Seção Livre

BABEL, Alagoinhas - BA, 2022, v. 12: e13590.

LIMA, José Rosamilton de. Reflexões sobre a língua inglesa no currículo escolar contemporâneo. Babel: Revista Eletrônica de Línguas e Literaturas Estrangeiras, 2022, v. 12, e13590.

Reflexões sobre a língua inglesa no currículo escolar contemporâneo

Reflections about English language in the contemporary school curriculum

José Rosamilton de Lima

Resumo: Neste artigo reflete-se sobre a língua inglesa no currículo escolar brasileiro na sociedade contemporânea. Apresenta-se uma definição de currículo com base em alguns estudiosos dessa temática e em ideias que estão presentes nos documentos oficiais, norteadores e normativos. Ele está baseado teoricamente nos estudos da LDB (1996), PCN (1999), Pinto (2002), Silva (2017), BNCC (2018) entre outros. Como metodologia é realizada uma revisão de bibliografia que contempla estudos voltados para a temática da língua inglesa e currículo. O currículo abriga comportamentos e valores culturais, vivências, experiências, metodologias, conteúdos, conhecimentos científicos e diversificados saberes. Ele deve ser dinâmico e caminhar com as transformações sociais. Portanto, o currículo propõe saberes para o desenvolvimento de habilidades que se transformam em competências e que possibilitam ao indivíduo uma formação crítica e ativa com capacitação para ser protagonista na sociedade.

Palavras-chave: Currículo; Escola; Sociedade.

Abstract: This article reflects about English at Brazilian school curriculum in contemporary society. It is presented a definition of curriculum based on some scholars of this thematic and with ideas that are present in the official, guiding and normative documents. It is theoretically based in the studies by LDB (1996), PCN (1999), Pinto (2002), Silva (2017), BNCC (2018) among others. As a methodology, a bibliography review is carried out, which includes studies focused on the theme of the English language and curriculum. Curriculum supports cultural behaviors and values, experiences, methodologies, content and diverse knowledge. It must be dynamic and to walk along with social changes. Therefore, curriculum proposes knowledge for the development of skills that are transformed in competences and that enable individuals to have a critical and active formation with training to be a protagonist in society.

Keywords: Curriculum; School; Society.

Considerações iniciais

A escola é o lugar em que o indivíduo pode aprender para a vida. Os saberes adquiridos no espaço escolar transformam as pessoas para compreensão do ambiente em que vivem e atuação em sociedade. Na escola ocorre a sistematização de conhecimentos que foram legitimados cientificamente, os quais são relevantes para o enfrentamento de problemas que surgem no convívio das pessoas. A formação social recebe influências de fatores culturais, históricos, econômicos, ideológicos, políticos, entre outros. Assim, a escola possui a missão de repassar aquilo que é considerado de valor científico, social, histórico e cultural para a formação do indivíduo apto a atuar na sua vivência coletiva em uma determinada época e em um determinado lugar.

Mas afinal, o que é relevante para aprender na escola? Essa indagação desafia a sociedade para uma necessidade de constituição de uma política educacional representada pelos órgãos públicos para o desenvolvimento do país. Por isso, o Ministério da Educação – MEC com a participação da sociedade utiliza-se de meios para normatizar e orientar o ensino brasileiro. Para isso, foram elaborados documentos e leis que norteiam e normatizam as escolas quanto à organização de seus currículos. O documento em vigência mais recente é a Base Nacional Comum Curricular - BNCC aprovada em 2018 que normatiza o que deve ser trabalhado nas escolas na educação básica.

Este trabalho surge da inquietação e necessidade de, como professor de língua inglesa na educação básica, buscar um olhar crítico sobre esse componente curricular, considerando o contexto educacional e social brasileiro. Advoga-se que uma postura crítica do professor é essencial para um melhor desenvolvimento do ensino-aprendizagem, pois o posicionamento a respeito da política linguística do país influencia o planejamento e execução das atividades formativas. Nesse sentido, objetiva-se refletir sobre a língua inglesa no currículo escolar contemporâneo no Brasil, em especial sua posição como língua franca.

Como metodologia é realizada uma revisão de bibliografia que contempla estudos voltados para a temática da língua inglesa e currículo, tecendo comentários sobre a inserção do inglês como componente curricular obrigatório. Entende-se que para se tornar obrigatório no currículo nacional, esse componente foi motivo de muitos debates ao longo da história até receber o reconhecimento da sociedade sobre sua relevância como estratégia para promover o desenvolvimento do país em um mundo globalizado. Para a construção da discursividade do texto no ensejo de uma tessitura de argumentos que provoquem um debate acerca da temática, recorre-se aos documentos norteadores e normativos brasileiros que tratam de currículo escolar, direcionando o foco para a língua inglesa. Também, percorre-se pela temática currículo, objetivando atingir uma breve definição, assim como, constroem-se algumas considerações sobre o ensino da mencionada língua.

Além das considerações iniciais, na qual situa-se o leitor e se esclarece o questionamento norteador, e considerações finais, que contêm importantes questionamentos que emergem da discussão apresentada, este trabalho está dividido em duas partes. Na primeira, realiza-se um breve percurso teórico sobre a expansão do currículo no Brasil, fundamentando-se por leis e documentos norteadores, a saber: a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB, os Parâmetros Curriculares Nacionais - PCN, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica - DNC e a BNCC, à medida que se dialoga com estudiosos dessa temática, conduzindo uma discussão reflexiva sobre a definição de currículo. Ademais, explicita-se a língua inglesa no contexto social brasileiro percorrendo um caminho histórico a partir do surgimento do ensino desse idioma no país até a atualidade, ou seja, recupera-se a gênese do ensino da língua inglesa no Brasil. Na segunda parte, apresenta-se a BNCC, explicitando sua definição, seu objetivo, dentre outros aspectos que a compõem. Também, discutem-se os desafios da escola na implementação de um currículo que atenda às necessidades da sociedade contemporânea, à medida que se apresenta a língua inglesa como componente curricular indispensável para o desenvolvimento estratégico do país no mundo globalizado, discutindo os desafios do ensino desse idioma na escola pública.

1. Um percurso histórico da língua inglesa no currículo do Brasil

A inserção do inglês no currículo brasileiro surge no contexto imperial, pois no período do Brasil Império (1822 a 1889) a dinastia dos Braganças de Dom Pedro I e Dom Pedro II possuía boas relações com a Inglaterra, a grande potência mundial da época. Assim, a circulação de ideias, pessoas e a política de aliança entre os países junto ao esforço brasileiro de mostrar ao mundo que era parceiro dos ingleses trouxe o idioma para o Brasil. No início da República (1889) o Brasil começa a se distanciar da Inglaterra. Porém, se aproxima dos Estados Unidos que também possuem o inglês como idioma oficial. Logo, é criada uma parceria comercial e econômica entre esses dois países.

A criação do Colégio Pedro II em 1837 foi um marco histórico no ensino de línguas no Brasil, pois ele introduz as línguas estrangeiras modernas junto com as clássicas no currículo. Dessa forma, o referido colégio possibilitou nos estudos secundários o ensino do latim, grego, francês, alemão e inglês. De acordo com Day (2012, p. 5), “além de tornar-se o colégio modelo de ensino secundário para todo o país, o Colégio Pedro II também era o primeiro e único, à época, a realizar os exames que possibilitavam o ingresso nos cursos superiores”. Logo, durante o império, ocorreu a inserção de línguas no Brasil em que se valoriza o ensino de idiomas. Em seguida, em 1889, o Brasil começa a vivenciar o período republicano. Nesse contexto,

as sucessivas reformas que ocorreram ao longo da primeira e segunda República, dentre elas a reforma Francisco de Campos que instituiu o método direto como método oficial, foram paulatinamente promovendo alternância entre as línguas priorizadas, apresentando-as ora como obrigatórias ora como facultativas e reduzindo consideravelmente o número de aulas semanais. É só com a Reforma de Capanema em 1942, outro marco do ensino de LE no Brasil, que este quadro se modifica (DAY, 2012, p. 6).

Dessa forma, a reforma Capanema determinou no currículo do ensino secundário as línguas latina, grega, espanhola, francesa e inglesa, priorizando principalmente, as duas últimas por representarem a importância desses dois idiomas na cultura universal, com a recomendação da utilização do método direto, com a finalidade de promover um ensino prático. Vale ressaltar que o Brasil é um país que possui uma dimensão territorial continental e que faz divisa com Uruguai, Argentina, Paraguai, Bolívia, Peru, Colômbia e Venezuela que têm o espanhol como idioma oficial, Guiana na qual o idioma oficial é o inglês, Suriname em que o neerlandês é o idioma oficial e a Guiana Francesa que tem o francês como idioma oficial. Isso evidencia a necessidade do ensino de línguas estrangeiras no Brasil. Entretanto, a aprovação de um documento normativo que norteia e delimita o currículo escolar representa o resultado de debates e relações de poder da sociedade e dos dirigentes de um país. Assim, surge a primeira LDB. Todavia, ocorreu uma perda de espaço para o ensino de línguas estrangeiras. Pois,

em 1961, a publicação da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação promoveu a descentralização do ensino. As línguas estrangeiras deixaram de ser obrigatórias e passaram a ser optativas/complementares. Essa decisão ocasionou uma gradativa diminuição do número de línguas estrangeiras nas escolas. Além de desobrigar o Estado a oferecer ensino de língua estrangeira, a LDB de 1961 deixou a responsabilidade do ensino de idiomas para os estados e não prescrevia qual método deveria ser privilegiado no ensino de Línguas Estrangeiras Modernas. Na prática, o ensino de LEM nas escolas ficou à deriva (QUEVEDO-CAMARGO; SILVA, 2017, p. 261).

Nessa perspectiva, a LDB representou uma perda para o desenvolvimento do ensino de línguas estrangeiras no Brasil, porque demonstrou a falta de comprometimento do governo federal com as políticas públicas voltadas para as línguas estrangeiras, embora a sociedade reconhecesse que essas línguas fossem importantes para o desenvolvimento da população. Logo, as classes sociais com maior poder aquisitivo econômico priorizaram as escolas particulares e de idiomas para estudarem línguas estrangeiras, desvalorizando cada vez mais a escola pública. Posteriormente,

com a promulgação da Lei nº 5.692/71 fica claro que as medidas da política de implantação do inglês como componente curricular nas escolas brasileiras garantem um mercado consumidor para os produtos norte-americanos e ingleses, possibilitando uma supremacia do idioma supracitado, deixando desvalorizada a presença de outras línguas, como o francês, o espanhol e o italiano como disciplinas curriculares das escolas brasileiras (CHAGURI, 2011).

Desse modo, o inglês passa a se consolidar como língua estrangeira obrigatória no currículo nacional a partir do 2º grau, embora houvesse diminuído a carga horária para uma hora aula semanal durante todo o ensino de 2º grau, ao mesmo tempo em que foi recomendada da 5ª a 8ª séries do ensino de 1º grau. No contexto político, ideológico e econômico da época, o ensino dessa disciplina servia como uma estratégia para atender às necessidades do processo de industrialização, valorizando assim um ensino tecnicista que não se voltava para uma formação do espírito humano. O propósito ideológico do governo militar era formar profissionais ao invés de cidadãos, porque o interesse governamental focava no desenvolvimento econômico. Nesse sentido, durante a ditadura militar o inglês obteve seu ápice no Brasil porque teve os Estados Unidos como seu principal financiador, sendo um forte parceiro comercial e econômico, que incentivou políticas públicas que determinavam uma ideologia de crescimento econômico acelerado, fortalecendo o capitalismo que apontava a língua inglesa como uma ferramenta indispensável.

Logo, as instituições de ensino propagavam uma formação que priorizava a qualificação para o mercado de trabalho, no intuito de contribuir para o desenvolvimento econômico do país e atender à demanda do capitalismo vigente mundialmente. Dito de outra forma, o Brasil atendia às exigências de organismos financeiros internacionais. Assim, “até meados do século XX, o ensino de língua estrangeira tinha objetivos bem diferentes se comparados aos dos dias atuais, pois, antigamente, desde o Império até a LDB de 1971, a língua estrangeira era entendida como parte da formação para a própria unidade do espírito humano dos jovens (CHAGURI 2011). Portanto, por uma necessidade de desenvolvimento econômico no Brasil o inglês, a partir da reforma educacional promulgada pela LDB de 1971 ganha espaço no currículo escolar, tornando-se obrigatório no ensino de 2º grau, e recomendado para o 1º grau, possuindo supremacia com relação a outras línguas concorrentes como o francês, italiano e espanhol.

A partir da década de 1990, muitos estudos foram realizados, trazendo reflexões importantes sobre o currículo escolar no cenário brasileiro. Houve a necessidade de direcionar os conteúdos para as exigências da sociedade atual. Buscou-se um currículo que atendia às necessidades dos alunos de acordo com um padrão de sociedade vigente. Entretanto, o artigo 26 da LDB, nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996 delimita que “os currículos do ensino fundamental e médio devem ter uma base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela” (BRASIL, 1996).

Nessa ótica, a LDB de 1996 reforça que cada rede de ensino ou estabelecimento busque adequar seu currículo pautado nas necessidades dos alunos, considerando a base comum e a parte diversificada de acordo com as características regionais e locais. Portanto, há um desejo para a valorização da relação escola e vida, pois os saberes do currículo são selecionados histórica e socialmente, o que o caracteriza como algo que não é neutro. Logo, ele passa a ser entendido como uma construção coletiva relacionada às expectativas de aprendizagem dos estudantes. Assim, para Silva

o currículo não é uma mera seleção de conhecimentos ou conteúdos que deverão ser ensinados. O currículo, como uma dimensão da cultura, exige a reflexão e o planejamento sobre “A quem ensinar?”; “O que se deseja ensinar?”; “Como ensinar?”; e “Como será avaliado?”. Por isso, podemos afirmar que ele está em constante movimento (SILVA, 2017, p. 10).

Para além dessa dimensão, Ferraço (2006) afirma que o currículo real é mais amplo do que qualquer documento no qual se reflitam objetivos e planejamentos. Nessa ótica, o currículo abarca todo um sistema de comportamento e valores e não apenas de conteúdos e conhecimentos a serem assimilados. O currículo não se limita tão somente a declaração de áreas, conteúdos científicos e metodologias, mas é todo tipo de aprendizagens, como redes de fazeres e saberes tecidos pelos sujeitos cotidianos. Por isso, está relacionado com a cultura de um povo, considerando o tempo e o espaço em que está situada na sociedade.

Por exemplo, o Referencial Curricular do Ensino Médio Potiguar delimita que:

O currículo é entendido como conjunto integrado e articulado de vivências e experiências que possibilitam aos estudantes mobilizar e ampliar seus saberes em torno dos objetos de conhecimento considerados relevantes para o desenvolvimento de habilidades e competências, que são acionadas por eles na tomada de decisões, na resolução de problemas presentes na vida cotidiana, no mundo do trabalho e no exercício pleno da cidadania (RIO GRANDE DO NORTE, 2021, p. 11).

O currículo possibilita contemplar saberes que contribuem para uma formação integral do aluno, possibilitando-lhe compreender o meio no qual está inserido (econômico, social, cultural, familiar). Diante disso, as atividades formativas podem contemplar objetos de aprendizagem direcionados para o exercício da cidadania, os cuidados com a saúde física e mental, a compreensão da espiritualidade, o conhecimento de outras línguas e culturas. Também, está incluída a formação profissional como algo digno de sobrevivência. Dessa forma, não se pode pensar em um ensino de língua inglesa com caráter tecnicista, apenas para atender ao mercado de trabalho com propósitos somente de desenvolvimento econômico em que não considera relevante a formação cidadã do estudante para atuar ativamente na sociedade.

Com uma perspectiva mais democratizada, a LDB de 1996, o ensino de língua inglesa é flexibilizado, pois no 5º parágrafo do artigo 26 é determinado que “na parte diversificada do currículo será incluído, obrigatoriamente, a partir da quinta série, o ensino de pelo menos uma língua estrangeira moderna, cuja escolha ficará a cargo da comunidade escolar, dentro das possibilidades da instituição”. No tocante ao ensino médio no inciso III do artigo 36 da referida lei é determinado que “será incluída uma língua estrangeira moderna, como disciplina obrigatória, escolhida pela comunidade escolar, e uma segunda, em caráter optativo, dentro das disponibilidades da instituição”. Vale ressaltar que mesmo com essa flexibilização na legislação, de forma geral, o inglês prevaleceu sendo a opção escolhida pela maioria das escolas brasileiras. Nesse caso, a LDB de 1996 tenta recuperar a importância da língua estrangeira como disciplina de formação cidadã dos sujeitos.

A esse respeito, a lei 13.415 de 2017, altera o quinto parágrafo do artigo 26 da LDB, pois determina que “no currículo do ensino fundamental, a partir do sexto ano, será ofertada a língua inglesa” tornando essa disciplina obrigatória no currículo escolar brasileiro, visto que antes da referida lei a comunidade escolar tinha autonomia para escolher uma língua estrangeira de acordo com suas possibilidades. Além disso, a partir dessa lei foi alterado o quarto parágrafo do artigo 35 da LDB, que passou a vigorar com a seguinte redação “os currículos do ensino médio incluirão, obrigatoriamente, o estudo da língua inglesa e poderão ofertar outras línguas estrangeiras, em caráter optativo, preferencialmente o espanhol, de acordo com a disponibilidade de oferta, locais e horários definidos pelos sistemas de ensino”. Porém, sabe-se que a maioria das escolas do país já optavam pelo ensino de inglês e essa lei veio reforçar e fortalecer a relevância desse idioma como estratégia para o desenvolvimento do país no cenário social contemporâneo. Contudo, embora a lei 13.415 de 2017, mencione a preferência do ensino de espanhol em caráter optativo como língua estrangeira, a política atual não trata o referido idioma com o devido valor, não reconhecendo a necessidade de comunicação com muitos países que fazem fronteira com o Brasil, como também, ignorando as relações com a América Hispânica.

Por isso, mesmo o aluno residindo em uma pequena cidade do interior do Rio Grande do Norte, é um cidadão globalizado porque por meio de ferramentas como a internet esse estudante tem a possibilidade de interagir com pessoas de outros países através da língua inglesa, como também, ler jornais, ouvir músicas, ver filmes e documentários, participar de jogos online e realizar pesquisas diversas nesse idioma. É relevante que a língua inglesa seja componente obrigatório no currículo escolar brasileiro, para possibilitar que todos os estudantes deste país, de dimensão continental, tenham a oportunidade através do ensino público de estudar e aprender uma língua franca.

As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica (2010) evidenciam no Artigo 3, no 2º parágrafo que:

Na organização da proposta curricular, deve-se assegurar o entendimento de currículo como experiências escolares que se desdobram em torno do conhecimento, permeadas pelas relações sociais, articulando vivências e saberes dos estudantes com os conhecimentos acumulados e contribuindo para construir as identidades dos educandos (BRASIL, 2010).

As identidades do indivíduo são formadas a partir de diferentes aspectos que estão relacionados a sua vivência na qual são utilizados o conhecimento no meio social local, regional, nacional e global. Pois, são muitos e diversificados os saberes necessários para uma formação integral do ser humano, voltadas para o cuidado de si e a sua convivência em sociedade. Nesse sentido, com a evolução tecnológica e meios de comunicação, não há mais o isolamento por fronteiras físicas geográficas, visto que ferramentas como a internet, contribuem para inserção em um mundo diversificado culturalmente, possibilitando ao aluno conhecer e interagir com culturas diferentes. Por conseguinte, estudar e aprender inglês é interagir com outras culturas, porque “diferentes grupos de pessoas, com interesses, agendas e repertórios linguísticos e culturais diversos, vivenciam, em seus contatos e fluxos interacionais, processos de constituição de identidades abertas e plurais” (BRASIL, 2018, p. 245).

A escola precisa de um currículo que articule o saber sistematizado pela ciência e na prática escolar com aquele elaborado mediante a própria necessidade, porque ela não é um mundo fechado em si. Ou seja, a instituição de ensino pode acompanhar os avanços científicos e tecnológicos e contribuir para transformações relevantes na formação de um indivíduo protagonista para uma atuação ativa no meio social ao qual está inserido. Pois, o currículo pode determinar uma cultura que é partilhada na sociedade. Ele é um documento que se relaciona aos saberes, práticas e demais aplicações existentes dentro da escola e está sempre em movimento. Por isso, é um tema relevante para discussão nas escolas brasileiras, considerando que o aluno necessita de uma base de conhecimentos que ajude a superar as dificuldades do cotidiano. Nesse sentido, é necessário um direcionamento nesses conteúdos que componha um currículo pertinente com a realidade. Portanto, é fundamental o ensino de língua inglesa para a formação integral do aluno como um indivíduo preparado para atuar ativamente na sociedade contemporânea em um mundo globalizado.

A sociedade atual, marcadamente orientada pela economia baseada no conhecimento e pela tecnologia da informática e da comunicação, apresenta intensa dinâmica social, relações e influências globalizadas que, ao mesmo tempo, constituem-se em oportunidades culturais estimulantes e interessantes a todas as pessoas e organizações, assim como desafios e exigências extraordinários. Nesse contexto, a educação se torna imprescindível como ação contínua e permanente, demandando das instituições que a promovem, a necessidade de reinventar-se e melhorar suas competências continuamente (LUCK, 2009, p. 16).

Vale ressaltar que, o capitalismo segue a lógica da subordinação da sociedade às leis do mercado, visando a lucratividade para o que se serve da eficiência, dos índices de produtividade e competividade. Nesse cenário, o mercado laboral exige cada vez mais profissionais capacitados para atender à demanda da produção industrial e à prestação de serviços básicos ao ser humano. Logo, a expansão da língua inglesa ocorre devido ao protagonismo dos países falantes como a Inglaterra por sua vasta abrangência territorial do império britânico nos séculos XVIII, XIX e XX, e, por causa da influência econômica, tecnológica e cultural dos Estados Unidos, após a segunda guerra mundial. Por isso, o inglês tem uma posição de destaque no cenário mundial que é mantida até a atualidade. Entretanto, o ensino de inglês não deve permanecer apenas a serviço das leis de mercado, pois deve ser priorizada, também, a formação pessoal e cidadã dos sujeitos. Segundo o Referencial Curricular do Ensino Médio Potiguar,

uma vez traçado o perfil dos sujeitos das nossas juventudes, ponderando seus aspectos históricos, culturais e socioeconômicos, propiciamos a adoção de diretrizes que contemplem seus anseios e potencialidades, respeitando suas adversidades, propondo ações e políticas que assegurem os direitos constitucionais educacionais desses jovens, preparando-os para os desafios do mundo pessoal e profissional diante do contemporâneo e cada vez mais exigente processo de transformação global e informacional, visando a formação de sujeitos ativos no exercício de sua cidadania (RIO GRANDE DO NORTE, 2021, p. 19).

Desse modo, é essencial aprender inglês e as instituições de ensino podem contribuir com a formação de pessoas com saberes diversos para atuar no meio social como protagonistas da sua história, tendo em vista que esses saberes estão relacionados ao crescimento pessoal, intelectual e profissional, sendo fundamentais para a vida do ser humano, ou seja, a formação e o desenvolvimento humano devem ocorrer considerando a ótica global, ao mesmo tempo em que articula-se com a singularidade do sujeito, por exemplo, no tocante aos aspectos afetivos e a sua percepção pessoal.

2. A BNCC e a língua inglesa na sociedade contemporânea: um desafio na escola pública

A BNCC é o atual documento normativo do currículo para as escolas brasileiras. Ela foi homologada para a educação infantil e o ensino fundamental em dezembro de 2017 e para o ensino médio em dezembro de 2018. Assim, em 2020 passou a ser uma referência obrigatória na elaboração ou adequação dos currículos de escolas públicas e privadas com o objetivo de nortear e normatizar os currículos da educação básica.

A BNCC é um referencial nacional dos objetos de conhecimento, das competências e das habilidades que os estudantes devem desenvolver da educação infantil ao ensino médio. Ela é composta de dez competências para os alunos adquirirem ao longo de sua vida estudantil na educação básica, com a finalidade de uma formação integral que objetiva prepará-los para o enfrentamento dos desafios do mundo contemporâneo. Ela indica um caminho a ser percorrido, sem tirar a autonomia da escola e do professor. Define-se como objetivo principal que, ao final da educação básica, todos os estudantes tenham desenvolvido as dez competências gerais, a saber: 1 – Conhecimento; 2 – Pensamento científico, crítico e criativo; 3 – Repertório cultural; 4 – Comunicação; 5 - Cultura digital; 6 – Trabalho e projeto de vida; 7 - Argumentação; 8 – Autoconhecimento e autocuidado; 9 – Empatia e cooperação; 10 – Responsabilidade e cidadania. Logo, é perceptível que algumas competências são de ordem do desenvolvimento cognitivo, enquanto outras são da ordem do desenvolvimento socioemocional. Segundo a BNCC, competência é a mobilização de conhecimentos (conceitos e procedimentos), habilidades (práticas, cognitivas e socioemocionais), atitudes e valores para resolver demandas complexas da vida cotidiana, no pleno exercício da cidadania e no mundo do trabalho.

A BNCC (BRASIL, 2018) reúne um conjunto de conhecimentos que deve ser comum a todos os alunos da educação infantil, do ensino fundamental e médio, independente da região e da escola do Brasil, seja na educação pública ou particular. Dessa forma, esse documento norteador e normativo tem como dimensões preparar o aluno para possibilitar a continuidade em seus estudos, para cursar uma faculdade, como também, capacitá-los para o mundo do trabalho, e principalmente, contribuir para sua formação integral para que ele seja protagonista da sua história e atue ativamente na sociedade, ou seja, para que ele seja capaz de fazer escolhas e tomar decisões em relação a seus projetos presentes e futuros.

A BNCC é um documento de caráter normativo que define o conjunto orgânico e progressivo de aprendizagens essenciais que todos os alunos devem desenvolver ao longo das etapas e modalidades da Educação Básica, de modo a que tenham assegurados seus direitos de aprendizagem e desenvolvimento, em conformidade com o que preceitua o Plano Nacional de Educação - PNE (BRASIL, 2018, p. 7).

A BNCC (BRASIL, 2018) objetiva nortear os currículos das escolas da educação básica na elaboração ou adequação curricular das escolas municipais, estaduais, públicas e privadas. Dessa forma, ela surge no cenário educacional brasileiro para atender a uma necessidade de organização curricular mencionada desde a Constituição Federal de 1988. Consequentemente, a LDB de 1996 reforça esse desejo e a BNCC traz mais orientações, esclarecimentos e consistência que podem reforçar e complementar os PCN criados em 1996 e as Diretrizes Curriculares lançadas em 1998.

Nesse sentido, a BNCC sistematizou as habilidades propostas para os alunos de forma progressiva da mais simples para a mais complexa, tendo em vista o avanço do aluno pelo seu percurso formativo ao longo de cada ano letivo. Consequentemente, com a contribuição do professor em trabalhar os diversos objetos de ensino, essas habilidades se tornarão competências. Isso reforça a necessidade do professor observar o desenvolvimento das habilidades dos alunos para que ele possa planejar de forma autônoma objetos de aprendizagem necessários para seus discentes desenvolverem habilidades e adquirirem as competências propostas pela BNCC. Pois, no ensino contemporâneo, por exemplo, para o novo ensino médio, é sugerido que sejam utilizadas práticas escolares mais dinâmicas e interativas, que considerem as especificidades e demandas de jovens que já nasceram no século XXI, enfatizando o desenvolvimento integral do estudante. Contudo, é primordial que todos os professores do Brasil participem de formações contínuas direcionadas para a BNCC, no intuito de compreendê-la e fazer uma reflexão a partir dela para melhor desenvolver a prática pedagógica.

Vale ressaltar que, para a Educação Infantil e séries inicias do Ensino Fundamental o MEC simplesmente silenciou qualquer ação e continua a se eximir da responsabilidade de discutir a inserção da língua inglesa no currículo escolar. Contudo, em se tratando, da base comum, a língua inglesa finalmente tornou-se componente obrigatório do currículo a partir do 6º ano dos anos finais do ensino fundamental e no ensino médio. Na percepção da BNCC a língua inglesa deve ser tratada como língua franca porque é essencial para o desenvolvimento econômico, cultural e social do Brasil. Esse componente curricular possibilita a formação integral do estudante, pois em contato com esta língua ele terá a oportunidade de adquirir as habilidades e competências para tornar-se protagonista de seu aprendizado para exercer cidadania, atuando ativamente na sociedade no qual está inserido. Pois,

ao assumir seu status de língua franca – uma língua que se materializa em usos híbridos, marcada pela fluidez e que se abre para a invenção de novas formas de dizer, impulsionada por falantes pluri/multilíngues e suas características multiculturais –, a língua inglesa torna-se um bem simbólico para falantes do mundo todo (BRASIL, 2018, p. 242).

Portanto, o currículo representa relações de poder. Isso ocorre porque uma proposta curricular representa a política econômica, cultural e social do país que é definida pelos órgãos governamentais que recebe a influência ideológico dos dirigentes. Ele pode contribuir para uma escola que desenvolva uma formação para quebrar uma hegemonia dos ideais de uma classe dominante, que objetiva preparar os filhos das famílias pobres para trabalhos sem privilégios sociais. É papel da escola pública proporcionar oportunidades de igualdade para que todos os seus alunos, independentemente de qual classe social a que pertençam, possam por meio dos conhecimentos se tornarem pessoas capazes de se incluírem no mercado de trabalho em profissões com privilégios econômicos e sociais.

A pobreza e as desigualdades existem, persistem e estão na escola pública. A escola pode possuir uma formação social e possibilitar um ensino de qualidade na língua inglesa como forma de contribuir para diminuir desigualdades, visto que o aprendizado desse idioma é exitoso em escolas particulares ou específica de idiomas em que os alunos são de classes sociais com maior poder aquisitivo financeiro. Desse modo, tornar o inglês um componente curricular obrigatório na educação básica a partir de 2020, foi uma decisão relevante. Porém, são necessárias muitas outras ações para a melhoria do ensino de língua inglesa no Brasil, como por exemplo, a oferta de formação continuada para o professor.

Portanto, é fundamental que o currículo dialogue com o professor que vai colocá-lo em prática, uma vez que seu desenho leva em conta os valores, o conhecimento e, sobretudo, os saberes que todos os envolvidos julgam necessário desenvolver ou reforçar. Sabe-se que, em se tratando do ensino de idiomas, toda a abordagem de ensino subjaz uma concepção de língua, dos objetivos de aprendizagem, dos materiais instrucionais a serem utilizados e das práticas pedagógicas a serem adotadas (BRITISH COUNCIL, p. 19, 2019).

Nesse sentido, é necessário investir na qualidade desse ensino na escola pública, com políticas que possibilitem a capacitação para o professor no intuito de que ele possa dominar o idioma e possuir eficientes métodos de ensino e boa didática, como também, precisa-se aumentar o número de horas-aula nas escolas públicas e melhorar as condições de ensino. Além disso, é fundamental a oferta de recursos didáticos e pedagógicos, como a disponibilidade de um espaço adequado como um laboratório de línguas com recursos tecnológicos e uma boa conexão de internet para o aluno se sentir motivado e o aprendizado de inglês fazer sentido para a sua vida. Entretanto, é um desafio para o Brasil, pois “do total de professores que ensinam inglês no país, 45,3% têm formação em língua inglesa ou estrangeira” (BRITISH COUNCIL, p. 53, 2019). Logo, fica difícil o professor que não possui formação na área desenvolver um bom trabalho, pois mais da metade dos professores brasileiros não tem essa formação, o que é um agravante para o ensino desse componente curricular.

A língua inglesa é considerada franca devido a sua significativa presença em transações comerciais, no turismo, nas mídias sociais, nos meios de comunicação como jornais, cinema, televisão, música, na área da medicina, no jornalismo, no universo acadêmico e da pesquisa científica, dentre outros. “Em outras palavras, o inglês como língua franca é realizado entre falantes de diferentes experiências culturais e de nacionalidades diversas” (CRUZ, 2016, p.321). Por isso, em grande parte do mundo, estudantes de todas as idades estão aprendendo a língua inglesa para propósitos diferentes. Eles percebem a importância de aprender essa língua e sentem-se motivados. Entretanto, “alunos de inglês em geral (incluindo aqueles que estudam a língua como parte de sua educação primária e secundária) não terão necessidades específicas, é claro, e então suas aulas (e os materiais que os professores usam) certamente parecerão diferentes daquelas para alunos com necessidades mais claramente definidas” (HARMER, 2012, p.11, tradução nossa).1

Desse modo, existem muitas razões para a aprendizagem da língua inglesa, porque embora os Estados Unidos possuam um papel importante na expansão desse idioma, devido a sua influência econômica, tecnológica e cultural na atualidade, o mesmo já se tornou global, universal, uma língua franca. Isto é, o inglês não pertence apenas ao mencionado país, pois ele é utilizado para negociações comerciais, na diplomacia, para divulgação do conhecimento científico, na área do turismo, do jornalismo, da informática, da medicina e do entretenimento, no mundo inteiro. Assim, “uma língua alcança um status genuinamente global quando se desenvolve um papel especial que é reconhecido em todos os países” (CRYSTAL, 2003, p. 20, tradução nossa)1. Nesse contexto, aprendê-lo é fundamental para que o estudante possa exercer o protagonismo social. Portanto, a sociedade brasileira reconhece a importância da língua inglesa e depois de 165 anos de ensino, finalmente tornou-se componente obrigatório nos anos finais do ensino fundamental e no ensino médio, mas ainda se omite da responsabilidade de tornar obrigatório para as séries inicias e educação infantil.

A relevância do inglês ocorre pelo seu tratamento como língua franca, visto que não está limitado ao pertencimento exclusivo de um território, tendo em vista que é valorizada uma educação linguística voltada para a interculturalidade “isto é, para o reconhecimento das (e o respeito às) diferenças, e para a compreensão de como elas são produzidas nas diversas práticas sociais de linguagem, o que favorece a reflexão crítica sobre diferentes modos de ver e de analisar o mundo, o(s) outro(s) e a si mesmo” (BRASIL, 2018, p. 242).

Nessa ocasião, o professor de inglês do ensino fundamental e médio pode estimular os alunos para aprendizagem dessa língua, mesmo que seus alunos não possuam objetivos claros e interesses identificáveis a curto prazo. Desse modo, existem muitos dizeres em torno do ensino-aprendizagem desse componente curricular como o de que não se aprende inglês na escola pública e que essa língua é para pessoas elitizadas que podem pagar escolas particulares e escolas de idiomas, porque elas terão o privilégio de fazer turismo viajando para países no exterior e conseguir empregos que exijam proficiência no idioma. Entretanto, não ofertar a língua inglesa na escola pública como componente curricular obrigatório é privar o aluno de um saber essencial na sociedade contemporânea, aumentando cada vez mais as desigualdades sociais. Ademais, o aluno necessita de saberes que lhe possibilite ser protagonista como sujeito que atue ativamente na sociedade na qual está inserido. Assim, “as aprendizagens em inglês permitirão aos estudantes usar essa língua para aprofundar a compreensão sobre o mundo em que vivem, explorar novas perspectivas de pesquisa e obtenção de informações, expor ideias e valores, argumentar, lidar com conflitos de opinião e com a crítica, entre outras ações” (BRASIL, 2018, p. 485).

Considera-se o status do inglês no currículo brasileiro como fundamental, porque “o inglês não é frequentemente aprendido como uma ferramenta para compreender e ensinar os valores culturais dos EUA ou da Grã-Bretanha. Em vez disso, o inglês se tornou uma ferramenta de comunicação internacional em transporte, comércio, bancos, turismo, tecnologia, diplomacia e pesquisa científica [Tradução nossa]”1 (BROWN 2007, p. 136). Portanto, o inglês é uma língua globalizada e seu aprendizado é essencial para países do mundo inteiro, inclusive para o Brasil. Logo, é relevante que as escolas brasileiras possam ofertar de forma obrigatória esse idioma no seu currículo, cabendo as redes de ensino, escolas e instituições formadoras de professores proporcionar um ensino de qualidade, tendo em vista a necessidade desta língua, porque

aprender a língua inglesa propicia a criação de novas formas de engajamento e participação dos alunos em um mundo social cada vez mais globalizado e plural, em que as fronteiras entre países e interesses pessoais, locais, regionais, nacionais e transnacionais estão cada vez mais difusas e contraditórias. Assim, o estudo da língua inglesa pode possibilitar a todos o acesso aos saberes linguísticos necessários para engajamento e participação, contribuindo para o agenciamento crítico dos estudantes e para o exercício da cidadania ativa, além de ampliar as possibilidades de interação e mobilidade, abrindo novos percursos de construção de conhecimentos e de continuidade nos estudos. (BRASIL 2018, p. 241).

Vale ressaltar que o ensino tem como função social formar o indivíduo para exercer cidadania e para atuar no mercado de trabalho, desenvolvendo senso crítico sobre a importância da utilização da língua inglesa como forma de crescimento intelectual, cultural, linguístico e econômico, pois segundo consta no artigo 2º, da lei número 9.394, de 20 de dezembro de 1996, a LDB, “a educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. Por isso, a função social da escola não pode ignorar as reais condições em que ela se encontra. A realidade dos alunos, a precariedade vivida pelos professores e a luta que enfrentam pela garantia dos seus direitos.

É indispensável a referência a documentos que garantem tanto ao indivíduo quanto à escola acesso aos direitos educacionais. Para isso, o estudante por meio de políticas públicas, como o Programa Nacional do Livro e do Material Didático – PNLD, possui a possibilidade de acesso a diversificados materiais como livros de projetos integradores e projetos de vida, livros por área do conhecimento e de disciplinas específicas, obras literárias e recursos digitais. Para atingir as competências propostas pela BNCC (BRASIL,2018), o professor tem a possibilidade de adotar diversificadas estratégias no intuito de contribuir para que o aluno seja ativo e consiga obter conhecimentos1. Dessa forma, os professores podem aprimorar a prática pedagógica para desenvolverem metodologias que situem seus alunos no centro do processo ensino-aprendizagem para atuarem como protagonistas do seu próprio saber. No tocante ao inglês, a BNCC (BRASIL, 2018) enfatiza os eixos oralidade, leitura, escrita, conhecimentos linguísticos, dimensão intercultural, o que se torna um avanço e um desafio para a escola pública, pois esse foco no uso exige professores que dominem o idioma e que proporcione uma metodologia ativa, em que o ensino caminhe com as tecnologias, explorando os mencionados eixos e propiciando ao aluno a participação em uma prática social.

Nessa perspectiva, o professor possui um papel fundamental no desenvolvimento de estratégias que proporcionem ao estudante o engajamento na língua inglesa, possibilitando o contato com outras manifestações culturais, vivências com as tecnologias para um mundo ético, plural, em que as pessoas interajam com respeito. Porém, a maioria dos professores de inglês do Brasil da rede pública não tiveram formação para ter essa autonomia e lidar com essas propostas. Ademais,

a rede pública brasileira conta com 62.250 professores de língua inglesa, de acordo com dados do Censo Escolar de 2017. [...] A média nacional de idade dos docentes de inglês é de 42 anos, o que indica que muitos se aposentarão em breve ou em médio prazo – fato que deve ser considerado em políticas de formação de professores, no sentido de atrair pessoas jovens para atuarem na área (BRITISH COUNCIL, p. 52, 2019).

Com base no exposto, fica evidente a necessidade de desenvolver políticas públicas que invistam na formação de novos professores de língua inglesa para ingressarem no cargo de professor efetivo para a melhoria do ensino, porque com base no Censo Escolar 2017, “apenas 60,7% dos professores de língua inglesa da rede pública são contratados em regime estável, que seria a situação desejável por permitir maior investimento tanto do estado no profissional quanto do próprio profissional na sua carreira” (BRITISH COUNCIL, p. 57, 2019). Então, muitas unidades federativas não promovem cursos de formação para os professores desse componente curricular, principalmente, quando estes não fazem parte do quadro efetivo de servidores.

O contato com a língua pode ocorrer através dos textos autênticos, ou seja, utilizados a partir da situação real de comunicação que possuem circulação recorrente na esfera social, em que o professor pode recorrer ao apoio da tecnologia e estimular o aluno a interagir com pessoas nativas ou falantes do idioma em diversas partes do mundo através de redes sociais, chats, e-mails, games online, assistir a documentários, vídeos de entretenimento, reportagens, notícias, ler conteúdos variados diretamente de sites internacionais com assuntos que despertam interesse, ouvir podcasts de acordo com a temática de seu gosto, dentre outras formas de interação como a utilização de aplicativos em smartphones direcionados ao ensino de língua inglesa que trazem os conteúdos classificados em níveis de aprendizagem, envolvendo a prática da oralidade, leitura e escrita. Vale ressaltar que a aprendizagem de uma língua estrangeira necessita o agregamento adicional de mecanismos multissemióticos. Logo, o ensino-aprendizagem desse componente curricular não pode estar limitado somente ao ensino da gramática. Porque, “especialistas apontam que o principal avanço da BNCC para a língua inglesa — e também o maior desafio para a sua implementação — é a proposta do ensino com foco no uso, e não mais em uma lista de conteúdos gramaticais” (BRITISH COUNCIL, p. 13 2019).

A BNCC (BRASIL, 2018) indica o que cada aluno deverá ter desenvolvido ao término de cada ano escolar, para que ao final da educação básica ele tenha adquirido de modo geral as dez competências sugeridas nesse documento normativo. A competência expressa o objetivo da aprendizagem em relação àquilo que o aluno sabe e consegue fazer e não em termos simplesmente descritivos. Ademais, representa o aprendizado significativo e não apenas uma repetição de uma definição ou memorização de conceitos. Ela leva a uma ação, os conhecimentos colocados em prática para resolver uma situação complexa, que envolve atitudes e valores com o objetivo de formar cidadãos com a capacidade de agir ativamente em coletividade no meio social. Portanto, a BNCC (BRASIL, 2018) possibilita uma reflexão a respeito do uso dos currículos atuais nas escolas, quando provoca questionamentos de que as aprendizagens propostas já estão sendo contempladas. Para tanto, necessita-se a realização de estudos com os professores para um aprofundamento.

Por exemplo, uma boa estratégia para o ensino-aprendizagem de língua inglesa é o desenvolvimento de um trabalho a partir de textos autênticos que contemplem uma boa diversidade de gêneros, porque em sala de aula

à medida que passam a conhecer e a fazer uso dos vários gêneros discursivos, os alunos aprendem a controlar a linguagem, o propósito da escrita, o conteúdo e o contexto. É necessário também que se conscientizem de como a linguagem funciona para transmitir o conteúdo oralmente ou por escrito. Devem, portanto, aprender a organizar os diferentes tipos de conhecimento e de informação de acordo com a situação comunicativa específica (PINTO, 2002, p. 50).

Portanto, o aluno pode tornar-se protagonista de sua formação integral como sujeito capaz de atuar ativamente na sociedade, uma vez que “se levarmos em consideração a existência de uma multiplicidade de gêneros presentes no nosso dia a dia, reconheceremos que a apreensão desses gêneros tem efeitos sociais e ideológicos, pois à medida que ensinamos suas formas e possibilidades diferentes, os alunos se socializam com as estruturas e os sistemas de valores da sociedade” (PINTO, 2002, p. 57). O estudante poderá despertar a capacidade de reflexão quanto a si próprio, aos outros e ao contexto social no qual está inserido, interagindo com uma cultura letrada diversificada.

Nosso entendimento do estudo da língua inglesa é o de que tenha marcas identitárias e de singularidade de seus usuários para elaborar repertórios linguístico-discursivos desse idioma, usados em diferentes países e por grupos sociais distintos dentro de um mesmo país, de modo a reconhecer a diversidade linguística como direito e valorizar os usos heterogêneos, híbridos e multimodais emergentes nas sociedades contemporâneas (RIO GRANDE DO NORTE, 2021, p. 98)

Dessa forma, é necessário que os governantes fortaleçam as escolas para que o corpo docente possa prover situações que engajem os alunos para o desenvolvimento integral que proporcione um ambiente de confiança, participação e apoio aos professores e demais profissionais da instituição e a toda a comunidade escolar. A tecnologia possibilita várias oportunidades no ensino de língua inglesa para partir da realidade presente na escola e na vivência dos alunos no meio social. A qualificação do professor juntamente com as condições objetivas necessárias para que o ensino seja significativo repercute na aprendizagem do aluno. Por isso, é necessário que o docente esteja sempre em formação contínua, adquirindo novos conhecimentos e possua um perfil de pesquisador e autocrítico de sua prática pedagógica. Também, é fundamental haver coerência pedagógica entre as estratégias utilizadas nas situações de aprendizagem e aquelas propostas nas situações de avaliação. Isso significa, oferecer ao aluno inúmeras oportunidades para aprender e demonstrar suas aprendizagens (habilidades, conhecimentos, valores e atitudes) de modo a acompanhar esse processo e, sempre que necessário, reorientar as práticas pedagógicas para garantir essas aprendizagens. Além disso, o professor precisa ser um usuário da língua para contribuir com um ensino de qualidade, oferecendo vivências reais para seus alunos, para que possam usá-la em um contexto real de comunicação.

Através da língua inglesa é possível o acesso a um conjunto de signos, a forma de pensar, uma interação com a tecnologia e com a ciência. Entretanto, tem que partir da realidade local dos alunos, explorando a sua vivência. O trabalho a partir de gêneros textuais aproxima a sala de aula as práticas sociais, pois é fácil de ser ajustado as necessidades linguísticas e possibilita de maneira dinâmica o trabalho com os eixos norteadores indicados na BNCC, a saber: oralidade, leitura, escrita, conhecimentos linguísticos e dimensão intercultural. Logo, nesse componente curricular o professor tem a possibilidade de explorar diversos vídeos, documentários, reportagens, filmes, músicas, notícias, jogos online, diálogos, citações em blogs, comentários em redes sociais, explorando temáticas e conteúdo de outros componentes curriculares e outras áreas do conhecimento. Consequentemente, a língua é instrumento de ampliação cultural, crítica e social.

Assim, entendo a necessidade do trabalho com a língua inglesa, numa perspectiva de língua franca, como uma forma de se repensarem os papéis de professores e de estudantes, uma vez que a sala de aula é o ambiente propício à materialização e veiculação de contradiscursos. Principalmente um contradiscurso no sentido de proporcionar ao aluno o fortalecimento da sua identidade como estudante de língua inglesa no Brasil (CRUZ, 2016, p.329)

Nesse sentido, professores e alunos não devem se tornar alienados ao imperialismo econômico dos Estados Unidos, como também, considerar adequado apenas o inglês de países aonde essa língua é materna, como Reino Unido, Austrália, Canadá, Irlanda e nova Zelândia, mas compreender que esse idioma possui um número crescente de variantes, e não somente duas versões globais orientadas pelos padrões advindos das variantes hegemônicas, a americana e a britânica.

Com base na visão apresentada na BNCC (BRASIL, 2018) o currículo supõe o contexto, tempo, lugar e situação. Ele não é a relação das disciplinas lecionadas na escola, nem o conteúdo do livro didático e a grade de horário da escola. É um acordo sobre o que os alunos precisam aprender, sendo os acontecimentos, valores e comportamentos sobre os quais concorda-se para ser objetos de aprendizagem, ou seja, a comunidade escolar e a sociedade no geral. Ele é uma organização do saber que que tem o intuito de prover caminhos para que o professor o ensine e que, por sua vez, pode possibilitar aprendizagem dos alunos. Ademais, o currículo está relacionado a uma escolha de métodos estratégicos, de ensino, critérios de organização de tempo e espaço, como também, uma escolha de procedimentos para avaliar a aprendizagem. Nesse sentido, incluir a língua inglesa como componente curricular obrigatório na educação básica foi uma boa decisão, tendo em vista a sua importância para o desenvolvimento social, econômico e cultural do país.

Entretanto, apesar do avanço de um discurso a favor da posição ao Inglês como língua franca na BNCC, quando o documento indica a parte mais prática de trabalho com essa língua, ainda mantém uma visão tradicional de ensino de língua estrangeira e não consegue implementar ou demonstrar uma prática voltada para a língua em uso, o que em teoria, está exposto no discurso. Assim, há à necessidade de uma formação continuada de professores para as escolhas de seus materiais e formas de ensino a partir de contextos locais.

Considerações finais

É importante que as redes de ensino ofereçam condições para que ocorra um ensino-aprendizagem de língua inglesa com qualidade. Assim, é primordial a participação efetiva da comunidade escolar na gestão das escolas, buscando tornar as relações internas mais democráticas. A comunidade escolar possui a possibilidade de reconhecer o status dado à língua inglesa no contexto mundial como língua universal, oportunizando o aluno da escola pública a se apropriar de saberes essenciais para uma atuação como protagonista na sociedade. Além disso, pode ser ressaltada o relevante papel do professor desse componente curricular que batalha para dominar o idioma e usar metodologias ativas, mobilizando o aluno para atuar em práticas sociais, partindo do seu contexto local ao global, fazendo uso dessa língua.

Dessa forma, a escola pública diante dos desafios da sociedade tem como missão contribuir para a formação cultural e científica que possibilite o contato dos estudantes com a cultura fundamentada pela ciência, pela técnica, pela linguagem, pela estética e pela ética. Ela possui a capacidade de fortalecer a luta contra a exclusão social no intuito de contribuir para uma sociedade que ofereça oportunidades iguais para todos os alunos. A BNCC (BRASIL, 2018) estimula a inovação nas escolas quando propõe as aprendizagens através de metodologias e procedimentos para o desenvolvimento de habilidades e formação de competências nos alunos, abrindo caminhos para que o ensino seja mais focado no cotidiano dos alunos. A formação escolar do estudante deve enfatizar na cidadania e contribuir para um sujeito autônomo e crítico na sociedade.

Contudo, esse posicionamento é mencionado na BNCC (BRASIL, 2018) que reforça o desejo de uma formação humana voltada para a construção de uma sociedade igualitária, democrática e não excludente e a língua inglesa possibilita uma integração maior do estudante com o mundo contemporâneo, porque à medida que interagem com diferentes linguagens, costumes e culturas ele compreende seu contexto social local e é capaz de atuar ativamente. Logo, a visão da BNCC preconiza uma sociedade justa, democrática e inclusiva com oportunidades de igualdade para todos os estudantes, porém se contradiz, porque para obter êxito social esse aluno acaba sendo formado para se encaixar ou para servir a um sistema neoliberal, ou seja, competindo com outros aprendizes para ocupar melhores postos de trabalho. Desse modo, apesar de um discurso em favor dos diversos usos da língua inglesa no ensino, na prática, as sugestões do documento oficial continuam tradicionalistas.

É significativo que em tempos de tecnologia e informatização o currículo escolar se forme a partir das necessidades de cada instituição de ensino e de cada aluno, atendendo as demandas local, regional, nacional e global. Ele passa a ser definido como sendo todas as situações vividas pelo educando dentro e fora da escola, seu cotidiano, suas relações sociais, as experiências de vida acumuladas ao longo de sua existência, as quais contribuem para sua carreira estudantil. Pois, o desenvolvimento do currículo na escola está articulado ao processo de configuração da identidade dos educandos e às dimensões da vida cidadã, a saber: saúde, sexualidade, pessoas com deficiência, trabalho, ciência e tecnologia, linguagens, respeito aos direitos humanos, aos valores democráticos e ao meio ambiente, e é nesse intuito que as escolas podem trabalhar o ensino de língua inglesa, pela abrangência de fazer a conectividade com as temáticas de qualquer outro componente do currículo escolar.

Portanto, o currículo deve ser vivo, dinâmico, reinventado, e pode caminhar junto com as transformações sociais, propondo saberes para desenvolver habilidades que se transformam em competências e que possibilitam ao indivíduo uma formação crítica e ativa com capacitação para melhor resolver as situações problemas que surgem no convívio social. Desse modo, a língua inglesa é parte essencial desse processo, porque possibilita ao aluno que seja protagonista dos seus saberes para ganhar autonomia, tanto na aprendizagem como no uso do inglês como língua do mundo global, levando em conta a variedade de contextos de uso, usuários e funções dessa língua no mundo contemporâneo, de modo crítico, ético e responsável.

José Rosamilton de Lima - Mestre em Letras pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte - UERN. Vinculado a Escola Estadual Vicente de Fontes. E-mail: rosamiltonlima@hotmail.com

Notas

  1. students of general English (including those studying the language as part of their primary and secondary education) will not have such specific needs, of course, and so their lessons (and the materials which the teachers use) will almost certainly look different from those for students with more clearly identifiable needs (HARMER, 2012, p.11).
  2. a language achieves a genuinely global status when it develops a special role that is recognized in every country.
  3. English is not frequently learned as a tool for understanding and teaching U.S. or British cultural values. Instead, English has become a tool for international communication in transportation, commerce, banking, tourism, technology, diplomacy, and scientific research.
  4. Isso pode ocorrer através de gêneros de textos orais e escritos, impressos e em mídias digitais, em vídeos, em áudios, por meio da interação em grupos na escola ou em espaços fora dela, na realização de debates, pesquisas, dramatizações, seminários, entrevistas, produção de portfólios, podcasts, cardápios, quizz, vídeos, maquetes, infográficos e cartazes, tarefas no livro didático, dentre outros.
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Referências

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Recebido em: 02-abr-2022
Aceito em: 29-set-2022

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