Seção Livre
BABEL, Alagoinhas - BA, 2023, v. 13: e17327.
FERNANDEZ, Luryan Silva; GONÇALVES, Josiane Peres. O acesso à língua inglesa nas escolas públicas de comunidades periféricas. Babel: Revista Eletrônica de Línguas e Literaturas Estrangeiras, 2023, v. 13, e17327.
O acesso à língua inglesa nas escolas públicas de comunidades periféricas
Access to the English language in public schools in peripheral communities
Luryan Silva Fernandez
Josiane Peres Gonçalves
Resumo: Esse estudo tem o objetivo de apontar os caminhos a serem percorridos no ensino da língua inglesa para uma prática transformadora e Libertadora (FREIRE, 2000) e analisa os contextos de ensino nas comunidades menos favorecidas (MACIEL, 2011) e o ensino do Inglês obrigatório nesses lugares (LDB, 1996) sob o novo olhar do documento norteador Base Nacional Comum Curricular (2018). Apresenta, ainda, reflexões sobre o ensino do Inglês e o fenômeno da Globalização no que se refere à exclusão e inclusão social. O estudo aponta que o ensino do inglês, pautado na visão de Educação Crítica, poderá levar o aluno ao conhecimento de si e do outro, criar consciência histórica e social de seu lugar no mundo e procurar mecanismos, inclusive por meio do ensino da língua inglesa, para transformar a realidade social em que encontra-se inserido, contribuindo assim para que haja mudanças e avanços locais, nacionais e globais.
Palavras-chave: Língua inglesa. Globalização. Educação Emancipadora.
Abstract: This study aims to point out the paths to be followed in the teaching of the English language for a transforming and liberating practice (FREIRE, 2000) and analyzes the teaching contexts in less favored communities (MACIEL, 2011) and the teaching of mandatory English in these places (LDB, 1996) under the new look of the guiding document Base Nacional Comum Curricular, 2018. It also presents reflections on the teaching of English and the phenomenon of Globalization with regard to social exclusion and inclusion. The study points out that the teaching of English, based on the perspective of Critical Education, can lead the student to knowledge of himself and the other, create historical and social awareness of one's place in the world and seek mechanisms, including through English language teaching, to transform the social reality in which it is inserted, thus contributing to local, national and global changes and advances.
Keywords: English Language. Globalization. Emancipating Education.
Introdução
A ideia desse estudo surgiu devido as inquietações relativas ao acesso e ensino de língua inglesa em comunidades de baixa renda no Brasil. Parte-se do princípio de que tratar do ensino de língua inglesa em território brasileiro é algo de grande relevância, já que há uma necessidade urgente em saber o idioma, seja para o exercício profissional, bem como para viagens e outras atividades de interação humana. Com a globalização e avanço tecnológico, aumentou a necessidade de falar uma segunda língua, mas infelizmente se percebe uma precariedade na formação dos estudantes e profissionais dessa área no país. Por se tratar de língua globalizada, a língua inglesa é ofertada a todos no Brasil e entende-se que pode ser acessada em qualquer lugar do mundo, pois ela abre caminhos e oportunidades para os estudantes. Como aparece na Base Nacional Comum Curricular (BNCC):
Aprender a língua inglesa propicia a criação de novas formas de engajamento e participação dos alunos em um mundo social cada vez mais globalizado e plural, em que as fronteiras entre países e interesses pessoais, locais, regionais, nacionais e transnacionais estão cada vez mais difusas e contraditórias. Assim, o estudo da língua inglesa pode possibilitar a todos o acesso aos saberes linguísticos necessários para engajamento e participação, contribuindo para o agenciamento crítico dos estudantes e para o exercício da cidadania ativa, além de ampliar as possibilidades de interação e mobilidade, abrindo novos percursos de construção de conhecimentos e de continuidade nos estudos. (BNCC, 2017, p. 241).
Ainda de acordo com a BNCC, é imprescindível que o ensino da língua inglesa tenha o foco nas questões culturais e sociais para que a Língua seja aprendida de forma natural. Desse modo, faz-se necessário pensarmos se as práticas desenvolvidas em sala de aula nas escolas públicas têm obtido resultados significativos ou essas aulas são ministradas apenas para cumprir o currículo escolar da Educação Formal, sem nenhum real impacto de transformação das realidades. Para se falar em prática pedagógica no ensino de idiomas atualmente, é interessante lembrar que a BNCC prioriza o foco da função social e política do inglês e, nesse sentido, passa a tratá-la em seu status de língua franca. Como podemos encontrar no Eixo Dimensão Intercultural da BNCC:
[...] as culturas, especialmente na sociedade contemporânea, estão em contínuo processo de interação e (re)construção. Desse modo, diferentes grupos de pessoas, com interesses, agendas e repertórios linguísticos e culturais diversos, vivenciam, em seus contatos e fluxos interacionais, processos de constituição de identidades abertas e plurais. Este é o cenário do inglês como língua franca, e, nele, aprender inglês implica problematizar os diferentes papéis da própria língua inglesa no mundo, seus valores, seu alcance e seus efeitos nas relações entre diferentes pessoas e povos, tanto na sociedade contemporânea quanto em uma perspectiva histórica. Nesse sentido, o tratamento do inglês como língua franca impõe desafios e novas prioridades para o ensino, entre os quais o adensamento das reflexões sobre as relações entre língua, identidade e cultura, e o desenvolvimento da competência intercultural. (BRASIL, 2018, p. 245).
Sob esse prisma, de acordo com o referido documento, não existe a forma “correta” de se falar o inglês, levando em consideração os modelos americanos e britânicos que vêm sendo ensinado há anos. A BNCC aponta para o ensino amplo do inglês, destacando seu alcance mundial e global na sociedade contemporânea e, nesse cenário, uma prática construtiva legitima o uso do inglês em contextos locais, “com diferentes repertórios linguísticos e culturais” (BNCC, 2018, 241). Por essa razão, pensar as práticas pedagógicas de língua inglesa atualmente nas escolas públicas brasileiras se torna essencial, visto que ainda existe a visão daquele ‘inglês perfeito’, inatingível, que tanto o aluno como o professor não visualizam uma necessidade real em aprendê-lo. Logo, é necessário enxergar a língua inglesa numa realidade brasileira, com alunos brasileiros e professores que estão, muitas vezes, em lugares distantes das grandes metrópoles e inseridos em contextos de comunidades de baixa renda e partir de então, buscar mecanismos de orientação de quais caminhos seguir para que haja a contextualização das aulas tornando o idioma acessível e prazeroso de se aprender e para que esse aluno e esse professor sejam atingidos positivamente e ganhe interesse pela língua inglesa.
No entanto, ao se discutir o ensino de idiomas no Brasil, principalmente no tocante à língua inglesa, há indícios de que existe uma enorme defasagem tanto de acesso quanto de ensino, principalmente em locais mais distantes e periféricos do país. Diante disso, levanta-se a hipótese de que esse resultado advém de diversas questões sociais que podem entravar e dificultar esse processo de ensino e aprendizagem do inglês. Assim, pensar todo processo e acesso ao inglês na perspectiva da Educação Libertadora e como o real acesso ao inglês poderia e pode potencializar a libertação sob várias perspectivas e apontar os caminhos a serem percorridos, torna-se o objetivo dessa pesquisa, já que, segundo Freire (2000), pensar a realidade criticamente é a maneira mais eficaz de se combater ao que se é imposto socialmente.
Esse estudo está dividido em três partes, a primeira é uma reflexão e um breve histórico do ensino do inglês no Brasil e as condições de acesso aos idiomas pautados na Globalização, a segunda discutirá o que é Educação Crítica e sua aplicação nas aulas de língua inglesa em comunidades de baixa renda, e a terceira trata-se de apontamentos para um ensino democrático e eficaz do inglês no Brasil.
Inglês: uma Língua para todos?
O ensino do inglês nem sempre foi obrigatório no Brasil e também não era o inglês a língua estrangeira priorizada no período colonial, na segunda fase da educação jesuíta, pois, segundo Saviani (2011, p. 57), “o latim e o grego constituíam disciplinas dominantes” e tinham prioridade e destaque nas escolas. No entanto, com o passar dos anos considerou-se a importância de ensino das línguas estrangeiras modernas, visto a grande necessidade de desenvolvimento da economia no Brasil e o destaque do crescimento econômico da Inglaterra naquele momento histórico. Assim sendo, a língua inglesa passou a ser ensinada sem a importância cultural do Latim e do Francês, mas apenas para fins práticos, “já que o seu conhecimento, não sendo exigido para os ingressos nas academias [...] justificava-se [...] pelas relações comerciais da nação portuguesa com a inglesa” (OLIVEIRA, 1999, p. 26).
Dessa forma, o ensino das línguas estrangeiras modernas, sobretudo o inglês, foi ganhando cada vez mais espaço em território brasileiro e passou por vários cenários e contextos históricos. Foi em 1930 que o ensino do inglês começou a mudar com o surgimento de cursos livres e maior valor cultural ao idioma foi concedido. Em 1942, o inglês passou a ser ensinado juntamente ao Frances nos colégios com dois anos de duração. Os primeiros documentos norteadores, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Básica, retiram a língua inglesa como disciplina obrigatória do currículo nacional (BRASIL, 1961, 1971). Já a LDB de 1996, volta a incluir o ensino do inglês como obrigatório no Ensino Fundamental, porém o deixa optativo no enino médio: “será incluída uma língua estrangeira moderna, como disciplina obrigatória, escolhida pela comunidade escolar, e uma segunda, em caráter optativo, dentro das possibilidades da instituição” (BRASIL, 1996.).
É somente em 2017, com a Reforma do Ensino Médio, que o ensino do inglês passa a ser obrigatório em todas as etapas da Educação Básica no Brasil e que os documentos norteadores trazem uma nova sistematização do processo de ensino e aprendizagem e uma visão do inglês plural na perspectiva de uma educação consciente e linguística. A Base Nacional Comum Curricular (2018) aborda o ensino da língua inglesa como uma forma de intercâmbio cultural abrindo caminhos de acesso ao idioma e a múltipla construção do conhecimento, além de destacar a participação social.
Diante do breve histórico de ensino da língua inglesa no Brasil, que só foi se tornar efetivamente parte de todo currículo escolar em 2017, há muitas questões que precisam ser debatidas, tais como, com a obrigatoriedade recente, como está o acesso ao idioma nos mais diversos locais em comunidades de baixa renda? E até que ponto esse ensino é de fato difundido em todos os contextos sociais do Brasil? Partindo do entendimento do ensino do inglês como Língua globalizada e que o objetivo principal atualmente (com base nos documentos nacionais de Educação) é inserir o aluno nesse universo multicultural, como determina a BNCC, questiona-se como esses espaços educacionais são realmente organizados para que todos tenham acesso ao idioma e adquiram tal conhecimento de forma igualitária. Brydon (2010) ressalta que:
O inglês possibilita a entrada em um diálogo global que está atravessando vários tipos de barreiras para criar uma esfera pública global que possibilita o desenvolvimento de uma comunicação global – entre alguns grupos – a respeito de questões globais. Mas se saber inglês possibilita a entrada de alguns, não saber inglês cria barreiras para outros (BRYDON, 2010, p. 18, tradução nossa).
Nesse sentido, de acordo com a autora, saber inglês tem se tornado um tipo de letramento que vem cada vez mais sendo exigido em todos os países, independentemente do domínio da língua materna em questão. Brydon (2010) afirma que “ensinar inglês [...] tornou-se um grande negócio de maneira a apoiar as visões neoliberais da educação como um serviço.” Diante disso é preciso ter cautela ao pensar o ensino de língua inglesa nas escolas públicas, principalmente nos contextos locais com condições econômicas mais vulnerável, pois é interessante refletir até que ponto o ensino do inglês tem alcançado o objetivo que é inserir o estudante, independente de classe social, no mundo cada vez mais globalizado. Afina, na sociedade contemporânea há os locais dos privilegiados pela globalização e os que estão ao mesmo tempo devido a ela às margens da sociedade. Petri e Weber (2006, p. 82) salientam que a globalização “é seletiva, pois escolhe alguns lugares, certas atividades, determinados setores e poucos grupos e segmentos sociais para serem mundializados e desfrutarem dos benefícios”. Dessa forma, ao mesmo tempo que o ensino pautado na globalização inclui certas classes, ela também exclui.
Nessa perspectiva, pensar o ensino do inglês em locais menos favorecidos remete à reflexão de que tais lugares não estão cercados de recursos materiais e humanos para organizarem o ensino de idiomas (inglês) na mesma proporção que instituições dotadas de poder aquisitivo estão. Assim, torna-se essencial criar meios de acesso ao conhecimento dentro da visão de Educação Crítica, pois ao que está aos olhos e determinados nos documentos, todos têm acesso de igual modo. No entanto, ao se considerar as questões sociais e econômicas é possível perceber uma disparidade dentro do ensino de língua inglesa, que continua sendo limitado. Por outro lado, existe o pensamento extremo de que o inglês não tem relevância para ser aprendido no Brasil, visto que há tantos outras questões mais importantes para serem trabalhadas e investidas quando se pensa em comunidades de baixa renda, mas tal pensamento carrega consigo a mesma razão excludente da perspectiva liberal, tendo em vista que:
No caso da LE, o discurso includente é aquele que exclui. Diante da ideia já insustentável no mundo globalizado, de que o produto estrangeiro é melhor que o nacional, tenta-se passar a imagem oposta e igualmente insustentável de que só o que é nosso tem valor [...] cria-se também uma barreira linguistica [...] principalmente o pobre [...] tenta-se tirar dele a oportunidade de aprender a língua estrangeira.” (LIMA, 2011, p. 19-20).
Assim, para o autor, o discurso de que o ensino do inglês dentro das escolas públicas, em comunidades menos favorecidas, não tem sentido, nem necessidade, se torna de igual modo excludente, pois é uma maneira de tirar a oportunidade de aquisição de uma nova língua desses sujeitos, pois “insiste-se em dar um conhecimento que ele já tem (a língua nacional) negando-lhe acesso a um conhecimento que ele não tem (a língua estrangeira)” Logo, torna-se uma tentativa de incluir, excluindo. Ainda segundo Lima (2011), o ensino de língua inglesa dentro das escolas públicas não tem cumprido seu papel e finalidade, pois muitos estudantes precisam recorrer a cursos de idiomas para adquirem ou melhorem o domínio do inglês, idioma que é cada vez mais exigido no mercado de trabalho e sua aquisição atribui competências que asseguram vantagem social a quem o domina.
Dessa forma, ao se levar em consideração a necessidade de se fazer um curso de idiomas no Brasil, é preciso pensar que nem todos os sujeitos têm condições financeiras para custear uma escola de idiomas, pois costumam ter mensalidades com valores relativamente altos, que não comportam na vida econômica da maioria da população no Brasil e principalmente daqueles que dependem da Educação Pública. Assim, a aquisição do idioma (inglês) que deveria sanar ou diminuir a desigualdade social, da forma como vem sendo aplicada, acaba por reforçá-la, pois tem promovido, em vários aspectos, a exclusão daqueles que estão mais vulneráveis econômica e socialmente.
Diante disso, é preciso uma atuação direta da Educação nesse processo e um pensamento de Ensino do Inglês que contribua com a diminuição desses impactos sociais devido às condições de acesso, pois a globalização apresenta o discurso de inclusão, mas traz consigo uma barreira que separam os “mundos”. De um lado os favorecidos historicamente e do outro os menos favorecidos que buscam por um lugar na sociedade. E essa Educação não vem apenas dos documentos norteadores que, muitas vezes, traçam os esquemas educacionais sem dar a devida relevância aos contextos históricos e sociais, mas uma Educação Crítica que possa oferecer formas de inclusão e engajamento dos estudantes nas práticas sociais e possam se tornar os agentes de modificação da realidade em que estão presentes.
A Educação Crítica e o ensino do Inglês em comunidades periféricas
Para melhor compreensão da Educação Crítica no ensino da língua inglesa, é preciso entender o que se entende por Educação Crítica e qual é a sua essência. A Educação Crítica busca a transformação social do indivíduo em seu contexto local e veicula as práticas pedagógicas e a luta por direitos e justiça social (TEITELBAUM, 2011). A teoria crítica também pressupõe que existe uma ideia acalentadora de que há justiça social nos padrões pedagógicos normatizadores, mas que tal pensamento não passa de algo ilusório. Ainda na concepção de Educação Crítica, existe a ideia de que a relação de exploração e dominação merece um alcance e visibilidade maior atribuindo a ela grande relevância.
Segundo Diaz (2006), a Educação Social Crítica tem algumas características que são únicas e possui traços e valores, tais como: caráter crítico-reflexivo, aprofunda valores ao modo tradicional que traz a educação formal, promove uma conexão entre educação e sociedade, busca a união da teoria e prática, é dialética, tem como estratégia a investigação e a pesquisa e traz a como critério de apreciação da prática pedagógica a reflexão, etc.
Tendo em vista esse breve conceito de Educação Crítica, busca-se analisar o ensino de língua inglesa em contextos locais a partir dessa perspectiva, pois muitas escolas públicas estão inseridas em contextos sociais que trazem o sujeito com um destino previamente traçado histórico e socialmente, que para ascender e mudar de realidade entende-se que esse individuo precisará receber uma Educação que o possibilite de pensar sua formação integralmente. No entanto, nessa perspectiva, existe uma barreira invisível que faz com que o individuo pense que ele não pode transpor tal realidade. Essas barreiras sociais, políticas e econômicas são impostas a ele colocando-o inerte ao processo e o fazendo temer qualquer ação modificadora da atual situação, o que acaba por gerar um contínuo processo de dominação e exploração dos detentores do poder estabelecido histórico e culturalmente. Nesse sentido, é importante recordar que, Freire (2005) considera que:
Somente quando os oprimidos descobrem, nitidamente, o opressor, e se engajam na luta organizada por sua libertação, começam a crer em si mesmos, superando, assim, sua “convivência” com o regime opressor. Se esta descoberta não pode ser feita em nível puramente intelectual, mas da ação, o que nos parece fundamental é que esta não se cinja a mero ativismo, mas esteja associada a sério empenho de reflexão, para que seja práxis” (FREIRE, 1987, p. 29).
A tomada de consciência para transformação parte do pressuposto de que o processo dar-se-à a partir de uma Educação Crítica que levará esse indivíduo a crer na mudança e superação da imposição social. A partir daí, vale pensar a realidade que é encontrada em contextos locais compostos pela estruturação social de que trata a Pedagogia Crítica e como o ensino do inglês tem ocorrido nesses mais remotos contextos educacionais.
Sob esse prisma, dentro da realidade escolar, faz-se necessária a apropriação do discurso de libertação, pois é dentro da escola que o indivíduo pode encontrar formas para sua emancipação social. Assim sendo, é importante que professores e alunos busquem questionar e pensar criticamente no ambiente escolar transformando o espaço num lugar em que todos possam falar e serem ouvidos, onde haja uma constante ação democrática do poder, valendo-se de questionamentos e situações em que está inserida a escola pública em questão para que sejam agentes atuais e futuros dentro de seu contexto social. Na visão do ensino crítico do inglês nas escolas, é importante frisar que a prática pedagógica deve sempre priorizar as questões locais e desenvolver projetos e trabalhos que possam levar o estudante à reflexão da realidade local, e assim, deixar para trás a concepção de ensino que envolve a aquisição do idioma valendo-se de referenciais do falante ideal e passa assim a dar mais valor e importância à realidade do lugar para que haja a construção do conhecimento.
Canagarajah (1999) enfatiza que os sujeitos que vivem em comunidades distantes e periféricas devem receber o ensino do inglês dentro de seus próprios referenciais culturais e sociais negociando, assim, o ensino do idioma a fim de fazê-lo ganhar identidade própria, clareza e expressão crítica para que não venha apenas “repetir servilmente a linguagem e aceitá-la com os valores típicos que a incorpora com as desfavoráveis representações que ela fornece...” (CANAGARAJAH, 1999, p. 176, tradução nossa). Dessa forma, de acordo com o autor, os estudantes usarão a língua conforme com suas próprias aspirações e necessidades, reposicionando-se diante do discurso na língua inglesa e, assim, não a usarão como escravos, mas como agentes, não “mecânica e timidamente, mas criativa e criticamente” (CANAGARAJAH , 1999, p. 176, tradução nossa).
Diante disso, para que o ensino do inglês tenha como objetivo a transformação e mudança social do individuo o professor precisa orientar seus alunos a questionar o que está posto como padrão vigente na sociedade, bem como levantar debates e reflexões sobre situações de injustiça e exclusão, além de problematizar conceitos e interpretar textos e discursos de forma crítica. É importante destacar que, dentro desse processo, nenhuma voz deve ser silenciada, por isso se torna essencial a criação do conflito para que os alunos fiquem conscientes da força que exercem e das forças que os cercam e fortaleçam-se em suas práticas sociais.
O ensino crítico da língua inglesa, nesse sentido, compromete-se com a formação de cidadãos engajados na luta por justiça social e que desenvolvam a capacidade de se colocar enquanto indivíduo em seu contexto local e também em escala global, pois terá se apropriado da língua inglesa conforme sua realidade e necessidade. Por isso, torna-se imprescindível pensar na importância de, mediante uma Educação Libertadora, propiciar um acesso democrático ao inglês, quebrando os paradigmas sociais que são impostos e rompendo as barreiras impostas pela globalização, que segundo Maciel (2011, p. 255) “pode tanto incluir como excluir os cidadãos”. Desse modo, faz-se urgente as discussões e reflexões acerca da democratização da língua inglesa no Brasil.
A importância do ensino democrático da língua inglesa
Para reflexão sobre a democratização do ensino do inglês e quais caminhos seguir no que se refere as práticas pedagógicas dentro da visão Crítica em língua inglesa, serão abordadas algumas considerações na perspectiva de Educação Libertadora de Paulo Freire. Para o autor, pensar a educação é crer na luta contra as formas de dominação para a ascensão do sujeito e superação das injustiças o que torna a prática educacional, também uma guerra em favor de “formas de conhecimento, habilidades e relações sociais que promovam as condições para a emancipação social” (GIROUX, 1997, p. 146).
Assim sendo, na perspectiva Freiriana, para que a educação seja de fato libertadora, o sujeito precisa agir de maneira consciente e crítica para transformar o contexto em que está inserido, isso é o que em sua teoria ele denomina de Práxis, que nada mais é que uma “ação consciente em que estudantes e professores tornam-se sujeitos que sabem ver a realidade e refletir criticamente” (AU, 2011, p. 251). E para que isso ocorra, há dois fundamentos essenciais: O diálogo e a problematização.
O diálogo, para Freire (1987), é o momento em que os sujeitos se unem para fazer uma reflexão sobre sua realidade, mas que não seja apenas uma troca de ideias e experiência, mas algo palpável que convide o individuo a refletir com clareza e profundidade, como ele afirma:
O diálogo é uma exigência existencial. E, se ele é o encontro que se solidariza o refletir e o agir de seus sujeitos endereçados ao mundo a ser transformado e humanizado, não pode reduzir-se a um ato de depositar idéias de um sujeito no outro, nem tampouco tornar-se simples troca de ideias a serem consumidas pelos permutantes. (FREIRE, 1987, p. 45).
Desse modo, o ponto de partida para que o ensino se torne realmente significante e faça sentido para os estudantes, transformando-se em conhecimento, é necessário que o professor abra espaços para o diálogo e busque debater as questões emergentes dos contextos sociais de seus alunos para que ocorra o aprendizado mútuo por meio da problematização. Logo, partindo do diálogo, professores e estudantes se juntam para questionar e fazer críticas sobre sua realidade, usando de artefatos materiais e culturais que estão presentes em seu cotidiano para levantar debates sobre ações práticas que precisariam ser tomadas para resolução do problema ou situação. (AU, 2011, p. 251)
Outro e não menos importante aspecto da Educação Libertadora defendida por Freire (1987) é o Multiculturalismo, que entende que numa sociedade democrática deve haver o diálogo plural entre inúmeras culturas que visa consolidar e ampliar o processo de emancipação social.
Nesse sentido, tratando da democratização do ensino de língua inglesa, entende-se que o conteúdo em inglês não pode ser apenas “despejado” nos alunos como se fossem meros receptores de informações, ou seja, não se deve apenas conduzir os estudantes como que envolvê-los docilmente no processo, a fim de que não sejam ativos no processo de aquisição do idioma. Como Freire (1987, p. 33) afirma: A narração, de que o educador é o sujeito, conduz os educandos à memorização mecânica do conteúdo narrado. Mais ainda, a narração os transforma em ‘vasilhas’, em recipientes a serem enchidos pelo educador”.
A narração de que trata Paulo Freire (1987), em seu livro Pedagogia do Oprimido, diz respeito a forma sistematizada em que muitas vezes o conteúdo é passado aos alunos, principalmente quando se trata do ensino do inglês, que é oferecido de forma precária nas escolas públicas. Geralmente, apenas a memorização de palavras soltas e formas verbais são cobradas sem levar o estudante à reflexão a fim de dialogar e problematizar situações reais de seus contextos locais. Essa maneira mecanizada do ensino do inglês engendra e limita ainda mais o acesso de todos à compreensão da importância do inglês na sociedade, visto que sujeito não fará nenhuma conexão com suas vivências e tampouco se interessará a aprender o idioma. Sendo assim, outro passo importante para que o ensino da língua inglesa tenha caráter emancipador é abandonar o método tecnicista que ainda impera na maior parte das escolas públicas. Tais práticas são entendidas como ditatórias por apresentar um esquema organizado de cima para baixo em que o professor se coloca em uma posição de poder e detém a centralidade do conhecimento e os alunos disciplinados são meros coadjuvantes. Essa maneira de educar, segundo Foucault (1999, p. 297), é uma forma de dominação e pleno exercício do poder, pois “é centrada no corpo, produz efeitos individualizantes, manipula o corpo como foco de forças que e preciso tomar uteis e doceis ao mesmo tempo”.
Dessa forma, para que o ensino do inglês tenha caráter democrático, observa-se a necessidade de uma prática em que o estudante se sinta à vontade para expressar-se tanto sobre ele quando sobre a realidade que o cerca, levando em consideração não somente os saberes linguísticos a serem aprendidos, mas esses saberes nascerão naturalmente como resultado de uma prática social. Diferente das práticas engendradas pelo poder, as práticas democráticas constroem as relações de forma horizontal, que dá lugar a colaboração e coletividade e favorece o diálogo.
Considerações Finais
Esse estudo objetivou apontar caminhos a serem percorridos no ensino de língua inglesa no Brasil a partir de uma perspectiva de Educação Crítica utilizando-se de aspectos da Educação Libertadora de Paulo Freire. No decorrer da pesquisa analisou-se o que dizem os documentos norteadores da Educação Básica no Brasil dentro do Ensino de língua inglesa e como foi o processo histórico resumidamente para se chegar o que se tem como base nos dias atuais.
Durante toda busca dentro do estudo, notou-se que em todo processo histórico, no que diz respeito ao inglês, sempre houve delimitações e precaridade de ensino. O ensino da língua inglesa, que no início no Brasil favoreceu os que tinham poder e situação econômica confortável, pois somente esses podiam pagar os colégios que oportunizavam o acesso ao idioma, hoje, que se tornou obrigatório e parte do currículo em todas as etapas da Educação Básica, por conta da expansão e globalização da língua, continua não pertencendo a todas as classes sociais de forma igualitária, devido as condições de acesso e formas de ensino da Educação Formal.
Diante disso, essa pesquisa trouxe um novo olhar para o ensino do inglês na atualidade visando torná-lo realmente acessível de igual modo a todos, destacando a importância e relevância do ensino democrático numa perspectiva de Educação Crítica. É notório que nos lugares mais distantes, em contextos de comunidades de baixa renda, o ensino do inglês não tem acontecido, de fato, já que muitas práticas pedagógicas sustentam as delimitações impostas social e culturalmente, apenas reproduzindo formas de aquisição linguísticas que não são eficazes do ponto de vista metodológico e tampouco alcançam o sujeito para mudança na prática social.
Cabe ressaltar que o fenômeno da globalização, que é apontado nos documentos norteadores como uma forma de justificar o ensino obrigatório do inglês nas etapas da educação básica, resulta na exclusão dos menos favorecidos da mesma maneira de que quando o ensino da língua inglesa englobava somente os ricos, pois as condições de acesso ao idioma continua a favorecer uns e excluir outros. Outrossim, cabe reforçar que ensinar inglês nas escolas públicas em contextos de baixa renda não tem relevância e acarreta a exclusão desses de igual modo. Dessa forma, ambos os extremos não colaboram para que o ensino do inglês no Brasil possa se estabelecer de forma democrática e gerar a transformação de realidades.
Sendo assim, conclui-se que, diante do que se tem como contexto escolar nas escolas públicas, para que o ensino da língua inglesa possa acontecer de forma a provocar mudança e transformação social, é preciso haver um mergulho profundo na Pedagogia Crítica, pois ela conduzirá os indivíduos no combate às forças dominantes estabelecidas socialmente. Pois através dela professores e estudantes podem compreender suas condições sociais e refletir sobre elas. Em suma, o ensino do inglês, pautado na visão de Educação Crítica, poderá levar o aluno ao conhecimento de si e do outro, criar consciência histórica e social de seu lugar no mundo e procurar mecanismos, inclusive por meio do ensino da língua inglesa, de maneira democrática, para transformar a realidade social em que se encontra inserido, contribuindo assim para que haja mudanças e avanços locais, nacionais e globais.
Luryan Silva Fernandez - Mestranda em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) do Campus do Pantanal (CPAN) da Universidade Federal de Mato Grosso do Su (UFMS). Graduada em Letras/Inglês pela UFMS. Professora de Língua Inglesa. Email: luryfernandez@gmail.com
Josiane Peres Gonçalves - Doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Professora Permanente do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul Campus do Pantanal (CPAN/UFMS) e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação (FAED/UFMS). Líder do Grupo de Estudo e Pesquisa em Desenvolvimento, Gênero e Educação (GEPDGE). Email: josianeperes7@hotmail.com
Recebido em: 08-mai-2023
Aceito em: 20-ago-2023