Seção Livre
BABEL, Alagoinhas - BA, 2022, v. 12: e13196.
HANES, Vanessa; FORNELOS, Thalia Fagundes. A tradução de termos tabu em três obras fílmicas dramáticas: uma comparação entre legendagem, dublagem e fansubbing. Babel: Revista Eletrônica de Línguas e Literaturas Estrangeiras, 2022, v. 12, e13196.
A tradução de termos tabu em três obras fílmicas dramáticas: uma comparação entre legendagem, dublagem e fansubbing
The translation of taboo words in three drama movies: comparing subtitling, dubbing and fansubbing
Vanessa Hanes
Thalia Fagundes Fornelos
Resumo: O presente artigo visa explorar a tradução de termos tabu em três obras fílmicas do gênero dramático ((Eu, Tonya (I, Tonya, 2017), Três anúncios para um crime (Three Billboards Outside Ebbing, Missouri, 2017) e O Lobo de Wall Street (The Wolf of Wall Street, 2013)), vertidas do inglês para o português brasileiro, considerando-as sob uma perspectiva teórica sociolinguística e descritivista. Foram consideradas como corpus vinte ocorrências destes termos em diferentes modalidades da tradução audiovisual difundidas em diferentes mídias, incluindo: a) a legendagem e a dublagem de versões físicas oficiais distribuídas em DVD; b) a legendagem disponibilizada em plataformas de streaming; e c) a legendagem não-oficial feita por usuários da internet, prática conhecida mundialmente como fansubbing. Os resultados encontrados apontam, entre outras coisas, tendências atenuadoras de termos tabu mesmo nas traduções não-oficiais, sinalizando assim a possibilidade de auto-censura.
Palavras-chave: Termos tabu. Tradução audiovisual. Estudos Descritivos da Tradução.
Abstract: This article investigates the translation of taboo words from English into Brazilian Portuguese in three drama movies: I, Tonya, 2017), Three Billboards Outside Ebbing, Missouri, 2017 and The Wolf of Wall Street, 2013, considering these translations under a sociolinguistic and descriptive theoretical perspective. The corpus included twenty cases of taboo words in different modalities of audiovisual translation produced for different medias, including: a) subtitling and dubbing found in official hard DVD copies distributed in Brazil; b) subtitling available in streaming platforms; and c) non-official subtitles produced by internet users, a practice known worldwide as fansubbing. Among other things, the results point out to attenuating tendencies regarding the translation of taboo words, even in non-official translations, which in its turn could point out to the possibility of self-censorship.
Keywords: Taboo words; Audiovisual translation; Descriptive Translation Studies.
Introdução
Talvez por conta de sua natureza intrinsecamente desafiadora, os termos tabu são, até o momento, uma temática pouco explorada nas pesquisas voltadas à tradução audiovisual no Brasil (embora sejam já mais presentes em pesquisas que lidam com tópicos como traduções literárias)[1]. Montagu (2001) esclarece que o uso de termos tabu é vetado por vários segmentos da sociedade, incluindo desde famílias até instituições de ensino, e mesmo em veículos de comunicação, o que talvez serviria para atestar o interesse acadêmico relativamente baixo em investir tempo em um tema marginalizado. Mas o presente estudo se propõe a lançar luz sobre este fenômeno linguístico através de um estudo exploratório, uma vez que termos tabu são algo presente no cotidiano brasileiro mas, ainda assim, pouco estudado especificamente na sua relação com a tradução de obras fílmicas, nas quais muitas vezes abundam.
O termo tabu pode ter diferentes acepções, e por isso parece válido esclarecer inicialmente o que é compreendido como tal neste artigo. Os termos tabu abordados aqui são o que é popularmente denominado de “palavrão”, chamado ainda de calão; ou seja, visa-se lidar com a tradução de palavras ofensivas/ vistas como xingamento pela população do texto de partida e de chegada, não se levando em conta, por exemplo, expressões entendidas como tabu por conta de sua associação religiosa.
A tradução de linguagem tabu é compreendida pelas autoras Laver e Mason (2019, p. 130) como “a tradução ou adaptação de termos de alguma língua-fonte que pode causar ofensa em outra cultura para leitores ou ouvintes, ou para o público de filmes ou TV quando discurso oral, escrito ou sinalizado precisa ser dublado ou legendado”[2]. Estas autoras indicam que a adaptação apropriada destes termos é uma tarefa bastante delicada devido à necessidade de haver um equilíbrio entre, por um lado, os extremos da fidelidade ao texto-fonte e, por outro lado, a existência da censura na cultura-alvo. Ademais, indicam que a complexidade da terminologia tabu pode aumentar caso o entendimento do que é de fato tabu não seja uniforme entre a população de uma cultura-alvo específica. Ao discorrer sobre a tradução teatral, Hatim (2009) ratifica este ponto de vista ao afirmar que, embora as palavras tabu tendam a ser universais, o tempo e local de uso podem variar entre uma língua e outra.
Orsi e Zavaglia (2012, p.159) entendem que no contexto brasileiro “os palavrões dispõem hoje de um trânsito relativamente normal e com aceitabilidade social em diálogos do cinema, em filmes e conversas informais”. O estudo aqui apresentado busca averiguar, ainda que de modo bastante parcial, a realidade desta afirmação, investigando até que ponto nos dias atuais essa aceitação é realmente presente na transposição de diálogos em filmes traduzidos para o português brasileiro.
Uma vez que as autoras acima apontam uma relação entre a formalidade e o uso de termos tabu, pareceu também interessante investigar se haveriam diferenças entre a tradução realizada em um ambiente mais formal, com restrições específicas impostas por estúdios e distribuidoras, como aquelas encontradas em legendas de DVDs oficiais, e aquelas traduções realizadas em um contexto informal – no universo dos fansubbers, ou fãs legendadores.
Hanes (2011, p.1) define o fansubbing como um:
(...) fenômeno global e cultural recente, que surgiu concomitantemente com a proliferação da internet e de filmes no mercado negro, vídeos virais, e séries de TV. Tais traduções informais se encontram fora dos círculos oficiais, e geralmente representam o trabalho de tradutores autodidatas que tentam cobrir as brechas presentes no consumo cultural em tempo real.
De modo geral, portanto, o objetivo deste artigo é, através de estudos de caso utilizando como corpus três obras fílmicas do gênero dramático ((Eu, Tonya (I, Tonya, 2017), Três anúncios para um crime (Three Billboards Outside Ebbing, Missouri, 2017) e O Lobo de Wall Street (The Wolf of Wall Street, 2013)), verificar como termos tabu têm sido traduzidos em obras audiovisuais norte-americanas disponibilizadas para o público brasileiro, levando em conta a possibilidade de haver diferentes abordagens em diferentes modalidades tradutórias (dublagem, legendagem e fansubbing), bem como a possível influência exercida pelo formato de distribuição e consumo destas traduções audiovisuais (se através de DVDs oficiais, de plataformas de streaming, ou de modo não-oficial).
1. Referencial Teórico
Preti (2003), Ilari e Basso (2006) e Bagno (2007) afirmam que há uma dicotomia entre o português falado e a representação escrita da oralidade brasileira, situação a qual também se expande para a área de tradução, pois estudos prévios indicam uma maior elevação do registro do discurso direto traduzido da língua inglesa para a língua portuguesa no Brasil em obras literárias (Hanes, 2015) e em legendas de obras fílmicas (Collet, 2011). Por esta razão, a dublagem foi adicionada à pesquisa, pois assim seria possível perceber se há uma dicotomia entre as abordagens de termos tabu na língua escrita apresentada nas legendas e na língua dublada, estritamente oral.
Diante dos achados dos estudos citados acima e da própria experiência pessoal das autoras como público de obras fílmicas dubladas e legendadas, a hipótese inicial da pesquisa foi a de que se encontraria uma maior atenuação na tradução de termos tabu nas dublagens do que nas legendas oficiais e de streaming. E, devido à ausência de restrições, supôs-se inicialmente que as legendas de fãs possuiriam atenuações ainda menores do que as legendas oficiais e de streaming.
O estudo foi desenvolvido principalmente com base nos Estudos Descritivos da Tradução, tendo em vista portanto descrever como se dão os fenômenos tradutórios, explicando-os e compreendendo-os sem atrelá-los a juízos de valor. Segundo Toury (1995), todo contexto tem suas próprias normas tradutórias, ou seja, regularidades socialmente construídas que determinam como deve ser uma tradução para determinado público. E a ideia primordial deste estudo foi tentar observar indicativos de normas em relação aos termos tabu presentes em produtos audiovisuais traduzidos no Brasil.
O conceito de polissistemas de Even-Zohar (1990) também está atrelado a esta pesquisa, uma vez que aquele autor estabelece que a tradução faz parte de diversos sistemas dinâmicos co-existentes e que podem se transformar. Ademais, Even-Zohar aponta para a necessidade de uma “sub-cultura” para que repertórios canonizados de um sistema cultural não sejam fossilizados com o tempo, o que possibilita o estabelecimento de relações entre as traduções fílmicas oficiais com a crescente subcultura do fansubbing.
Para a compreensão global do fenômeno estudado, a saber, legendas e dublagens, foi necessário procurar apoio também em textos voltados especificamente para a tradução audiovisual.
Para pensar o processo de legendagem interlingual, lançou-se inicialmente mão dos pressupostos indicados por Gottlieb (1994), que aponta a complexidade da questão da tradução diagonal, ou seja, a passagem do discurso oral para o escrito, casando com as referências sociolinguísticas mencionadas no começo da presente seção. Diaz Cintas (2010), por sua vez, chama a atenção para o fato de que a legendagem é a forma de tradução audiovisual mais usada atualmente, pois legendas são mais baratas e mais rápidas de se produzir, o que atesta a sua prevalência tanto em canais de streaming quanto em diferentes fontes online disponibilizadas gratuitamente por fãs.
Trazendo o debate para o contexto nacional, vale indicar que tem ocorrido uma mudança no perfil brasileiro. Como apontava Franco (2011/2012) em escritos relativamente recentes, a utilização de legendas costumava ser o principal modelo tradutório de filmes nas salas de cinemas do Brasil. Com exceção de filmes infantis, a versão legendada de obras fílmicas era a preferência devido à prioridade que o público adulto dava para a escuta do idioma de partida. Franco (2011/2012) afirmava ainda que no Brasil a dublagem tinha relação direta com as altas taxas de analfabetismo no país, que influenciaram a histórica escolha de versões fílmicas dubladas para disponibilização de obras na televisão aberta brasileira. Mas esta prevalência da legendagem nos cinemas parece vir perdendo espaço: segundo dados divulgados pela revista Vision Business em 2020, uma pesquisa do Instituto Data Popular aponta que, no cinema, a opção de filmes dublados é a que mais agrada à maioria dos brasileiros respondentes, uma vez que, a cada dez, seis alegaram que preferem assistir a filmes dublados. E, ainda mais recentemente, Barbosa (2022) afirma que, de acordo com dados do website Ingresso.com, em 2021 mais de 73% dos tickets comprados no Brasil foram para filmes dublados.
Talvez a maior novidade abordada no âmbito deste estudo sejam as legendas elaboradas por fãs, casos nos quais usuários da internet sem treinamento formal legendam obras audiovisuais. Nesta modalidade tradutória, um grupo de fãs produz e distribui legendas de filmes e/ou séries, na maioria das vezes sem a autorização oficial das distribuidoras e dos criadores da produção fílmica. Como consequência, essa prática pode ser considerada ilegal. Em muitos casos, a produção de legendas feitas por fãs ocorre quando a obra não foi lançada oficialmente no país de chegada. Como indicado acima, o conceito de polissistemas e o uso do termo “sub-cultura” nos escritos de Even-Zohar podem ser aplicados para o entendimento deste fenômeno tradutório, pois, como coloca Remael (2010), o fansubbing tornou-se uma nova forma de legendagem diferente do modelo de produção adotado pelo comércio, sendo algo ainda novo e periférico no sistema de tradução audiovisual mundial mas que, aos poucos, ganha mais e mais destaque entre públicos específicos.
2. Metodologia
A primeira etapa para o desenvolvimento do estudo foi a seleção das obras fílmicas a serem analisadas, as quais foram escolhidas com base nos seguintes critérios: par linguístico (obras anglófonas traduzidas para o português), alto índice de termos tabu no idioma originário, gênero, janela diacrônica, distribuição e recepção. As três obras fílmicas norte-americanas selecionadas são do gênero dramático comercializadas durante a última década e com grande circulação e sucesso de bilheteria e crítica (todas as obras foram indicadas ao Oscar). Com base nos critérios elencados, os filmes trabalhados, conforme mencionado anteriormente, foram Eu, Tonya (I, Tonya, 2017), Três anúncios para um crime (Three Billboards Outside Ebbing, Missouri, 2017) e O Lobo de Wall Street (The Wolf of Wall Street, 2013).
Para que os dados levantados pudessem ser analisados eficientemente, optou-se por trabalhar com uma amostra das ocorrências em cada obra fílmica selecionada. Assim, foram consideradas as vinte primeiras ocorrências de discurso com utilização de termos tabu em cada uma dessas obras fílmicas, juntamente com as suas diferentes traduções. Para analisar e organizar estas ocorrências, foi desenvolvida uma tabela de seis colunas para cada filme (as tabelas completas são apresentadas abaixo). As colunas estão organizadas na seguinte ordem: fala original, legendas de fansubbing, legendas oficiais, legendas de streaming, dublagem e o tempo em que a ocorrência surge no decorrer da obra fílmica.
3. Resultados e análise de dados
O primeiro filme analisado foi Eu, Tonya. O filme biográfico e dramático de 2017 foi escrito por Steven Rogers e dirigido por Craig Gillespie. A trama explora a vida pessoal da patinadora norte-americana Tonya Harding e sua ligação ao ataque contra a rival Nancy Kerrigan em 1994.
As vinte primeiras ocorrências de termos tabu na obra fílmica acontecem nos momentos iniciais da vida de Harding, onde a patinação artística é apresentada à personagem ainda criança, e durante a adolescência da patinadora, quando Harding conhece Jeff Gillooly, seu futuro ex-marido.
Vale ressaltar que Eu, Tonya foi o único filme que não foi encontrado disponível em plataformas de streaming no momento de desenvolvimento da pesquisa. Logo, a tabela abaixo não contempla esta modalidade tradutória:
Original | Fansubbing | Legendas do DVD | Dublagem do DVD | Tempo |
"Which is a goddamned hat trick when you haven't got shit your entire life" | "Um feito e tanto para quem não ganhou merda nenhuma na vida" | "O que é um feito e tanto quando se não tem nada a vida toda." | "O que é surpreendente visto que a gente foi pobre a vida inteira" | 01:01 |
"a pretty crappy show that the 'legitimate' news outlets looked down on" | "Um programa horrível que os jornais de verdade ignoravam," | "um programinha ruim" | Um programa bem ruim (áudio por cima do voice-over) | 01:49 |
"So fuck'em" | "Então, fodam-se" | "Então que se fodam." | "Vão para o inferno" | 03:12 |
"Those bitches didn't know what hit'em" | "Aquelas cadelas não sabiam o que as havia atingido" | "Aquelas vadias não sabiam o que tinha passado por elas." | "Aquelas vadias nem viram o que atingiu elas" | 05:33 |
"Cause there's other places I'd rather fucking be" | "Porque há outros lugares onde eu poderia estar" | "Porque tenho coisa bem melhor para fazer." | "Porque só ta fazendo eu perder meu tempo aqui" | 05:50 |
"I didn't swear, you cunt" | "Eu não blasfemei, sua vagabunda" | "Nem xinguei, vadia" | "Cuida da sua vida" | 06:01 |
"Oh, shit" | "Merda..." | "Merda..." | "Caramba" | 06:44 |
"One fuckin' time" | "Uma maldita vez" | "Uma vez só. Só bati nela uma vez com uma escova de cabelo." | "Foi só uma vez. Bati nela uma vez com uma escova de cabelo" | 07:04 |
"Why she need a fucking fur coat? I don't have a fucking fur coat" | "Para que precisa de uma droga de casaco de pele? Eu não tenho um" | "Para que ela precisa de um casaco de peles?" / "Eu não tenho um!" | "Pra que ela precisa de um casaco de pele? Não tenho dinheiro pra isso" | 08:49 |
"She's 12 and she lands fucking triples. She doesn't fit in. She stands out" | "Tem 12 anos e faz triplos, ela não se encaixa, se destaca" | ""Ela tem 12 anos e faz saltos triplos! Ela não se encaixa, se destaca!" | "Ela tem 12 anos e faz triplos. Ela não se adequa, ela se destaca" | 09:01 |
"so she can fit in with these little shits" | "para que ela se encaixe com essas merdinhas" | "para ela se encaixar com essas merdinhas" | "pra ela se adequar nessa porcaria" | 09:23 |
"Lick my ass, Diane. She can do a fucking triple" | "Lamba meu rabo, Diane, ela pode fazer a merda de um triplo!" | "Vai se foder, Diane." / "Ela faz saltos triplos, caralho." | "Vá se ferrar, Diane. A menina consegue fazer um triplo" | 09:32 |
"I'm a gardener who wants to be a flower. How fucked am I?" | "Sou um jardineiro que queria ser uma flor. O quão fodida eu sou?" | "Bizarra é pouco." | "Tem coisa pior?" | 13:21 |
"You two fuck yet?" | "Já treparam?" | "Já transaram?" | "Vocês já transaram?" | 13:37 |
"It's like your superpower. It's fucking awesome what you can do" | "É como seu superpoder. É incrível o que pode fazer." | "É maravilhoso o que você consegue fazer." | "Eu acho incrível o que você faz" | 15:48 |
"You are so fuckin' pretty" | "Você é muito bonita" | "Você é linda pra caralho." | "Você é muito linda" | 16:31 |
"You're not having a conversation, you're just fuckin' yelling at me" | "Não está conversando, só está gritando comigo!" | "Você não está conversando, só está gritando comigo!" | "Você não ta conversando. Você tá gritando comigo" | 17:10 |
"Fuck" | "Merda!" | "Ei! Merda!" | - | 17:14 |
"...and the whole world shits" | "E o mundo inteiro desabou" | "E o mundo inteiro se choca." | "E o mundo inteiro parou" | 18:09 |
"This is bullshit. I never did this" | "Isso é besteira, eu nunca fiz isso" | "Isso é ridículo. Nunca fiz isso." | "Isso é ridículo. Eu nunca acertei ele" | 18:29 |
Tabela 1. Resultados referentes ao filme Eu, Tonya
O segundo filme analisado foi Três anúncios para um crime. O filme de 2017 foi escrito, produzido e dirigido por Martin McDonagh. A trama conta a história de uma mulher inconformada com a ineficácia da polícia em achar o assassino de sua filha. Esta personagem decide alugar três outdoors para atrair a atenção da cidade para o caso não-resolvido. A ação resulta em diversas mudanças no relacionamento entre policiais e pessoas da cidade. As primeiras vinte ocorrências de termos tabu neste filme acontecem durante o descobrimento da polícia sobre os outdoors e as primeiras tentativas de retirá-los. A plataforma streaming utilizada para assistir e analisar as legendas deste modelo tradutório foi a Google Play.
Original | Fansubbing | Legendas do DVD | Legenda de streaming | Dublagem do DVD | Tempo |
"and ya can't say, 'Fuck', 'Piss' or 'Cunt'. That right?" | "e não se pode dizer "porra", "mijo" ou "boceta", certo?" | "Nada difamatório, e não pode dizer "Foda-se", "puto" ou "xana". Certo?" | "Nada difamatório, e não pode dizer "Foda-se", "puto" ou "xana". Certo?" | "Imagino que não possa escrever nada difamatório, muito menos "merda", "puto" ou "xana", não é?" | 04:40 |
"Listen, you fuckin' beaner, i'd better start to get some straight answers" | "Escute, mexicano da porra, é melhor começar a me responder" | "Escuta, chicano desgraçado, é melhor começar a me dar respostas" | "Escuta, chicano desgraçado, é melhor começar a me dar respostas" | "Escuta aqui, ô chicano desgraçado, é melhor você começar a explicar as coisas" | 06:32 |
"Hey you! What the fuck is this?" | "Você! Que porra é essa?" | "-Você. Que porra é essa?" | "-Você. Que porra é essa?" | "Ô, você aí, que droga é isso aí?" | 07:08 |
"What the fuck is what?" | "Que porra é o quê?" | "Que porra é o quê? | "Que porra é o quê? | "Quê droga?" | 07:10 |
"and then we can have ourself a conversation about the motherfucking environment" | "depois conversamos sobre a porra do meio ambiente." | "daí podemos ter uma conversa sobre o maldito meio ambiente" | "daí podemos ter uma conversa sobre o maldito meio ambiente" | "aí a gente pode ter uma conversa séria sobre a porcaria do meio ambiente" | 07:58 |
"Fuck me" | "Puta merda" | "Ferrou" | "Ferrou" | "Cacete" | 08:23 |
"Dixon, you goddam asshole, I'm in the middle of my goddam Easter dinner..." | "Dixon, seu cuzão. Estou no meu jantar de Páscoa." | "Dixon, seu babaca. Estou no meio do meu maldito jantar de Páscoa" | "Dixon, seu babaca. Estou no meio do meu maldito jantar de Páscoa" | "Dixon, ô seu babaca, tô no meio do maldito jantar de Páscoa" | 08:33 |
"Did you put up those billboards to fuck with the cops yet?" | "Já colocou os anúncios para foder os policiais?" | "-Já colocou os outdoors? - Estão colocados." | "-Já colocou os outdoors? - Estão colocados." | "Já colocou os outdoors pra sacanear a polícia?" | 10:36 |
"You go fuck those cops up!" | "Foda esses policiais." | "Isso aí. Sacaneie aqueles policiais." | "Isso aí. Sacaneie aqueles policiais." | "Isso aí. Sacaneie aqueles policiais" | 10:39 |
"What the fuck do you think you're doing, Welby, buncha billboards like that, [...]" | "Que porra acha que está fazendo, Welby, pondo aqueles anúncios?" | "O que pensa que está fazendo, Welby?" | "O que pensa que está fazendo, Welby?" | "O que pensa que está fazendo, Welby?" | 10:44 |
"Ain't contravening no laws on propriety, ain't contravening no laws on any fucking thing" | "Não viola leis de propriedade, não viola nenhuma lei" | "Não estou infringindo as leis nem nada, cacete. Eu verifiquei." | "Não estou infringindo as leis nem nada, cacete. Eu verifiquei." | "Eu não tô infringindo as leis de propriedade nem nada. Tá legal? Eu verifiquei isso" | 10:56 |
"Book called 'Suck my ass, it's none o' your business'" | "O livro chamado "Me Chupe, Não É da Sua Conta" | "Um livro chamado: "Foda-se, Não é Da Sua Conta."" | "Um livro chamado: "Foda-se, Não é Da Sua Conta."" | "Um livro chamado "Não enche porque não é da sua conta" | 11:05 |
"Fuck" | "Porra" | "Merda" | "Merda" | "Droga" | 11:14 |
"Do you really wanna fuck with the Ebbing Police Department, Red?" | "Quer mesmo foder o Departamento de Polícia de Ebbing, Red?" | "Quer mesmo sacanear o Departamento de Polícia de Ebbing, Red? Quer?" | "Quer mesmo sacanear o Departamento de Polícia de Ebbing, Red? Quer?" | "Quer mesmo sacanear o Departamento de Polícia de Ebbing, Red? Quer?" | 11:42 |
"-Take that shit down -Take what shit down?" | "-Tire aquela merda -Tirar qual merda?" | "-Tire aquela merda. - Que merda?" | "-Tire aquela merda. - Que merda?" | "-Tira aquela merda lá. - Tirar quê merda?" | 12:21 |
"Do never fuckin' touch me, you motherfucker" | "Nunca toque em mim, seu filho da puta!" | "Nunca me toque, filho da puta" | "Nunca me toque, filho da puta" | "Se você me encostar a mão de novo, eu quebro a tua cara hein" | 12:33 |
"Fuck" | "Porra" | "Droga" | "Droga" | "Droga" | 13:23 |
"The time it's took you to come out here whining like a bitch, Willoughby" | "Perdeu tempo vindo aqui chorar feito vadia, Willoughby" | "Enquanto perde tempo aqui chorando feito mulherzinha, Willoughby," | "Enquanto perde tempo aqui chorando feito mulherzinha, Willoughby," | "Enquanto fica aqui chorando feito mulherzinha, Willoughby," | 15:46 |
"if it ain't the instigator of this whole goddam affair in the first place..." | "se não é o causador de toda essa confusão..." | "se não é o instigador desse maldito caso, pra começar." | "se não é o instigador desse maldito caso, pra começar." | "Olha quem tá aqui. O instigador desse caso" | 17:16 |
"I didn't instigate shit, Dixon..." | "Eu causei nada, Dixon" | "Não instiguei nada, Dixon" | "Não instiguei nada, Dixon" | "Não instiguei nada" | 17:20 |
Tabela 2. Resultados referentes ao filme Três anúncios para um crime
Por fim, o último filme analisado foi O Lobo de Wall Street. Este filme de 2013 foi dirigido por Martin Scorsese e escrito por Terence Winter. A trama conta a história de Jordan Belfort, um milionário que aplicou golpes em diversos investidores. As vinte primeiras ocorrências de termos tabu neste filme estão presentes na apresentação dos personagens e na chegada de Belfort ao mercado financeiro de Wall Street. Para este filme foi utilizada a plataforma Prime Video a fim de realizar a análise das legendas de streaming.
Original | Fansubbing | Legendas do DVD | Legenda de streaming | Dublagem do DVD | Tempo |
"Twenty five grand to the first cocksucker to nail a bullseye!" | "25 mil para o primeiro viado que acertar o alvo bem no centro!" | "$25 mil para o primeiro que acertar na mosca!" | "$25 mil para o primeiro que acertar na mosca!" | "25 mil pro primeiro zé ruela que acertar na mosca" | 01:33 |
"which really pissed me off because it was three shy off a million a week" | "O que me irritou porque era bem menos que um milhão por semana" | "Fiquei furioso, não chegava a 1 milhão por semana" | "Fiquei furioso, não chegava a 1 milhão por semana" | "O que me deixou possesso porque por pouco não foi um milhão por semana" | 02:02 |
"Yes, she was the one with my cock in the mouth in a Ferrari" | "Sim, ela era uma das que fizeram um boquete na minha Ferrari" | "ela estava com meu pênis na boca na Ferrari..." | "ela estava com meu pênis na boca na Ferrari" | "Era ela que estava com meu pau na boca na Ferrari" | 02:34 |
"I also gamble like a degenerate, drink like a fish, fuck hookers maybe five, six times a week" | "Eu aposto como um degenerado, bebo muito e fodo cadelas de 5 a 6 vezes por semana" | "Como vadias cinco, seis vezes por semana" | "Como vadias cinco, seis vezes por semana" | "Eu como putas umas cinco, seis vezes por semana" | 02:59 |
"See? Enough of this shit'll make you invincible" | "Vê? Um pouco desta merda lhe faz se sentir invencível" | "um tanto disto te faz invencível..." | "um tanto disto te faz invencível" | "um tanto disso aqui te faz invencível" | 04:43 |
"better food, better cars, better pussy" | "Melhor comida, melhores carros e melhores bucetas" | "dinheiro não dá só vida, comida, carros e mulheres melhores" | "dinheiro não dá só vida, comida, carros e mulheres melhores" | "O dinheiro não te compra só uma vida melhor, comida melhor, carros melhores, xoxotas melhores" | 05:02 |
"You can save the fucking spotted owl with money" | "de sua escolha. Você faz tudo com dinheiro" | "Pode salvar a coruja-pintada com o dinheiro." | "Pode salvar a coruja-pintada com o dinheiro." | "Você pode salvar a porra da coruja-pintada com o dinheiro" | 05:13 |
"I am 22 years old, newly married, and already a money-crazed little shit" | "Tenho 22 anos de idade, recém casado, e já sou um louco obsessivo por dinheiro" | "Tenho 22 anos, recém-casado e já sou louco por dinheiro" | "Tenho 22 anos, recém-casado e já sou louco por dinheiro" | "Tô com 22 anos de idade, recém-casado e já sou totalmente doido por dinheiro" | 05:23 |
"And till you pass your Series 7 that's all you gonna fucking be doing" | "E até você passar a Série 7 é tudo que você fará" | "E até pegar sua licença, é tudo que vai fazer" | "E até pegar sua licença, é tudo que vai fazer" | "E até você pegar a sua licença, é tudo o que você vai fazer" | 06:08 |
"I see you've already meet the village asshole" | "Eu vejo que você já conheceu o lugar" | "Vejo que já conheceu o idiota do pedaço" | "Vejo que já conheceu o idiota do pedaço" | "Já vi que conheceu o babaca de plantão" | 06:32 |
"And don't pick your fucking head up till one" | "E não levante a porra da sua bunda até uma da tarde" | "E não levante a cabeça até a 1h" | "E não levante a cabeça até a 1h" | "E não levante a porra da cabeça antes de 1 hora" | 06:36 |
"Hey, fuck him" | "Hei, foda-se ele" | "Dane-se ele." | "Dane-se ele. Sou o corretor sênior. Ele é um amador" | "Ele que se dane" | 06:39 |
"I fuckin' love that!" | "Eu amo isto porra!" | "Gostei disso!" | "Gostei disso!" | "Eu adorei isso" | 06:50 |
"Let's fuck!" | "Vamos fuder!" | "Bota pra ferrar!" | "Bota pra ferrar!" | "Bota pra foder" | 07:03 |
"Fuck this, shit that, cunt, cock, asshole" | "Foda-se, caralho, porra, otário" | "Droga isso, merda aquilo." | "Droga isso, merda aquilo. Mulher, idiota, imbecil" | "Porra isso, merda aquilo, xoxota, cacete, babaca..." | 07:10 |
"Yeah, fuckface! Look at where the stock's at today, huh?" | "Foda-se cara! Veja aonde você começou hoje, hein?" | "Retardado, veja a cotação da ação hoje" | "Retardado, veja a cotação da ação hoje" | "E aí, zé ruela? Viu as ações hoje?" | 07:22 |
"You motherfucker, you can't get any at forty" | "Filho da puta, você não irá chegar a lugar nenhum na 40" | - | - | - | 07:24 |
"Pick up the cocksucking phone!" | "Pegue a porra do telefone!" | "Atenda a merda do telefone!" | "Ás... [grita] Atenda a merda do telefone!" | "Pega a merda do telefone" | 07:27 |
"You are such a fucking douchebag, Hanna" | "Você é um maldito idiota, Hanna" | "Você é um grande babaca, Hanna" | "Você é um grande babaca, Hanna" | "Você é tão babaca, Hanna" | 07:32 |
"We don't give two shits about how technology works" | "Não nos importa como a tecnologia funciona" | "Não ligamos..." | "Não ligamos para a tecnologia..." | "A gente não ta nem aí pra como a tecnologia funciona" | 07:34 |
Tabela 3. Resultados referentes ao filme O Lobo de Wall Street
Para a análise dos resultados foram elencadas três estratégias tradutórias diferentes identificadas em todo o corpus, às quais optou-se por designar da seguinte maneira: literalidade, quando o termo tabu do idioma de partida é traduzido para um termo tabu de intensidade semelhante no idioma de chegada; suavização, quando o termo tabu presente na língua inglesa é traduzido para o português, porém perde o valor de termo tabu ou é atenuado; e omissão, quando o termo tabu na fala original não é traduzido para o português, desaparecendo completamente do texto-alvo. Embora Barbosa (1990) e Berman (2013) tenham propostas para a classificação de alguns dentre os fenômenos tradutórios observados no corpus, singularmente nenhuma das nomenclaturas propostas parecia contemplar todas as situações tradutórias efetivamente encontradas, e por isso optou-se pela proposição de uma classificação que difere parcialmente daquelas já presentes na literatura da área, incorporando porém elementos trazidos por elas.
Vale ressaltar que as vinte primeiras ocorrências consideradas no presente trabalho são baseadas nas falas originais das obras audiovisuais analisadas. Uma fala na qual dois ou mais termos tabu foram proferidos em uma única sentença durante um breve espaço de tempo foi computada como apenas uma ocorrência. Logo, alguns modelos de tradução e obras apresentaram números diferentes de casos. Desta forma, como resultado do primeiro filme (Eu, Tonya) tem-se uma maior ocorrência de omissões (12 casos) e suavizações (9 casos) do que de literalidade (1 ocorrência somente) na versão dublada; o mesmo número de ocorrências de literalidade e omissões (8 casos) e um menor número de suavizações (6 casos) são observados nas versões legendadas oficiais; e uma mesma quantidade de literalidade e suavizações (8 casos), com um número menor de omissões (6 casos) foram os dados observados na modalidade fansubbing.
Já em Três anúncios para um crime, é possível observar um maior número de suavizações (14 ocorrências) do que omissões (5 ocorrências) e literalidade (2 ocorrências) na versão dublada da obra. O mesmo acontece nas legendas oficiais de versões físicas e plataformas de streaming: nos dois casos, as legendas apresentaram 11 ocorrências de suavizações, 7 ocorrências de literalidade e 3 ocorrências de omissões na tradução dos termos tabu. Entretanto, nas legendas feitas por fãs, encontramos maior utilização da literalidade (16 ocorrências) do que de omissões (4 ocorrências) e suavizações (1 ocorrência).
Por fim, em O Lobo de Wall Street, a literalidade e a suavização dos termos tabu na dublagem foram encontradas em mesmo número (8 casos), enquanto a omissão apresenta-se em menor número (4 casos). Para as versões legendadas, a suavização aparece em maior número (10 casos), seguida pela omissão (7 casos) e por fim pela literalidade (3 casos). Já nas legendas produzidas por fãs,, notou-se maior uso da estratégia de literalidade (13 ocorrências) para traduzir os termos tabu do que da suavização (4 ocorrências) e da omissão (3 ocorrências).
Diante dos números encontrados, é possível concluir que a hipótese inicial do estudo foi parcialmente confirmada, uma vez que fica clara a existência de uma menor suavização dos termos tabu nas legendas feitas por fãs. Entretanto, uma descoberta inesperada também ocorreu: apesar da aparente ausência de restrições formais impostas aos fãs legendadores, muitos termos tabu ainda foram suavizados ou omitidos. Este achado abre portas para pensar sobre a possível presença de auto-censura na tradução dos termos tabu nas traduções feitas por fãs, fenômeno que, se observado em maior escala, levaria a reflexões mais amplas sobre as restrições sociais atreladas aos termos tabu abordadas por Montagu (2001), em conjunto com as escolhas tradutórias individuais. Este fenômeno já foi abordado em outras realidades (como a espanhola em um estudo realizado por Santaemilia (2008), mas ainda carece de ser estudado no Brasil e, até onde se observa, ainda não foi pesquisado em relação direta com as legendas desenvolvidas por fãs.
Outro ponto evidenciado pelos resultados é a maior ocorrência de termos tabu na dublagem do filme O Lobo de Wall Street quando comparada àquela do restante do corpus. Uma das supostas causas para a ocorrência desse fenômeno seria o fato dessa obra fílmica ter classificação etária para maiores de dezoito anos, o que pôde ser descoberto na capa do DVD oficialmente distribuído no Brasil, e não é o caso das duas outras obras analisadas. Logo, supõe-se a possibilidade de uma diminuição de atenuação dos termos tabu nas dublagens concomitante ao aumento da classificação etária, algo também a ser investigado mais a fundo posteriormente.
A observação das tabelas no tocante às legendas oficiais e àquelas utilizadas para streaming leva a outra descoberta: o aparente uso das legendas encontradas nas versões físicas previamente distribuídas em DVD também nas plataformas de distribuição online consideradas, uma vez que as legendas são exatamente iguais nos dois casos. Sabe-se que algumas plataformas, como a Netflix, contratam tradutores para a produção de legendas específicas para seus assinantes. Mas os achados do presente estudo indicam que alguns serviços de disponibilização de conteúdo audiovisual online, além de custearem os direitos de exibição do filme original, supostamente também pagam aos estúdios de tradução da versão física para reproduzir as legendas em suas plataformas, ocorrendo portanto uma terceirização da tradução. Ainda assim, as diferenças entre os objetivos finais das traduções audiovisuais produzidas (se visam ser utilizadas na TV aberta ou na TV por assinatura ou ainda via streaming, por exemplo) apresentam um desafio interessante para análises futuras, uma vez que sabe-se que há diferentes políticas tradutórias ou parâmetros aceitos para diferentes meios de distribuição.
A consideração dos resultados revela ainda uma diferença no tratamento do discurso traduzido e reproduzido de forma oral, ou seja, a dublagem, quando comparado ao discurso vertido somente no formato escrito (as legendas). Conforme já mencionado, há no Brasil um distanciamento entre o que é aceito por escrito e o que é aceito na modalidade oral de uso da língua portuguesa, mas na tradução de termos tabu em obras fílmicas a situação parece se inverter: ao contrário do que ocorre com a oralidade cotidiana, na qual são aceitos maiores desvios da norma padrão que incluiriam os termos tabu, o discurso dublado é mais comedido do que o legendado no sentido de minimizar a utilização de calão, enquanto que as legendas permitem maior liberdade ao tradutor, trazendo maior número de termos tabu. Ou seja, o palavrão escrito é mais recorrente do que o palavrão falado nas traduções fílmicas. Embora esta constatação não tenha sido uma surpresa graças à experiência prévia das autoras como espectadoras de obras fílmicas, a comprovação numérica reforça a necessidade de maior investigação sistemática deste aspecto da tradução audiovisual brasileira.
A considerável proximidade numérica entre legendas oficiais e legendas feitas por fãs leva a pensar de modo mais amplo em termos de polissistema de tradução audiovisual no Brasil, questionando assim se a existência da subcultura de realização de legendas não-oficiais não estaria, de certo modo, alimentando a produção de legendas oficiais, em um movimento no qual a subcultura estaria influenciando as normas tradutórias aceitas pela população brasileira, mudando-as aos poucos devido ao aumento da exposição às legendas não-oficiais. Embora conclusões deste tipo não possam ser alcançadas diante do presente estudo por suas dimensões modestas, parece válido trazer à tona o questionamento para posterior reflexão.
Não se pode ainda deixar de considerar as diferenças entre o par linguístico trabalhado. Construções gramaticais como a utilização de fucking como adjetivo em língua inglesa, abundantemente observada nas obras consideradas, não são transferíveis de forma literal e, em algumas circunstâncias, mesmo adaptações tradutórias resultam em estruturas linguísticas que poderiam causar estranhamento. Ademais, o peso dos termos tabu em diferentes pares linguísticos deve ser tratado com cuidado, pois o grau de ofensa acarretado por diferentes termos em diferentes línguas pode, até certo ponto, ser subjetivo, o que merece ser melhor problematizado. Estes breves apontamentos já indicam que questões estritamente linguísticas também podem ter um papel determinante nas escolhas tradutórias que envolvem omissões ou atenuações.
Por fim, vale indicar que a pesquisa apresentada foi limitada a somente um gênero fílmico, a uma janela temporal bastante restrita, e a produções fílmicas hollywoodianas de grande circulação. Assim, novos estudos que comparassem traduções de obras de diferentes períodos históricos e levassem em conta obras menos visadas e/ou originárias de outras nações acrescentariam muito ao entendimento global do fenômeno em tela. Abordagens comparativas com pesquisas já existentes voltadas à dublagem e legendagem de outros gêneros, como aquelas desenvolvidas por Crispim (2015) e Caetano (2017) lidando com a comédia, também seriam enriquecedoras.
Considerações finais
Embora a hipótese inicial do estudo tenha sido parcialmente comprovada conforme indicado na seção acima, e o seu objetivo geral enquanto estudo exploratório tenha sido alcançado, conclui-se que a pesquisa desenvolvida serve muito mais para revelar potenciais objetos de pesquisa futuros do que para realmente dar respostas definitivas a respeito da temática abordada, o que não é visto necessariamente como algo negativo, já que a relação entre a tradução de termos tabu e a tradução fílmica no Brasil é um tema ainda pouco explorado, e sua associação com o fansubbing, salvo engano, parece ser algo empreendido pela primeira vez no presente estudo.
Questões como a autocensura nas traduções realizadas por fãs, as diferenças linguísticas do par inglês-português ao considerar termos tabu, as diferenças entre o uso de língua portuguesa adotado na dublagem e na legendagem, as relações entre termos tabu e a classificação indicativa das obras traduzidas, as relações comerciais estabelecidas entre distribuidoras e empresas de streaming, e a possibilidade de repetição dos achados em outros gêneros fílmicos e em obras com diferentes perfis, são apenas algumas dentre as muitas possibilidades que podem ser vislumbradas enquanto futuros temas de pesquisa com base no que se percebeu aqui sobre a relação entre termos tabu e a tradução audiovisual no Brasil, comprovando sua relevância enquanto fértil território para investigação.
Vanessa Hanes - Universidade Federal Fluminense. E-mail: vanessahanes@id.uff.br
Thalia Fagundes Fornelos - Universidade Federal Fluminense. E-mail: thaliafagundes@id.uff.br
Recebido em: 21-nov-2021
Aceito em: 29-set-2022