DESTERRAR: RIQUEZAS MINERAIS E A ILUSÃO QUE FERE DE MORTE A SOCIOECOBIODIVERSIDADE DAS SERRAS DO SERTÃO DA BAHIA

 

Robson Marques dos Santos1*, Juracy Marques dos Santos2, José Radamés Benevides Melo3.

 

1 Doutor em Ecologia Humana e Gestão Socioambiental (PPGEcoH/UNEB). Mestre em Ecologia Humana e Gestão Socioambiental (PPGEcoH/UNEB). Licenciatura em Educação Física pela Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF).

2 Doutor em Cultura e Sociedade pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Doutor em Ecologia Humana na Universidade Nova de Lisboa (UNL-Portugal). Professor Titular da Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Professor permanente do Programa de Pós-Graduação em Ecologia Humana e Gestão Socioambiental (PPGECOH/UNEB).

3 Doutor em Linguística e Língua Portuguesa pela UNESP de Araraquara. Especialista em Estudos Comparados em Literaturas de Língua Portuguesa pela UESC. Graduado em Letras, Língua Portuguesa, Língua Inglesa e suas respectivas literaturas (UESC). Professor de Língua Portuguesa do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Baiano (Campus Governador Mangabeira).

*Autor para correspondência E-mail: robson.marques699@gmail.com

 

Recebido: 27.01. 2024      Aceito: 13.06. 2024

 

 

RESUMO: As riquezas minerais e a diversidade social, ecológica e ambiental sertaneja são retratadas neste artigo cujo principal objetivo foi analisar as cadeias textual-discursivas do livro Amputações das Montanhas do Sertão: Ecocídio e Mineração na Bahia, uma publicação do ano de 2021 do coletivo de autores do Movimento Salve as Serras, e descrever as construções ideológicas determinantes para a salvaguarda ou destruição da socioecobiodiversidade da cadeia montanhosa e subsolo das serras da porção norte do sertão da Bahia. O estudo assumiu a abordagem teórico-metodológica do plurilinguismo dialogizado do Círculo de Bakthin, Volochínov e Medvedev e adotou suas categorias analíticas como ferramentas para examinar as construções ideológicas do Movimento Salve as Serras nos contextos sociais, políticos, econômicos, ecológicos, ambientais e acadêmicos nas serras sertanejas da Bahia. Os resultados das análises revelaram que as atividades dos setores minerários e garimpeiros, com a conivência e cumplicidade do Estado baiano, destroem as montanhas, contaminam corpos hídricos e solos, alteram o subsolo, promovem injustiça social e econômica, geram conflitos socioambientais nos territórios e comunidades tradicionais serranos da porção norte do sertão da Bahia e que as mobilizações do Movimento Salve Serras relatam e denunciam crimes de etno e ecocídio, sendo estas mobilizações fundamentais para a salvaguarda da socioecobiodiversidade dessa cadeia montanhosa na Bahia, que é parte da Cordilheira do Espinhaço, no semiárido brasileiro.

 

Palavras-chave: conflitos socioambientais; ecocídio; mineração e garimpo na Bahia; vozes sociais; serras do sertão da Bahia.

 

­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­

 

REMOVE SOIL: MINERAL RICHES AND THE ILLUSION THAT DEATH WOUNDS THE SOCIOECOBIODIVERSITY OF THE SERTÃO MOUNTAINS OF BAHIA

 

 

ABSTRACT: The mineral riches and social, ecological and environmental diversity of the Sertão region are portrayed in this article, the main objective of which was to analyze the textual-discursive chains of the book "Amputations of the Sertão Mountains: Ecocide and Mining in Bahia", a 2021 publication by the collective of authors of the Save the Hills Movement, and describe the determining ideological constructions for safeguarding or destroying the socioecobiodiversity of the mountain ouschain and subsoil of the northern hills of the Sertão in Bahia. The study assumed the theoretical-methodological approach of dialogized plurilingualism from the of the Circle of Bakthin, Volochínov and Medvedev and adopted its analytical categories as tools to examine the ideological constructions of the Save the Hills Movement in the social, political, economic, ecological, environmental and academic contexts in the Sertão hills of Bahia. The results of the analyses revealed that the activities of mining and prospecting sectors, with the complicity and collusion of the Bahia state, destroy mountains, contaminate water bodies and soil, alter the subsoil, promote social and economic injustice, and generate socio-environmental conflicts in the mountainous territories and traditional communities of the northern hills of the Sertão in Bahia, and that the mobilizations of the Save the Hills Movement denounce crimes of ethno- and ecocide, these mobilizations being essential for the safe guarding of the socioecobiodiversity of this mountainous chain in Bahia, which is part of the Espinhaço mountain range in the Brazilian semi-arid region.  

 

Keywords: socio-environmental conflicts; ecocide; mining and prospecting in Bahia; social voices; sertão hills in Bahia.

 

­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­

 

DESTERRAR: RIQUEZAS MINERALES Y LA ILUSIÓN QUE HIERE DE MUERTE A LA SOCIOECOBIODIVERSIDAD DE LAS SIERRAS DEL SERTÃO DE BAHÍA

 

RESUMEN: Las riquezas minerales y la diversidad social, ecológica y medioambiental del Sertão quedan retratadas en este artículo cuyo principal objetivo era analizar las cadenas textuales-discursivas del libro "Amputações das Montanhas do Sertão: Ecocídio e Mineração na Bahia", una publicación de 2021 del colectivo de autores del Movimiento Salvemos las Sierras, y describir las construcciones ideológicas que determinan la salvaguarda o destrucción de la socioecobiodiversidad de la cadena montañosa y subsuelo de la porción norte del Sertão en Bahía. El estudio adopta el enfoque teórico-metodológico del plurilingüismo dialogizado del Círculo de Bakhtin, Volochínov y Medvedev y emplea sus categorías analíticas como herramientas para examinar las construcciones ideológicas del "Movimento Salve as Serras" en los contextos social, político, económico, ecológico, ambiental y académico de las serranías en el Sertão de Bahía. Los resultados del análisis revelan que las actividades mineras y de garimpeiros, con la complicidad del estado de Bahía, destruyen montañas, contaminan cuerpos de agua y suelos, alteran el subsuelo, promueven la injusticia social y económica, y generan conflictos socioambientales en los territórios y comunidades tradicionales serranos de la porción norte del Sertão de Bahía, y que las movilizaciones del "Movimento Salve Serras" denuncian crímenes de etno y ecocidio, y esas movilizciones desempeñando un papel crucial en la salvaguarda de la socioecobiodiversidad de esta cadena montañosa de Bahía, que forma parte de la sierra de Espinhaço, en la región semiárida brasileña.

 

Palabras clave: conflictos socioambientales; ecocidio; minería y garimpo en Bahía; voces sociales; serranías del Sertão en Bahía.

 

 

INTRODUÇÃO

 

Foi preciso escavar as vozes sociais das cadeias textual-discursivas do enunciado concreto Amputações das Montanhas do Sertão: Ecocídio e Mineração na Bahia, que é o segundo relatório de denúncias do Movimento Salve as Serras, com 475 páginas, publicado no ano de 2021, que conta com a contribuição de 21 autores de 12 artigos/capítulos e que foi organizado por Juracy Marques, Lucas Zenha Antonino e Pablo Montalvão para desenterrar as construções ideológicas do coletivo acerca dos conflitos socioambientais envolvendo o elemento terra nas serras da porção norte do sertão da Bahia.

Ao acessar os discursos presentes no livro garimpamos e identificamos os graves problemas instaurados pelas ações e atividades do setor minerário, que são, entre outros, a destruição das montanhas, a contaminação dos corpos hídricos e a alteração dos solos e subsolos, com a conivência do Estado, desequilíbrio da socioecobiodiversidade[1] das serras da porção norte do sertão da Bahia e desencadeamento de conflitos socioambientais nesses ambientes.

Por meio da abordagem teórico-metodológica do plurilinguismo dialogizado do Círculo de Bakthin e suas categorias analíticas lapidarmos os valores e sentidos descritos nos contextos sociais, políticos, econômicos, ecológicos, ambientais e acadêmicos, constituintes dos textos, e os organizamos neste artigo que intitulamos DESTERRAR: Riquezas Minerais e a Ilusão que Fere de Morte a Socioecobiodiversidade das Serras do Sertão da Bahia.

Intuímos, hipoteticamente, que, da forma como está sendo desenvolvida, a mineração e o garimpo são um péssimo negócio para a Bahia porque suas ações e atividades instauram injustiça social e econômica, geram destruição das montanhas, matam nascentes, contaminam rios e solos, dizimam espécies vegetais e animais e alteram os modos de viver de camponeses de comunidade tradicionais e populações ao seu entorno, com a conivência do poder público estatal e resistência de movimentos sociais e acadêmicos como o Salve as Serras que denunciam crimes de etno e ecocídio.

Para estruturar as perguntas da pesquisa questionamos, então, por que o setor extrativista mineral tem que destruir montanhas, matar nascentes e gentes, contaminar rios e solos, dizimar espécies vegetais, da fauna e alterar os modos de viver de camponeses de comunidade tradicionais nos ambientes serranos da porção norte do sertão da Bahia?

Perguntamos ainda qual o ônus e o bônus para as localidades, o Estado e a União com a exploração mineral nas serras da porção norte do sertão da Bahia? E o que fazem o Estado e o Movimento Salve as Serras para contribuir e/ou evitar a destruição da socioecobiodiversidade das serras da porção norte do sertão baiano?

Partindo dessas indagações determinamos, enquanto principal objetivo deste artigo, analisar as cadeias textual-discursivas do livro Amputações das Montanhas do Sertão: Ecocídio e Mineração na Bahia e descrever as construções ideológicas determinantes para a salvaguarda ou destruição da socioecobiodiversidade da cadeia montanhosa e subsolo das serras da porção norte do sertão da Bahia.

Portanto, DESTERRAR: Riquezas Minerais e a Ilusão que Fere de Morte a Socioecobiodiversidade das Serras do Sertão da Bahia, constitui-se na necessária descrição das ações dos empreendimentos minerários nas serras da porção norte do sertão da Bahia e suas consequências para esses ambientes.

 

 

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

 

Os organizadores do enunciado concreto Amputações das Montanhas do Sertão: Ecocídio e Mineração na Bahia escrevem que a ideia foi denunciar que quando ocorre a destruição das montanhas pelas mineradoras não existe volta, elas foram exauridas totalmente e para sempre e que as Compensações Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM), podem servir como próteses que expõem a forma como decidimos fundar os alicerces das nossas civilizações (Marques; Antonino; Montalvão, 2021).

Com o objetivo de evidenciar os conflitos territoriais na Bahia envolvendo o setor mineral em diferentes temporalidades (passado, presente e futuro) Antonino e Germani (2021) nos dizem que em todos os períodos da formação do território brasileiro, o uso intensivo dos bens naturais foi e continua sendo feito de forma predatória e sempre esteve aliado ao uso de violência para submeter as populações, sobretudo os povos originários e as comunidades tradicionais. Revelam-nos também que no desenvolvimento e na implantação de territórios extrativo-minerais na Bahia são observadas ações disciplinares rigorosas e austeridade generalizada em busca desses recursos.

Antonino e Germani (2021) consideram ainda que, mesmo as pesquisas e prospecções minerais já causam conflitos em vários territórios, dizendo que pelos resultados passados e do presente o prognóstico futuro não é animador e que pela formação territorial brasileira consolidada como uma plataforma territorial econômica de alta valorização de capitais mercantis, a partir da extração predatória e voraz, o estado brasileiro e baiano são máquinas de exclusão e depredação cultural, ambiental, de pessoas e espaços (serras, montanhas, rios, florestas, mares, mangues) que são amputados o tempo inteiro por esse chamado progresso que nos vendem a todo instante e no qual, à medida que o tempo passa, amplia-se a desigualdade social.

Silva e Marques (2021) descrevem que dentro do processo de licenciamento no Brasil foi criado um princípio chamado de poluidor pagador, status que promove aos empresários uma certa sensação de que, por pagarem a Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM), que não é um imposto, mas uma forma de reparação, eles podem poluir, podem acabar com os corpos hídricos, podem desmatar e comprometer vidas. Portanto, o que parecia ser uma iniciativa para inibição dessas ações, acabou servindo como um grande estímulo.

Referindo-se a mineração em Jacobina/BA, Fernandes, Mendes e Marques (2021) assentem que existe uma série de problemas não resolvidos e que o passivo ambiental dela é enorme. Citam a mina a céu aberto de João Belo, que causou uma ferida enorme na paisagem serrana, que já deveria ter sido recuperada, visto a provável obrigatoriedade imposta pelo plano de recuperação de área degradada, que está há mais de dez anos no INEMA, mas não sai de lá e o porquê não se sabe.

Os autores revelam também que existe uma barragem antiga Jacobina Mineração e Comercio (JMC), precursora da Yamana Gold e atual Gold Field, que foi construída antes de se criar a legislação ambiental no Brasil e não tem impermeabilização no fundo, o que gera uma alta concentração de metais pesados como o cianeto, o ferro, o níquel que se infiltram no subsolo e que, entre 1997 e 1998, essa barragem foi oferecida de presente para a cidade, numa época em que o ouro estava com seu preço muito baixo e a JMC fechou e ofereceu ao prefeito que usasse aquela barragem para receber o lixo de Jacobina, mas a mobilização social, à época, foi muito atuante e essa proposição, que passou por uma audiência pública, foi rechaçada pela população (Fernandes; Mendes; Marques, 2021).

Marques et al. (2021) descrevem que oficialmente a Mineração Caraíba Metais foi criada em 1969 por Francisco Matarazzo Pignatari e entregue ao Governo Federal em 1974, assumida pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE) que financiou a implantação da unidade de metalurgia em Camaçari/BA e de uma mina de cobre a céu aberto e outra subterrânea em Pilar, Jaguarari/BA, mas só em 1979 teve início a exploração a céu aberto com a produção de concentrado de cobre, considerado um dos metais industriais mais importantes do mundo.

Discorrem também que mesmo sendo responsável pela terceira maior exploração de cobre do Brasil (12,1%), ficando atrás da Mineradora Vale (56,9%) e Mineração Maracá S/A(28,5%), a Mineração Caraíba, atual Ero Brasil, encontra-se no Inquérito Civil nº 127.0.102096/2009, instaurado pela Promotoria Regional de Meio Ambiente do Ministério Público da Bahia, em situação de ilegalidade e um passivo em Termos de Ajustamento de Conduta ou de Termo de Compromisso Ambiental de, pelo menos, R$ 200.000.000,00(duzentos milhões de reais) (Marques et al., 2021).

Marques et al. (2021) descrevem que a Mineração Caraíba (Ero Brasil) possui a maior bacia de rejeitos da América Latina, composta por resíduos de cobre, numa área de 653 ha com volume de 23 milhões de metros cúbicos, instalada sobre uma rede de drenagem superficiária constituída por três riachos (Santa Fé, Sulapa e da Vaca) que formam o Rio Curaçá, que cai no Açude de Pinhões e deságuam no Rio São Francisco.

Revelam também que no ano de 2007 a Federação de Associações e Entidades para o Desenvolvimento do Semiárido (FAESA) e a Empresa de Participação Comunitária (EPTC) formalizaram, junto a Secretaria de Meio Ambiente do Estado da Bahia e ao Ministério Público, uma denúncia de crime ambiental em decorrência do vazamento de substâncias químicas (ácido sulfúrico) que atingiu o Riacho Sulapa, ocasionando a morte acentuada de peixes, mas que também constam no Inquérito Civil nº 127.0.102096/2009 o registro de pelo menos 4 acidentes provocados pelo empreendimento entre os anos de 2003 e 2009 e a existência de 111 processos envolvendo a Mineração Caraíba (Marques et al.,2021).

Lopes e Souza (2021) discorrem que os impactos no meio ambiente e nas comunidades de fundo de pastos no entorno das mineradoras são registrados com o aumento do passivo ambiental pelas atividades minerárias, problema de saúde e bem estar da população, presença permanente de conflitos envolvendo disputa pelo uso e ocupação do solo, grilagem de terras, poluição sonora, depósito ou abandono de resíduos e rejeitos de minerais em locais impróprios e degradação e alteração da paisagem natural.

Relatam que identificaram elementos que atuam como destrutivos para o meio ambiente e que colocam em risco a produção comunitária de milhares de famílias, concordando que a mineração não representa um projeto de vida, mas sim de morte, para todos os envolvidos e que enquanto as empresas minerárias estabelecem um cálculo meramente econômico para os impactos por elas produzidos, as comunidades camponesas consideram valores culturais, simbólicos, religiosos e históricos que não podem ser mensurados pela escala monetária, o que caracteriza agressão aos direitos humanos dessas comunidades (Lopes; Souza, 2021).

Santos e Santos (2021) informam que o município de Andorinha reserva um dos maiores depósitos de cromita[2] do estado e que essa riqueza enaltece os interesses pelos subsolos das comunidades, o que gera mais desigualdades e conflitos e destacam Medrado, Ipueira dos Negros e Monte Alegre como as principais comunidades impactadas dentro do município de Andorinha.

Ratificam, ainda, que todo o relatório Amputações das Montanhas do Sertão: Ecocídio e Mineração na Bahia firma-se como denúncia e instrumento científico de luta pelos territórios, fruto também da ousadia de jovens do campo, indignados com a realidade que reúne árduas vivências dos povos do campo dentro dos suas próprias comunidades.

Agregaram também à sua escrita a história de povos que cansaram de ser depenados pelos interesses das grandes empresas mineradoras que destroem a Caatinga, seus modos de vida e, consequentemente, de suas identidades e enfatizam que são contrários às políticas minerais que são inseridas em suas comunidades, deixando como herança a degradação com áreas devastadas sem fauna nem flora em nome do tal desenvolvimento invisível que tanto explora e amputa sonhos (Santos; Santos, 2021).

Silva e Montalvão (2021) informam que o sertão da Bahia concentra 70% da produção mineral do Estado e que a lógica dos empreendimentos valoriza exclusivamente o lucro pela exploração, inferindo que o modus operandi dessas empresas firmam alianças com os poderes públicos em nível Federal, Estadual e Municipal, com pouca transparência, com violação do direito a consulta prévia livre e informada às populações locais, promovendo invisibilização e intimidação a moradores, manipulando opiniões, usurpando bens coletivos, saqueando a natureza, destruindo as autonomias comunitárias, ocasionando dependência econômica, social e política, além de promover deslocamentos compulsórios.

Revelam ainda que em Nordestina/BA a empresa Lipari Mineração LTDA exerce atividade de extração de diamantes em territórios de Comunidades Quilombolas e que, por viverem do que produzem na terra, esses camponeses protagonizam, quase que diariamente, lutas e resistência, ocupando trincheiras, na batalha para assegurar seus direitos e manutenção dos seus modos de viver tradicionais (Silva; Montalvão, 2021).

Já Lima e Braga (2021) ressaltam que Sento Sé é um território indígena comprovado pelas pinturas rupestres com mais de três mil sítios arqueológicos já catalogados e que ainda na atualidade é possível perceber remanescente das etnias Truká, Kaimbé, Tupiná, Tomaquim, Atikum, Amoipirá, Acoroá, Criquirim, Tuxá e Guegoá realizando rituais junto aos boqueirões e grotas das serras, onde seus ancestrais registraram painéis de pinturas e gravuras rupestres.

Retratam que os moradores de Sento Sé vivem um atravessamento de grandes projetos como a instalação do Parque Nacional e da Área de Proteção Ambiental – PARMA e APA Boqueirão da Onça, a instalação de torres eólicas e a exploração dos recursos minerais por garimpeiros e por grandes empresas do setor da mineração. Também que a presença de pesquisadores e empresas de georreferenciamento tem sido constante e que cada vez mais percebe-se autorizações e licenças tanto para estudo quanto para exploração e instalações de empreendimentos multinacionais, tendo como mais recente o Projeto Tombador da empresa Iron Mineração, que já iniciou o processo de demolição da Serra da Bicuda, considerada como patrimônio pelos moradores dos povoados de Aldeia, Pascoal, Limoeiro, Tombador, Retiro de Baixo, Retiro de Cima, Itapera, Andorinhas, Cajuí, Volta da Serra e Ponta D’Água (Lima; Braga, 2021).

E ainda denunciam que a licença para instalação do Projeto Tombador pela Iron foi concedida em 20 de agosto de 2020, mas que não aconteceu a consulta prévia, livre e informada às comunidades, como preconiza a convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho[3], sem apresentar os estudos de impactos ambientais nem relatórios de impacto ao meio ambiente e em maio de 2021 o INEMA liberou a licença de operação (Lima; Braga, 2021).

Amaral (2021) mostra-se incisiva ao dizer que estão destruindo o patrimônio arqueológico de Sento Sé antes que seja conhecido e que isso acontece desde antes, quando a Companhia Hidroelétrica do São Francisco (CHESF) retirou vasta quantidade de materiais arqueológicos e foram levados sem que o sentoseense saiba para onde, pois não há registros no município do paradeiro dos achados arqueológicos que a CHESF tirou e as empresas eólicas e mineradoras estão fazendo a mesma coisa.

Revela-nos também Amaral (2021) que a atividade de garimpo na região de Sento Sé nasce da miscigenação entre índios e brancos bandeirantes que buscavam principalmente diamante e ouro naquelas terras, enfatizando que a prática garimpeira tem uma variante que precisa ser considerada e observada, que é a sazonalidade: em uma parte do tempo os garimpeiros são agricultores, mas questiona a condição de ilegalidade do Garimpo da Quixaba que, mesmo com muito esforço a cooperativa não consegue registro e não consegue a permissão de lavra

Amaral (2021) é incisiva ao denunciar que as nascentes estão pedindo socorro, principalmente aquelas que estão nos 167 boqueirões, feições arqueológicas com 195 nascentes identificadas em cima das serras, sem contar as de planícies como as nascentes termais de Brejo da Brasa e Limoeiro com algumas precisando urgentemente de recuperação, como é o caso das que fazem parte da microbacia do Corrente, no Brejo de Dentro, onde ou já morreram ou estão agonizando.

Auto descrevendo-se como viveirista, combatente de incêndio, condutor local, apaixonado pela natureza, filho de garimpeiros e que nasceu no povoado de Marota, próximo ao distrito de Carnaíba em Pindobaçu/BA, Amorim (2021) diz que desde a década de 1972 as esmeraldas de Pindobaçu/BA são faladas na mídia e que nas últimas aparições, inclusive pelo canal Globo, falou-se muito bem das esmeraldas, em especial sobre a que é considera a maior do mundo, que foi retirado do subsolo de Pindobaçu, e que encontra-se nos Estados Unidos.

Amorim (2021) revela que há uma vida diferenciada em levar em conta os quinjilas, que são mulheres, homens, crianças e idosos que não têm o serviço ou corte dentro do garimpo, que são pessoas que sobrevivem das migalhas que saem dos buracos. Diz que, quando se pensa em riquezas pelo garimpo, poucas pessoas têm condições de chegar a esse sonho tão esperado, pois esteve trabalhando no garimpo entre 2000 e 2004 e sempre tinham, pelo menos, mais de 400pessoas trabalhando no subsolo de uma forma insegura.

Para Amorim (2021) a realidade dos garimpos de Carnaíba, em Pindobaçu/BA e de outros lugares é a de que nem todos se dão bem. Tem as questões de doenças como a silicose e os desabamentos que matam muitas pessoas apesar de existirem Cooperativas e relata o episódio em que cinco pais de famílias perderam a vida em uma mina em Carnaíba quando eles desciam o buraco e o cabo de aço da gaiola em que estavam se rompeu e eles morreram. Diz que ele mesmo passou por uma situação muito tensa com risco de morte quando do cabo de aço de sustentação da gaiola em que estava, de 90 metros, que tem cinco pernas, quebram-se duas, mas as outras três o permitiram chegar a superfície.

O professor Dr. Ícaro Maia, na live de lançamento do livro, que se deu de forma remota pela condição pandêmica, revela que o secamento de poços artesianos, de cachoeiras e de nascentes está associado também às minerações e que existe uma concentração delas nas regiões das serras da porção norte do sertão da Bahia citando alguns exemplos como a extração de cobre, quartzo e feldespato em Jaguarari, de cromita em Campo Formoso, de manganês e ouro em Jacobina. Discorre também que existem amputações nas áreas entre as serras, geomorfologicamente chamadas de áreas intermontanas, como em Ourolândia, com a extração de mármore nas margens do rio Salitre que alimenta o Rio São Francisco e um pouco mais ao norte, que tem mais de 30 minas extraindo mármore próximo às nascentes do rio Salitre (SAS, 2021).

Revela ainda que existe uma densa concentração de áreas requeridas para extração de minérios também nas serras da Itiúba, nas serras de Sento Sé, em Varzinha, que fica no município de Jaguarari, em Jacobina, em Nordestina, ou seja, todo um panorama anunciador de possíveis explorações de áreas que se sobrepõem a comunidades tradicionais, nascentes, riachos, rios e cachoeiras nessas áreas montanhosas e entre serras da porção norte do sertão da Bahia (Sas, 2021).

Para o Círculo de Bakhtin, Volochinov e Medvedev as vozes sociais são as representatividades de diferentes perspectivas, ideologias e discursos presentes em uma sociedade, mas especificamente nos conflitos socioambientais e resolubilidade destes (grifo nosso), influenciando a forma como as pessoas se expressam e se relacionam (Bakhtin, 2016). 10

No enunciado concreto Amputações das Montanhas: Ecocídio e Mineração na Bahia essas vozes sociais são as dos discursos dos camponeses de Fundo e Fecho de Pasto, de Quilombolas, de Indígenas, de Povos de Terreiro, de Agricultores, de Acadêmicos, de Associações e de Movimentos Sociais que vêem seus modo de viver e seus territórios sendo detonados, esburacados e soterrados, mas que lutam e resistem. São as vozes sociais pela salvaguarda da socioecobiodiversidade do sertão baiano.

Do outro lado estão as vozes que se entrelaçam e se entrecruzam para, em nome de um pseudo desenvolvimento a partir da exploração exaustiva dos bens naturais e usurpação da natureza, com a narrativa de gerar empregos, riquezas e modernidades localmente reforçam a condição brasileira de colônia, insistindo que o nosso sertão é infértil, de pobres e de miseráveis, o que não condiz, pois nessa região estão as maiores mineradores de diamante, ouro, esmeralda, cobre e ferro da América Latina, além do rico cenário paisagístico com inumeráveis nascentes, cachoeiras que alimentam rios e abastecem milhões de nordestinos brasileiros. Portanto, são pessoas e regiões expropriadas ao longo de séculos.

As vozes dos empreendedores das minerações e dos garimpos das serras do sertão da Bahia são as vozes dos políticos descomprometidos com o povo e que elaboram leis e instruções para amputar as montanhas e destruir a socioecobiodiversidade sertaneja, matando nascentes, riachos, rios e o povo.

 

 

METODOLOGIA

 

Para analisar o corpus[4] deste artigo valemo-nos da Análise do Discurso pela perspectiva das contribuições teórico-metodológicas do Círculo de Bakthin cujo pensamento, nos diz Brait (2012), incide sobre o discurso, a linguagem em uso, e não somente sobre a língua, para o qual discurso, enquanto objeto complexo e multifacetado, é substituído por relações dialógicas, inclusive as relações dialógicas do falante com sua própria língua, ponderando que as relações dialógicas são o objeto da Metalinguística[5].

Mikhail Mikhailovich Bakhtin nasceu em Oriol (Rússia) no ano 1895, estudou na Universidade de Odessa, depois na de São Petersburgo e foi diplomado em História e Filologia, em 1918. Instalou-se, em 1920, em Vitebsk, onde ocupou diversos cargos de ensino e que pertencia a um pequeno círculo de intelectuais (O Círculo de Bakhtin) do qual faziam parte também um jovem professor do Conservatório de Música de Vitebsk, Valentin. N. Voloshínov, e ainda Pável N. Medviédev, empregado de uma casa editora. Estes tornaram-se, além de alunos de Bakhtin, seus amigos devotados e ardorosos admiradores (Volochínov, 2006).

Portanto, o Círculo de Bakhtin formulou um tanto de idéias inovadoras, numa época de muita criatividade, particularmente nos domínios da arte e das ciências humanas. Em 1923, atacado de osteomielite, Bakhtin retornou a Petrogrado sendo seguido por seus discípulos Volochínov e Medviédev, animados pelo desejo de vir ajudar financeiramente a seu mestre e, ao mesmo tempo, divulgar suas idéias, oferecendo seus nomes a fim de tornar possível a publicação de suas primeiras obras (Volochínov, 2006).

Compreende-se que para Bakhtin, Voloshinov e Medvedev o Círculo foi uma plataforma intelectual e um espaço de discussão onde eles puderam desenvolver suas ideias e teorias sobre linguagem, literatura e cultura e que os permitiu explorar conceitos como dialogismo, polifonia, enunciado concreto e contexto social, entre outros. Infere-se também que no Círculo de Bakhtin eles puderam desafiar as abordagens tradicionais da linguagem e da literatura, desenvolvendo uma nova perspectiva na construção do significado pela importância do diálogo e da interação social.

Fundamentado na ideia de que a linguagem é essencialmente social e que o significado de uma palavra ou texto é moldado pela interação entre falantes e ouvintes, Bakhtin argumenta que a linguagem não é um sistema fechado de regras, mas sim um processo dinâmico de comunicação que ocorre em contextos específicos. Para ele, uma das principais referências da teoria do dialogismo é o conceito de enunciado, definido como uma unidade de comunicação que ocorre em um contexto específico. Assim, todo enunciado é considerado por ele como uma resposta a um enunciado anterior e uma antecipação de uma resposta futura (Bakhtin, 2016).

O dialogismo, a polifonia, as vozes sociais e o enunciado concreto foram algumas das categorias dialógicas do Círculo de Bakhtin abordadas enquanto conceitos fundamentais para descrever a natureza do diálogo e da interação social na construção dos significados das cadeias textual-descritivas do livro Amputações das Montanhas: Ecocídio e Mineração na Bahia. Também as forças reais e sócio-históricas (centrípetas e centrífugas), polêmica (aberta e velada), negação, contradição, heterodiscurso e estética foram recrutadas para as análises das cadeias textual-discursivas dessa escrita do Movimento Salve as Serras.

Entendemos que as vozes sociais constituintes dos discursos Amputações das Montanhas: Ecocídio e Mineração na Bahia podem ser categorizadas, conforme preconiza o Círculo de Bakhtin, sob os conceitos de forças centrípetas e forças centrífugas para descrever as estruturas superficiais e os movimentos de atração e repulsão presentes na interação entre os indivíduos e as estruturas sociais (BAKHTIN, 1997).

Melo (2017) nos diz que as forças centrípetas se referem às tendências que aproximam os indivíduos, promovendo a unidade e têm o poder de unificar as pessoas em torno de um conjunto de ideias, crenças ou princípios comuns, mas, em oposição, as forças centrífugas são as representadas por elementos com uma diversidade de opiniões, diferenças culturais e que se afastam do consenso social.

Portanto, a prática de examinar, de compreender e de interpretar o contexto social, histórico, econômico, político, ambiental, ecológico e acadêmico das inter-relações que ocorreram (ocorrem) nas serras da porção norte do sertão da Bahia, por meio das construções ideológicas materializadas no enunciado concreto Amputações das Montanhas do Sertão: Ecocídio e Mineração na Bahia, deu-se pela Análise do Discurso, valendo-se das categorias analíticas da abordagem teórico-metodológica do Círculo de Bakhtin, Volochinov e Medvedev.

 

 

RESULTADOS E DISCUSSÕES

 

Os motivos que levam o setor extrativista mineral a destruir montanhas, matar nascentes, contaminar rios e solos, dizimar espécies vegetais, da fauna, inclusive seres humanos e alterar os modos de viver de camponeses de comunidade tradicionais nos ambientes serranos da porção norte do sertão da Bahia podem estar associados a insensatez, a arrogância e a ganância humana, que alimentam ilusões de uma espécie que se sente superior as demais, que se sente dona e não parte da natureza e que valoriza coisas, metais, riquezas ao invés do ser e da vida.

Fernandes, Mendes e Marques (2021) relatam-nos que a Comunidade de Canavieira, em Jacobina/BA, era formada por antigos garimpeiros que viviam ali há quase cem anos, mas que hoje só tem um habitante, salvo engano, porque a mineração comprou todas as roças e terras deles por valores, em média, de R$100.000,00 (cem mil reais), no ano de 2014/2015. Esses, que também são agricultores, venderam suas terras e foram para as periferias de Jacobina estraçalhando seus modos de vida. Segundo os autores, já gastaram todo o dinheiro das vendas de suas terras e não têm mais onde produziam seus alimentos e seus filhos não têm perspectivas sequer de onde construir suas casas quando crescerem e/ou casarem.

Na live de lançamento do livro, enquanto mediador, o professor Dr. Juracy Marques destaca que a lógica de que mineração gera riqueza é muito questionável porque apenas 2% de toda riqueza minerária produzida a partir dessas extrações ficam no Brasil, no PIB brasileiro, o que flagra uma colonização minerária e que a Lei Kandir[6] isenta essas grandes empresas de pagar impostos sobre os produtos que elas extraem, não manufaturados. Então, para ele, é uma grande mentira dizer que essas extrações estão gerando riquezas, mas pelo contrário, geram muita pobreza, muitos problemas, muitos passivos restando aos comunitários e à sociedade como um todo arcar com os prejuízos e com os danos socioambientais (Sas, 2021).

Nos processos permissivos de licenciamentos às mineradoras e outros empreendimentos como os de geração de energia eólica e solar a Bahia abriu as porteiras, escancarou portas, deixou todo o seu biodiverso quintal à mercê do Capital e protagozina, pelos discursos do Movimento Salve as Serras, ecocídio e amputações nas serras do sertão da Bahia.

O processo minerário na Bahia e no Brasil revela contradições, quando de um lado gera muita riqueza para os exploradores e destruidores dos solos das serras do sertão deixando o passivo ambiental e as crateras na natureza e nas vidas das pessoas sertanejas. Legitimado como está pela Lei Kandir, as atividades de exploração minerária, velada e abertamente, instauram polêmica nesses múltiplos discursos de polifônicos sentidos.

E é muito importante ressaltar o papel do poder público enquanto conivente com a usurpação das riquezas do povo baiano e brasileiro quando, segundo Marques, Antonino e Montalvão (2021), a Companhia Baiana de Pesquisa Mineral (CBPM) afirma que a fertilidade do Semiárido só está em seu subsolo, propagando um perverso discurso que projeta imagens deturpadoras do semiárido, tratando-nos como se fosse um grande vazio demográfico, com pouca riqueza e beleza ambiental e que nele, nada do que se investir, além de mineração, irá prosperar.

Os organizadores de Amputações das Montanhas do Sertão: Ecocídio e Mineração na Bahia vão de encontro a essa narrativa ratificando que, apesar do cenário de exploração minerária nas serras do sertão da Bahia, considerada um território de miseráveis por esse estado ecocida, a região semiárida é uma das regiões mais ricas em recursos minerais do Brasil e que só o sertão da Bahia concentra 70% da produção mineral do Estado, consagrando-se como o maior produtor nacional de cobre, barita, cromo, quartizito, magnesita, sodalita e urânio (Marques; Antonino; Montalvão, 2021).

Outro exemplo de conivência do poder público com os empreendimentos minerários é revelado por Marques et al. (2021) quando denunciam que, apesar do entendimento do Ministério Público de que o município de Jaguarari não possuía uma equipe técnica adequada concursada para exercer atividade de licenciamento, uma política irresponsável de estímulo à atividade minerária foi adotada e por meio dessa ilegalidade hoje existem cerca de duas dezenas de mineradoras em atividade no território de Jaguarari, quase todas sob questionamento jurídico.

Nestes termos nos dizem Marques, Antonino e Montalvão (2021) que a questão ambiental no mundo é ditada pela política que é controlada pela economia que, em muitos casos, está ancorada num desprezo total pelos limites ecossistêmicos da Terra e intuem que os grandes poderios econômicos fazem laços, em muitos casos, também com o crime organizado e tecem críticas à Lei Kandir promulgada em 1996 pelo Governo de Fernando Henrique Cardoso, ainda vigente, que beneficiou (beneficia) aqueles que fazem exportação de commodities, incluindo os minérios, bens não faturados, com isenção de impostos para exportação de produtos que não passam por beneficiamento industrial. Eles descrevem a Lei Kandir dizendo tratar-se:

 

De uma lei que legitimou a expropriação das riquezas do Brasil, permitindo que empresas explorem, ao máximo, os bens naturais do nosso país, encaminhe o material bruto para paraísos fiscais onde mantêm suas filias que fazem o comércio das riquezas provenientes de países que ainda são tratados como colônias dessas nações ricas do mundo, como consideram o Brasil, a saber, tratado como quintal das fazendas desses países neocolonialistas que vivem de um falso discurso em torno da sustentabilidade planetária (Marques; Antonino; Montalvão, 2021, p. 16 ).

 

Mais exemplos polêmicos e contraditórios observados nas relações dialógicas descritas nas cadeias textual-discursivas do Movimento Salve as Serras são registrados nas narrativas ideológicas de Marques, Antonino e Montalvão (2021) ao discorrem que, mesmo em meio à crise sanitária do Coronavírus, o Brasil contabilizou mais 20 novos milionários e que o setor mineral foi um dos principais epicentros da pandemia e de disseminação da doença porque não parou suas atividades nos momentos mais críticos, respaldados por decretos presidenciais e que são nas searas dessas corporações econômicas que ocorrem mais assassinatos de ativistas ambientais.

Mais que provado fica que a atuação do Estado é de apoio a destruição das serras da porção norte do sertão da Bahia, os modos de viver dos povos e comunidades tradicionais, mas que em contrapartida o Movimento Salve as Serras resiste, revela e denuncia tais destruições e ecocídio nos territórios montanhosos da Bahia e do Brasil.

 

 

CONCLUSÃO

 

É de extrema importância considerar que as análises das cadeias textual-discursivas do livro Amputações das Montanhas do Sertão: Ecocídio e Mineração na Bahia confirmam que as atividades dos setores minerários e garimpeiros destroem as montanhas, contaminam corpos hídricos e solos, alteram o subsolo, promovem injustiça social e econômica, geram conflitos socioambientais e ameaçam a socioecobiodiversidade das serras da porção norte do sertão da Bahia.

Também que é a conivência e a cumplicidade do Estado baiano que atraem o setor extrativista mineral para amputar definitivamente as montanhas, matar nascentes, contaminar rios e solos, dizimar espécies vegetais e da fauna e alterar os modos de viver de camponeses de comunidade tradicionais nos ambientes serranos da porção norte do sertão da Bahia, deixando todo o ônus dos passivos ambientais e danos que jamais serão reparados à sociedade brasileira e aos serranos baianos, caracterizando, também, injustiça social.

Recentemente, uma operação da Polícia Federal nesse território mostrou a atuação do crime organizado, coma atuação de máfias internacionais, o que mobilizou, também, a presença da Interpol, com o mercado minerário que, gradativamente, se enraíza nesta região. Não observamos, senão muito apoio e complacência, do Estado da Bahia e dos Municípios, sobretudo Jaguarari e campo Formoso, com a atuação dessas mineradoras e garimpos nas serras do Sertão Norte da Bahia. Se não fosse essa operação, prevaleceria a ideia de que tudo que está acontecendo nessa região, no que tange a destruição das serras para exploração minerária, estaria sob total legalidade. É evidente, no mínimo, uma planejada omissão que é, na verdade, uma posição a favor do Capital minerário legal e ilegal.

É possível inferir, também, que os relatórios de denúncias do Movimento Salve as Serras, mesmo que enquanto uma gota d’água no oceano ou como um beija-flor apagando um incêndio florestal, são escritas que revelam as injustiças sociais e econômicas, os crimes e as ilegalidades que ocorrem nas serras do sertão do Brasil e da Bahia e que, somados a outras formas de resistências e lutas por um planeta menos aquecido, menos poluído, com menos alterações climáticas, com menos guerras e mais amor, se agigantam pela nobre condição de cuidar das espécies, inclusive da espécie humana.

Portanto, nos variados discursos do livro Amputações das Montanhas: Ecocídio e Mineração na Bahia as vozes sociais evidenciadas revelaram (revelam) contradições, polêmicas e expõem a negação do Estado para as forças sócio-históricas mais fragilizadas e perseguidas pelo Capital perverso que são os Camponeses de Fundo e Fecho de Pasto, de Quilombolas, de Indígenas, de Povos de Terreiro, de Agricultores, de Acadêmicos, de Associações e de Movimentos Sociais.

Em contrapartida, também historicamente, o Estado se alia à força do Capital para, em nome de um desenvolvimento injusto e para poucos, explorar exaustivamente os bens naturais e usurpar a natureza, com a narrativa de gerar empregos, riquezas e modernidades localmente, reforçando a condição brasileira de colônia, insistindo na amputação das serras do semiárido do sertão e matando os sertanejos baianos por meio das atividades de mineração, pois enquanto o mundo inteiro era assolado por uma pandemia, onde o isolamento fez-se obrigatório e ainda assim milhões morreram, contrariamente, as mineradoras e o Estado obrigavam os trabalhadores a se infectar e infectar seus familiares, morrendo para gerar mais riquezas para o Capital.

 

 

REFERÊNCIAS

 

ALVES, Maria Rosa Almeida; MARQUES, Juracy; SANTOS, Vanessa Silva; ROSENDO, Mateus. Quando a terra treme: a agonia das serras. In:MARQUES, Juracy; ANTONINO, Lucas Zenha; MONTALVÃO, Pablo (Orgs.). Amputações das montanhas do sertão: ecocídio e mineração na Bahia. Paulo Afonso, BA: SABEH, 2021. P. 162-181.

 

AMARAL, Mariluze. Garimpos nas serras de Sento Sé: um grito de socorro. In:MARQUES, Juracy; ANTONINO, Lucas Zenha; MONTALVÃO, Pablo (Orgs.). Amputações das montanhas do sertão: ecocídio e mineração na Bahia. Paulo Afonso, BA: SABEH, 2021. p. 412-441.

 

AMORIM, Antônio. Formigueiros humanos: relatos de um filho de garimpeiro. In:MARQUES, Juracy; ANTONINO, Lucas Zenha; MONTALVÃO, Pablo (Orgs.). Amputações das montanhas do sertão: ecocídio e mineração na Bahia. Paulo Afonso, BA: SABEH, 2021. p. 442-465.

 

ANTONINO, Lucas Zenha; GERMANI, Guiomar. A mineração e os conflitos territoriais na Bahia. In:MARQUES, Juracy; ANTONINO, Lucas Zenha; MONTALVÃO, Pablo (Orgs.). Amputações das montanhas do sertão: ecocídio e mineração na Bahia. Paulo Afonso, BA: SABEH, 2021. p. 28-71.

 

BAKHTIN, Mikhail. Problema da poética de Dostoiévski. 2.ed. Trad. Paulo Bezerra. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1997.

 

BAKHTIN, Mikhail. Os gêneros do discurso. Paulo Bezerra (Organização, Tradução, Posfácio e Notas); Notas da edição russa: Seguei Botcharov. São Paulo: Editora 34, 2016. 164p.

 

BRAIT, Beth. Bakthin, outros conceitos-chave. Beth Brait (org.). 2.ed. São Paulo: Contexto, 2012. 263 p.

 

BRASIL. Câmara dos Deputados. Conferência Internacional do Trabalho: Convenção n° 169 da OIT sobre povos indígenas e tribais, Genebra, Suíça, 1989. 2002. Disponível em: <https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decleg/2002/decretolegislativo-143-20-junho-2002-458771-convencaon169-pl.pdf>. Acessado em: 23, jan. 2024.

 

BRASIL. Lei Complementar nº 87, de 13 de setembro de 1996. Dispõe sobre o imposto dos Estados e do Distrito Federal sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, e dá outras providências. (LEI KANDIR). Diário Oficial da União. 16 set. 1996.

 

FERNANDES, Paulo César Dávila; MENDES, Amilton; MARQUES, Juracy. O ouro de Jacobina: uma longa história de degradação socioambiental. In:MARQUES, Juracy; ANTONINO, Lucas Zenha; MONTALVÃO, Pablo (Orgs.). Amputações das montanhas do sertão: ecocídio e mineração na Bahia. Paulo Afonso, BA: SABEH, 2021. p. 84-119.

 

LIMA, Aurilene Rodrigues; BRAGA, Marina da Silva. As três feridas de Sento Sé: territórios, povos originários e tradicionais atravessados por processos de colonização e projetos modernizantes. In:MARQUES, Juracy; ANTONINO, Lucas Zenha; MONTALVÃO, Pablo (Orgs.). Amputações das montanhas do sertão: ecocídio e mineração na Bahia. Paulo Afonso, BA: SABEH, 2021. p. 376- 411.

 

LOPES, Maryângela Ribeiro de Aquino Lira; SOUZA, Valdivino Rodrigues de. Mineração em Uauá e Curaçá: um projeto de vida ou de morte para as comunidades de fundo de pasto?. In:MARQUES, Juracy; ANTONINO, Lucas Zenha; MONTALVÃO, Pablo (Orgs.). Amputações das montanhas do sertão: ecocídio e mineração na Bahia. Paulo Afonso, BA: SABEH, 2021. P. 182-215.

 

MAINGUENEAU, Dominique. Discurso e análise do discurso. Tradução: Sírio Possenti. 1 ed. São Paulo. Parábola Editorial, 2015. 192p.

 

MARQUES, Juracy; ANTONINO, Lucas Zenha; MONTALVÃO, Pablo (Orgs.). Amputações das montanhas do sertão: ecocídio e mineração na Bahia. Paulo Afonso, BA: SABEH, 2021. 475 p.

 

MARQUES, Juracy; ANTONINO, Lucas Zenha; MONTALVÃO, Pablo. Apresentação. In:MARQUES, Juracy; ANTONINO, Lucas Zenha; MONTALVÃO, Pablo (Orgs.). Amputações das montanhas do sertão: ecocídio e mineração na Bahia. Paulo Afonso, BA: SABEH, 2021. p. 12-27.

 

MARQUES, Juracy; BONFIM, Alan; MARQUES, Robson; NOVAES, Joaquim; MAIA, Ícaro. Mineração em Jaguarari: feridas silenciosas que matam. In:MARQUES, Juracy; ANTONINO, Lucas Zenha; MONTALVÃO, Pablo (Orgs.). Amputações das montanhas do sertão: ecocídio e mineração na Bahia. Paulo Afonso, BA: SABEH, 2021. p.120-161.

 

MARQUES, Robson. Cartografia dos Conflitos Socioambientais das Serras da Porção Norte do Sertão da Bahia. 240 f. Tese (Doutorado em Ecologia Humana e Gestão Socioambiental) – Universidade do Estado da Bahia, Juazeiro. 2024.

 

MELO, José Radamés Benevides. Vozes sociais em construção: dialogismo, bivocalidade polêmica e autoria no diálogo entre Diário do hospício, O cemitério dos, de lima Barreto, outros enunciados e outras vozes sociais. 2017. Tese (Doutorado) Programa de Pós-Graduação em Linguística e Língua Portuguesa da Faculdade de Ciências e Letras da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP Araraquara. São Paulo, 2017.

 

SANPAIO, João Alves; ANDRADE, Mônica Calixto de; PAIVA, Paulo Renato Perdigão. CromitaIn: LUZ, Adão Benvindo da; LINS, Fernando Antônio Freitas (Org.). Rochas e Minerais Especiais: usos e especificações. ed. 2ª. Rio de Janeiro-RJ: CETEM/MCT, 2008. p.403 – 425. Disponível em: <file:///C:/Users/Robson%20Marques/Downloads/Rochas%20Min.Ind.2a%20edicao%20(Adao%20e%20F.Lins).pdf>. Acessado em: 23, jan. 2024.

 

SANTOS, Josiane Alves Soares; SANTOS, Josivan da Silva. Pássaros sem asas: extração mineral no município de Andorinha. In:MARQUES, Juracy; ANTONINO, Lucas Zenha; MONTALVÃO, Pablo (Orgs.). Amputações das montanhas do sertão: ecocídio e mineração na Bahia. Paulo Afonso, BA: SABEH, 2021. P. 282-335.

 

SAS. Lançamento do livro Amputações das Montanhas do Sertão: Ecocídio e Mineração na Bahia. 2021. StreamYard. Facebook. Disponível em: <https://www.facebook.com/salveasserras/videos/1465064353860821>. Acesso em: 20 ago. 2021.

 

SILVA, Almacks Luiz; MARQUES, Juracy. CFEM: quanto vale a vida. In:MARQUES, Juracy; ANTONINO, Lucas Zenha; MONTALVÃO, Pablo (Orgs.). Amputações das montanhas do sertão: ecocídio e mineração na Bahia. Paulo Afonso, BA: SABEH, 2021. p. 72-83.

 

SILVA, Maria Aparecida de Jesus; MONTALVÃO, Pablo Henrique da Silva. O conflito agrário-mineral no território das comunidades quilombolas em nordestina, Bahia. In:MARQUES, Juracy; ANTONINO, Lucas Zenha; MONTALVÃO, Pablo(Orgs.). Amputações das montanhas do sertão: ecocídio e mineração na Bahia. Paulo Afonso, BA: SABEH, 2021. p. 336-375.

 

SOUZA, Michelle. De Campo Formoso a Pastos Minerários. In:MARQUES, Juracy; ANTONINO, Lucas Zenha; MONTALVÃO, Pablo (Orgs.). Amputações das montanhas do sertão: ecocídio e mineração na Bahia. Paulo Afonso, BA: SABEH, 2021. P. 216-281

 

Revista Ouricuri, Juazeiro, Bahia, v.14, n.2. 2024, p.03 - 23. Jul./dez., Publicação contínua http://www.revistas.uneb.br/index.php/ouricuri | ISSN 2317-0131


[1] Termo cunhado na escrita introdutória da Tese Cartografia dos Conflitos Socioambientais das Serras da Porção Norte do Sertão da Bahia (MARQUES, 2024) para expressar as inter-relações entre os organismos, os seres e os ambientes pela premissa de que as pessoas, as bactérias, os vírus e outros seres visíveis e invisíveis possam interagir entre si (sócio), manifestando suas pluralidades e diferenças ecológicas (eco) para, naturalmente, mobilizem vidas (bio) e promoverem vinculações nos diversos sistemas, espaços, ambientes e contextos (diversidade) em favor da defesa, da proteção, da preservação e da manutenção do equilíbrio social, econômico, ecológico e biológico das espécies em suas diversidades.

 

[2] Para Sampaio, Andrade e Paiva (2008) a cromita é usada tanto como mineral metálico quanto não-metálico, sendo considerado um dos mais importantes minerais industriais em todo o mundo. Os minérios de cromita são empregados como fonte de cromo para as indústrias metalúrgicas, química, de refratários e, mais recentemente, como areia nos processos de fundição. A indústria metalúrgica desponta como o maior consumidor dos produtos de cromita, comparada às demais.

 

[3] A Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) é um tratado internacional adotado em 07 de junho de 1989 pela Conferência Geral da OIT em Genebra, Suíça, que ocupa-se dos direitos dos povos indígenas e tribais incluindo medidas para garantir que os membros desses povos se beneficiem, em condições de igualdade, dos direitos e oportunidades previstos na legislação nacional para os demais cidadãos, que seja promovida a plena realização dos direitos sociais, econômicos e culturais desses povos, respeitando sua identidade social e cultural, seus costumes e tradições e suas instituições e ajudar os membros desses povos a eliminar quaisquer disparidades socioeconômicas entre membros indígenas e demais membros da comunidade nacional de uma maneira compatível com suas aspirações e estilos de vida (Fonte:https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decleg/2002/decretolegislativo-143-20-junho-2002-458771- convencaon169-pl.pdf).

 

[4] Maingueneau (2015) apresenta o entendimento de que pode existir um discurso para um conjunto de textos, no qual o discurso existe para além dos textos particulares de cada autor, ou um discurso para cada texto. Afirma ainda que a Análise do Discurso não pode estudar textos, a não ser que estes sejam convertidos em corpus, o definindo como sendo constituído por um conjunto mais ou menos vasto de textos ou de trechos de textos ou mesmo por um único texto. Aqui, o corpus considerado é livro Ecocídio das Serras do Sertão.

 

[5] Melo (2017, p. 312, apud Bakhtin, 2010c, p. 207) vai nos dizer que metalinguística é sugerida como sendo “a língua em sua integridade concreta e viva, e não a língua como objeto específico da linguística”, mas como interação verbal que polemiza, que contradiz, que nega, que grita, que silencia, enfim a língua latente (grifo nosso). Brait (2012), citando Bakhtin na segunda edição brasileira de Problemas da poética de Dostoiévski, traduzido por Paulo Bezerra, discorre que a metalinguistica já se esboça como um método de análise do discurso e hipótese de uma futura síntese da filologia com a filosofia e que Bakhtin a imaginava como uma disciplina humana nova e específica capaz de reunir, com contigüidade, a Linguistica, a Filosofia, a Antropologia e a Teoria da Literatura. Também que a metalinguistica é entendida como estudo daqueles aspectos do discurso que ultrapassam os limites da linguística e ainda que tanto uma como a outra estudam o mesmo fenômeno concreto, muito complexo e multifacético, sob diferentes ângulos de visão, que é o discurso, completando-se mutuamente sem fusão, regra que, na prática, é violada frequentemente.

 

[6] Lei Complementar nº 87, de 13 de setembro de 1996. Dispõe sobre o imposto dos Estados e do Distrito Federal sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, e dá outras providências.