USO HISTÓRICO DA RAIZ DO UMBUZEIRO (SPONDIAS TUBEROSA ARR. CAM., ANACARDIACEAE) NO SEMIÁRIDO NORDESTINO

 

 

Bruno Moreira de Souza1*, Eraldo Medeiros Costa Neto2

 

1Mestrando em Botânica pela Universidade Estadual de Feira de Santana – UEFS

2Biólogo. Professor Titular da Universidade Estadual de Feira de Santana - UEFS

*Autor para correspondência E-mail: brumorsou@gmail.com

Recebido: 19. 01. 2024    Aceito: 18. 06. 2024

 

 

RESUMO: O umbuzeiro (Spondias tuberosa Arr. Cam., Anacardiaceae) é uma espécie xerófita endêmica do semiárido brasileiro. Trata-se de uma árvore de pequeno porte, com sistema radicular formado por raízes longas, espalhadas horizontalmente próximas à superfície do solo, com presença de túberas, que se caracterizam como intumescências redondas e escuras, providas de tecido lacunoso e celulósico, chamadas de xilopódios (comumente chamados de “batatas-do-umbuzeiro”). O objetivo desse estudo é registrar, mediante uma sondagem bibliográfica de estudos disponíveis no Google Acadêmico, a importância utilitária das raízes do umbuzeiro para as populações sertanejas. Os resultados demonstram que a batata-do-umbuzeiro é bastante utilizada na medicina caseira para o tratamento de diarreias e verminoses. Os cangaceiros utilizavam-se dessas batatas para obtenção de água e para a confecção de utensílios, como tigelas; a posteriori, os vaqueiros passaram a utilizá-las, também, para saciar a sede durante suas jornadas nas Caatingas, assim como para a dessedentação de animais. Nas fazendas de cana-de-açúcar no sertão de Pernambuco, em meados do século XIX, pessoas que ainda estavam em condições de trabalho análogo à escravidão colhiam as batatas do umbuzeiro e as ralavam, produzindo uma farinha, que era complementar à alimentação, uma prática que se difundiu e passou a ser realizada no interior da Bahia durante épocas de seca. O xilopódio também é utilizado para a produção de um doce chamado “Bofó”, comum em Sergipe, tendo sua origem datada dos anos 1930. Sua produção e comércio ocorrem até os dias atuais. Devido ao seu sabor adocicado e “fácil” obtenção, as batatas do umbuzeiro vêm conquistando a culinária popular da região Nordeste, sendo atualmente classificadas como Planta Alimentícia não Convencional (PANC).

 

Palavras-chave: Etnobotânica; Saberes tradicionais; Recurso alimentício; Conservação.

 

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HISTORICAL USE OF UMBUZEIRO ROOT (SPONDIAS TUBEROSA ARR. CAM., ANACARDIACEAE) IN THE NORTHEAST SEMI-ARID

 

 

ABSTRACT: The umbuzeiro (Spondias tuberosa Arr. Cam., Anacardiaceae) is a xerophytic species endemic to the Brazilian semiarid region. It is a small-sized tree with a root system composed of long roots spread horizontally near the soil surface, featuring the presence of tubers characterized as round and dark swellings, consisting of spongy and cellulose tissue, called xylopodium (commonly known as "umbuzeiro potatoes"). The objective of this study is to document, through a bibliographic review of studies available on Google Scholar, the utilitarian importance of umbuzeiro roots for the Sertanejo populations. The results demonstrate that umbuzeiro potatoes are widely used in home medicine for treating diarrhoea and worm infestations. Cangaceiros used these potatoes to obtain water and make utensils such as bowls; later, cowboys also began using them to quench thirst during their journeys in the Caatingas, as well as for the hydration of animals. In the sugar cane farms in the hinterlands of Pernambuco in the mid-19th century, people working in conditions similar to slavery would harvest and grate umbuzeiro potatoes, producing a flour that complemented their diet, a practice that spread and became common in the interior of Bahia during drought periods. Xylopodium is also used in the production of a sweet called "Bofó," common in Sergipe, with its origin dating back to the 1930s. Its production and trade continue to this day. Due to its sweet taste and "easy" availability, umbuzeiro potatoes have become popular in the cuisine of the Northeast region, currently classified as an Unconventional Food Plant (PANC in Portuguese).


Keywords: Ethnobotany; Traditional knowledge; Food resource; Conservation.

 

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USO HISTÓRICO DE LA RAÍZ DE UMBUZEIRO (SPONDIAS TUBEROSA ARR. CAM., ANACARDIACEAE) EN EL NORDESTE SEMIÁRIDO

 

 

RESUMEN: El umbucero (Spondias tuberosa Arr. Cam., Anacardiaceae) es una especie xerófila endémica de la región semiárida brasileña. Es un árbol de tamaño pequeño, con un sistema radicular formado por raíces largas, extendidas horizontalmente cerca de la superficie del suelo, con presencia de tubérculos, que se caracterizan por ser protuberancias redondas y oscuras, provistas de tejido lacunoso y celulósico, llamados xilopodios (comúnmente llamadas “papas del umbucero”). El objetivo de este estudio es registrar, a través de un levantamiento bibliográfico de estudios disponibles en Google Scholar, la importancia utilitaria del arraigo umbucero para las poblaciones del país. Los resultados demuestran que la papa umbucero es muy utilizada en la medicina casera para el tratamiento de diarreas y verminosis. Los cangaceiros usaban estas papas para obtener agua y para hacer utensilios, como tazones; Posteriormente, los vaqueros también empezaron a utilizarlos para saciar su sed durante sus travesías en las Caatingas, así como para abrevar a los animales. En las fincas de caña de azúcar del interior de Pernambuco, a mediados del siglo XIX, personas que aún se encontraban en condiciones de trabajo similares a la esclavitud recolectaban papas del umbucero y las rallaban, produciendo harina, que era complementaria a su dieta, práctica que se extendió y comenzaron a realizarse en el interior de Bahía durante épocas de sequía. El xilopodio también se utiliza para producir un dulce llamado “Bofó”, común en Sergipe, cuyo origen se remonta a la década de 1930. Su producción y comercio continúa hasta el día de hoy. Por su sabor dulce y “fácil” obtención, las patatas umbucero han ido ganando popularidad en la cocina popular de la región Nordeste, y actualmente están clasificadas como una Planta Alimentaria no Convencional (PANC).

 

Palabras clave: Etnobotánica; Conocimientos tradicionales; Recurso alimentario; Conservación.

INTRODUÇÃO

 

O umbuzeiro (Spondias tuberosa Arruda Câmara, Anacardiaceae) é uma árvore xerófita endêmica do semiárido brasileiro, não existindo relatos da sua ocorrência em outras regiões do planeta (PRADO; GIBBS, 1993). Seu fitônimo tem origem tupi-guarani (y-mb-u) e significa “árvore que dá de beber”, sendo também conhecido como umbu, imbu, ambu e ombu (BARRETO; CASTRO, 2010). É uma planta adaptada a sobreviver e produzir em ambientes com pouca disponibilidade hídrica. Ocorrendo por todas as Caatingas do Nordeste brasileiro, S. tuberosa se configura como uma frutífera de significativa importância ecológica e socioeconômica (SILVA; PIRES; SILVA, 1987).

Essa árvore possui uma ampla versatilidade quanto a sua utilização junto as populações rurais do semiárido, principalmente nos períodos de seca (MENDES, 1990). Os frutos e as folhas (verdes e frescas) são utilizados na alimentação de animais domésticos (bovinos, caprinos e ovinos) e silvestres (FRAGA, 2016). Seus frutos são vendidos pelos agricultores familiares para consumo in natura ou em forma de derivados, como polpa, suco, refresco, doce, umbuzada (misturado ao leite), licor, xarope de umbu, pasta concentrada, umbuzeitona, batida, umbu cristalizado etc. (MENDES, 1990). Com a raiz, produz-se picles, farinha, um doce chamado “bofó” ou “doce-de-cafofa”; obtém-se também uma água medicinal utilizada como vermífugo e antidiarreico (COSTA, 2004). O caroço, rico em gorduras e proteínas, pode ser consumido torrado e moído, e o óleo extraído dele pode ser usado na fabricação de margarina (MAIA, 2004). Além disso, na medicina popular essa planta também possui utilidade para tratamento de inflamação, problemas no sistema digestivo, infecções virais e doenças bacterianas (SIQUEIRA, 2015); estudos já publicados comprovam que a semente pode ser usada na prevenção de doenças coronárias (RIBEIRO, 2019) e o extrato hexânico da folha possui atividade contra células tumorais (GUEDES, 2020).

Por produzir uma expressiva quantidade de frutos a cada safra, pode ser considerado uma das culturas com grande potencial socioeconômico para o desenvolvimento no semiárido (CAMACAM; MESSIAS, 2022). S. tuberosa, por ser uma árvore oriunda de regiões secas, também passou a ser símbolo de cultura regional, e devido à importância de suas raízes, foi chamada de “árvore sagrada do sertão” pelo escritor Euclides da Cunha (BARRETO; CASTRO, 2010). Seu extrativismo, quando praticado de forma sustentável, pode gerar renda para muitas famílias e contribuir para a conservação da Caatinga, protegendo a diversidade de plantas e animais, as nascentes, os cursos de água e a riqueza cultural de povos e comunidades tradicionais (BARRETO; CASTRO, 2010).

É visível o valor socioeconômico desta cultura para as populações rurais da região semiárida do Nordeste, tanto pelo fornecimento de frutos saborosos e nutritivos, das túberas radiculares doces e ricas em água, quanto pelas folhas verdes como alternativa de alimento aos animais (MENDES, 1990). A partir disto, este trabalho tem como objetivo principal analisar o uso das raízes do umbuzeiro em diferentes épocas e por diferentes populações que viveram na região semiárida nordestina, bem como registrar de que forma ocorreu esse uso e quais seus principais benefícios e implicações.

 

 

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

 

Caracterização do umbuzeiro

O umbuzeiro é uma árvore de vida longa (cerca de 100 anos) e pequeno porte, com 2 m a 10 m de altura e copa umbeliforme, com 10 m a 15 m de diâmetro, projetando uma sombra densa e esparsa sobre o solo (BATISTA et al., 2015; SOUZA; LORENZI, 2012). Seu caule, atrofiado e retorcido, apresenta de três a cinco ramificações principais (BARRETO; CASTRO, 2010), apresenta uma casca externa morta, de espessura entre 2,0 mm e 5,0 mm, rígida e áspera, de cor cinza claro a preto, e a casca interna (viva) possui espessura de 5,0 mm a 12,0 mm, de coloração avermelhada, a qual, por incisão, exibe exsudato transparente e resinoso (LIMA, 1982).

Seu sistema radicular é formado por raízes longas, espalhadas horizontalmente próximas à superfície do solo, com presença de túberas (Figura 1), que se caracterizam como intumescências redondas e escuras, com cerca de 20 cm de diâmetro e 50 cm de comprimento, providas de tecido lacunoso e celulósico – responsáveis por armazenar água, mucilagem, glicose, tanino, amido, ácidos, nutrientes, entre outros –, os quais podem ser encontrados entre 10 cm e 30 cm de profundidade e são chamados de xilopódios (ARAÚJO et al., 2009). Possuem sabor doce e agradável, além de serem suculentos, sendo vulgarmente conhecidos como “batatas de umbu”, “cafofas” ou “cuncas”, podendo ser aproveitados na alimentação (FERREIRA et al., 1987; MENDES, 1997). Esse órgão é o principal responsável pela tolerância dessa frutífera à seca, aliada à estratégia de perda das folhas na época de baixa disponibilidade de água. Em apenas um único indivíduo de umbuzeiro, pode-se encontrar cerca de duas toneladas de xilopódios (CAVALCANTI; RESENDE, 2006; BATISTA et al., 2015), os quais podem acumular até cerca de 3.000 litros de água durante os meses secos (FERNANDES, 2021).

Suas folhas são compostas, pecioladas, alternas, imparipenadas, com quatro a sete jugas; os folíolos são curtos, peciolados, oblongo-ovalados, com base obtusa ou cordada, ápice agudo ou obtuso, com cerca de 2 cm a 4 cm de comprimento, com 2 cm ou 3 cm de largura e margens serrilhadas ou inteiras lisas (GOMES, 1990; LEÓN, 1987; PIRES, 1990). Depois do inverno, para evitar a evapotranspiração, o umbuzeiro perde as folhas e atravessa o verão em estado de dormência vegetativa, com os xilopódios cheios de reservas nutritivas. No início do inverno, com as primeiras chuvas, ocorre a modificação na temperatura e no grau higrométrico do ar, fazendo com que ocorra uma aceleração no seu metabolismo interno, originando o surgimento das primeiras folhas e flores (nos meses de janeiro a fevereiro), sendo que nos meses subsequentes (março e abril) ocorre o amadurecimento dos frutos (DUQUE, 2004). Ainda segundo Duque (2004), o xerofilismo do umbuzeiro é caracterizado por fazer uma reserva por adiantamento, onde ocorre “uma fase ativa de elaboração de alimentos, enquanto existem as folhas no inverno e permanece economizando essas reservas durante a fase de estagnação vegetativa, no verão quente e seco”.

 

 

Figura 1. Túberas ou xilopódios do umbuzeiro em áreas de caatinga.

Fonte: arquivo pessoal (2023).

 

 

As flores são pediceladas, actinomorfas, pentâmeras, de coloração branca e apresentam prefloração valvar; o cálice apresenta coloração verde, sépalas pilosas, de formato triangular, enquanto a corola é dialipétala, de formato raso-campanulado, estando agrupadas em inflorescências terminais do tipo panícula, composta por nove fascículos, opostos, que contêm em média 11 flores; o tamanho do fascículo e o número de flores/fascículos diminuem da base para o ápice da inflorescência, conferindo formato piramidal à estrutura; cerca de 50% das flores presentes na inflorescência são hermafroditas, enquanto os outros 50% são funcionalmente masculinas (apresentando gineceu rudimentar), sendo considerada andromonoica sob o aspecto reprodutivo (PIRES; OLIVEIRA, 1986). O androceu é formado por dez estames heterodínamos, estando dispostos alternadamente entre grandes e pequenos; os estames estão distribuídos em círculo e inseridos abaixo do disco nectarífero; as anteras são ditecas, reniformes e média fixas, apresentando deiscência longitudinal; o gineceu é formado por um ovário súpero, pentacarpelar, uniovulado, com cinco estiletes e estigmas curtos e espatulados; o nectário é intra-estaminal, cupuliforme, decalobado, de cor creme a amarelada e aspecto esponjoso (PIRES, 1990).

O fruto é do tipo drupa, elipsoide, glabra ou levemente pilosa, com epicarpo de espessura variável, de coloração amarelo-esverdeado, mesocarpo de sabor adocicado e endocarpo de tamanho variado, com a extremidade proximal do pedúnculo mais afunilada que a distal (SILVA; SILVA, 1974). O tamanho dos frutos pode variar de 26,5 mm a 42,9 mm de comprimento e 22,4 mm a 39,1 mm de diâmetro; a semente apresenta um tegumento de consistência membranácea, que, juntamente com o endocarpo, forma o caroço, o qual também apresenta um tamanho variável, sendo de 15,2 mm a 25,6 mm de comprimento e 11,1 mm a 16,5 mm de diâmetro (PIRES, 1990). De cheiro adocicado e sabor agradável, levemente azedo, grande parte de sua composição é aquosa e possui importantes propriedades nutricionais, sendo rica em vitamina C (CAMACAM; MESSIAS, 2022). São muito utilizados no Nordeste como base alimentar e econômica, complementando a renda gerada com o cultivo de culturas de sequeiro, como milho, feijão e mandioca, juntamente com a criação de caprinos e ovinos (BARRETO; CASTRO, 2010).

 

 

METODOLOGIA

 

Foi utilizada metodologia qualitativa exploratória através de pesquisa em material teórico que subsidia o estudo. Trata-se de uma revisão integrativa da literatura, sem recorte temporal. A revisão integrativa (RI) é um método que permite a sintetização do conhecimento e a compreensão da aplicabilidade de resultados de estudos significativos na prática (SOUZA et al., 2022).

O trabalho foi elaborado por meio das seguintes etapas: busca na literatura científica por estudos que versavam sobre a temática; identificação dos estudos; avaliação e seleção dos estudos; análise e extração dos dados; síntese dos resultados; e apresentação da revisão.

O Google Acadêmico foi escolhido como base de dados devido a sua ampla gama de fontes acadêmicas, facilitando a obtenção de informações relevantes em diversas áreas do conhecimento de forma rápida e abrangente. Utilizando os descritores e palavras-chave, de forma separada, como a seguir: “Batata do umbuzeiro”, “Xilopódio do umbuzeiro” e “Túbera do umbuzeiro”. Estabeleceram-se, como critérios de inclusão, artigos científicos, dissertações, teses e livros ou e-books que contemplassem a temática, publicados nos idiomas português, inglês e espanhol, disponíveis na íntegra de forma eletrônica e gratuita. Foram excluídos trabalhos incompletos, que não abordavam a temática em questão, ou aqueles que faziam menção apenas às características gerais da raiz do umbuzeiro, sem mencionar alguma forma de uso da mesma, assim como relatórios, manuais, editoriais e resumos simples.

Os trabalhos passaram por duas etapas de análise: na etapa 1, a partir da combinação dos descritores ou palavras-chave foram obtidos 136 estudos, dos quais 95 foram excluídos por se tratarem de arquivos duplicados ou não atenderem aos requisitos básicos descritos anteriormente; na etapa 2, a partir da leitura prévia dos títulos, resumos e resultados, foram selecionados 41 artigos, os quais apresentavam informações sobre o uso da “batata do umbuzeiro” (Tabela 1).

 

 

Tabela 1. Estudos selecionados como fontes de informações para elaboração da revisão.

 

 

AUTOR/ANO

TÍTULO

Melnikoff, Melnikoff e Bortoli (2018)

Proteção por indicação geográfica de produtos/ da agricultura familiar.

Sant’anna (2019)

História da trajetória de uma escrava do Sertão Nordestino à cidade de São Paulo.

Wanderley (2017)

Nomadismo do cangaço: parâmetros de inspiração para coleções de roupas e acessórios

Filho e Pinheiro (2019)

Comidas e cozinha na cultura sertaneja: passado e presente no interior da Bahia

Figueiredo (2011)

A palma forrageira como agente mitigador da desertificação no Seridó oriental: Juazeirinho-PB

Oliveira (2011)

Artes de curar e modos de viver na geografia do cangaço

Santos e Oliveira (2020)

A história do “meu” lugar: as memórias e suas contribuições para o enriquecimento das identidades campesinas

Macêdo (2021)

Práticas sustentáveis para uma alimentação saudável: uma proposta de formação para merendeiras da rede municipal de ensino na cidade de Serrinha Bahia

Tomchinsky e Ming (2019)

As plantas comestíveis no Brasil dos séculos XVI e XVII segundo relatos de época

Fernandes (2021)

O umbuzeiro: descrição, usos e conservação

Duque (2004)

O Nordeste e as lavouras xerófilas

Santos e Germani (2005)

Luta pela terra e identidade camponesa do fundo/fecho de pasto aos assentamentos rurais

Nunes (2013)

Estratégias de enriquecimento do umbuzeiro (Spondias tuberosa Arruda Cam.) em áreas de Caatinga no Semiárido Paraibano

Botêlho (1999)

Secas, oligarquias e os fazedores de chuva

França (2019)

Sertões à flora: as espécies vegetais no massacre de Belo Monte

Lima et al. (2013)

Conhecimento popular sobre Spondias tuberosa Arruda: um estudo etnobotânico

Martins e Miranda (2010)

Pobreza e fome na Bahia: vivências de sertanejos durante a seca de 1932 na vila de Canabrava do Gonçalo/ Chique-chique

Oliveira (2013)

Semiárido baiano: a dinâmica contraditória do desenvolvimento

Silva (2018)

Os Kalankó: memórias da seca e técnicas de convivência com o semiárido no alto sertão alagoano

Camacam e Messias (2022)

Potencial alimentar de frutas e plantas da Caatinga: revisão integrativa

Alves e Matos (2021)

A história contada de Ibitiara: lembranças da seca de 32

Cavalcanti, Anjos e Resende (2005)

Uso sustentável do xilopódio de imbuzeiro (Spondias tuberosa Arruda) para produção de doce

Camargo (2018)

A natureza e o homem: reflexões sobre o processo de desertificação do bioma Caatinga ao sul do Ceará e sua relação com aquele que ali vive: o sertanejo.

Araújo (2007)

Umbuzeiro: valorize o que é seu

Cavalcanti e Resende (2006)

Ocorrência de xilopódio em plantas nativas de imbuzeiro

Cavalcanti, Resende e Brito (2002)

Levantamento da produção de xilopódio e os efeitos de sua retirada sobre a frutificação e persistência de plantas nativas de imbuzeiro (Spondias tuberosa Arr. Cam.)

Campos (2006)

A geografia da semi-aridez nordestina e a mpb

Guimarães (2019)

A Caatinga como destino: imaginação geográfica, fotografias e paisagens de sertões baianos (1946-1960)

Santos e Barbosa (2012)

Memória Xakriabá: migrações e mudanças alimentares

Sá (2009)

Memória do cangaço no sertão do São Francisco

Souza (2017)

Exploração e utilização do potencial madeireiro da Caatinga no município de Aurora – CE

Peixoto (2018)

Minha identidade é meu costume: religião e pertencimento entre os indígenas Jiripankó – Alagoas

Santiago (2012)

Estudo do potencial de cascas do umbu (Spondia tuberosa), jabuticaba (Myrciaria caulijlora), goiaba (Psidium guajava) na produção e recuperação da exo-poligalacturonase

Nascimento (2003)

Processamento de polpa de umbu (Spondias tuberosa Arruda Câmara) para umbuzada: cinética de concentração e armazenamento frigorificado

Paodjuenas (2018)

Conhecimento tradicional e usos do umbuzeiro (Spondias tuberosa Arruda Câmara) por comunidades rurais do semiárido paraibano, nordeste do Brasil

Barreto e Castro (2010)

Boas práticas de manejo para o extrativismo sustentável do umbu

Medeiros (2016)

Bioma Caatinga: por uma educação ambiental contextualizada para a rppn Fazenda Santa Clara, São João do Cariri – Paraíba

Ferreira (2015)

Screening fitoquímico e avaliação da atividade antimicrobiana de extratos de Spondias sp. e Spondias tuberosa Arr. Câm. de ocorrência no semiárido paraibano

Oliveira (2012)

Ajuste de metodologia de extração de substâncias pécticas para extração de pectina de casca de umbu (Spondias tuberosa Arr. Cam.)

Souza (2020)

O cangaço como ofício: uma análise da cultura profissional e da carreira no bando de Lampião

Rezende, Dutra e Rangel (2018)

Fome e representações idealizadas na obra de Euclides da Cunha

 

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

 

A primeira referência ao umbuzeiro foi feita por Gabriel Soares de Sousa, em sua obra “Tratado Descritivo do Brasil” em 1587, quando fez uma fiel descrição desta planta, enaltecendo a importância das raízes e das frutas para os indígenas e habitantes da região (MENDES, 1990). Em sua descrição, Sousa diz que o umbuzeiro é uma árvore “pouco alegre à vista”, que está amplamente distribuída pelo sertão e que, devido à pouca disponibilidade de água na região, a natureza criou estas árvores para “remédio da sede para os índios que por ali passam”. Ele faz menção também aos xilopódios: “[...] esta árvore lança das raízes naturais outras raízes tamanhas e da feição das botijas, outras maiores e menores, redondas e compridas como batatas, e acham-se algumas afastadas da árvore cinquenta e sessenta passos, e outras mais ao perto” (SOUSA, 2010).

A capacidade do umbuzeiro de servir como recurso para obtenção de água, por meio de suas raízes, é conhecida de longa data. As túberas desta planta passaram a ser utilizadas como alimento emergencial desde as épocas mais remotas da colonização, como descrito por Suassuna (2012): “[...] com raízes de umbu e mandacaru, remediou-se a penúria da gente que abriu o caminho”. Na carta enviada pelo Coronel Pedro Barbosa Leal ao Conde de Sabugosa, relata-se que um indígena Cariri “leuounos pello campo frioaoryo Salitre cortando doze leguas de mato e catinga sem agoa nem carabata que a tiuessee com raizes de humbu e mandacaru se remediou (sic)” (LEAL, 1929 [1725]). Além disso, há relatos da utilização das “batatas” dos umbuzeiros pelos primeiros moradores do sertão, os indígenas, para alimentação e na cura de doenças (BARRETO; CASTRO, 2010; NUNES, 2013; MELNIKOFF; MELNIKOFF; BORTOLI, 2018).

No final do século XVIII, o umbuzeiro foi descrito e classificada por Manuel Arruda da Câmara (1810), um naturalista brasileiro que trabalhou sob a orientação do gestor do Jardim Botânico da Ajuda, Domenico Vandelli, contratado pelo Marquês de Pombal (FRANÇA, 2019). Por sua família possuir terras no Cariri Paraibano, Arruda conhecia bem o Sertão e enviava suas anotações para o Frei Vellozo; porém, muito do que produziu naquele período se perdeu, sendo que uma das informações destacadas por Arruda foi o fato de que as túberas forneciam grande quantidade de água, particularmente úteis na época da seca (KURY, 2012).

No início do Brasil República (1870), as túberas do umbuzeiro eram objeto de interesse na alimentação dos soldados republicanos e partidários conselheiristas, sendo que para os segundos, por estarem adaptados ou acostumados a sobreviver na Caatinga, este alimento já fazia parte da sua vivência no ambiente, enquanto que para os soldados republicanos, a salvação de encontrar este alimento dependia do acaso (CUNHA, 2000). A sabedoria sertaneja levava o necessitado conselheirista às suas conhecidas populações de umbuzeiros; já o soldado republicano, por desconhecer a região, dependia da sorte para encontrar o vegetal em seu caminho. Também, o conselheirista possuía a liberdade de se movimentar na vegetação agressiva, enquanto o soldado republicano tinha que marchar numa direção determinada pelos seus comandantes, aumentando ainda mais a aleatoriedade do achamento de um umbuzeiro (FRANÇA, 2019).

Segundo Galvão (1977), naquele mesmo período, a “batata-de-umbu” passou a ser comercializada no acampamento do exército republicano, conforme foi relatado por Manuel Benício, correspondente do Jornal do Comércio, cuja unidade era vendida a 2$000 (dois mil réis). O umbuzeiro era amplamente reconhecido como fonte alimentícia, muitas vezes uma das poucas opções silvestres de comida disponível no Sertão, como foi relatado por Alfredo Silva, correspondente do periódico A notícia: “[...] a não ser os cactos e o umbuzeiro, nenhuma planta silvestre existe nessas paragens capaz de prestar-se à alimentação.” (GALVÃO, 1977).

A proclamação da República vem quase que concomitante com a abolição da escravatura no país (1889 – 1888 respectivamente), e devido à proibição de manter escravizados nas fazendas, então, alguns senhores de engenho cediam pequenos lotes de terra, no sistema arrendamento, para os libertos que ali permanecessem. Devido ao esgotamento das terras cultivadas e a períodos de seca, essas pessoas valiam-se das “batatas de umbu” como principal recurso alimentar, as quais eram raladas para a produção de farinha (SANT’ANNA, 2019).

Durante esse mesmo período (que compreendeu o século XIX), para fugir da fome e da sede, famílias inteiras viajavam a pé em busca de situações mais amenas, e nesse percurso recorriam ao umbuzeiro, que fornecia a água armazenada em suas raízes, e dos seus frutos, em certas épocas do ano (OLIVEIRA, 2013). Em seu livro, Euclides da Cunha fez a descrição de alguns alimentos utilizados pelos sertanejos durante os períodos de seca, onde dá notícias sobre o uso das raízes dos umbuzeiros como fonte de alimento e de água para beber (FILHO; PINHEIRO, 2019). Também relatado por Brandão, Piso e MarcGrave em seus trabalhos sobre plantas consumidas por sertanejos em períodos de escassez (TOMCHINSKY; MING, 2019).

Eram objetos de grande utilidade pelos cangaceiros, uma vez que além da água encontrada para saciar a sua sede (SÁ, 2009), as “cuias” das batatas serviam como panelas para cocção de alimentos (OLIVEIRA, 1970; ALMEIDA, 2006). A obtenção da água da raiz do umbuzeiro pelos cangaceiros era um processo um tanto difícil e elaborado, pois era preciso atear fogo na árvore, pois acreditavam que o calor gerado pela fogueira fazia com que a seiva aquosa se dirigisse até a raiz, para a “batata”; depois disso, as raízes eram desenterradas, raladas e a polpa era colocada num pedaço de pano, o qual era espremido em seguida para que a água pudesse escorrer, onde as vasilhas eram preenchidas e litros de água eram conseguidos (SOUZA, 2020). O sabor não era da melhor qualidade, sendo semelhante à “água das cacimbas”, mas era útil para saciar a sede (BEZERRA, 1940; SOUZA, 1997).

Dentre os períodos de seca que assolaram o Nordeste brasileiro no século XX, dois períodos foram destacados: a seca de 1932 e a de 1950, que perdurou até 1952. Durante a seca de 1932, os moradores da região de Canabrava do Gonçalo, próximo à cidade de Xique-xique, no estado da Bahia, uma das regiões que foi amplamente afetada pela seca, utilizaram-se de várias estratégias de adequação alimentar, consumindo os produtos mais exóticos, desde frutos silvestres e raízes de plantas encontradas ao longo das Caatingas, sendo a principal a do umbuzeiro, a “cuca de umbu” como é regionalmente conhecida (MARTINS; MIRANDA, 2010).

 A seca de 1932, conhecida como a “crise de 32” ou “a fome de 32”, é considerada uma das piores tragédias que se abateu sobre os Sertões. Os alimentos eram tão escassos que muitas famílias da comunidade de Bom Sucesso (Ibitiara – BA) sobreviveram à base de frutos de plantas nativas “do mato”, com farinha de batata de umbuzeiro (MARTINS; MIRANDA, 2010; ALVES; MATOS, 2021). A grande seca de 1952, a qual começara em 1950, assim como a seca de 1932, forçou os moradores do Sertão brasileiro a migrarem em busca de melhores condições de vida, onde muitas pessoas caminharam léguas e léguas a pé, em compridas filas ondulantes, dos quais muitos não resistiram e tombaram às margens das estradas por falta d‘água, e outros sucumbiam por sorverem excessivamente água barrenta, ressequindo os estômagos, enquanto outros se valiam barbaramente das raízes tuberosas dos umbuzeiros, e de outras plantas encontradas no caminho, e até mesmo de vegetais impróprios, igualmente perecendo (BOTÊLHO, 1999).

As secas, que se fizeram presentes em outras décadas, também obrigavam os indígenas da região a buscarem por subsídios nas matas, como o povo Kalankó, do Alto Sertão alagoano, que se valiam da produção de farinha da batata do umbuzeiro para suprir suas necessidades alimentares durante esses períodos (SILVA, 2018). Na comunidade de Ipoeira, no município de Teofilândia – BA, os moradores também se valiam da vegetação nativa e da raiz do umbuzeiro para superar os períodos prolongados de escassez de água e alimentos (SANTOS; OLIVEIRA, 2020).

As “batatas-do-umbu” foram e são amplamente utilizadas pelos vaqueiros do Sertão brasileiro para matar a sede durante as suas jornadas nas Caatingas (BARRETO; CASTRO, 2010; NUNES, 2013; MELNIKOFF; MELNIKOFF; BORTOLI, 2018) e saciar a fome através da produção de farinha (NASCIMENTO, 2003; SANTIAGO, 2012; FERREIRA, 2015). Também são utilizados por agricultores familiares para alimentação de animais em períodos de seca prolongada (CAVALCANTI; RESENDE; BRITO, 2002; CAVALCANTI; RESENDE, 2006; OLIVEIRA, 2012). A forma de localização e retirada dos xilopódios realizada pelos sertanejos é feita com o uso de uma enxada, realizando batidas com a mesma no solo, sendo que, quando atinge uma túbera com bastante água, emite um som grave, e quando o som emitido é agudo, trata-se de uma túbera seca (MENDES, 1990).

Josué de Castro, em seu livro “Geografia da fome”, comenta sobre os hábitos alimentares dos sertanejos, afirmando que “quando o sertanejo lança mão destes alimentos exóticos é que o martírio da seca já vai longe e que sua miséria já atingiu os limites de sua resistência orgânica. É a última etapa de sua permanência na terra desolada, antes de se fazer retirante” (CASTRO, 2008).

No entanto, é uma prática comum dentre alguns povos indígenas que residem no Sertão, como os Xakriabá (São João das Missões – MG), os quais sobreviviam, além da caça e da pesca, do beneficiamento de muitos alimentos, sendo a raiz do umbuzeiro amplamente utilizada, principalmente para a produção de farinhas e a posteriori de beiju. A prática foi se perdendo no decorrer das gerações devido à dificuldade laboriosa do processo e à perda de populações de umbuzeiros na região (SANTOS; BARBOSA, 2012). Os Pankararu (Pernambuco), durante seus rituais religiosos, através de retiros nas matas para cultuar suas divindades, utilizavam-se da água presente nas batatas do umbuzeiro para evitarem se expor nas fontes ou nascentes que eram vigiadas pelos fazendeiros (PEIXOTO, 2018).

O consumo da “batata-do-umbu” frequentemente é associada à pobreza (FRANÇA, 2019), porém seu uso na medicina caseira é bastante antigo, uma vez que a água da batata possui propriedades medicinais eficazes no combate do escorbuto, uma doença que tem como sintoma hemorragia nas gengivas devido à carência de vitamina C na dieta alimentar; também é recomendada ao tratamento de diarreias e no controle de verminoses (NASCIMENTO, 2003; COSTA, 2004; BARRETO, 2010; FERREIRA, 2015; CAMACAM; MESSIAS, 2022).

Na poesia, essa utilização da batata aparece em diversas obras, como em Jorge de Lima ao descrever as dádivas do rio São Francisco, que além da água ainda proporciona o “pão do umbuzeiro”, sendo também citado no romance La guerra del fin del mundo de Mário Vargas Llosa (1981), como “imbuzeiro” em dois trechos: “sopas hechas de batata de imbuzeiro, mocó y xique-xique.”; “Buscaban sobre todo, el imbuzeiro, árbol que Galileo Gall había aprendido a apreciar: el gusto dulzón, aquoso, refrescante, de sus raíces le parecía un verdadero manjar" (LLOSA, 1981; FRANÇA, 2019).

Em Sergipe, desde a década de 1950, uma família vive do extrativismo das “batatas” do umbuzeiro, utilizando-as para a produção de um doce comercializado na feira livre do município de Carira, conhecido como “Bofó”, sendo que a produção do doce vem sendo passado de geração a geração, atuando os membros desta família como verdadeiros mantenedores de saberes e da cultura popular e, consequentemente, tornando conhecido e expandindo esse produto considerado exótico (MELNIKOFF; MELNIKOFF; BORTOLI, 2018). Devido ao seu sabor doce e agradável, a batata do umbu vem ganhando destaque na culinária popular (NASCIMENTO, 2003; CAMACAM; MESSIAS, 2022) e a produção de doce se tornou a base de sustentação de muitas famílias no Nordeste, principalmente no estado de Pernambuco e sertões da Bahia (CAVALCANTI; ANJOS; RESENDE, 2005; CAVALCANTI; RESENDE, 2006), sendo também conhecido como doce-de-cafofa (NASCIMENTO, 2003).

No entanto, a extração desenfreada e criminosa das batatas do umbuzeiro pode trazer implicações nas populações dessa espécie, uma vez que o sistema radicular é uma das principais partes responsáveis pela sobrevivência da planta, principalmente durante prolongados períodos de estiagem (MAIA, 2004; CAMARGO, 2018), podendo levar à extinção se retiradas de forma descontrolada (NASCIMENTO, 2003; LIMA et al., 2013). Os umbuzeiros quase desapareceram durante as grandes secas, pois praticamente todos os xilopódios encontrados em suas raízes eram retirados pelas populações sertanejas, o que levou a um rápido declínio populacional da espécie em várias regiões (FILHO; PINHEIRO, 2019), pois a quantidade de partes retiradas acabou sendo maior do que a sua recuperação natural (CAVALCANTI; ANJOS; RESENDE, 2005; SOUZA, 2017).

Em 2001, a Embrapa Semiárido (Petrolina – PE) passou a desenvolver a produção de picles utilizando os xilopódios mais jovens do umbuzeiro, a partir de mudas de 120 a 180 dias de germinação, produzidas em laboratórios, demonstrando resultados promissores quanto a sua palatabilidade e aceitação por parte dos provadores, em relação ao seu gosto e aparência (CAVALCANTI et al., 2004; ARAÚJO, 2007; BATISTA et al. 2015). Atualmente, os xilopódios do umbuzeiro são classificados em muitas regiões do Brasil, inclusive em alguns lugares da região Nordeste, como uma Planta Alimentícia não Convencional – PANC (MACÊDO, 2021). Spondias tuberosa também é protegida sob a lei nº 3.458/2004, a qual proíbe o corte das árvores em todo o território nacional, visando promover sua proteção, onde aquele que infringir a lei estará sujeito à detenção pelo período de três meses a um ano, e ao pagamento de multa, e quem derrubar o umbuzeiro perderá a posse da propriedade e pagará uma multa equivalente à produtividade da planta, somando-se à utilização de suas folhas, frutos e raízes (FERNANDES, 2021).

 

 

CONCLUSÃO

 

Os usos dos xilopódios do umbuzeiro ainda são encontrados de forma muito restrita e resumida em referências bibliográficas, como apontado por Paodjuenas (2018), apresentando apenas alguns estudos agronômicos sobre crescimento e desenvolvimento. A retirada dos xilopódios, se feita de forma sustentável, não é um fator limitante para a sobrevivência, desenvolvimento e frutificação do umbuzeiro, de outro modo, se torna uma prática benéfica, favorecendo o crescimento de novos xilopódios (MENDES, 1990; CAVALCANTI et al., 2002).

A cozinha sertaneja, ou gastronomia da Caatinga, como descrita por Filho e Pinheiro (2019), possui uma rica diversidade e possibilidades de sabores, o que demonstra parte da herança biocultural do povo sertanejo, herança esta que não é valorizada e, na maioria das vezes, passa despercebida ou repleta de preconceitos. Todos esses conhecimentos de partes utilizadas e formas de preparo e consumo podem estar ficando restritos a comunidades e até mesmo não sendo repassados para os descendentes dos detentores do conhecimento, sendo necessários estudos etnobotânicos para registrar e resguardar esses saberes bioculturais (PAODJUENAS, 2018). É importante conhecer e valorizar a diversidade de recursos alimentares disponíveis às populações sertanejas para garantir não apenas a conservação das espécies potencialmente úteis, como salvaguardar a continuidade dos saberes tradicionais relacionados a tais recursos.

O umbuzeiro é uma planta que tem muito a contribuir com o semiárido devido à sua ampla versatilidade, não apenas por meio do uso alimentar dos frutos ou para propiciar o incremento da agropecuária. Cabe o desenvolvimento de novos olhares e de novas formas de se relacionar e manejar essa planta, proporcionando um enriquecimento do bioma Caatinga e a permanência/resistência sociocultural dos povos que ali residem.

 

 

Agradecimentos

À Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) e ao Programa de Pós-Graduação em Botânica (PPGBOT) pelo apoio. E à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB) pela bolsa concedida (BOL0416/2023).

 

 

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Revista Ouricuri, Juazeiro, Bahia, v.15, n.1. 2025, p.03 - 23. jan./jun., Publicação contínua http://www.revistas.uneb.br/index.php/ouricuri | ISSN 2317-0131