DE REZA PARA MAU OLHADO À DISSERTAÇÃO DE MESTRADO: UMA AUTOETNOGRAFIA DO CATOLICISMO POPULAR SERTANEJO

 

FROM PRAYING FOR THE EVIL EYE TO MASTER'S DISSERTATION: AN AUTOETNOGRAPHY OF POPULAR SERTANEJO CATHOLICISM

 

DE LA ORACIÓN DEL MAL DE OJO AL TRABAJO DE MAESTRÍA: UNA AUTOETNOGRAFÍA DEL CATOLICISMO POPULAR DE SERTANEJO

 

 

Jadnaelson da Silva SOUZA1

 

1Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sertão Pernambucano – IFSertãoPE/Universidade do Estado da Bahia (Uneb)

 

*Autor para correspondência: Jadnaelson@gmail.com 

Recebido: 15.11.2023 Aceito: 20.11.2023

 

 

RESUMO: Este trabalho propõe uma reflexão sobre o papel crucial da religião na configuração dos arranjos sócio-históricos do Brasil, particularmente no Sertão Nordestino. Com foco no Catolicismo Popular sertanejo (SOUZA, 2023; NEVES, 2019; SILVA, 2019; OLIVEIRA, 2019; CRUZ, 2010), a pesquisa é conduzida a partir da perspectiva da autoetnografia (SANTOS, 2017; ADAMS; JONES; ELLIS, 2015), partindo da minha experiência pessoal para a descrição da experiência comunitária de acesso ao Sagrado, a partir dessa forma de exercício da fé. O foco do trabalho está na descrição e reflexão sobre a prática do Catolicismo Popular, especialmente por meio da atuação das rezadeiras (SOUZA; SANTOS, 2021; MORAIS, 2011; MAIOR, 1998) e do culto às Santas Populares Maria e Augustinha (SOUZA, 2023). As reflexões evidenciaram a centralidade da religião na estrutura social do território habitado/estudado, ressaltando a contínua presença e fortalecimento do Catolicismo Popular sertanejo, construído a partir dos conhecimentos indígenas e negros. Dentro desse contexto, o estudo proporciona insights valiosos sobre a dinâmica única do Catolicismo Popular sertanejo, destacando sua influência na vida cotidiana das comunidades locais. Essa abordagem, ancorada na experiência pessoal do autor, contribui para uma compreensão mais aprofundada da interação entre religião, cultura e identidade no contexto específico do Sertão Nordestino brasileiro.

 

Palavras-chave: Catolicismo Popular sertanejo; Catolicismo Popular; autoetnografia; Santas Maria e Augustinha; Rezas e benzeções.

 

 

ABSTRACT: This work proposes a reflection on the crucial role of religion in shaping the socio-historical arrangements of Brazil, particularly in the Northeastern Sertão. Focusing on Sertanejo Popular Catholicism (SOUZA, 2023; NEVES, 2019; SILVA, 2019; OLIVEIRA, 2019; CRUZ, 2010), the research is conducted from the perspective of autoethnography (SANTOS, 2017; ADAMS; JONES; ELLIS, 2015 ), starting from my personal experience to describe the community experience of access to the Sacred, based on this form of exercising faith. The focus of the work is on the description and reflection on the practice of Popular Catholicism, especially through the actions of prayer women (SOUZA; SANTOS, 2021; MORAIS, 2011; MAIOR, 1998) and the cult of the Popular Saints Maria and Augustinha (SOUZA, 2023). The reflections highlighted the centrality of religion in the social structure of the inhabited/studied territory, highlighting the continuous presence and strengthening of Sertanejo Popular Catholicism, built from indigenous and black knowledge. Within this context, the study provides valuable insights into the unique dynamics of Sertanejo Popular Catholicism, highlighting its influence on the daily life of local communities. This approach, anchored in the author's personal experience, contributes to a deeper understanding of the interaction between religion, culture and identity in the specific context of the Brazilian Northeastern Sertão.

 

Keywords: Popular Sertanejo Catholicism; Popular Catholicism; Autoethnography; Santas Maria and Augustinha; Prayers and blessings.

 

 

Resumen: Este trabajo propone una reflexión sobre el papel crucial de la religión en la configuración de los arreglos sociohistóricos de Brasil, particularmente en el Noreste del Sertão. Centrándose en el catolicismo popular sertanejo (SOUZA, 2023; NEVES, 2019; SILVA, 2019; OLIVEIRA, 2019; CRUZ, 2010), la investigación se realiza desde la perspectiva de la autoetnografía (SANTOS, 2017; ADAMS; JONES; ELLIS, 2015), partiendo de mi experiencia personal para describir la experiencia comunitaria de acceso a lo Sagrado, a partir de esta forma de ejercicio de la fe. El foco del trabajo está en la descripción y reflexión sobre la práctica del catolicismo popular, especialmente a través de las acciones de las mujeres de oración (SOUZA; SANTOS, 2021; MORAIS, 2011; MAIOR, 1998) y el culto a las Santas Populares María y Agustina. (SOUZA, 2023). Las reflexiones resaltaron la centralidad de la religión en la estructura social del territorio habitado/estudiado, resaltando la continua presencia y fortalecimiento del Catolicismo Popular Sertanejo, construido a partir de saberes indígenas y negros. En este contexto, el estudio proporciona información valiosa sobre la dinámica única del catolicismo popular de Sertanejo, destacando su influencia en la vida diaria de las comunidades locales. Este enfoque, anclado en la experiencia personal del autor, contribuye a una comprensión más profunda de la interacción entre religión, cultura e identidad en el contexto específico del Sertão Nordeste brasileño.

 

Palabras clave: Catolicismo Popular sertanejo; catolicismo popular; autoetnografía; Santas María y Agustinha; Oraciones y bendiciones.

 

 

INTRODUÇÃO

“Mãe, me reze” era uma das frases que eu mais repetia, quando chegava à casa de minha avó, sempre dita com um tom de súplica manhosa. Era uma ação natural, quase instintiva, de quem sempre conviveu com problemas de saúde e pouco acesso aos serviços. Por esta naturalidade, nunca refleti sobre esses ritos, sobre esta forma de cura. Vivia e admirava, intrigado com o poder que a fé tinha e como essa fé era operada de maneira tão autêntica por Dona Júlia, minha avó materna.

Ser rezado por Mãe (como chamo minha avó) fez parte da minha vida desde tempos que mal me recordo. Qualquer mal estar, fadiga incomum para uma criança ou até mesmo acentuação das minhas olheiras (“esse menino tá com o olho fundo”) era motivo para recorrer ao ritual de gestos com folhas – exatas três; nem mais, nem menos – e palavras sussurradas, incompreensíveis aos ouvidos não treinados e desconhecedores de saberes inscritos e apreendidos na experiência da vida. Mais duas sessões dessas, em dias distintos e sempre sob a luz do sol e pronto! Estava protegido do mau olhado ou quebranto.

Reza para levantar campainha caída (faringite), tirar sol da cabeça (heliose), para espantar mau olhado (como as que Mãe fazia), para resolver engasgo com osso ou espinha de peixe, para trazer chuva, para desviar tempestades ou recuperar animal perdido na caatinga... No Sertão Nordestino há rezas para resolver quase tudo. Essa é uma das grandes características da religiosidade desse lugar, o que descobri depois ser chamado de Catolicismo Popular sertanejo (SOUZA, 2023; NEVES, 2019; OLIVEIRA, 2019) e que tem “funções materializadas em rezas para afastar os males do tempo e do corpo, rezas para a passagem de indivíduos do mundo dos vivos para o mundo dos mortos” (MORAIS, 2011, p. 1).

A descoberta da nomenclatura científica para os saberes empíricos, curativos e afetuosos de minha avó e de mais uma centena de rezadoras e benzedeiros espalhados, especialmente, pelos Sertões Nordestinos, aconteceu já na Universidade. Essa trajetória de investigação científica em torno dessa religiosidade culminou na dissertação “Santas sem Igreja: uma etnografia da devoção às Santas Maria e Augustinha, em Poções, Juazeiro-BA”[1], no Programa de Pós-Graduação em Educação, Cultura e Territórios Semiáridos, da Universidade do Estado da Bahia (Uneb).

Assim, é sobre esta trajetória pessoal de contato íntimo, empírico e científico com o Catolicismo Popular sertanejo que este trabalho se dedica. Para isso, me sirvo da autoetnografia como método de pesquisa e escrita, compreendendo que “as histórias autoetnográficas são demonstrações artísticas e analíticas de como conhecemos, nomeamos e interpretamos experiências pessoais e culturais” (ADAMS; JONES; ELLIS, 2015). No emprego da autoetnografia, o pesquisador une princípios e diretrizes da autobiografia e da etnografia, para analisar e descrever a experiência pessoal, na busca pela compreensão da experiência cultural comunitária (SANTOS, 2017).

A coleta de dados dá-se, dessa forma, ao longo de toda a minha vida, a partir da vivência e da observação participante dos rituais e celebrações desse Catolicismo Popular sertanejo. Aqui, no entanto, apresento esses dados de maneira sistematizada, trabalho que começou na graduação em Comunicação Social – Jornalismo em Multimeios, na Uneb, e aprofundou-se (como já descrito) durante o Mestrado. Deste modo, alcanço a possibilidade de refletir sobre a constituição religiosa e cultural-histórica do Sertão do Nordeste, especialmente a região do Semiárido baiano, a partir da minha experiência de vida e do convívio comunitário.

 

“OH, DEUS QUE PODE AJUDA NÓS QUE ‘NÃO PODE’”

Ser rezado por minha avó não era um privilégio só meu. “Mais dos dias”, como diz ela, chegava à porta da casa simples, ornada com diversas plantas, gente pedindo a intervenção dela, através das folhas e rezas, pela saúde de um filho, um sobrinho, de si próprio ou até de um animal de estimação. Quebranto (ou mau olhado) era o carro-chefe, por assim dizer, dos pedidos. Mas ela também fazia rezas para curar outros problemas, como engasgo. Antes de ela iniciar, as portas da casa deveriam estar livres, sem ninguém no meio para evitar que o mal extirpado encontrasse um desavisado e nele se alojasse.

Depois de coletadas as folhas (que deveriam ser verdes), era parte do ritual uma anamnese completa – como aquelas da medicina ocidental. “Nome todo? O que tá sentindo? Desde quando? Quais os sintomas? Melhorou ou piorou de ontem pra cá? Tá comendo ou tá com fastio?”, eram perguntas frequentes e necessárias antes da reza e precediam outras, menos ortodoxas: “a criança é batizada? desconfia quem pode ter botado o olhado? Alguém elogiou? Se sim, já aconteceu outras vezes de essa pessoa elogiar e a criança adoecer?”. Depois das respostas, sempre vinham brincadeiras sobre a beleza da criança ou o “olho ruim” de algum adulto. Então, após confirmar o nome completo do “paciente”, o encantamento se fazia:

Ana teve Maria. Maria teve Jesus, filho da Virgem Maria, Manuel da Vera Cruz. Fulano (aqui se diz o nome da pessoa que está com mau olhado) se tu tinhas mau-olhado, por que não me disseste? Do teu corpo eu tiraria. Olhado, quebranto, olhar excomungado afastai-vos do corpo de (aqui repete o nome da pessoa que está com mau-olhado) para as ondas do mar sagrado. Ide para algum lugar onde não se ouça nem o cantar do galo. (MAIOR, 1998, p. 36)

 

Terminada a reza, as folhas eram amassadas e jogadas no terreiro, longe de casa. Não sei se a oração transcrita acima é a mesma proferida por minha avó durante os benzimentos que fazia. Ela nunca revelou as palavras que, revestidas de fé, eram capazes de interceder junto ao Divino e providenciar a cura para os males terrenos. No entanto, apresento esta apenas como exemplo de como essas rezas estão presentes no repertório e no imaginário dos fiéis do Catolicismo Popular sertanejo.

Esta forma de exercício do Catolicismo guarda características que a diferencia de outras praticadas em outras regiões do país. Autonomia em relação à Igreja Oficial, evangelização realizada no/para/com/pelo povo, centralidade de figuras conselheiras, a intercessão de santos, independente da ação de autoridades católicas, misticismo e a espontaneidade são características marcantes no Catolicismo Popular sertanejo. Algumas destas marcas também aparecem em manifestações de Catolicismo Popular de outras regiões, mas no Nordeste, além de serem determinantes para a fé do povo, elas, em conjunto, ajudam a constituir uma forma de catolicismo destacadamente sertanejo.

Outra característica que chama a atenção e faz com que o Catolicismo Popular sertanejo se diferencie das demais formas de religiosidade do povo espalhadas pelo país é a centralidade do conselheiro. Não necessariamente ele está em todas as manifestações desta fé, mas figuras como Antônio Conselheiro, os padres Ibiapina e Cícero, Frei Damião e os beatos José Lourenço e José Senhorinho – e mais uma lista de homens e mulheres importantes para a construção de uma religiosidade regional – fazem parte da história do Catolicismo Popular sertanejo, seja percorrendo o interior do Nordeste e ajudando na organização social atrelada a preceitos religiosos, mesmo não sendo parte do clero, seja fazendo parte da institucionalidade da Igreja, mas evangelizando com os olhos para o povo, aproximando a Igreja das pessoas.

Silva (2019), analisando a trajetória de Frei Damião, expressa o seguinte:

A ação missionária de Frei Damião dá-se em um movimento de Catolicismo Popular Sertanejo, que é a forma nordestina do Catolicismo Popular. Um catolicismo predominantemente vivenciado no meio dos mais pobres, afastado dos grandes centros urbanos, de algum modo, de características familiares. [...] A religiosidade do povo nordestino tem suas características que vão para além dos códigos eclesiais. (p. 144 e 276)

 

As rezadeiras, benzedeiras e benzedeiros também fazem parte da constituição do mosaico que é o Catolicismo Popular sertanejo. Os rituais domésticos de acesso ao sagrado por meio de um ritual de súplicas balbuciadas de forma íntima por uma mulher ou homem que detém o conhecimento para combater todos os tipos de males, que conhece segredos da natureza que se revelam aos que estão dispostos a compreendê-los. Às vezes, um balé de folhas, como já descrito, encantadoramente conduzidas pela rezadora ou rezador faz parte do rito; às vezes, uma garrafinha d’água transparente; noutras, um terço. Tudo isso vai depender do objetivo da reza e da tradição da benzedeira ou benzedor.

No sertão nordestino, há a presença marcante de uma religiosidade popular, expressa em rezas, benditos e incelências. Canções e orações que fazem parte do cotidiano de comunidades tradicionais, que significam, atribuem sentidos a terços, novenas e ritos domésticos, que assumem funções diversas em comunidades afetivas. (MORAIS, 2011, p. 1)

 

O uso das rezas e benzimentos com finalidade de cura tem origem provável na Idade Média. Mas a forma como conhecemos hoje, no Brasil, – com a utilização de ervas, ritos gestuais e orais – surge na época colonial, sob a influência determinante dos saberes indígenas e africanos (SOUZA; SANTOS, 2021). Esses povos tinham nas plantas uma fonte de cura para os males físicos e espirituais. Quando o invasor português chegou ao território que depois se tornou o Brasil, por exemplo, os indígenas que aqui habitavam “já conheciam mais de 2 mil plantas medicinais” (LUCIANO, 2006, p. 177). Os negros, por sua vez, sempre tiveram na flora um manancial de asè, “o princípio que torna possível o processo vital” (SANTOS, 2002, p. 39).

Esses conhecimentos foram passados de geração em geração, marcados com a capacidade de desvelar, aos que se colocam à disposição, um mundo místico que pode ser lido na natureza. A um dos rezadores a quem sempre recorro (agora, depois de idosa, minha avó já não sente mais vigor para continuar rezando), esses mistérios da natureza são parte intrínseca da experiência de vida. “Sempre que for tirar uma folha, peça licença à planta”, esse é um dos conselhos que esse senhor que beira os 60 anos de idade sempre me dá, quando me pede para conseguir folhas de pinhão-roxo (Jatropha gossypiifolia).

Em uma dessas coletas, na primeira que fiz após o conselho, pedi licença para fazer a retirada das folhas, com cuidado e respeito à planta que seria o veículo de melhora no meu ânimo. Qual não foi a minha surpresa que, ao terminar de tirar a terceira folha, notei a presença de um ninho de aranhas viúvas-negras próximo ao galho que acessei. Ao retornar e relatar o ocorrido ao rezador, a resposta foi direta: “tá vendo? É preciso ter respeito e permissão para mexer com a natureza, as coisas de Deus”.

A relação íntima e ritualística estabelecida entre o homem e a natureza também é uma das características do Catolicismo Popular sertanejo. As plantas, animais, os fenômenos climáticos não são apenas seres inanimados ou ocorrências meteorológicas. São lidos como sinais do cosmo, indicadores que facilitam a convivência com aquilo que esta para além do controle do humano. “No modo como o sertanejo exerce o seu catolicismo, tem uma intimidade muito significativa com os elementos e fenômenos naturais, seja na interpretação dos sinais do cosmos ou pela crença da influência de rituais nos eventos da natureza, como chuva ou ventos” (SOUZA; SANTOS, 2021, p. 90).

 O Catolicismo Popular praticado no Sertão Nordestino ganha estas marcas específicas em função da maneira como esse território foi invadido e construído socialmente. No sertão, em função do modo como as relações sociais entre invasor europeu, indígenas e negros se desenrolaram, todas as construções religiosas, culturais e socioeconômicas ganham características muito próprias, que diferem este lugar de outros. A relação de interesses mútuos estabelecida entre a Cruz (Igreja) e a Espada (Coroa) no processo de invasão e ocupação desse território gerou uma série de opressões à população negra e indígena que se replica ao longo de séculos.

Nesse cenário, os saberes, ritos e cultura dos povos colonizados foram silenciados e vítimas de um processo que buscou sua dizimação, na tentativa de negar a existência de discursos diferente daquele imposto pelo invasor. Por isso, indígenas e negros escravizados precisaram estabelecer táticas de sobrevivência e proteção de sua gnose ancestral. Moreira (2018) fala em sincretismo e invisibilidade proposital como dois desses mecanismos.

Certeau (1998), ao analisar o que Frei Damião representou para os fiéis do Nordeste, projeta o frade italiano como um exemplo de tática de resistência adotada pelo povo, que possibilitava a criação de um lugar utópico, de possibilidades milagrosas para os pobres.

No entanto dizia-se uma inaceitabilidade da ordem estabelecida, a justo título sob a forma do milagre. Ali, numa linguagem necessariamente estranha à análise das relações sócio-econômicas, podia-se sustentar a esperança que o vencido da história – corpo no qual se escrevem continuamente as vitórias dos ricos ou de seus aliados – possa, na “pessoa” do “santo” humilhado, Damião, possa erguer-se graças aos golpes desferidos pelo céu contra os adversários. (CERTEAU, 1998, p. 77)

 

A expressão da hibridização cultural como meio de resguardo tanto físico quanto espiritual revela-se, dentre diversas formas, por meio do Catolicismo Popular – também praticado em outras regiões. Contudo, a significativa influência da Igreja Católica na configuração sociocultural dos sertões propiciou que, no âmago do Nordeste, essa manifestação popular do catolicismo adquirisse contornos mais distintos e cruciais na edificação das comunidades. Por conseguinte, alguns estudiosos advogam pela presença de um Catolicismo Popular específico do sertão. (SOUZA, 2023; NEVES, 2019; SILVA, 2019; OLIVEIRA, 2019; CRUZ, 2010)

Assim, o Catolicismo Popular sertanejo, esta forma nordestina de prática do Catolicismo Popular, não se faz por uma explicação única, nem se constitui de regras rígidas e ritos pré-determinados. Compreender esta expressão católica nos sertões exige, além do conhecimento histórico, a capacidade de reconhecer que este catolicismo é difuso, pautado em conhecimentos ancestrais que são perpetuados na região.

O exercício dessa fé católica sertaneja mobiliza saberes que vão além das explicações técnico-científicas já conhecidas, bem como dos dogmas religiosos elaborados, escritos e sacralizados. Se o Catolicismo Popular sertanejo é autônomo, instintivo e espontâneo, acrescento que é também polifacetado não só em sua prática, como na origem do conhecimento que o constitui que se atualiza, se modifica, mas preserva um cerne que vem sendo transmitido ao longo dos tempos.

 

DAS REZAS AO MESTRADO

Se ser rezado por Mãe, era algo corriqueiro, que fez parte da minha paisagem de vida na infância - há até pouco tempo -, foi uma cena rara, lá pelos idos de 1995 ou 1996, que me apresentou a devoção que, anos mais tarde, se tornaria tema da minha pesquisa de mestrado: meu pai ajoelhado, no “muro[2]” de casa, no escuro, rezando.

Para contextualizar, Mainha (minha mãe biológica) estava com uma crise de cefaleia que já durava dias. Confesso que não me recordo, ao certo, como ela estava. Daqueles dias, o que mais me marcou foi a imagem de Painho, um homem pouco dado a demonstrações de fé fora da sua intimidade mais profunda, saindo silenciosamente para os fundos da casa, se ajoelhando e rezando em sigilo. Acompanhei tudo da cozinha, escondido, com medo de interromper aquele momento ou gerar algum tipo de constrangimento para aquele homem que recorria ao que aprendeu com o pai, a mãe, tios, avós, vizinhos... com a vida em uma comunidade rural de Juazeiro, Bahia.

Quando Painho voltou para dentro de casa, ainda receoso, perguntei o que ele estava fazendo. “Fiz uma promessa”, me respondeu de forma educada, mas seca, como quem não gostaria de alongar aquela conversa. Respeitei, mas insisti em busca de informações genéricas, que não diziam respeito àquele momento específico. “O que é uma promessa? Por que as pessoas fazem promessa? Ah, é sempre pra um santo? Você prometeu pra quem?”. Foi neste dia que eu descobri, oficialmente, a existência das Santas Maria e Augustinha.

Agora que a graça já foi alcançada, a promessa paga e o ato se tornou público, posso contar que Painho prometeu que, caso Maria e Augustinha intercedendo junto a Deus e promovendo a cura de minha mãe, ela levaria até à capela das santas uma réplica, em madeira, de uma cabeça humana, o chamado ex-voto[3]. Todos esses eventos aconteceram quando eu ainda era criança e continuam repercutindo em minha vida – não à toa tornou-se uma pesquisa de Mestrado, que se desdobra em outras produções.

Aliás, graças a essa repercussão e a forma como essa cena marcou a minha memória, mantive a curiosidade por saber que santas eram essas, que eu nunca tinha ouvido falar. Depois, o interesse aumentou pelo fato de, ainda criança, entender que essas mulheres não fazia parte do rol de figuras sacras estabelecidas pela Igreja Católica oficial. “Como podem ser santas se a Igreja não sabe? Ou pra Igreja elas não são santas?” eram algumas das perguntas que eu me fazia.

Foi atrás dessas respostas (entre outras) que me dediquei ao longo do Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Educação, Cultura e Territórios Semiáridos, da Universidade do Estado da Bahia (Uneb), a entender a devoção às Santas Populares Maria e Augustinha. Recontar a história dessas duas mulheres e como a fé na capacidade intercessoras delas move a fé das pessoas que vivem no povoado de Poções, interior de Juazeiro, e em comunidades do entorno foi um dos objetivos da pesquisa. Para a coleta de dados, utilizei a etnografia e, para isso, me mudei para o povoado, acompanhando a rotina da comunidade, conversando com as pessoas, em busca de uma “descrição densa” (GEERTZ, 2008). “Na construção desta descrição densa, o olhar dos atores do contexto estudado deve ser considerado para que se alcance um relato completo e verossímil da realidade” (SOUZA, 2023, p. 126).

Poções é um lugar pacato, situado no interior do Distrito de Juremal. Cotidianamente, bodes e cachorros disputam espaços com motos e carros nas duas ruas principais do povoado. O cenário se transforma todo dia 2 de novembro, quando ônibus e carros vindos de outros povoados, e até cidades, enchem as vias públicas. Todos trazendo fiéis para homenagear as Santas Populares Maria e Augustinha.

Na data dedicada às homenagens às irmãs, a população de Poções, de pouco mais de 200 habitantes, se multiplica pela presença de fiéis das irmãs. É nesse dia também que os familiares que vivem longe vêm visitar os parentes que permanecem no povoado. Poções é uma típica comunidade tradicional de fundo de pasto[4], com a economia baseada na caprinovinocultura e na agricultura de sequeiro[5]. Outra fonte importante para a economia local são os benefícios sociais, como Bolsa Família e as aposentadorias rurais.

Os poucos equipamentos públicos que existem no povoado funcionam precariamente. O posto de saúde conta com atendimento médico apenas em alguns dias da semana. Além da unidade de saúde, existe uma escola de tempo integral, que oferece os ensinos Infantil I e Fundamental I, além de uma pequena estação de tratamento de água, que é abastecida pela água do Rio São Francisco através de uma adutora pertencente a uma mineradora da região.

Essa estrutura, mesmo precária, já diferencia o lugar do que era no período em que, segundo os fiéis mais antigos, Maria e Augustinha chegaram ao local. Na época, Poções era conhecido como Fazenda Xique-Xique e seria local de passagem para as irmãs que migravam do Ceará, possivelmente, para o Arraial de Canudos, onde dezenas de milhares de pessoas viviam lideradas por Antônio Conselheiro.

Pouco se sabe sobre Maria e Augustinha. Acreditam que eram irmãs, originárias do sul do Ceará. A maneira como são chamadas (irmãs caririzeiras) é um indicativo de que vinham da região do Cariri. Uns dizem que elas viajavam sozinhas; outros, que eram acompanhadas por um irmão e por uma filha (ou filho); há quem diga que também que a única companhia era a do irmão, que se chamaria Cícero. Alguns fiéis dizem que as irmãs eram jovens, outros que se tratavam de “moças velhas”, expressão utilizada para dizer que eram mulheres maduras e virgens.

Fato é que a memória coletiva (Halbwachs, 2006) da comunidade dá conta que Maria e Augustinha, durante a travessia que faziam do Ceará ao interior da Bahia, terminaram morrendo. Vítimas do cansaço da viagem penosa, da fome, de sede, de alguma doença que se abateu sobre elas ou da combinação desses fatores, as irmãs pereceram à sombra de um umbuzeiro, próximo de onde hoje é a Fazenda Caboclos.

Nesse mesmo local, os corpos foram enterrados por vaqueiros do lugar. Esses mesmos homens notaram que, no local das sepulturas, d ois pés de Angico (Anadenanthera colubrina) nasceram e se mantinham verdes, mesmo em tempos de estiagem prolongada. “Milagre!”, alguém logo anunciou. Assim, Maria e Augustinha floresceram como santas na terra em que morreram.

“Eu só sei contar que foi lá que ficaram as milagrosas, né? Porque elas fazem milagre mesmo. Tudo o que a gente se pega com elas é válido” (Icanghi[6], 2021, informação verbal)[7]. Assim, a história se espalhou. E cresceu, junto com o número de fiéis, pedidos de graças e a paga de promessas.

Tem muita gente de lá [São Paulo] que tem a fé. Uma vez mesmo eu fui lá, só não lembro o lugar que era o pessoal, sei que foi a primeira vez que eles vieram aqui pagar uma promessa e era de fora esse pessoal. A gente encontrou com eles lá, na época a gente foi limpar lá para festa… Não sei se eles eram do lado do Pernambuco, do Ceará... São aí de fora (Kumiqua, 2021, informação verbal)[8].

 

Hoje, graças ao pagamento de uma promessa por um fiel, a covas que eram protegidas só por “uma cerquinha de madeira, de forquilha, que nesse tempo até arame era difícil” (IRANDI, 2021, informação verbal)[9] ganharam a proteção de uma capelinha de alvenaria. O lugar ficou conhecido como Covinhas e quem vai chegando a Poções avista de longe uma área descampada e a casinha caiada, com uma varanda de paredes baixas e portões azuis. Na frente, uma cruz metálica indica o local dedicado ao Sagrado. Já do pequeno portão da varanda é possível avistar o túmulo grande encostado na parede e revestido por cerâmica azul céu.

 

Figura 1: Visão do quintal da capela, onde fica o túmulo dedicado à Maria e Augustinha

Fonte: Acervo do autor

 

Ao entrar propriamente na capela, vê-se de longe o pequeno altar repleto de imagens sacras. Nas paredes, quadros de outros santos e coroas de flores de flandre. Os bancos são de madeira e sem apoio para as costas. No centro do altar, as estátuas que representam Maria e Augustinha, construídas de gesso e ornadas com terços, fitas e flores. Durante muito tempo (inclusive, durante a realização da pesquisa), as imagens de Maria e Augustinha estavam no chão, em uma canto da capela, em função do estado deteriorado das estátuas. No entanto, as imagens foram recuperadas e em 2023 já voltaram a ocupar o centro do altar.

Figura 2: Santas Maria e Augustinha

Fonte: Acervo do autor

 

Nos fundos, uma sala de milagres repleta de objetos deixados como pagas de promessas. São ex-votos, fotos, chaves de casa e carro, coroas de flores artificiais, camisas de times de futebol, camisas comuns, muletas e até vestidos de noiva. Essas peças matrimoniais, inclusive, são utilizadas por mulheres que vão se cassar e não tem condições de comprar ou alugar um vestido. Elas, então, pegam os vestidos deixados na capela, usam e depois devolvem à sala de milagres.

E as promessas são muitas e para um sem-fim de assuntos. Pede-se de tudo! “Saúde. Coisa de casa. Pra se tiver um objeto desaparecido, aparecer. Um animal, uma coisa assim” (IRANDI, 2021, informação verbal)[10]. A lembrança de uma das promessas mais comentadas pelos fieis de Maria e Augustinha descansa recostada ao umbuzeiro em frente à capela: uma cruz que pesava exatos 20 quilos, quanto construída. Essa cruz foi levada por 70 quilômetros, nas costas, por um homem que pedia a intercessão de Maria e Augustinha em favor da saúde da filha recém-nascida.

Eu fiz essa promessa, deixe eu lhe dizer. A minha filha mais velha, nós só tinha ela. Eu cortava carne no mercado, eu saí de casa, toda hora vendo a pessoa chegar na porta do mercado [dizendo] que ela tinha morrido. Aí eu comecei a chorar e me lembrei que o povo falava nessas “caririzeiras”, eu fiz a promessa com elas de levar uma cruz de 20 quilos. Certo? Levar uma cruz de 20 quilos lá nas covas delas. Então, quando eu cheguei em casa ela [a filha] já tava boa (Padzu, 2022, informação verbal)[11].

 

Esse breve relato feito sobre a devoção às Santas Populares Maria e Augustinha reforçam a percepção sobre como o Catolicismo Popular sertanejo está presente no dia-a-dia das pessoas dos sertões nordestinos. Essa realidade transforma o Catolicismo oficial, adapta-o à realidade dos fieis. A pompa das celebrações eclesiásticas, o uso do latim, a desconexão com a natureza e tudo o que os missionários europeus tentaram transpor e impor ipsis litteris no Brasil, a partir, destaque-se, do extermínio dos saberes e crenças indígenas e negros, não fazia sentido para uma população que tinha necessidades tão particulares.

É uma fé praticada de forma intuitiva, autônoma em relação à necessidade da intermediação de uma autoridade eclesiástica para acesso ao Divino. Isso não significa uma negação da Igreja Oficial ou da importância do clérigo em determinados momentos, especialmente na administração dos sacramentos. No entanto, na prática do Catolicismo Popular, o padre não é a figura central do exercício da fé, o acesso a Deus se faz na intimidade do fiel, em geral com a intercessão de santos e santas.

Trata-se duma espécie de conhecimento emocional, muito mais ao nível psíquico que racional; não brotando de dados científicos transmitidos de fora ou aprendidos de outrem, esse conhecimento singular alicerça-se em convicções íntimas e afetivas do foro pessoal ou tradicional que, por isso mesmo, são inefáveis e inexplicáveis, mais arraigadas e firmes. Nessas circunstâncias, o “eu sei” do homem religioso equivale a “eu sinto”, “eu experimento”, “ninguém me disse, mas eu pressinto”. (DIAS, 1996-1997, p.2)

 

A interação entre o Catolicismo Popular e o Catolicismo Oficial é de natureza dialética, uma vez que as camadas populares não rejeitam os símbolos da religião oficial, mas, em vez disso, procedem a uma reinterpretação de seus significados. Essa ressignificação muitas vezes ocorre em contraposição às intenções iniciais do clero, adotando uma abordagem comunitária enriquecida por experiências e saberes populares. Dessa forma, esses novos símbolos, embora mantenham paralelos com os originais, aproximam-se da realidade do povo, adquirindo um significado pleno no contexto da vivência da fé popular.

Assim, considero que a história de devoção a Maria e Augustinha ajuda a explicar de maneira exemplar o Catolicismo Popular sertanejo, onde a religião oficial entrelaça-se com as crenças e conhecimentos populares na formação das práticas de fé. Compreendo, portanto, o Catolicismo Popular como o resultado de um processo de hibridização cultural, no qual as normas e rituais da religião oficial são tanto modificados pelo povo quanto modificam a maneira como este vive suas crenças. Como defende Canclini (1989):

En medio de estas tensiones se constituyen las relaciones complejas, nada esquemáticas, entre lo hegemónico e lo subalterno, lo incluido y lo excluido. Esta és una de las causas por las que la modernidad implica tanto procesos de segregación como de hibridación entre los diversos sectores sociales y sus sistemas simbólicos. (CANCLINI, 1989, p. 40)

 

Esse processo de hibridização resulta na ressignificação de muitos símbolos de fé, frequentemente em contraste com os preceitos da religião romanizada, adotando um caráter comunitário e, assim, aproximando-se mais da realidade local.

Nessa seara, o Catolicismo Popular sertanejo pode ser explicado como o encontro do Catolicismo Oficial com a gnose dos povos originários e dos negros escravizados, surgindo daí uma maneira negociada de viver a fé (o que não significa que se tratou de um processo pacífico. Pelo contrário, foi algo eivado de violências). Essa nova expressão agrega a imposição da religião europeia às crenças dos povos subalternizados.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Escrever um artigo para um periódico científico em primeira pessoa é, ainda, um exercício que requer desprendimento de todas as regras que foram criadas em relação à ciência e a forma como o cientista deve se colocar (de preferência, longe) no trabalho. No entanto, acredito que falar em primeira pessoa, assumir minha posição enquanto pesquisador e deixar isso explícito, é uma maneira de ser honesto com o leitor e comigo mesmo, além de um importante passo rumo de enfrentamento ao “monopólio da violência” (NINO, 2020) mantido com a ajuda da escrita.

Escrever era um exercício que, no século XIX, respondia à necessidade de ordenar e instaurar a lógica da “civilização” e que antecipava o sonho modernizador das elites criollas. A palavra escrita constrói leis e identidades nacionais, planeja programas modernizadores, organiza a compreensão do mundo em termos de inclusões e exclusões. (CASTRO-GÓMEZ, 2000, p. 148, tradução nossa).

 

No entanto, adotar esse tipo de escrita não é apartar-se do rigor metodológico. E a autoetnografia é um dos métodos que demonstra isso. A escolha por essa metodologia me possibilitou percorrer um caminho de descrição de experiências pessoas, alargando-as para as vivências comunitárias, com um olhar analítico para o arranjo sociocultural deste território sertanejo que habito e estudo. Deste modo, a autoetnografia me permitiu descrever essas experiências, a partir da análise do que observei e absorvi ao longo da vida e da pesquisa de Mestrado.

Assim, as rezas e benzeções, tão corriqueiras na minha vida, tornam-se rituais-chaves para a introdução na discussão do Catolicismo Popular sertanejo, pela necessidade de compreender esse dom que conheci com minha avó. Com o conhecimento transmitido por antepassados, mulheres e homens que têm esse condão de cura, de acesso ao Sagrado, induzem a reflexão de como a religiosidade, apesar de ser utilizada como mecanismo de opressão no empreendimento de invasão europeia no território que viria a ser o Brasil, foi adaptada à realidade dessas pessoas subalternizadas.

Adotando a tática (CERTEAU, 1998) de operar nas brechas e falhas da vigilância do poder, essas pessoas foram, golpe por golpe, criando e exercitando manifestações que reúnem em si princípios do Catolicismo, de religiões africanas e indígenas. É essa resistência que resulta no Catolicismo Popular sertanejo e em todas as suas expressões de fé, entre elas, a criação dos seus próprios santos, intercessores diretos entre o humano e o Sagrado.

Esse é o caso das Santas Populares Maria e Augustinha. Mesmo sem o reconhecimento da Igreja, as irmãs cearenses, que morreram durante a migração para o Arraial de Canudos, foram tornadas santas pelas mulheres e homens que habitam Poções, no interior de Juazeiro, e seu entorno. A fé que se renova há mais de um século e perpetua a esperança nas irmãs caririzeiras é o mote para a superação dos mais diversos males, em acordos onde a Igreja oficial não é convidada a fazer parte. É o fiel, as santas do povo e Deus, sem a necessidade de intromissão do clero.

Deste modo, resta nítida a possibilidade de refletir a experiência comum a partir da vivência individual. Também se confirma a existência de um Catolicismo Popular típico dos sertões nordestinos, com seus códigos, ritos e gnose próprios. Reconhecer isso é promover o respeito a esses povos e ampliar o conjunto de lentes para a observação de mundo diverso e repleto de conhecimentos por muitos, ainda, menoscabado.

 

 

REFERÊNCIAS

 

ABREU, Jean Luiz Neves. Difusão, produção e consumo das imagens visuais: o caso dos ex-votos mineiros do século XVIII. Revista Brasileira de História, [S.L.], v. 25, n. 49, p. 197-214, jan. 2005. FapUNIFESP (SciELO). http://dx.doi.org/10.1590/s0102-01882005000100010. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbh/a/WmYq3pcFQ9vD58r5vzf4Kmw/?lang=pt#. Acesso em: 21 ago. 2022.

 

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CANCLINI, Néstor García. Culturas Híbridas: estrategias para entrar y salir de la modernidad. Ciudad de México: Grijalbo, 1989.

 

CASTRO-GÓMEZ, Santiago. Ciencias sociales, violência epistémica y el problema de la “invención del otro”. In.: LANDER, Edgard.: La colonialidad del saber: eurocentrismo y ciências sociales. Perspectivas latino-americanas. Buenos Aires: CLACSO, 2000

 

CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: artes do fazer. 3. ed. Petropólis: Vozes, 1998.

 

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GARCEZ, Angelina Nobre Rolim. Fundo de Pasto: um projeto de vida do sertanejo. Salvador: INTERBA/SEPANTEC/CAR, 1987

 

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SOUZA, Jadnaelson da Silva. Santas sem Igreja: uma etnografia da devoção à Maria e Augustinha, em Poções, Juazeiro-BA. 2023. 260 f. Dissertação (Mestrado) – Curso de Educação, Cultura e Territórios Semiáridos, Departamento de Ciências Sociais III, Universidade do Estado da Bahia, Juazeiro-BA, 2023. Disponível em:

<http://www.saberaberto.uneb.br/bitstream/20.500.11896/4350/1/Santas%20sem%20Igreja_Jadnaelson%20Souza.pdf>. Acesso em: 01 nov. 2023.

 

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Agradecimentos

 

Registro meus agradecimentos a todas as pessoas que contribuíram para a efetivação desta pesquisa, em especial às rezadoras e rezadores que cuidaram/cuidam de mim e aos fieis das Santas Maria e Augustinha. Também registro minha gratidão à professora Dr.ª Márcia Guena, que me conduziu durante a pesquisa que resultou na dissertação “Santas sem Igreja: uma etnografia da devoção à Maria e Augustinha em Poções, Juazeiro-BA”, pelo Programa de Pós-Graduação em Educação, Cultura e Territórios Semiáridos, do Departamento de Ciências Humanas (DCH III), da Universidade do Estado da Bahia (Uneb).


[1] Pesquisa aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Estado da Bahia. Parecer consubstanciado n.º 5.129.028.

[2] Na região de Juazeiro-BA, muro é sinônimo de quintal.

[3] Os ex-votos são objetos produzidos e depositados em locais relacionados ao sagrado – como salas de milagres –, como forma de agradecer uma graça alcançada, e que tem, entre outras, a forma de partes do corpo. “O ex-voto é a expressão concreta da religião, que se manifesta através do ‘ver’, ‘fazer’ e ‘tocar’. Representa a materialidade miraculosa, o meio para que a eficiência taumatúrgica seja objetivada.” (OLIVEIRA; PRÊTRE, 2019, p. 207). (ABREU, 2005; OLIVEIRA, 2010; GORDO, 2017) 

[4] “Propriedades coletivas ocupadas, de modo geral, por uma comunidade de origem familiar comum, onde se realiza, como atividade predominante, um pastoreio comunitário extensivo de gado de pequeno porte e, subsidiariamente, uma precária agricultura de subsistência, representada, principalmente, pelos cultivos do milho, do feijão e da mandioca” (GARCEZ, 1987, p. 21).

[5] Modelo de cultivo que tem como base o aproveitamento da água da chuva em locais de baixa pluviosidade, envolvendo diversas técnicas, para que as espécies de cultivo possam resistir ao período de estiagem.

[6] Os nomes verdadeiros das pessoas entrevistadas serão substituídos por substantivos indígenas do vocabulário da etnia Kariri-Xocó, para preservação da confidencialidade e do sigilo, conforme previsto no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade do Estado da Bahia (Uneb). 

[7] ICANGHI. Entrevista III. [out. 2021]. Entrevistador: Jadnaelson da Silva Souza. Juazeiro, 2021. 1 arquivo. WAV (25 min)

[8] KUMIQUA. Entrevista IV. [out. 2021]. Entrevistador: Jadnaelson da Silva Souza. Juazeiro, 2021. 1 arquivo. WAV (30 min.)

[9] IRANDI; WANAKIDZÉ. Entrevista I. [out. 2021]. Entrevistador: Jadnaelson da Silva Souza. Juazeiro, 2021. 1 arquivo.WAV (25 min.)

[10] IRANDI; WANAKIDZÉ. Entrevista I. [out. 2021]. Entrevistador: Jadnaelson da Silva Souza. Juazeiro, 2021. 1 arquivo.WAV (25 min.)

[11] PADZU. Entrevista V. [ago. 2022]. Entrevistador: Jadnaelson da Silva Souza, Juazeiro, 2021. 1 arquivo. M4A (44 min.)