y Cnidoscolus urens (L.) Arthur fueron los más mencionados. Los resultados muestran que existe un amplio alcance en cuanto al uso de preparados caseros en la localidad estudiada, donde el uso de estas fuentes terapéuticas está extendido y consolidado entre los residentes.

 

Palabras clave: Etnobotánica; Medicina Popular; Conocimiento Local; Salud Pública.

 

 

INTRODUÇÃO

 

Mesmo após a difusão de medicamentos, sendo os vegetais insumos muito utilizados como precursores de pesquisa e desenvolvimento de novos fármacos, as plantas medicinais ainda são consideradas como a principal fonte para as práticas terapêuticas advindas de populações locais e comunidades tradicionais (Lima; Silva; Cury, 2019). A forma de difusão desse conhecimento, de geração a geração, ocorre principalmente pela transmissão oral, formando um rico arcabouço cultural entre as comunidades usuárias, no que tange, por exemplo, o uso de todas as partes das plantas: folhas, flores, caules, sementes e raízes em seus preparos medicamentosos (Santos et al., 2020).

A utilização do termo remédio caseiro é evitado por profissionais da saúde, pois o mesmo é amplamente abrangente sobre a utilização de ervas, animais e minerais nos preparos de chás, xaropes, cataplasmas, compressas, banhos, etc. (Gomes, 2011; Zeni et al., 2017). A utilização consciente dessas preparações tradicionais ou caseiros tem uma forte relação com os saberes adquiridos, acumulados e transmitidos (Ferreira da Silva, 2021; Silva, 2022; Souza; Paulino, 2022). Consagrando, assim, o uso dos remédios caseiros pelas pessoas, onde, tanto esses preparos, quanto os medicamentos fitoterápicos, merecem a devida atenção de seus usuários e dos órgãos de saúde pública, para garantir uma maior segurança no uso e na cura. Entretanto, a falta de acesso a outros tipos de medicamentos também pode ser apontada como uma das razões de sua utilização (Ferreira; Pinto, 2010).

Em Maragogi e São Luiz do Quitunde, litoral norte de Alagoas, a implantação de espaços comunitários de cultivo de plantas medicinais facilitou a coleta de plantas utilizadas pela população (Lima et al., 2020). No Município de Porto de Pedras, também no litoral norte alagoano, a assistência em saúde da população ocorre através de quatro Unidades Básicas de Saúde e um Posto Central de Urgência, onde são atendidas em diferentes especialidades cerca de 350 usuários mensalmente, porém há, por parte de seus usuários, uma insatisfação referente a assistência em saúde (Lima; Léo Neto, 2019). A prática da benzeção é comum nessa comunidade, onde a população busca a cura de alguns males através de consultas com benzedeiras e curandeiros locais, além da utilização de diversas plantas medicinais (Lima; Léo Neto, 2019; Lima, 2023). Assim, dentro de cada sistema local, especialistas, plantas medicinais e seus preparos, muitas vezes são a garantia de cura da população.

O objetivo deste trabalho é registrar o conhecimento acerca dos preparos caseiros de plantas medicinais utilizados na comunidade Lages, município de Porto de Pedras, estado de Alagoas, nordeste do Brasil. O registro e salvaguarda, desse conhecimento, é fundamental à popularização do uso de plantas medicinais e seus preparos, de forma a suprir, a demanda medicinal de populações locais.

 

 

METODOLOGIA

 

O presente estudo foi realizado no município de Porto de Pedras (09º 09’ 30” S e 35º 17’ 42” O), litoral norte de Alagoas, região nordeste do Brasil. Possui uma área territorial de 257,105 Km² e cerca de 9.295 habitantes, de acordo com o censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE (2023). O município é considerado rural, formado por fazendas, sítios, povoados e dois distritos, tendo como principais fontes de renda o funcionalismo público, pesca artesanal, agricultura familiar e o turismo na Área de Proteção Ambiental Costa dos Corais (Lima, 2023).

A coleta de dados qualitativos foi realizada no povoado de Lages, a aproximadamente cinco quilômetros do centro administrativo do município. Onde, com a aprovação do Comitê de Ética e Pesquisa (nº CAEE: 55395016.8.0000.5013) e com o consentimento prévio, via assinatura do TCLE, foram realizadas entrevistas semiestruturadas a partir de uma perspectiva da observação participante (Boni; Quaresma 2005; Haguette, 2007).

As entrevistas ocorreram nos meses de setembro e dezembro de 2016, entre a população foram realizadas ao acaso, entre pessoas com idade a partir de 18 anos, abordadas em suas residências e que aceitaram participar da pesquisa. Enquanto que a seleção dos especialistas ocorreu através de recomendações dos próprios moradores locais. Os dados qualitativos foram analisados de forma descritiva, sendo registrados os remédios caseiros, sua forma de preparo, indicações e as plantas utilizadas, essas informações foram condensadas em tabelas, como dados adicionais trazemos imagens das plantas indicadas para assim buscar uma melhor visualização e comparação dos aspectos relevantes desta pesquisa (Miles; Huberman, 1984; Raupp; Beuren, 2006).

As espécies vegetais foram classificadas a partir do seu nome popular local, sendo apontadas pelos interlocutores e fotografadas a fim da realização de seu registro e identificação. Para fins de análise, foram escolhidas as plantas mais citadas, contudo, foram quantificados todos os preparos mencionados para cada planta indicada localmente.

 

 

RESULTADOS E DISCUSSÕES

 

Foram realizadas um total de 105 entrevistas semiestruturadas, 100 com a população e cinco com os especialistas locais em plantas medicinais, dos quais quatro fazem indicações de plantas para quem os procuram e uma prepara lambedores (xarope caseiro) para comercializar e complementar a renda familiar (Figura 1).

 

Figura 1: Lambedor sendo preparado para comercialização pela sr.ª M.L.O (70 anos), no povoado de Lages, Porto de Pedras – AL. Fonte: autores, 2016.

 

Da população entrevistada, a maioria foi de mulheres (87%), com idade entre 21 e mais de 70 anos, enquanto que especialistas foram quatro mulheres e um homem, com idades acima dos 60 anos. Entre a população, o chá com 87 citações (53,4%), lambedor com 30 citações (18,4%), banho com 11 citações (6,7%) e suco com dez citações (6,1%) foram os principais preparos informados. Enquanto que, entre especialistas, o chá com 59 citações (57,8%), lambedor com 16 citações (15,7%), banho e emplastro com oito citações cada (7,8%), foram os mais citados (Tabela 1).

 

 

Tabela 1. Preparos caseiros e partes das plantas utilizadas pelos especialistas locais e população de Lages, Porto de Pedras – AL.

 

Preparo medicamentoso caseiro

Nº de citações Especialistas

(n=5)

Nº de citações População

(n=100)

Partes das plantas utilizadas Especialistas

Partes das plantas utilizadas População

Chá

59 (57,8%)

87 (53,4%)

Folhas; bulbos; cascas de troncos; frutos; raízes; flores; sementes; cascas de frutos e botões florais

Folhas; flores; bulbilhos; cascas de troncos; sementes; frutos; raízes; mesocarpo; cascas de frutos e rizomas

Lambedor

16 (15,7%)

30 (18,4%)

Folhas; bulbos; bulbilhos; frutos e brácteas

Folhas; flores; bulbos; bulbilhos; raízes; frutos; sementes; cascas de frutos; cascas de troncos e brácteas

Banho

8 (7,8%)

11 (6,7%)

Frutos; folhas; raízes e flores

Folhas; sementes e cascas de troncos

Emplasto

8 (7,8%)

2 (1,2%)

Folhas; látex; cascas de frutos e flores

Folhas

Garrafada (Solução hidroalcoólica)

5 (4,9%)

5 (3,1%)

Cascas de troncos; flores e frutos secos

Sementes; cascas de troncos e rizomas

Sumo

3 (2,9%)

7 (4,3%)

Folhas e fruto verde

Folhas e frutos

Mucilagem

1 (1%)

x

Folhas

x

Unguento

1 (1%)

x

Sementes

x

Misturado na água (Solução aquosa)

1 (1%)

2

Folhas

Sementes e rizomas

Suco

x

10 (6,1%)

x

Frutos

Comer

x

4 (2,5%)

x

Sementes; flores e frutos

Misturada com Leite

x

2 (1,2%)

x

Folhas

Rapé

x

1 (0,6%)

x

Frutos

Cigarro

x

1 (0,6%)

x

Folhas

Vinho

x

1 (0,6%)

x

Frutos

      Fonte: Autores, 2024

 

 Em ambos os casos, o chá teve maior representatividade, principalmente os de folhas, sendo o preparo mais utilizado na comunidade. Através da descrição das informantes, foi possível observar que, localmente, o chá pode ser preparado por infusão, abafamento e/ou decocção. De acordo com a RDC nº 26 de 13 de maio de 2014, A infusão é comum para folhas, flores, inflorescências e frutos onde a água potável fervente é jogada sobre essas partes vegetais; o abafamento é quando após ferver a água e acrescentar o vegetal, apaga-se o fogo e tampa o recipiente por tempo determinado; já a decocção é utilizado para partes vegetais mais duras, como cascas, caules, sementes, raízes e rizomas, onde são fervidas junto com a água em um recipiente tampado por tempo determinado (Brasil, 2014). Em um estudo realizado no Pará, o chá foi apontado como a principal forma de preparo das plantas medicinais (Leandro; Jardim; Gavilanes, 2017). No município de Cocal, no estado do Piauí, o maior destaque entre os preparos medicamentosos foi o chá, seguido pela garrafada e lambedor (Chaves; Barros, 2012). Ainda no estado do Piauí, foi confirmado que nos mercados públicos de Parnaíba são comercializadas, tanto plantas medicinais, quanto os remédios caseiros preparados com as mesmas, no qual a população têm o acesso direto a esses produtos (Santos et al., 2022). No município de Batalha, sertão alagoano, o chá também aparece como o principal preparo de plantas medicinais, sendo o lambedor o terceiro preparo mais utilizado (Santos et al., 2020). O chá é o preparo que detém uma maior aceitação entre as pessoas por se basear nas experiências moldadas ao longo da vida (Siqueira et al., 2006).

 Além do chá, em vários trabalhos realizados no nordeste brasileiro, houve também a listagem de outros preparos como banhos, emplastros e garrafadas (Silva et al., 2015; Costa; Marinho, 2016; Santos et al., 2016). O emplastro e o banho são considerados como terapias externas antroposóficas que se caracterizam pela aplicação de substâncias naturais na pele ou nas mucosas, onde a absorção dos princípios químicos através da derme se dá pela grande irrigação sanguínea, fazendo com os princípios ativos se espalhem pelo organismo (Pugliesi; Ghelman, 2017).

 O lambedor (ou xarope) possui várias receitas e formas diferentes de preparo, contudo, consiste basicamente em um preparo a base de água, plantas medicinais, açúcar ou mel que, após fervido, é engarrafado. Alguns podem ser armazenados na geladeira, para outros é recomendado a não refrigeração, contudo ambos devem ser utilizados antes de ‘azedar’. Há na literatura vários trabalhos que indicam o lambedor como um dos principais remédios caseiros utilizados, principalmente na região nordeste do Brasil, onde as partes do corpo vegetal e as formas de preparo coincidem com as aqui apontadas (Araújo et al., 2015; Silva et al., 2015; Coelho et al., 2017; Albergaria; Silva; Silva, 2019; Andrade et al., 2021).

 Entre a população, as partes do corpo vegetal mais utilizadas em seus remédios caseiros são as folhas, as raízes e os frutos (tanto os secos, quanto os carnosos), já entre os especialistas foram mais relevantes as folhas, as raízes e as flores, corroborando com os estudos na área (Leandro; Jardim; Gavilanes, 2017; Santos et al., 2020). As cascas e entrecasca do caule são as principais partes utilizadas na preparação de garrafadas no município de Girau do Ponciano, agreste de Alagoas (Santos; Silva, 2015). Os autores ainda expõem a importância de alternativas de uso, uma vez que as cascas são partes vitais para as plantas, e sua extração recorrente pode comprometer, a longo prazo, a população dessas espécies. A preocupação com a morte da planta recorrente a extração de suas cascas não foi por nós registrada no local de estudo, sendo, assim, importante a realização de trabalhos focando a sensibilização ambiental com formas menos danosas de coleta de material vegetal para fins medicinais.

 Vale ressaltar que tanto nas garrafadas, como em outros preparos, utilizados pela população estudada, há uma associação de duas ou mais partes de plantas diferentes, sendo essa prática bastante comum no preparo de remédios caseiros pelas comunidades (Ataíde et al., 2007). Como no caso da garrafada, utilizada para cicatrização de feridas, conhecida localmente de suspiro (Figura 2), que utiliza: casca de aroeira (Schinus terebinthifolia Raddi); casca de barbatimão (Abarema cochliacarpos (Gomes) Barneby & J.W. Grimes); frutos de jucá (Libidibia ferrea (Mart. ex Tul.) L.P.Queiroz) e frutos de suspiro (Vachellia farnesiana (L.) Wight & Arn.), embebidas no álcool.

Figura 2: Plantas utilizadas no preparo da garrafada localmente chamada de suspiro: A) Aroeira (Schinus terebinthifolia Raddi). B) Barbatimão (Abarema cochliacarpos (Gomes) Barneby & J.W. Grimes). C) Jucá (Libidibia ferrea (Mart. ex Tul.) L.P.Queiroz). D) Suspiro (Vachellia farnesiana (L.) Wight & Arn.). E) Garrafada “suspiro”. Fonte: Autores, 2016.

 

 Ou ainda a preparação de um emplastro a partir da mistura de material vegetal, animal e mineral: látex da espécie Plumeria rubra L., conhecida localmente como vapor (Figura 3), gema de ovo e enxofre em pó que, aplicado com algodão, é utilizado em caso de pancadas.

Figura 3: Planta vapor (Plumeria rubra L.): A) Vista geral; B) Detalhe do látex exsudado de corte no caule. Fonte: Autores, 2016.

 

 As espécies mais citadas nos preparos de remédios caseiros foram: Hortelã da folha miúda (Mentha sp.); Cidreira (Lippia alba (Mill.) N. E. Br.); Capim santo (Cymbopogon citratus (DC.) Stapf); Colônia (Alpinia zerumbet (Pers.) B.L Burtt. & R.M. Sm.); Hortelã da folha grossa (Plectranthus amboinicus (Lour.) Spreng.); Aroeira (S. terebinthifolia Raddi) e Cansanção branca (Cnidoscolus urens (L.) Arthur) (Figura 4).

 

Figura 4: As plantas mais citadas por especialistas locais e pela população: A) Aroeira (Schinus terebinthifolia Raddi). B) Cansanção branca (Cnidoscolus urens (L.) Arthur). C) Capim santo (Cymbopogon citratus (DC.) Stapf). D) Cidreira (Lippia alba (Mill.) N. E. Br.). E) Colônia (Alpinia zerumbet (Pers.) B.L Burtt. & R.M. Sm.). F) Hortelã da folha grossa (Plectranthus amboinicus (Lour.) Spreng.). G) Hortelã da folha miúda (Mentha sp.). Fonte: Autores, 2016.

 

 Onde, basicamente, se utiliza todas as partes do corpo vegetal, sendo a folha a mais relevante, tanto pelos especialistas quanto pela população, em seus preparos caseiros de plantas (Tabela 2).

 

 

 

 

 

 

Tabela 2: Plantas mais citadas entre os especialistas e a população estudada, suas partes utilizadas e formas de uso. Povoado de Lages, Porto de Pedras – AL.

 

Planta

Nº de citações especialistas

(n=5)

Nº de citações população

(n=100)

Partes utilizadas por especialistas

Partes utilizadas pela população

Formas de uso por especialistas

Formas de uso pela população

Aroeira

(S. terebinthifolia)

5 (17,2%)

25 (8,6%)

Casca do tronco e folhas

Casca do tronco e folhas

Chá, lambedor e solução hidroalcoólica

Chá

Cansanção branca

(C. urens)

5 (17,2%)

6 (2,1%)

Raiz

Raiz

Chá

Chá

Capim santo (C. citratus)

4 (13,8%)

54 (18,5%)

Folhas

Folhas

Chá

Chá e lambedor

Cidreira (L. alba)

4 (13,8%)

56 (19,2%)

Folhas

Folhas

Chá

Chá e lambedor

Colônia

(A. zerumbet)

3 (10,3%)

44 (15,1%)

Folhas e flores

Folhas, flores e raiz (rizoma)

Chá e banho

Chá, banho, lambedor e solução hidroalcoólica

Hortelã da folha grossa

(P. amboinicus)

4 (13,8%)

33 (11,3%)

Folhas

Folhas

Lambedor e chá

Lambedor, chá e sumo

Hortelã da folha miúda (Mentha sp.)

4 (13,8%)

74 (25,3%)

Folhas

Folhas

Chá e sumo

Chá e lambedor

Fonte: Autores, 2024

 

 A planta utilizada para o tratamento de mais sintomas e afecções é a hortelã da folha-miúda (Mentha sp.), sendo citada pela população o seu uso em chá e lambedor de folhas contra dor de barriga, gripe, febre, cólicas (intestinais e menstruais), catarro, tosse, dores, pressão alta, diarreia, problemas no coração e como calmante, sendo ainda citada por especialista para tratar vermes, dor de barriga, diarreia, gripe e tosse, a partir do chá e sumo (extrato) das folhas.

 Chá e lambedor de folhas de erva cidreira (L. alba), foi citado para combater dor de barriga, pressão alta, verme, diarreia, inflamação e como calmante pela população, apenas o chá de suas folhas foi citado por especialistas no combate à dor de barriga, pressão alta e para os nervos. Das folhas do capim santo (C. citratus), a população faz chá e lambedor para dor de barriga, pressão alta, gripe, dor, vômito, tosse, problema no fígado e como calmante. Os especialistas, por sua vez, utilizam seu chá no tratamento de gripe, pressão alta, cólicas e para os nervos.

 Conhecida localmente como colônia, a espécie A. zerumbet, tem suas folhas, flores e “raízes” (rizomas) usadas pela população em forma de chá, banho, lambedor e solução hidroalcoólica no tratamento de gripe, febre, dor de cabeça, dor de barriga, tosse, pressão alta, palpitações, catarro, sinusite e como calmante; já entre especialistas, as folhas e flores são usadas em chá e banho para gripe, tosse, dores, insônia e para os nervos. Também para gripe, dor de barriga, catarro, tosse, aftas e gastrite a população faz chás, lambedor e sumo das folhas da hortelã da folha grossa (P. amboinicus), enquanto especialistas usam seu chá e lambedor para tratar tosse, gripe e dor de barriga.

 Da casca do tronco e folhas de aroeira (S. terebinthifolia), é feito chá pela população para combater inflamação, diarreia e dor de barriga. Entre especialistas, o chá, lambedor e solução hidroalcoólica combate inflamações e tosse. Também para inflamação e gastrite, é usado o chá de raízes de cansanção branca (C. urens), tanto pela população quanto por especialistas que, ainda, a utilizam para dores e problemas nos olhos.

 Em estudo recente, foi confirmado o uso de L. alba para casos de ansiedade leve (Duarte-Almeida; Mano-Sousa, 2021). Resultados semelhantes com a hortelã da folha grossa e miúda, cidreira e capim santo (entre os seis mais citados neste trabalho), apresentam grande correspondência entre as indicações de uso das mesmas (Vale et al., 2021).

 Quando levantamos os sintomas e doenças que a população busca tratar com os remédios caseiros, em primeiro lugar temos tosse, citado 28 vezes pela população (26,7%) e 20 vezes por especialistas (25%), sendo usada para seu tratamento plantas de 37 diferentes espécies deste levantamento. Em segundo lugar temos gripe, citado 33 vezes pela população (31,4%) e 13 vezes por especialistas (16,3%), também sendo usadas para seu tratamento 37 espécies, o que indica conformidade de respostas, uma vez que tosse é um sintoma de gripe. Outras doenças muito citadas são diabetes e pressão alta, citadas respectivamente 15 (14,3%) e 13 (12,4%) vezes pela população e, 6 (7,5%) e 5 (6,3%) vezes por especialistas, sendo 19 e 15 espécies utilizadas para essas enfermidades. O sintoma dor de barriga também é citado por 19 vezes, 16 vezes pela população (15,2%) e 3 vezes por especialistas (3,8%), que no total designam 16 espécies de plantas para a sua cura.

 Apesar das entrevistas representarem cerca de 1,12% da população total do município estudado, os resultados mostram que há uma grande abrangência a respeito da utilização de remédios caseiros pela população. Estudos mais detalhados podem nos dar mais informações sobre as preparações citadas, entretanto, os dados demonstram que a utilização dessas fontes terapêuticas se encontra difundida e consolidada entre os moradores.

 

 

CONCLUSÃO

 

 Os resultados mostram as folhas como a porção mais utilizada das ervas medicinais em preparos de chá, lambedor e banho, que representam os três principais preparos caseiros entre a população. Já entre os especialistas o chá, o lambedor e o emplastro foram os modos mais relevantes. Sete plantas: hortelã da folha miúda (Mentha sp.), cidreira (L. alba), capim santo (C. citratus), colônia (A. zerumbet), hortelã da folha grossa (P. amboinicus), aroeira (S. terebinthifolia) e cansanção branca (C. urens), foram as mais citadas, onde as espécies C. urens, L. alba e S. terebinthifolia são nativas, indicando uma maior difusão de plantas exóticas no preparo de remédios caseiros.

 Os remédios caseiros, assim como as plantas medicinais utilizadas em sua composição são fundamentais na manutenção da saúde das/os moradoras/es do povoado de Lages, sendo esses preparos difundidos e resguardados dentro da comunidade.

 Nossos dados podem dar suporte para implementação de práticas complementares em saúde a respeito da indicação, prescrição e distribuição de plantas medicinais e seus preparos caseiros em Unidades Básicas de Saúde do município de Porto de Pedras – AL, levando em consideração o conhecimento local, representando, assim, uma grande ferramenta na manutenção da saúde da população. Onde, além de garantir uma segurança aos usuários, também servirá como uma nova fonte de renda, uma vez que os especialistas locais, juntos com profissionais de sáude, poderão atuar como consultores e indicadores das plantas que detenham uma maior relevância entre a população, garantindo aos usuários melhoria na qualidade de vida.

 

 

AGRADECIMENTOS

 Agradecemos a população e especialistas em plantas medicinais do povoado de Lages pela confiança em compartilhar parte de seu conhecimento a respeito desses medicamentos caseiros que em muitas vezes transcenderam o tempo, passando de geração a geração e garantindo a saúde de seus usuários. Dedicamos este trabalho às especialistas e moradoras do povoado de Lages que partiram antes da publicação deste trabalho, mas que sempre serão lembradas a cada linha do mesmo.

 

 

REFERÊNCIAS

 

Albergaria, E. T.; Silva, M. V.; Silva, A. G. Levantamento etnobotânico de plantas medicinais em comunidades rurais localizadas na Unidade de Conservação Tatu-Bola, município de Lagoa Grande, PE – Brasil. Revista Fitos, Rio de Janeiro, 13(2):137-154, 2019.

 

Andrade, N. D.; Almeida, B. M.; Sousa, R. M. S.; Araújo, M. S. Uso das plantas medicinais para fins terapêuticos por estudantes do Ensino Médio. Research, Society and Development, [s. l.], 10(4):59510414484. DOI: https://doi.org/10.33448/rsd-v10i4.14484. 2021.

 

Araújo, C. R. F.; Mariz, S. R.; Coutinho, M. S.; Costa, E. P.; Oliveira, J. O. D.; Do Bú, E. A. Tradição popular do uso de plantas medicinais: ação extensionista sobre crenças, uso, manejo e formas de preparo. Revista Saúde & Ciência online, [s. l.], 4(3): 55-69, 2015.

 

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Revista Ouricuri, Juazeiro, Bahia, v.14, n.2. 2024, p.03 - 19. Jul./dez., Publicação contínua http://www.revistas.uneb.br/index.php/ouricuri | ISSN 2317-0131